RESTRIÇÃO EXTERNA E CRESCIMENTO ECONÔMICO DE LONGO PRAZO

November 21, 2017 | Autor: C. Drumond | Categoria: International Economics, Open Economy Macroeconomics
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Ver Drumond (2011) para um resumo da literatura sobre barganha salarial e inflação.

RESTRIÇÃO EXTERNA E CRESCIMENTO ECONÔMICO DE LONGO PRAZO

Carlos Eduardo Drumond
Doutor em Economia pela UFPR e professor do Departamento de
Economia da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC)
[email protected]




RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo prover uma introdução ao debate sobre restrição externa e equilíbrio de longo prazo. O texto é essencialmente de divulgação buscando, a partir de modelos simplificados, prover um instrumental analítico básico para estudantes, policy makers e profissionais interessados no debate econômico. Uma implicação fundamental da discussão sobre equilíbrio externo como restrição de longo prazo é o reconhecimento de que as economias não podem incorrer permanentemente em déficits externos. O equilíbrio externo é, portanto, um importante limitador do crescimento de longo prazo para economias com baixo nível de competividade externa.


PALAVRAS-CHAVE: Economia Internacional, Macroeconomia das Economias Abertas, Modelos de crescimento com restrição no balanço de pagamentos.


ABSTRACT: This paper aims to introduce the discussion about the external restriction to economy growth. This paper is essentially a discussion text in introductory level. The text aims, from simplified models, provide basic analytical tools for students, policy makers and professionals interested in the economic debate. A key implication of the discussion on BOP-constrained growth is the recognition that economies cannot permanently incur external deficits. The external balance is therefore a major limitation of long-term growth for economies with low levels of external competitiveness.

KEYWORDS: BOP-constrained growth, International Economics, Open-Economy-Macroeconomics.













INTRODUÇÃO

No campo tradicional da Macroeconomia as restrições de longo prazo são geralmente derivadas do modelo de Solow (1956) e de suas variantes microfundamentadas a partir dos modelos de Ramsey (1928), Cass (1965), e Koopmans (1965). A conclusão fundamental que o modelo de crescimento standard oferece é que o produto potencial de longo prazo das economias é determinado pela tecnologia que é uma variável do lado da oferta. Não há, portanto, nenhuma referência às possíveis restrições de longo prazo resultantes de desiquilíbrios externos (déficits em transação corrente). Mesmo na tradição da New Open Economy Macroeconomics, iniciada em grande medida pelos trabalhos de Obsfeld e Rogoff (1995, 1996), os déficits externos possuem papel coadjuvante, visto que déficits comerciais seriam sempre resultado da otimização intemporal dos agentes.
A despeito da pouca atenção dada pelo campo tradicional da macroeconomia aos déficits externos como limitadores do crescimento no longo prazo, desde pelo menos os anos cinquenta do século vinte a tradição cepalina elenca a restrição externa como uma importante restrição ao desenvolvimento de longo prazo. (PREBISCH, 1949; CIMOLI E PORCILE, 2013). De fato, para os países latino americanos, as crises no balanço de pagamento foram frequentemente o principal impedimento para a continuação de ciclos virtuosos de crescimento. Na tradição pós-keynesiana o debate sobre restrição externa e crescimento de longo prazo é geralmente iniciado a partir do modelo de Thirlwall (1979) e suas variantes. Mais recentemente Araujo e Lima (2007) estenderam o modelo de Thirlwall para o contexto multisetorial, incorporando a importância da mudança estrutural no debate sobre restrição externa e crescimento. Seja partindo da tradição pós-keynesiana ou da tradição cepalina, o ponto crucial é reconhecer que as economias não podem incorrer em déficits correntes de maneira prolongada. Como resultado lógico a taxa de crescimento de longo prazo das economias passa a ser uma função das elasticidades renda das exportações e elasticidade renda das importações, condicionadas em grande medida pela estrutura produtiva.
O presente texto tem como objetivo prover uma introdução ao debate sobre restrição externa e equilíbrio de longo prazo. O texto é essencialmente um texto de divulgação que busca, a partir de modelos simplificados, prover um instrumental analítico básico para estudantes, policy makers e profissionais interessados no debate econômico.
Embora o modelo de Thirwall seja considerado o modelo de partida neste debate, no presente texto, a discussão será iniciada a partir de um modelo de livro texto que conecta o conhecido modelo IS-LM-BP ao problema de longo prazo. O uso do modelo de economia aberta desenvolvido por Carlin e Soskice (2006, ch 10) como ponto inicial se justifica pela simplicidade deste modelo (compreensível quase que completamente por meio de gráficos) e pelo fato de se fazer nele (explicitamente) conexão entre o curto, o médio e o longo prazo. Além disso, ao contrário do que ocorre na tradição da lei de Thirwall, o processo de barganha salarial aparece como uma parte da dinâmica de ajuste das economias.
Na segunda seção será apresentado o modelo de economia aberta de Carlin e Soskice (2006, ch 10), na terceira seção o modelo de Thirwall e quarta seção o modelo de Araújo e Lima (2007). Como de costume, as conclusões encerram o texto.

2 – RESTRIÇÕES DE LONGO PRAZO E MACROECONOMIA ABERTA: UM MODELO SIMPLIFICADO DE LIVRO TEXTO

Nos livros texto de macroeconomia a determinação da renda em uma economia aberta é estudada usando o famoso modelo IS-LM-BP. Embora este modelo seja útil para compreender a eficácia relativa de políticas macroeconômicas em economias abertas, algumas de suas simplificações deixam de fora questões importantes. Em especial duas questões não são tratadas no arcabouço IS-LM-BP típico: O desemprego e o mercado de trabalho nas economias abertas e o equilíbrio em conta corrente como restrição de longo prazo. De fato no modelo IS-LM-BP, desde que haja plena mobilidade de capitais, déficits em transações correntes não representam nenhum problema. A fim de incorporar os pontos mencionados nesta seção será apresentado um modelo desenvolvido por Carlin e Soskice (2006, ch 10). O modelo deve ajudar a responder as seguintes perguntas:

Como o nível de emprego é determinado no curto prazo?
Que fatores determinam a taxa de desemprego e o nível de produto no médio prazo sem que existam pressões inflacionárias?
O que determina o equilíbrio de longo prazo? É possível que a inflação seja estável no médio prazo, mas os desequilíbrios na balança comercial tornem a situação insustentável no longo prazo?

Basicamente essas perguntas são respondidas estudando três equilíbrios distintos: 1) O equilíbrio de curto prazo da economia, isto é, o equilíbrio básico do modelo IS-LM-BP (com plena mobilidade de capitais). 2) O equilíbrio de médio prazo, isto é, o equilíbrio no mercado de trabalho, derivado de uma economia em concorrência imperfeita. 3) O equilíbrio de longo prazo, que diz respeito ao equilíbrio na conta corrente (balança comercial).

Inflação, Mercado de Trabalho e Demanda Salarial em Uma Economia Aberta
O modelo é construído sob a premissa de que no curto prazo os preços são rígidos e, portanto, são válidas as conclusões do modelo keynesiano de livro-texto (IS-LM-BP). Contudo, no médio prazo, o mercado de trabalho tende a se ajustar mudando o nível dos preços. O processo de ajuste de preço é feito pela barganha salarial entre as firmas e os trabalhadores, tal hipótese é muito similar a geralmente utilizada nos modelos pós-keynesianos. Neste processo de barganha, por se tratar de uma economia aberta, a taxa de câmbio real entra como uma variável chave, pois os trabalhadores, ao consumirem produtos importados, sofrem impacto da taxa de câmbio no salário real.
As firmas definem os preços por uma regra de mark-up da maneira seguinte:

p=μWa (1)

Onde p é o nível dos preços dos produtos domésticos, μ o fator de mark-up (que indica o poder de mercado das firmas), W o salário nominal e "a" os salários nominais. O índice geral de preços é dado por uma ponderação entre os preços domésticos e o preço dos produtos estrangeiros.

pc=1- p+ p*.e (2)
Onde p* e "e" a taxa de câmbio nominal. Sabendo que a taxa de câmbio real é Q=e.p*p, é possível, após algumas operações algébricas, combinar a equação (1) e (2) para encontrar o salário real efetivo determinado pelo mark-up das firmas, pela produtividade e pela taxa de câmbio real:
Wpc=aμ[1- + Q] (3)

Note-se que para cada nível de câmbio real o salário real efetivo será maior ou menor. Quando o câmbio real está mais apreciado o salário real efetivo dos trabalhadores é maior, já que estes podem consumir mais produtos importados com o mesmo nível de salário nominal. Analogamente, quando o câmbio real está mais depreciado o salário real efetivo dos trabalhadores é menor.
O mercado de trabalho estará em equilíbrio quando o salário determinado pela equação (3) for igual ao salário desejado pelos trabalhadores. A hipótese padrão sobre a barganha dos trabalhadores é de que quanto maior o nível de emprego da economia maior o salário desejado pelos trabalhadores. Uma forma alternativa é pensar que o nível de emprego e o produto da economia estejam fortemente relacionados de modo que o salário real desejado pelos trabalhadores Wpcwseja função do produto da economia y:

Wpcw=αy 4

O produto da economia compatível com equilíbrio no mercado de trabalho é encontrado igualando (4) e (3):
y*=aαμ[1- + Q] 5

O produto de equilíbrio de médio prazo é dado por um conjunto de pontos, de modo que para cada nível de câmbio real haverá um produto de equilíbrio de médio prazo diferente. Da equação (5) é possível definir uma "curva" que mostre as combinações possíveis entre câmbio real e produto para os quais o mercado de trabalho estará em equilíbrio. Esta curva será chamada de ERU em referência ao equilíbrio no mercado de trabalho (equilibrium rate of unemployment). Para pontos sobre a curva ERU o mercado de trabalho estará em equilíbrio, pontos acima da curva implicam que os trabalhadores recebem salários menores do que o desejado, acarretando em pressões inflacionárias. Para pontos abaixo da curva o mercado de trabalho estará em uma situação de folga, com os trabalhadores recebendo salários superiores ao desejado, de modo que as firmas poderão contratar mais ao mesmo salário, aumentando o produto.

yyQQ
y


y


Q

Q





ERUERU
ERU

ERU



Gráfico 1: O produto compatível com o equilíbrio no mercado de trabalho – elaborado com base em Carlin e Soskice (2006, ch10)

O lado da demanda e a balança comercial
O objetivo da seção anterior foi mostrar o equilíbrio do mercado de trabalho em uma economia aberta, i.e., a preocupação era focada no lado da oferta da economia. Para que a análise esteja completa, é preciso mostrar como ocorrem os ajustes do lado da demanda da economia. Carlin e Soskice (2006, ch 10) modelam o mercado de bens de maneira usual. Supondo que o mercado de bens esteja em equilíbrio tem-se que:

y=C+Ir+G+(XQ-MQ) 6
Em que, C é o consumo agregado, I é o investimento, que é função da taxa de juros "r", G é o gasto do governo e (X(Q)-M(Q)) as exportações liquidas, que são função da taxa de câmbio real. Os supostos básicos do modelo são: i) A condição de Marshall-Lerner é atendida. ii) Há livre mobilidade de capital de tal forma que a taxa de juros doméstica é igual a taxa de juros externa. ii) No curto prazo o equilíbrio IS-LM-BP é verificado.
É possível, assim, desenhar duas curvas no plano câmbio produto, uma representando a demanda agregada, chamada de curva DA, essa curva é positivamente inclinada, já que se sabe que depreciações cambiais tem impacto positivo na demanda agregada, via balança comercial. A outra curva também positivamente inclinada é a curva que considera o equilíbrio da balança comercial, essa curva será chamada de curva de BC, ela também é positivamente inclinada, já que quanto mais depreciada a taxa de câmbio maior o nível de produto compatível com o equilíbrio na balança comercial/conta corrente

QQyy
Q

Q

y


y


DADA
DA

DA

BCBC
BC

BC






Gráfico 2: A curva BC e a curva DA– elaborado com base em Carlin e Soskice (2006, ch10)

Todos os pontos sobre a curva DA indicam que o mercado de bens está em equilíbrio, em termos mais precisos, todos os pontos na curva DA são equilíbrios IS-LM-BP. Este é um equilíbrio verificado já no curto prazo e os mecanismos de ajuste desse equilíbrio são os usuais para uma economia aberta com mobilidade de capitais e preços rígidos. Pontos sobre a curva BC indicam que a balança comercial/conta corrente está em equilíbrio, i.e. X(Q)=M(Q). Pontos a direita de BC indicam déficits comerciais e pontos a esquerda de BC indicam superávits comerciais. Note que no curto prazo nada garante que o equilíbrio na balança comercial será verificado, uma vez que o equilíbrio IS-LM-BP não necessita que isso ocorra. O balanço de pagamentos pode estar em equilíbrio mesmo na presença de déficits comerciais, algo possível na presença de financiamento externo via fluxo de capitais. Existem evidências de que déficits comerciais não sejam eternamente sustentáveis. Embora no curto prazo os fluxos de capitais possam financiar a economia a partir de poupança externa, no logo prazo, de uma maneira ou de outra, o país terá que se ajustar ao equilíbrio na conta corrente, o que pode ocorrer de maneira mais suave, ou através de crises externas que forcem uma súbita desvalorização cambial.

Curto, médio e longo prazo analisados conjuntamente
O objetivo principal de Carlin e Soskice (2006, ch10) é construir um modelo para analisar uma "pequena" economia aberta para além do curto prazo. Em síntese o modelo pode ser sumarizado da seguinte forma:

i) O lado da demanda é representado pela curva DA, em todos os pontos da curva DA o mercado de bens está em equilíbrio e a taxa de juros interna é igual a externa r=r*. Trata-se do equilíbrio de curto prazo.

ii) O lado da oferta é representado pela curva ERU. Sobre a curva ERU o mercado de trabalho está em equilíbrio, de modo que o salário real desejado pelos trabalhadores é exatamente igual ao salário real ofertado pelas firmas. Note-se que sobre essa curva tanto a inflação como a taxa de câmbio real são constantes. Trata-se do equilíbrio de médio prazo.

iii) O equilíbrio na balança comercial é representado pela curva BC, desde que, por simplicidade não se diferencie a conta corrente da balança comercial, equilíbrios na curva BC representam situações em que não há acumulo de déficit ou superávit em conta corrente. Trata-se do equilíbrio de longo prazo do modelo.
DA0DA0
DA0

DA0

DA1DA1yyQQ
DA1

DA1

y


y


Q

Q

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A

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QC

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C

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ERU

ERU

y(Longo Prazo) y(Longo Prazo)
y(Longo Prazo)


y(Longo Prazo)



Gráfico 3: O modelo completo– elaborado com base em Carlin e Soskice (2006, ch10)

O gráfico acima ajuda a compreender a dinâmica de ajuste do modelo analisando os equilíbrios dos pontos A, B, C e Z.

Suponha que o governo tenha, via política cambial, desvalorizado o câmbio nominal levando a economia até o ponto A. O ponto A é um equilíbrio de curto prazo, uma situação em que o mercado de bens está em equilíbrio e o mercado monetário também (dada perfeita mobilidade de capitais). Note-se, contudo, que, para este nível de produto e taxa de câmbio real, a economia está acima da curva ERU, isto significa que os salários reais dos trabalhadores estão abaixo do que eles desejam ganhar, a barganha salarial faz com que os preços aumentem fazendo o câmbio real cair, o que faz com que as exportações percam competitividade e haja uma retração da demanda agregada. A economia se move sobre a curva DA de volta ao ponto B.

Tanto o ponto B quanto C representam equilíbrios de médio prazo, a economia está sobre a curva DA e ERU, mas não está sobre a curva BC. A inflação é constante nos pontos B e C porque o mercado de trabalho está em equilíbrio. Há um superávit comercial no ponto B porque este ponto está à esquerda da curva BC e déficit comercial em C porque este ponto está a direita de BC. Esses equilíbrios podem perduram por um período razoável de tempo, visto que os preços estarão estáveis, não havendo pressões salariais. No longo prazo, contudo, a situação de desequilíbrio externo (de déficit ou superávit) tende a não ser sustentável.

O equilíbrio de longo prazo acontece quando as três curvas se interceptam, no ponto Z, i.e., há equilíbrio no mercado de bens, de trabalho e também equilíbrio na balança comercial.

Quando a economia está fora do equilíbrio de longo prazo haverá uma situação ou de déficits na conta corrente ou de superávits. Na situação de superávit há um acumulo de ativos externos, aumentando a riqueza da sociedade, mas ao mesmo tempo criando déficits na conta de capital ao longo dos anos. A situação de déficit em conta corrente implica em perda de riqueza e acumulo de passivo externo. Quais as forças devem puxar das situações de déficit/superávit para o equilíbrio na conta corrente (no texto igual a balança comercial por simplicidade)? Carlin e Soskice (2006, ch 10) apontam três grandes forças que deverão/poderão puxar a economia para o equilíbrio de longo prazo, o efeito riqueza, as pressões de mercado e as pressões políticas. Essas três forças são sumarizadas abaixo:

Efeito riqueza: A mudança no nível de riqueza da sociedade (famílias e empresas) pode provocar uma mudança no comportamento do consumo agregado. Havendo déficits em conta corrente, as pessoas podem rever sua riqueza e a capacidade que possuem de consumir ao longo de vários períodos (revisão na renda permanente), visto que o país como um todo está acumulando dívidas. A diminuição do consumo move a curva DA para trás rumo ao equilíbrio de longo prazo. Por outro lado, quando há superávit em conta corrente, as pessoas podem perceber que há acumulo de riqueza (acumulo de ativos externos) e aumentam o seu nível de consumo, dada sua nova capacidade de consumir (revisão da renda permanente). De modo análogo a curva DA se moverá para frente, levando a economia para o equilíbrio de longo prazo.

Pressões de mercado: No modelo IS-LM-BP convencional prevalece a hipótese de que os países podem tomar ou emprestar capital a uma taxa de juros dada indefinidamente, desde que exista plena mobilidade de capitais. Na realidade não parece muito apropriado imaginar que os investidores internacionais estarão sempre dispostos a depositar mais dinheiro em um país. Se os fluxos de capital forem utilizados majoritariamente para financiar consumo em detrimento de investimentos, os investidores podem desconfiar da capacidade de pagamentos do país fomentando uma fuga de capitais. A escassez de crédito e a possível mudança no câmbio nominal devem forçar a queda no consumo levando a economia para o equilíbrio. Note que o governo pode acelerar o processo de ajuste fazendo política fiscal contracionista. Note-se também que mesmo os superávits recorrentes podem sofrer pressões de mercado, i.e., na presença de superávits recorrentes o país estará assumido mais ativos externos e, portanto, mais riscos. Ao mesmo tempo, quando maior o superávit em conta corrente maior o trade-off entre oportunidades internas de investimento e envio de capitais para o exterior.

Pressões Políticas: Pressões políticas para que países com déficits recorrentes em conta corrente façam ajuste recessivo são bastante comuns, especialmente nas economias latino americanas. No geral essas pressões vêm de organismos internacionais que desejam evitar crises, ou como parte de pacotes de socorro (em face a crises externas em andamento). Embora menos comuns, pressões sobre países superavitários podem ocorrer, isso acontece porque alguns países podem se sentir recorrentemente prejudicados com os superávits do país em questão e o acusar de promover políticas de empobrecimento do vizinho. Embora a economia política nesses casos seja bem complexa, casos como a relação China x USA e Alemanha x resto da zona do Euro mostram-se bastante emblemáticos.





Equilíbrio de longo prazo e competitiva externa
No modelo desenvolvido nesta seção o equilíbrio de longo prazo é uma variável dependente da competitividade externa da economia. Isto implica que, em economias com baixa competitividade externa, a curva BC interceptará as curvas DA e ERU para um nível muito baixo de produto. Esse é, possivelmente, o caso de países periféricos com elasticidade renda das exportações muito baixa e elasticidade renda das importações muito alta. Mudar essas elasticidades poderia, portanto, deslocar a curva BC para frente e para direita aumentando o nível de produto compatível com o equilíbrio externo. No modelo de Thirlwall, que será descrito na próxima seção, a relação entre equilíbrio de longo prazo e equilíbrio externo pode ser demostrada em termos dinâmicos, fazendo com que a taxa de crescimento (no longo prazo) seja uma função da competitividade externa das economias.
3- O MODELO DE THIRLWALL
O modelo de Thirlwall (1979) é um modelo de crescimento orientado por fatores da demanda. Em um esquema keynesiano típico adaptado para o longo prazo, os determinantes da renda (e do produto) é (assim como no curto prazo) o resultado da soma dos gastos com consumo, os investimentos e do saldo líquido entre as importações e exportações. Neste esquema, tem-se que as exportações constituem o único elemento realmente autônomo de um sistema econômico, no sentido da demanda advir de fora do sistema. Por outro lado, além da importância para a demanda, as exportações são também fundamentais para custear os requisitos de importação (de bens de capital) para o crescimento, ao mesmo tempo em que permitem que os outros elementos da demanda cresçam mais rápido do que ocorreria em outra situação.
O modelo de Thirlwall vem sendo usado como referência para as análises pós-keynesianas e estruturalistas. Este modelo diz que a trajetória de crescimento de uma economia depende das elasticidades renda das exportações e das importações, a chamada lei de Thirlwall.
Derivando a lei de Thirlwall
O primeiro passo do modelo é deduzir uma equação para as exportações:
X=Q-ηY*ε 6
Onde:
X=exportações
Q=câmbio real
Y*=renda do resto do mundo
η=elasticidade preço das exportações
ε=elasticidade renda [do resto do mundo] das exportações
O segundo passo é deduzir uma equação para as importações:
M=QψYπ 7
Onde:
M=importações
Y=renda interna
ψ=elasticidade preço das importações
π=elasticidade renda das importações
Definindo o câmbio real como:
Q=PP*E (8)
Onde:
P=preços internos
P*=preços externos
E=câmbio nominal
Impondo o equilíbrio na balança comercial como uma condição, tem-se que:
P.E.M=P*.X
Aplicando logaritmos naturais em ambos os lados da equação e derivando no tempo:
lnP+lnE+lnM=lnP*+lnX
PP+EE+MM=P*P*+XX 9
Chamando as taxas de mudança no tempo das variáveis por suas respectivas letras minúsculas, por fins de notação, tem-se que:
p+e+m=p*+x (10)
Repetindo o mesmo procedimento para a exportação e a importação obtém-se:
x=-ηq+εy* (11)
m=ψq+πy (12)
Substituindo (11) e (12) em (10):
p+e+ψq+πy=p*-ηq+εy*
πy=p*-p-e-ηq-ψq+εy* (13)
Como q=p+e-p* obtém-se:
πy=-1-η-ψq+εy* (14)
A hipótese utilizada por Thirlwall é de que, no longo prazo, a paridade poder de compra relativa seja válida, de modo que a taxa de variação do câmbio real no tempo seja nula. Sendo assim, a equação (14) resulta na expressão abaixo, que descreve a conhecida lei de Thirlwall:
y=εy*π (15)
A lei de Thirlwall implica que países com baixa elasticidade renda das exportações e alta elasticidade renda das importações estarão sujeitos, no longo prazo, à uma taxa de crescimento mais baixa, restrita pelo seu nível de competitividade externa. Mesmo partindo do lado da demanda, a lei de Thirlwall tem muito a dizer sobre fatores estruturais da economia relevantes para a dinâmica de crescimento. As elasticidades, que definem a trajetória de crescimento são, antes de tudo, reflexos da estrutura produtiva do país. Considerando que um país menos desenvolvido produza apenas bens com pouca tecnologia, ele enfrentará uma elasticidade renda das exportações por seus produtos muito baixas, o que efetivamente levará a taxas pequenas de crescimento do produto. Na lógica do modelo o comércio é notoriamente importante, contudo, para se aproveitar dos ganhos do comércio é necessária uma configuração favorável de elasticidades. Havendo uma configuração desfavorável de elasticidades o país local tenderá a não se aproveitar dos ciclos de crescimento da renda mundial.
Em termos de política é possível pensar nas elasticidades com variáveis sensíveis a política industrial e de mudança estrutural. O modelo de Araujo e Lima (2007), que será descrito na próxima seção, da ênfase aos aspectos de mudança estrutural em contexto de crescimento restrito pelo equilíbrio externo e pode ser visto como uma abordagem complementar a lei de Thirlwall original.
3- A LEI DE THIRLWALL MULTI-SETORIAL
Como indicado anteriormente, a relação entre elasticidades renda das exportações/importações tem relação com a estrutura produtiva dos países. É natural imaginar que países com estrutura produtiva concentrada em setores pouco dinâmicos tenham uma relação desfavorável de elasticidades e, portanto, baixa taxa de crescimento. Na tentativa de incorporar o debate estrutural de maneira explicita Araujo e Lima (2007) desenvolvem um modelo que combina o approach multi-setorial Pasinettiano (PASINETTI; 1981, 1993) com o modelo de Thirlwall.
A derivação completa do modelo de Thirlwall multi-setorial envolve um conjunto de restrições mais complexas do que a versão original (agregada) descrita na seção anterior. Uma forma simplificada de apresentação do modelo é encontrada em Romero e McCombie (2014), está derivação será reproduzida aqui.
Considere um país composto por i setores, cada um deles com diferentes elasticidades renda das exportações e importações, assim como elasticidades preços. Para este país, a equação das exportações e importações (em taxa de variação) é dada pelas equações seguintes:

x=i=1kσiηi pi-p*i-e+i=1kϕiεi y* (16)
m=i=1kωiψi p*i-pi+e+i=1kθiπi y (17)

As equações (16) e (17) são análogas às equações (11) e (12) com a diferença de apresentarem as elasticidades preço e renda, assim como os preços, para cada setor i da economia. Também aparecem nas equações (de maneira explicita) a participação relativa de cada setor nas exportações (ϕi) e nas importações (θi). Considerando mais uma vez o equilíbrio na balança comercial:

y=i=1kσiηi+i=1kωiψi pi-p*i-e+i=1kϕiεi y*i=1kθiπi 18

Valendo a hipótese de que os termos de trocas sejam constantes ao longo do tempo encontra-se uma versão multi-setorial da lei de Thirlwall:

y=i=1kϕiεi i=1kθiπi y* (19)

Uma das principais implicações do approach multi-setorial desenvolvido por Araujo e Lima (2007) é que a mudança nas elasticidades (agregadas) e, portanto, nas taxas de crescimento da economia, podem ser alcançadas não necessariamente por mudanças tecnológicas ou de preferências, mas, via mudança estrutural. Caso a participação relativa de um setor i com alta elasticidade renda das exportações aumente na composição das exportações totais, haverá aumento da taxa de crescimento de longo prazo da economia sem que haja mudança tecnológica ou de preferências. Pensando em termos do modelo desenvolvido na seção 2, é como se a mudança estrutural pudesse provocar deslocamentos da curva BC para a direita permitindo um produto maior no longo prazo compatível com o equilíbrio externo.

4- CONCLUSÕES
A literatura sobre crescimento restrito pelo balanço de pagamentos é razoavelmente difundida nos centros de pós-graduação em economia no Brasil, especialmente os de tradição heterodoxa, ainda assim, a difusão dessas ideias, apresentadas de maneira introdutória, pode ser útil tanto para policy makers como para estudantes.
O objetivo deste texto foi prover os conhecimentos básicos para se acompanhar o debate sobre crescimento restrito pelo balanço de pagamentos. O primeiro passo foi reproduzir um modelo de livro texto que combina a solução do modelo IS-LM-BP (curto prazo) com o processo de barganha salarial (médio prazo) e a questão do equilíbrio em conta corrente (longo prazo). O segundo passo foi derivar a famosa lei de Thirlwall sendo, finalmente, o terceiro passo apresentar a versão multi-setorial da lei de Thirlwall.
Uma implicação fundamental da discussão sobre equilíbrio externo como restrição de longo prazo é o reconhecimento de que as economias não podem incorrer permanentemente em déficits externos. A restrição externa aparece, portanto, como um importante limitador do crescimento de longo prazo, algo corroborado pela experiência história de países (como o Brasil) que estiveram inúmeras vezes sujeitos à crises no balanço de pagamentos.
Uma implicação política é que a restrição externa pode, eventualmente, ser contornada com um conjunto de políticas que modifiquem as elasticidades renda das exportações/importações. Tais políticas podem incluir questões ligadas à tecnologia e a inovação mas, também, podem incluir políticas de mudança estrutural que impulsionem o aumento na participação relativa dos setores mais dinâmicos na economia.
REFERÊNCIAS

Araujo, R. A. and Lima, G. T. 2007. A structural economic dynamics approach to balance of payments-constrained growth, Cambridge Journal of Economics, vol. 31, no. 5, 755–74

Carlin W.;Soskice, D. . Macroeconomics: imperfections, institutions, and policies. New York: Oxford University Press, 2006. 

Cass, D. (1965), Optimum Growth in an aggregative model of Capital Accumulation, Review of Economic Studies 32 (July): 233-240.

Cimmolli, M. ; Porcile, G. . Technology, structural change and BOP-constrained growth: a structuralist toolbox. Cambridge Journal of Economics, v. 38, p. 215-237, 2014.


Drumond, C.E. Notas Sobre Barganha Salarial e Inflação. Revista de Economia Mackenzie (Impresso), v. 9, p. 93-118, 2011.

Koopmans, T. C. (1965), On the Concept of Optimal Economic Growth, in The Economic Approach to Development Planning, Amsterdam: Elsevier.

Obstfeld, M. and K. Rogoff (1995), "Exchange Rate Dynamics Redux," Journal of Political Economy, Vol. 103, no. 3, June, pp. 624-660.
Obstfeld, M. and K. Rogoff (1996), "Foundations of International Macroeconomics,"Cambridge, MA: MIT Press.
Prebisch, R. 1949. El desarrollo económico de América Latina y su principales problemas, New York, United Nations, 1950

Pasinetti, L. (1981). Structural Change and Economic Growth—a Theoretical Essay on the Dynamics of the Wealth of the Nations, Cambridge, Cambridge University Press

Pasinetti, L. (1993). Structural Economic Dynamics – a Theory of the Economic onsequences of Human Learning, Cambridge, Cambridge University Press

Ramsey, F.P. (1928) : " A Mathematical Theory of Savings, "Economic Journal, 38, 543-559. Reimpresso como " Optimal growth, " Ch. 20 em Growth Economics, ed. por A. Sen. Harmondsworth : Penguin Books, pp. 477-495.

Romero, J. P. ; McCOMBIE, J. S. L The Multi-Sectoral Thirlwall's Law: evidence from 14 developed European countries using product-level data. In: International Conference of the Brazilian Keynesian Society, 2014, São Paulo. International Conference of the Brazilian Keynesian Society, 2014.

Solow, R. (1956). A contribution to the theory of economic growth. Quarterly Journal of Economics, LXX:65–94.

Thirlwall, A. P. 1979. The balance of payments constraint as an explanation of international growth rate differences, Banca Nazionale di Lavoro, vol. 128, 45–53





















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