Resumo e breve comentário de \"A morte de Ivan Ilitch - Leon Tolstói\"

June 24, 2017 | Autor: George Carlos Felten | Categoria: Literatura, Realismo, Resumo, Literatura Russa, Leon Tolstoi
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RESUMO E BREVE COMENTÁRIO DE “A MORTE DE IVAN ILITCH” DE LEON TOLSTÓI George Carlos Felten1

1. INTRODUÇÃO Um livro “que é impossível ler sem um frêmito de angústia e de purificação” 2. De fato, já havia lido esse livro uma vez e me lembrava vagamente da constância do sofrimento e da triste proximidade que temos de Ivan Ilitch. Agora, porém, ressaltarei alguns aspectos que são fortes e me parecem evidentes na leitura dessa obra de Leon Tolstói chamada “A morte de Ivan Ilitch”. No corpo do texto, farei uma leitura da história e nas notas, colocarei comentários que julgo pertinentes e que chamam atenção na obra. Por fim, uma conclusão buscará fazer um fechamento dessa leitura.

2. VIDA DE IVAN ILITCH - COMENTÁRIOS Ivan Ilitch é o que se pode chamar de homem medíocre3. Nascido em uma família que se compunha de um pai (um oficial em vários ministérios durante a vida), uma mãe (pouco referida no texto) e três filhos (o mais velho era muito parecido com o pai – frio –, o filho do meio era Ivan Ilitch – mediano –, e o mais novo era o mais rebelde – talvez envolvido nos “DCEs” do século XIX). Ilitch conclui seus estudos (e muito bem, por sinal). Era um rapaz equilibrado, muito consciente de seus atos (fazia tudo para ser cordial e passar a imagem de bom homem), bem regrado quanto aos seus deveres, mas sem deixar de lado a sua face boêmia, aproveitando sua juventude com os prazeres dessa época da vida. Logo consegue entrar no 10º escalão do serviço público e, ajudado pelo seu pai (que faz um arranjo bom), parte para ser o secretário particular e emissário do governador na província. Depois de algum tempo, Ivan consegue promoções e sobe de escalão. É notável o seu sentimento de superioridade para com os outros (embora por algum tempo, não tivesse muitos sob o seu poder). Porém, o texto fala que “Ivan Ilitch nunca abusou de sua autoridade, ao contrário, tentava suavizar o peso desta. Mas a

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Aluno do 6º semestre de Letras – UFRGS. Formando em Teologia – ULBRA (2015/2).

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Comentário de Paulo Rónai na contracapa da edição da L&PM Poket.

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No sentido de mediano, nem muito alterado, nem muito fixo.

consciência desse poder e a possibilidade de amenizar esse efeito só aumentavam o fascínio pela posição que ocupava”. (p. 24) Ivan Ilitch se casa (não por amor, mas porque não faria mal se casar). Sua esposa, Praskovya Fiodorovna era uma mulher bonita, inteligente, de posses, etc. No início, Ivan via o flerte como um jogo e, como muitas vezes acontece na vida humana, assim que ele conseguiu ganhar o tal “jogo”, a atração logo perdeu o interesse e começou o grande problema na vida de Ivan Ilitch. As brigas eram constantes e Ivan, como forma de se isolar dessas brigas, resolve focar no trabalho. Muitas vezes se trancava em seu escritório e estudava os casos para não ter que conviver com sua esposa. Quando era forçado a estar presente com a família, cercava-se de convidados, protegendo-se, assim, de qualquer ataque da esposa. A Praskovya começou, segundo a visão de Ilitch, a perturbar a ordem de sua vida. Assim, o trabalho passou a ser a válvula de escape para Ivan. O relacionamento dos dois é comparado a um mar, onde há pequenas ilhas de amor e sensualidade em meio a cinco oceanos de tédio e brigas. Ivan Ilitch vivia uma vida de aparências4. Nesse período, 3 filhos do casal morrem, restando apenas um filho até então. Chegou um momento da vida de Ivan Ilitch que ele se sentiu injustiçado por não conseguir uma promoção no serviço público e, para tentar diminuir os custos de sua vida, vai passar o verão na casa do cunhado, no campo. O ócio no campo o faz criar uma espécie de depressão e chega um ponto onde ele não agüenta mais e resolve ir a Petersburgo para tentar um cargo que ganhasse, no mínimo, 5 mil rublos (cerca de mil e quinhentos rublos a mais do que o atual emprego). Ele vai e contra o pensamento de todos, consegue o tal emprego, que o coloca acima de seus antigos colegas, os quais ele reclamava de injustiça. Porém, agora que ele estava por cima, ele assume a forma do “deixa disso” e se mostra superior novamente, esquecendo a tal injustiça. Eles se mudam para que ele possa assumir o novo cargo e ali se inicia a melhor fase na vida dos dois. Eles já têm outra filha, Liza, nesse momento e uma esperança, um

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Em diversos momentos do livro, o autor deixa claro que a aparência era tudo o que contava na vida de Ivan Ilitch. Porém, há de se perceber o quão problemático isso se torna no fim da vida dele. Quando ele realmente precisava de alguém presente, de verdade, sem aparências, não encontrou respaldo em sua família. De certa forma, a família retribuíra a ausência de Ilitch durante a vida toda, com a ausência deles para com ele no seu momento final. Muitos dizem que a pior morte que pode existir é aquela que se dá sozinho. Ao que tudo indica, Ilitch teve esta morte. O vazio da aparência é uma crítica firme nessa obra e talvez seja um reflexo da época vivida. A história aparece no século XIX, um século dominado pelo pensamento empírico, científico e não muito emocional. No entanto, o problema de Ivan Ilitch parece ser bem emocional e o vazio da depressão encontrado por ele não pode ser suprido a não ser em baixa escala por seu empregado.

suspiro de alívio se dá no relacionamento dos dois. Agora com mais dinheiro, com uma casa nova, e com muito serviço nessa nova casa, os dois vivem uma boa fase. A fase era tão boa que, em um determinado momento, Ivan estava em cima de uma escada mostrando a um empregado algo a ser pendurado e ao desequilibrar-se caiu, mas por ser ágil, apenas bateu com a maçaneta da janela em seu lado. Qualquer um iria ter se quebrado ou até mesmo morrido, mas Ivan Ilitch apenas bateu levemente no lado. O ferimento doeu um pouco, mas logo passou... Por enquanto. De resto, “a vida continuava. E tudo continuava do mesmo jeito, sem problemas, e era tudo muito agradável.” Mas como é verdade que “depois da tempestade vem a bonança”, assim também é verdade que “depois da bonança vem a tempestade”5. Essa pequena dor causada pela queda de Ivan Ilitch começa a avançar no sentido de uma constante pressão no lado que vem acompanhada de irritabilidade, desânimo e um gosto estranho na boca. Daí em diante foi ladeira abaixo. Ivan não conseguia mais suportar os que o rodeavam, o seu trabalho se tornou mais difícil, suas dores começaram a piorar e sua irritabilidade e seu temperamento explosivo também. As consultas nos médicos traziam uma mistura de esperança e consciência de que algo estava muito errado. Começou, então, a ter um pensamento: será que isso é, como dizem os médicos, apendicite/rim ou é a morte? Todos em sua volta tentavam ignorar essa segunda possibilidade, mas algo dentro de Ivan mostrava que isso era muito possível. Ele não tinha a atenção da família e se sentia um fardo depois de um tempo, conforme foi piorando. A dor física era tão grande quanto à psíquica. Ele dependia de todos aqueles que antes dependiam dele. O desespero era tamanho que ele pensou, em determinado momento, em cura por meio de umas imagens milagrosas que uma conhecida se referia. (talvez santos da Igreja Católica?) Embora rodeado de pessoas, Ivan sentia-se sozinho. As únicas companhias fiéis eram a dor e a consciência. A dor, em determinados momentos, era até 5

Há algumas mudanças importantes na vida de Ivan Ilitch. Ele era um menino que prometia. De fato, formou-se e logo conseguiu se dar bem. Porém uma mudança nos planos o deixou para baixo (a promoção que ele esperava não se concretizou). A depressão o pegou e em determinado momento ele decidiu mudar essa situação. Mais uma mudança aconteceu (essa para melhor). Agora ele estava num alto cargo e, como juiz, muito podia fazer. Porém a doença lhe trouxe outra mudança. Agora, o juiz não era mais ele, mas o médico. Ele era um mero condenado esperando a execução da pena proferida pelo médico. Porém outro paralelo é feito entre os médicos e o tribunal: assim como Ivan se submetia ao parlatório dos advogados (embora soubesse das mentiras que eles contavam), assim também Ivan se submetia aos relatórios dos médicos. Em seu trabalho, Ivan viu-se (10 anos atrás) em Schwartz que, com seu alto-astral, vitalidade e perfeição muito o irritava (p.54). Antes, ele mesmo era assim: disposta, jovem, etc. Agora, porém, ele estava do outro lado e percebia o quão irritante era.

personificada no delírio de Ilitch. Ela o olhava, afrontava-o, e ele apavorado enrijecia se perguntando se era real isso tudo. Agora, a jovialidade e o bem-estar dos outros à sua volta o davam raiva. Ninguém sofria como ele. Ninguém demonstrava (nem ao menos aparentava) sofrimento por ele. Ele estava só. Algumas ilhas de esperança na doença eram detectadas, mas logo a sua consciência o puxava para o alto mar do desespero. A morte estava chegando, mas isso não fazia sentido algum a Ivan Ilitch. Usando o silogismo aristotélico na lógica de Kiezewetter, ele concordava que “Caio é um homem, os homens são mortais, logo Caio é mortal”, mas ele não era Caio. Não podia ser. Um banho de lembranças o atormenta. Viveu sua vida regrada, direita e “perfeita”, e, por isso, não fazia sentido a morte. Qual o sentido nisso tudo? Por uma queda ridícula, toda a sua vida irá por água abaixo. Por uma maçaneta de janela, o seu corpo se desfaz em dores e delírios. E o pior de tudo é que ele tem consciência disso. Aparentemente, os únicos momentos de alívio nas dores de Ivan Ilitch eram quando seu empregado, Gerassim levantava as pernas de Ivan em seus ombros (às vezes durante a noite toda). Mas muito além de um mero levantar de pernas, Gerassim demonstrava ser sincero quanto ao seu chefe: não escondia sua pena, mas demonstrava sua vontade de ajudar. A pena de qualquer outra pessoa deixava Ilitch mais irritado, porém a do seu empregado o deixava aliviado. Alguém dava a atenção que ele tanto precisava. Os últimos momentos da vida de Ivan foram terríveis nos dois aspectos: as dores físicas e a consciência da proximidade do fim. Ilitch desejou, por vezes, que lhe administrassem mais morfina a fim de perder sua consciência. A aparente comoção de sua esposa e carinho para que ele seguisse as recomendações dos médicos não enganavam Ilitch. Ele sabia que tudo o que ela fazia, fazia para si e não por ele mesmo. Diz o texto: “Tudo que ela fazia para ele era inteiramente para si mesma, e ela costumava dizer a ele que estava fazendo por ela mesma o que de fato ela estava fazendo por ela mesma, como se isso fosse tão inacreditável que só pudesse significar o contrário.” (p. 81) A falsidade era tamanha e tanto influenciava Ivan que, em determinada noite, todos da casa saíram para ir ao teatro e ele se sentiu bem estando sozinho. Talvez aqui o dito popular “antes só do que mal acompanhado” caia bem. As perguntas do moribundo no capítulo 9 muito se assemelham às do personagem bíblico Jó. Aliás, muitos dos sofrimentos de Ilitch se assemelham aos de Jó: os amigos de Jó só davam conselhos

furados, insensíveis e falsos; Jó via nos amigos como ele mesmo era antes de adoecer; ambos sentiam dores inenarráveis e levam ao fato de que somente quem sofre o sofrimento é autorizado a falar sobre ele. A cena da morte de Ivan Ilitch é primorosa, fantástica e assustadora. Depois de confessar-se ao padre (o que lhe trouxe algum alívio)6 e de passar o tempo todo no sofá de um quarto separado dos demais integrantes da família, Ilitch passa três dias gritando horrivelmente. Então entra em colapso e suas lembranças da vida perpassam sua consciência. Enfim, entra num buraco negro onde vê uma luz no fim. A dor silencia e para Ivan Ilitch durante um único instante ele fica numa condição inerte (que para o tempo dos humanos ainda durou duas horas). Ele ainda podia ouvir alguém falando em sua volta (numa consciência semiconsciente): “acabou”. Ele reflete e diz: “a morte está acabada, não existe mais.” Assim, deu seu último suspiro, esticou o corpo e morreu. A primeira cena do livro que, cronologicamente é a última, trata-se do velório dele, onde os amigos do trabalho estão ali fazendo suas obrigações como ex-colegas. Mas Piotr Ivanovich parece sentir algo de estranho7. Parece que uma espécie de medo o atinge. Será que ele terá o mesmo fim. Tenta esquecer essa possibilidade e assim que pode se distrai com o whist (jogo de cartas que Ivan tanto gostava) para livrar esse peso na consciência. 6

O livro, embora traga perguntas retóricas que são importantes na Teologia como “o problema do sofrimento” (Se Deus é bom e todo-poderoso, por que o ser humano sofre tanto?), não se preocupa em mostrar uma visão cristã da morte. Em nenhum momento ficou perceptível alguma perspectiva depois da morte. Ivan, inclusive, em alguns momentos se pergunta se a morte é mesmo um fim. Para os cristãos, a morte não tem um fim em si mesma, tendo em vista que Cristo venceu a morte, 1 Co 15.54-57 (palavras muito similares aos últimos pensamentos de Ivan), e conquistou a vida aos que creem nele, Jo 11.25. Porém, no mínimo um caráter terapêutico é perceptível na confissão para o padre. Ivan se sente aliviado em colocar suas culpa para fora e receber a absolvição. Isso aponta para mais um fato da vida humana: embora ele tenha tido uma vida regrada, ainda assim tinha culpas. Talvez essas culpas apareçam, realmente, nos últimos momentos de vida, onde o fim é eminente e nenhuma outra perspectiva é vista. Disse alguém: “não há ateus na trincheira.” No entanto, de modo nenhum se deve supor que um cristão não tenha medo da morte. Parece-me que é impossível não ter medo dela. Porém para o cristão, ainda que minimamente, há uma esperança de um fim acompanhado de alguém que já sofreu aquilo que se está sofrendo, além de uma vida além dessa, sem sofrimento, sem morte, e sem choro. (Ap 21.3-4) 7

Certa hereditariedade pode ser percebida nesse texto. Ao que parece, Piotr é o único a sentir (ou demonstrar sentir) um sentimento real de pavor frente à morte de Ivan Ilitch. Esses sentimentos que Piotr tentava afastar com distrações eram muito similares com os que o próprio Ivan tinha quando começou a perguntar-se sobre a possibilidade de morrer. Este é o tom de terror que acompanhou Piotr e que acompanha a maioria dos leitores desse livro: qual a diferença entre Ivan Ilitch e eu? Será que eu mesmo não terei um fim assim? Quando será a minha vez? Serei eu o próximo “Caio”? O medo da morte (e principalmente da morte sofrida) é a ponta da consciência que atormentou Ivan e que atormenta o ser humano como um todo. Mais uma expressão popular pode ser trazida com uma adaptação: “O que a consciência não vê, o coração não sente”. Talvez o único alívio que o livro trás é que até mesmo o sofrimento tem um fim, mas a consciência desse fim é o que amplia a intensidade do sofrimento por antecipação. Talvez um animal não sofra tanto com uma doença terminal do que um ser humano justamente por esta falta de consciência da finitude.

3. CONCLUSÃO Este é um livro, de fato impactante que força o leitor a refletir sobre sua própria existência e finitude. Alguém disse que a única coisa certa que temos é a morte e que já nascemos morrendo. Mas é engraçado que, ainda que seja a coisa mais comum do mundo, não conseguimos nos conformar com ela. (seria um reflexo/traços de uma vida eterna que foi perdida?) O fato é que os sofrimentos de Ivan Ilitch são os sofrimentos de doentes terminais que não veem perspectivas de melhoras, não veem visitas reais, não se sentem acolhidos e compreendidos em seus sofrimentos. Um livro fabuloso que merecia ser lido por cada ser humano que minimamente se preocupa com a morte. Mas, cuidado, pois o próximo Ivan Ilitch pode ser Piotr, eu ou até mesmo você.

4. FONTE TOLSTÓI, Leon. A morte de Ivan Ilitch. Trad. Vera Karam. Porto Alegre: L&PM, 2014.

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