Retratos: Santa Lúcia do Piaí: Paisagens

July 27, 2017 | Autor: Luiza Iotti | Categoria: Historia Regional, História do Rio Grande do Sul, Caxias Do Sul
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Descrição do Produto

Eliana Rela Luiza Horn Iotti (Org.)

santa lúcia do piaí

Eliana Rela Luiza Horn Iotti (Org.)

santa lúcia do piaí

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL Presidente:

CONSELHO EDITORIAL DA EDUCS Adir Ubaldo Rech (UCS)

Ambrósio Luiz Bonalume

Asdrubal Falavigna (UCS)

Vice-presidente:

Cesar Augusto Bernardi (UCS)

Carlos Heinen

Jayme Paviani (UCS)

UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL Reitor:

Luiz Carlos Bombassaro (UFRGS)

Evaldo Antonio Kuiava Vice-Reitor e Pró-Reitor de Inovação e Desenvolvimento Tecnológico: Odacir Deonisio Graciolli Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: José Carlos Köche Pró-Reitor Acadêmico: Marcelo Rossato Diretor Administrativo: Cesar Augusto Bernardi Chefe de Gabinete: Gelson Leonardo Rech Coordenador da Educs: Renato Henrichs

Márcia Maria Cappellano dos Santos (UCS) Paulo César Nodari (UCS) – presidente Tânia Maris de Azevedo (UCS)

O ministério da cultura apresenta:

Organizadoras Eliana Rela Luiza Horn Iotti

Fotografia e reprodução de imagens Aldo Toniazzo

Autores Anthony Beux Tessari Cristiane Sebem Damo Eliana Rela Luiza Horn Iotti Mégui Pezzi Dal Bó Sandra Maria Favaro Barella Valdir dos Santos

Projeto gráfico Eduardo Rosa Iotti

santa lúcia do piaí

Apresentações

Introdução 11

Associação dos Moradores de Santa Lúcia do Piaí

I

Primeiros tempos: imigração; culturas; espaços

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Eliana Rela Luiza Horn Iotti

IV

Memórias do social: usos e costumes na vida cotidiana

Anthony Beux Tessari Cristiane Sebem Damo Eliana Rela

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Isidoro Zorzi Valdir dos Santos

II

Elementos Territoriais e Identidade

Mégui Pezzi Dal Bó Sandra M. F. Barella

V

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Verdes e azuis das matas e águas e dos céus nos olhos de quem vê Santa Lúcia do Piaí

Valdir dos Santos

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Eliana Rela Luiza Horn Iotti

III

Construções da Memória coletiva: tradição; oralidade; retratos

Anthony Beux Tessari Cristiane Sebem Damo Eliana Rela

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Linha Cronológica

136

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Apresentação

Sejam bem-vindos ao universo de Santa Lúcia do Piaí

S

omos a Associação dos Moradores do Distrito de Santa Lúcia do Piaí (Amod), entidade sem fins lucrativos, que nasceu a partir da organização de seus moradores, unidos principalmente pela necessidade de representatividade comunitária como um todo, buscando renovar e qualificar as relações entre os moradores, entre os que já foram

moradores e com a comunidade externa, visitantes, amigos e familiares. A Amod é ousada, seu foco é a identidade comunitária, é a valorização da nossa personalidade local, personalidade que

se desenhou a partir da história coletiva de muitas pessoas, olhando e resgatando o papel dos ancestrais que desbravaram as terras onde estamos. Queremos ser a voz e a imagem dos moradores de Santa Lúcia do Piaí. Nossa associação nasceu com o olhar distribuído entre vários pontos que consideramos importantes do ponto de vista social e cultural: - preocupação com a valorização de nossa gente, ou seja, a identidade que define o jeito de ser das famílias e dos grupos que moram no interior, e valorização de seus hábitos e costumes;

- preocupação com a preservação de valores familiares e comunitários nos aspectos cotidianos: trabalho, família, integração, convivência social, valorização de nossas tradições;

- preocupação com as vertentes que construíram a nossa realidade de hoje, a presença e o papel dos colonizadores, os ciclos que fizeram parte do plano econômico e social da nossa área territorial;

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- preocupação com nosso patrimônio cultural, desde os aspectos materiais, docu-

mentais e arquitetônicos, passando pela paisagem rural e por seus protagonistas;

- preocupação com o crescimento cultural

e acesso aos bens culturais dessas pessoas, que são trabalhadores rurais e que não

convivem com outros espaços e grupos sociais com frequência;

- preocupação com o resgate das pessoas

que nasceram em Santa Lúcia do Piaí e que hoje vivem em diferentes locais, distanciados de suas origens, lembranças e de seus costumes;

- preocupação com a identidade coletiva da comunidade como o maior patrimônio a ser respeitado, e em alguns aspectos a ser

recuperado, com o usufruir desses aspectos

e com a preservação desse conjunto mate-

Sede AMOD

rial e imaterial legado ao futuro.

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Apresentação

Assim, somos uma associação que está direcionando, desde sua criação em 2009, seus esforços no mapeamento de Santa Lúcia do Piaí e de suas potencialidades turísticas e promocionais, além da valorização de elementos, já inseridos no olhar comunitário, como o Projeto Água Azul, que contempla a nossa mais tradicional referência turística. Também conseguimos, com o apoio das esferas municipal, estadual e federal, recursos que possibilitam a edição desta obra, sobre a história e presença de Santa Lúcia do Piaí, e os primeiros passos para a construção do Memorial da Cultura Regional de Santa Lúcia do Piaí, e está atenta ao que pode ser feito para consolidar relações das pessoas e entre as pequenas comunidades que integram o distrito, propondo outros projetos nessa linha de valorização de nossa gente. Todas as ações acima elencadas e outras que fazem parte do nosso calendário comunitário são iniciativas de fôlego para uma comunidade de produtores e trabalhadores rurais, de micros e pequenos empresários, estudantes, comerciantes, funcionários públicos, professores e donas de casa, num universo de pouco mais de três mil pessoas. Somos uma pequena parcela do Município de Caxias do Sul; somos cerca de 3 mil habitantes, a maioria morando e trabalhando, como fizeram as gerações anteriores, em nossas terras, mas queremos contar, desde hoje, com seu apoio e sua participação em nossos feitos. Apreciem nossos projetos, pois estar lendo esta mensagem é o resultado de uma das nossas iniciativas, ou seja, um livro para ver, lembrar e conhecer Santa Lúcia do Piaí. Aceitem nosso convite. Conheçam nossa comunidade, sejam bem-vindos ao universo emocional de Santa Lúcia do Piaí!

Jorge Luís Andreazza Presidente do Conselho

Alex Gazola

Presidente Executivo (2013-2015)

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Apresentação

Santa Lúcia do Piaí e sua identidade

S

anta Lúcia do Piaí é um dos seis distritos do Município de Caxias do Sul, que se destaca, no cenário econômico, pela sua pujança centrada na produção de hortifrutigranjeiros. Num espaço de 168 km² vivem em torno de 800 famílias, que somam aproximadamente 2.800 habitantes. Anualmente produzem toneladas de frutas e holerí-

colas, gerando um PIB invejável. Esta base física e econômica, mesclada com as características de campo e colônia, ajudou a criar uma identidade própria que distingue esta comunidade das demais. Além da conservação dos padrões culturais comuns a toda esta região, quais sejam, a valorização da religião e do trabalho, o Distrito de Santa Lúcia do Piaí é o guardião de uma localidade bucólica chamada Água Azul. Trata-se de uma das onze pequenas comunidades, que formam este distrito, vocacionada para o desenvolvimento do turismo religioso e a preservação da memória do Pe.Cristovão de Mendoza, sacerdote jesuíta, considerado o introdutor do gado no Rio Grande do Sul e, segundo a tradição, trucidado pelos nativos da região em 1635. É nesse contexto que funciona a Associação dos Moradores, entidade que tem apresentado propostas e atividades culturais, dentre as quais destacamos este projeto: a publicação de um livro com conteúdo significativo e alta qualidade estética e gráfica, que consolida o Distrito de Santa Lúcia do Piaí, como um referencial notável no que diz respeito ao conceito e à vivência da autoestima de seus moradores. A publicação, com segurança e clareza, faz o registro das pessoas que construíram a sua história e mostra a realidade contemporânea, propondo um equilíbrio entre o que se fez, o que se faz e como pretende agir em favor da sua identidade cultural e social.

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Cabe ainda, nesta apresentação, destacar que o patrimônio maior de Santa Lúcia do Piaí é seu perfil de fortes acentos rurais, com sua gente vivendo em ambientes onde a memória se exercita, tranquila e constante, na prática cotidiana do cultivo da terra e das tradições, bem como o respeito ao trabalho, comportamento e às atitudes desencadeadas pelos primeiros moradores, para vencer os desafios de viver, e sabiamente respeitado pelos seus descendentes, que com jeito discreto e digno fortalecem o perfil e o patrimônio desta que é uma das mais belas regiões do nosso estado.

Isidoro Zorzi Professor

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Valdir dos Santos Escritor

Introdução

S

anta Lúcia do Piaí encontra-se em um local estratégico: está localizada entre a Região da Uva e do Vinho e a Região das Hortênsias. Sua história remonta ao século XVII, quando os espanhóis entraram em contato com os indígenas locais. Posteriormente, a imigração europeia veio contribuir com o desenvolvimento da comunidade.

Desse olhar, surgiu a proposta do livro, com o objetivo de reunir fontes sobre essa rica história, através de pesquisa em diversos locais, de entrevistas e do registro, através de fotografias, da sua cultura material. A ideia inicial, que ora se concretiza, foi a de tornar a história de Santa Lúcia do Piaí acessível à sociedade, como forma de contribuir para sua preservação. Memória e identidade coletivas fazem parte de um mesmo processo. Para reconhecermos como se dá a construção da identidade de um grupo é necessário utilizar, como fonte, suas memórias. Um dos autores que relaciona identidade e memória é Michael Pollak, que usa o termo identidade como a imagem que uma pessoa constrói e apresenta aos outros, e à si própria; construção que se realiza ao longo de um percurso histórico, situado. A identidade, ainda segundo o autor, é constituída por três elementos fundamentais: a unidade física, as fronteiras de pertencimento ao grupo; a continuidade dentro do tempo; e o sentimento de coerência, ou a unificação dos elementos que formam o grupo. Sobre memória, o mesmo autor diz que a referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e das instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar, sua complementaridade, mas também as oposições. A memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar, se integra em tentativas mais ou menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais

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entre coletividades. Identidade, então, é uma manifestação ligada à memória coletiva, ou à dimensão do pertencimento social, no qual memórias são compartilhadas, existindo a percepção da diferença em relação ao outro, isto é, a identidade se constitui em relação à alteridade. Portanto, tomar a memória da comunidade de Santa Lúcia do Piaí, como abordagem para a construção da sua identidade e potencializar o diálogo entre sua história e o contexto sociocultural, foi o princípio norteador deste livro, que se encontra organizado em cinco capítulos, de diferentes autores, unidos sob essa ótica. No primeiro capítulo, Eliana Rela e Luiza Horn Iotti procuram contextualizar os primeiros tempos do Rio Grande do Sul, sua colonização e as correntes imigratórias. No segundo capítulo, Mégui Dal Bó e Sandra Barella apresentam o tema: “Elementos territoriais e identidade”, em que buscam abordar as transformações ocorridas ao longo do tempo, através do método de dedução sobre dados físicos mapeados segundo critérios de evolução da ocupação territorial. Para tal, estabelecem três períodos: de 1635 a 1889, de 1889 a 1953 e de 1953 a 2012. No terceiro capítulo, Anthony Beux Tessari, Cristiane Sebem Damo e Eliana Rela aprofundam e discutem o conceito de memória coletiva, trazendo três acontecimentos que marcam a história do Distrito de Santa Lúcia do Piaí e que são compartilhados nas lembranças dos moradores e transmitidos entre as gerações – são eles, o “milagre” da cura do menino enfermo Onorino, que serviu como prova para a beatificação da religiosa austríaca radicada no Brasil Bárbara Maix; a instalação da Ordem dos Monges Camaldulenses, congregação medieval, originária da Toscana, que fundou seu primeiro mosteiro no Brasil, na região de Santa Lúcia do Piaí; e o “martírio” do Padre Jesuíta Cristóvão de Mendoza, suposto introdutor do gado no Rio Grande do Sul, que serve de mito fundador da localidade de Água Azul.

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Os mesmos autores assinam o quarto capítulo, cujo destaque é para os usos e costumes que se expressam no cotidiano dos moradores de Santa Lúcia do Piaí, em diferentes momentos históricos. Tal cotidiano é narrado pelos próprios sujeitos históricos que lhe dão existência, através do trabalho comum, das festas, dos ritos de passagem, das práticas educacionais, da gastronomia, das relações em parentesco e em sociedade. No quinto capítulo, Valdir dos Santos descreve, em forma de crônica, o dia a dia dos moradores de Santa Lúcia do Piaí. Para concluir esta obra, foi incluída uma linha do tempo, que situa o leitor nos principais acontecimentos da história de Santa Lúcia do Piaí. Além da narrativa escrita que os autores apresentam, esta obra também é constituída por uma narrativa visual, produzida pelo fotógrafo Aldo Toniazzo, cujo olhar foi habilmente direcionado para captar retratos e paisagens de Santa Lúcia do Piaí, ou a essência de sua cultura. Desejamos a todos uma boa leitura, e agradecemos a Associação de Moradores do Distrito de Santa Lúcia do Piaí pela confiança no trabalho que esta equipe, com cuidados e dedicação, desenvolveu, e que com orgulho entrega à comunidade. Eliana Rela e Luiza Horn Iotti

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Capítulo I Primeiros tempos: imigração; culturas; espaços Eliana Rela Luiza Horn Iotti

A praticidade da História apóia-se sobre uma precisa neces-

sidade social e cultural, ou seja, a exigência operativa de que todo grupo humano tenha consciência de seu passado coletivo. NÚNCIA SANTORO DE CONSTANTINO

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Apresentação

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Primeiros tempos: imigração; culturas; espaços O Rio Grande do Sul possui, na narrativa de sua ocupação, diferentes etapas e modos de garantir o espaço, bem como tornar a província economicamente produtiva e politicamente ativa. Dentre as etapas é possível destacar o modo de vida dos primeiros habitantes de grupos indígenas; o aldeamento destes nas reduções jesuíticas; o modelo de distribuição de terras denominado sesmarias, que se ocuparão da criação de gado; e o modelo de implemento da pequena e média propriedade, com base na imigração de europeus, dentre os quais participaram alemães, suíços, poloneses, austríacos e italianos. Estes últimos chegaram em grande número, por décadas seguidas. Em termos gerais, o sistema de reduções estruturou-se sobre a liberdade do índio, a propriedade da terra, o pagamento de impostos e as obrigações de prestação de serviço militar. Essas variáveis integradas tinham como função atingir objetivos econômicos, sociopolíticos e culturais na integração do índio ao mundo dos brancos. Por volta da terceira década do século XVIII, a Coroa portuguesa concede sesmarias, basicamente, em troca de serviços prestados (militares e tropeiros). As sesmarias eram terras devolutas que podiam alcançar seis léguas, sendo destinadas em geral à criação de gado. Até meados do século XIX, no Brasil, a economia estava assentada na monocultura escravista. A substituição da mão de obra escrava pela mão de obra livre foi um ponto fundamental a ser resolvido. Outro ponto foi a política de terras que complementou o primeiro. A substituição da mão de obra obteve solução no que era um problema europeu: o excedente populacional.

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Primeiros tempos: imigração; culturas; espaços

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No Rio Grande do Sul, o Império brasileiro adotou uma política de colonização, ou seja, a de estabelecer os imigrantes em pequenas propriedades, com vistas à produção de produtos agrícolas para o abastecimento do mercado interno. Foi dada preferência aos imigrantes europeus, em especial, pela crença existente entre as autoridades brasileiras, em especial dos presidentes da província e do Estado do Rio Grande do Sul, que eles representariam a aceleração do processo civilizatório no território gaúcho, trazendo o progresso e o desenvolvimento, constituindo-se, assim, no agente modernizador e transformador da sociedade e da economia gaúcha e brasileira. Os governantes gaúchos esperavam que o imigrante contribuísse para tirar o Rio Grande do Sul da situação de atraso, ao trazer consigo diferentes experiências agrícolas e de criação de gado, novas técnicas artesianas e hábitos de vida diversos dos das populações existentes. E, para tal, tanto o governo brasileiro quanto o gaúcho investiram somas consideráveis na importação de trabalhadores europeus, procurando garantir a todo custo o sucesso deste investimento. A maioria das autoridades louvava as qualidades dos europeus, argumentando que sua introdução representaria um importante papel para o desenvolvimento do processo civilizatório na província e, consequentemente, no País. Entre as qualidades destacadas, estavam a disposição para o trabalho, o caráter morigerado, a índole pacífica e ordeira. José Fernandes da Costa, ao passar o cargo para seu sucessor, em 1872, afirmava sua satisfação em acreditar que se abriu nesta província vasto caminho à imigração de gente laboriosa, que lhe traga indústria, hábitos de trabalhos e conseqüentemente riqueza e bem estar; e desvaneço-me de ter concorrido na medida de minhas forças para a inauguração de uma nova época de prosperidade para a Província, que me foi dado administrar por algum tempo. (1873, p. 17).

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Primeiros tempos: imigração; culturas; espaços

Nesse mesmo documento, o presidente salientava o papel dos legisladores provinciais que, “inspirados pela consciência do muito que este serviço vale para a riqueza e o engrandecimento do país”, haviam, “nos últimos anos, votado especial atenção a criação e desenvolvimento de núcleos coloniais e a importação de colonos laboriosos e morigerados” (COSTA, 1873, p. 15). E, também analisava as causas do decrescimento nas estáticas da criminalidade na província, atribuindo o fato, entre outras coisas, ao “desenvolvimento do trabalho agrícola eminentemente civilizador” e, consequentemente, a presença de imigrantes europeus no Rio Grande do Sul. (COSTA, 1873, p. 4 - 5). Assim, depreende-se que as autoridades entendiam o ingresso de agricultores europeus como um dos fatores para o progresso agrário e, consequentemente, civilizatório, da província. Na opinião das autoridades provinciais, a importação de trabalhadores considerados mais “evoluídos”, em outras palavras, brancos e europeus, poderia representar a diminuição da criminalidade na província, fato que há muito preocupava os presidentes. Inicialmente, em 1824, chegou à região do Vale do Rio dos Sinos a primeira leva de imigrantes alemães. Eles se estabeleceram na antiga fazenda da Real Feitoria do Linho e Cânhamo, na colônia que levou o nome de Leopoldina.

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A partir de 1875, teve início a imigração italiana. O movimento tinha como objetivo “importar mão-de-obra” europeia e vender as terras devolutas do Império, visando aumentar tanto a população como a produção agrícola. A passagem da Europa ao Rio Grande do Sul era financiada pelas autoridades brasileiras. Os lotes e os eventuais subsídios governamentais: ferramentas, sementes, alimentos, etc. deveriam ser pagos no prazo de cinco a dez anos. O imigrante Paulo Rossato, de 27 anos, recém-chegado à sua colônia, escreveu, aos seus familiares italianos, em 24 de abril de 1884, uma carta descrevendo os primeiros trabalhos na sua colônia: […] inicialmente toma-se uma foice de cabo comprido e cortam-se os caniços e as plantas pequenas. [...] Depois, cortam-se todas as árvores maiores. E, depois de cortadas, deixam-nas lá por um mês, após o qual é posto fogo. Queimam-se as folhas, os caniços e os ramos mais finos. As toras menores e os galhos são então colocados em montes e queimados. [...] Depois, semeia-se o trigo entre as toras, cobrindo-o com a enxada […] (DE BONI, 1977, p. 35).

Terras devolutas são aquelas que não têm uma destinação pública definida, e não estão sendo utilizadas pelo Estado. São portanto as terras que não estão sob o domínio privado e tampouco têm uma destinação pública. O Rio Grande do Sul, de 1875 a 1914, recebeu 80 mil imigrantes, provenientes, sobretudo da Lombardia, do Vêneto e do Tirol, atraídos ao Novo Mundo pelo sonho da terra. Conde D’Eu (Garibaldi), Dona Isabel (Bento Gonçalves) e Caxias foram as três primeiras colônias italianas no RS. Em 1877, foi organizada uma quarta colônia, Silveira Martins, em terras próximas à Santa Maria, na região central do estado.

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Primeiros tempos: imigração; culturas; espaços

Imigrantes italianos entrados no RS entre 1882 e 1889 Ano

Total imigrantes

Italianos

% Italianos

1882

3.549

3.205

90,30

1883

4.402

3.735

84,89

1884

1.985

1.345

67,75

1885

8.286

7.600

91,72

1886

3.354

2.352

70,12

1887

5.326

4.362

81,90

1888

4.927

4.241

86,07

1889

9.787

7.578

77,43

TOTAL

41.616

34.418

82,70

Fonte: CENNI, Franco. Italianos no Brasil. 3.ed. São Paulo: Ed. da USP, 2003. p. 174.

O pinhão, a caça e a coleta ajudaram os colonos nos primeiros tempos. Os imigrantes, ao chegarem ao seu lote, dedicavam-se à abertura de clareiras nas matas e construíam abrigos provisórios de pau-a-pique, cobertos de galhos. Era um

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momento difícil. Algumas vezes, a venda da madeira e, eventualmente, o trabalho assalariado, durante quinze dias por mês, na abertura de estradas e caminhos, financiaram os colonos até a primeira colheita. Os primeiros tempos, tanto para os alemães, quanto para os italianos, foram de adaptação a um novo modo de viver. O depoimento da senhora Anna Schumann Scheifler relata como foi o início da vida de sua família na localidade de Faria Lemos. “Eu sou filha de Guilherme Schumann e Bertha Sorgertz. Ele nasceu em Linha Brasil e minha mãe em Linha Araripe, Gramado [hoje Nova Petrópolis]. Eles casaram em Linha Brasil, aí ele comprou uma terra lá em Faria Lemos, que era só mato virgem, não tinha nenhum morador. Ele fez um casebre, um ranchinho lá no meio do mato e depois de casados, então, eles foram morar lá. Só tinha uma picada, não tinha estrada, só uma picada que passava um animal e pessoas caminhando. Então, com um burro eles fizeram a mudança. Um burro carregado com a mudança deles, que era o valor que eles tinham para levar. E aí eles começaram a vida deles. Eles foram crescendo, foram crescendo, meu pai foi comprando mais terras, foi comprando mais terras. No fim meu pai tinha um capital muito grande.” (Anna Schumann Scheifler, 5 de mar. 2014).

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Primeiros tempos: imigração; culturas; espaços

Anna também narra o crescimento econômico dos imigrantes alemães e a chegada dos imigrantes italianos: “Era alemão. Depois um comprava aqui um pouco de terra, outro lá, a maioria era de origem alemã. Depois, mais tarde […] entraram os italianos, começaram a se misturar [...] hoje tem quase mais italianos lá do que alemão, em Faria Lemos.” (Anna Schumann Scheifler, 5 de mar. 2014).

O imigrante construía uma casa provisória para abrigar sua família nos primeiros tempos. Posteriormente, uma maior de pedra, madeira ou alvenaria. As coberturas eram de tabuinhas de pinheiro scàndole, inicialmente e, a seguir, de telhas ou de zinco. Às vezes, decoravam-nas com lambrequins. Para diminuir o isolamento, a residência era erguida junto à linha, à beira do caminho.

Lambrequim é o ornato de recortes de madeira para a beira de telhados. Paulo Rossato, sete meses depois de chegar ao Brasil, já em sua colônia, iniciou o desmatamento de parte de suas terras e a construção de residência; escrevendo sobre ela, aos seus pais, afirmava [...] agora estou eu mesmo fazendo uma casa, e espero mudar-me para ela a 20 de agosto. Construo em minha colônia, na qual atualmente estou fazendo a derrubada do mato para semear bastante milho. [...] Haverei de construir a casa com quatro metros de largura por cinco de comprimento, pois não posso mais do que isso [...] e depois construiremos outra maior. (DE BONI, 1977, p. 58).

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O lote era a unidade de base da economia familiar colonial. Praticava-se uma divisão etária, sexual e familiar das tarefas. Os homens responsabilizavam-se pelos trabalhos ligados à agricultura e ao trato dos animais de maior porte. As mulheres, das tarefas caseiras e do cuidado da pequena criação. Entretanto, elas intervinham, ativamente, ao lado dos homens, nos trabalhos agrícolas. Segundo suas forças, as crianças trabalhavam desde os oito anos. Havia igualmente tarefas artesanais masculinas e femininas. A cozinha era o centro das reuniões familiares. Inicialmente construída separada da casa de dormir, foi incorporada ao corpo da residência, quando surgiram os fogões e o fogo deixou de ser uma preocupação. Fiar e tecer o linho, fazer a dressa com palha de trigo, fabricar sportas, chapéus e, ainda, o crochê, o filé e o bordado eram formas de um trabalho artesanal que visava o embelezamento das rústicas residências e, eventualmente, um ganho extra para comprar o enxoval da filha prestes a casar...

Dressa é a trança de palha de milho e a sporta, o cesto confeccionado com essa trança. A área dos lotes coloniais era ocupada pelo potreiro; pelo parreiral - localizado nas encostas, próximo à residência; e pelas terras agricultáveis. Alternava-se o plantio do milho com culturas de inverno: centeio, cevada, trigo. Plantava-se arroz, batata, feijão, aveia. Criavam-se galinhas e porcos. Uma pequena produção de vinho, cachaça, graspa, banha, toucinho, salame, presunto, manteiga e queijo abasteciam a família e os centros urbanos próximos.

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Primeiros tempos: imigração; culturas; espaços

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Primeiros tempos: imigração; culturas; espaços

Árvores frutíferas eram plantadas em todo o lote: pereiras, laranjeiras, bergamoteiras, caquizeiros, marmeleiros, figueiras. Os frutos eram consumidos in natura ou transformados em geleias e compotas. Parte dessa produção podia ser escoada para o mercado local. Os instrumentos básicos de trabalho eram o arado e a enxada. Uma carroça, uma junta de bois, uma mula ou cavalo, uma slita, uma vaca leiteira eram igualmente imprescindíveis à economia colonial.

Slita é um meio de transporte, sem rodas, semelhante a um trenó. Mudas trazidas da Itália ou obtidas com os colonos alemães, possibilitaram o plantio de parreirais. Videiras, vindimas. O colono e sua família esmagavam a uva com os pés, transportavam o suco com baldes para os barris e, pacientemente, esperavam a fermentação e o vinho. O isolamento era rompido quando se reuniam para rezar. Rezavam o rosário sob uma árvore ou na casa de algum morador, por

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ocasião de uma festa ou de um enterro ou, ainda, na cozinha quando se encontravam para o filó. Em todas as linhas, os moradores reuniram-se em mutirões e construíram capelas de madeira, pedra ou alvenaria, que decoravam primorosamente: altares e imagens em madeira, janelas com vidros coloridos, alfaias de metal e até um sino de bronze no campanário. O fantasma da solidão no meio da mata foi se distanciando.

Filó era um encontro social entre vizinhos, que se realizava à noite, depois da reza do terço, quando se contavam histórias, conversava, trabalhava e cantava. O imigrante italiano era católico e religioso. As Igrejas, escolas, seminários, capelas e jornais clericais foram as principais instituições culturais e políticas, sobretudo no mundo rural. A capela congregava. Cada uma delas era consagrada a um santo padroeiro. Uma vez por ano, os moradores da região reuniam-se para homenageá-lo. Eram as sagras: São Roque, São Valentim, São Pedro, São Marcos, Santa Justina, Santa Corona e tantas outras... Os colonos organizavam-se em comunidades em torno das capelas e elegiam diretorias, os “fabriqueiros”, que coordenavam as atividades religiosas e sociais das linhas.

Sagras eram festas religiosas em homenagem ao santo padroeiro de uma localidade. O trabalho gerou frutos: não para enriquecer, mas para manter, com austeridade, a numerosa família. Na fase inicial, o isolamento das colônias fez com que se produzisse quase tudo o que era necessário para o consumo local. O comer-

ciante vendia o que o colono não produzia: sal, ferramentas, tecidos, etc. e comprava o excedente colonial, distribuindo-o em mercados próximos e distantes.

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Primeiros tempos: imigração; culturas; espaços

Em cada travessão, em cada núcleo colonial surgiram ferreiros, seleiros, funileiros, pedreiros, oleiros, sapateiros, alfaiates, marceneiros. Serrarias e moinhos foram levantados para beneficiarem grãos e madeiras. Matadouros, curtumes, barbaquás, ferrarias, cervejarias, alambiques, tecelagens... Uma nova era se anunciava. Mascates percorriam as linhas, levando mercadorias e novidades; tropeiros e carreteiros, com suas mulas bruaqueiras e carretas, levavam e traziam produtos entre os centros consumidores e os portos fluviais. Personagens conhecidos neste mundo medido em estações, em safras. O contato com os gaúchos possibilitou trocas de mercadorias, de conhecimentos e de costumes. A casa de comércio da linha, o baratilho ou venda, articulava-se com o comércio de maior porte dos centros urbanos regionais e estes exportavam para centros urbanos maiores. Os agricultores entregavam suas reservas monetárias aos comerciantes das linhas, em troca de baixos juros. As grandes casas comerciais realizaram o que os colonos não conseguiram, isto é, acumular capitais. A vitivinicultura transformou-se: o vinho produzido artesanalmente, na cantina caseira, passou a ser fabricado por estabelecimentos vinícolas, que foram montando verdadeiro complexo de atividades, desde parreirais até tanoarias, vidrarias, empalhamento de garrafões... O costume do minorato, aliado ao constante fluxo de entrada de imigrantes, esgotou rapidamente os lotes disponíveis. Logo, a economia colonial atravessou o rio das Antas em direção ao norte do estado, surgindo novos núcleos, entre eles, Antônio Prado, Alfredo Chaves, Guaporé, Encantado.

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Minorato é a tese que defende que o filho mais novo, por ser o mais inexperiente de todos, merecia herdar a propriedade da terra como garantia de sua subsistência. Além disso, ficaria responsável pelo cuidado dos pais até o final de seus dias. A migração foi intensa nas primeiras décadas do século passado. Inicialmente, dentro do próprio Rio Grande e, posteriormente, para o Oeste de Santa Catarina e Norte do Paraná... Os netos e bisnetos dos que fizeram a longa viagem não pararam por aí, alguns chegaram até a Amazônia... As vilas transformaram-se em cidades, em municípios; o telégrafo, o telefone e as estradas de ferro ligaram-nas ao século XX. Os caminhos percorridos por carretas e mulas foram melhorados e neles puderam transitar caminhões e automóveis, levando e trazendo mercadorias. Balsas, pontes e túneis superaram as barreiras impostas pela natureza. Os lampiões foram substituídos pelas lâmpadas elétricas, e as vozes do rádio ecoaram livremente. O ruído dos motores e a fumaça lançada ao ar pelas chaminés das fábricas anunciavam novos tempos. Em julho de 1910, a ligação de trem entre Caxias e Porto Alegre, ensejou as melhores condições para o desenvolvimento econômico da região, pondo fim ao problema dos transportes, que estrangulava o comércio e a produção colonial. A acumulação comercial de riquezas produzidas pela economia agrícola e artesanal financiou a industrialização da região.

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Primeiros tempos: imigração; culturas; espaços

A Primeira Guerra Mundial (1914-18) propiciou o nascimento de empresas de maior porte, devido à interrupção da importação de peças e ferramentas para a produção local. Na década de 20, a Região Colonial encontrava-se integrada à economia nacional e internacional. Os primeiros imigrantes chegaram há pouco mais de cem anos. Cultivaram campos, criaram gado, construíram fábricas, multiplicaram-se. Seus descendentes estão presentes em todos os municípios do Rio Grande do Sul, junto com os alemães, os poloneses, os portugueses, os índios, os negros, os espanhóis, os judeus e com outras etnias que constituíram o povo gaúcho.

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Primeiros tempos: imigração; culturas; espaços

Referências CENNI, Franco. Italianos no Brasil. 3. ed. São Paulo: Ed. da USP, 2003. DE BONI, Luís Alberto. La Mérica: escritos dos primeiros imigrantes italianos. Caxias do Sul: Educs, 1977. IOTTI, Luiza. O olhar do poder: a imigração italiana no Rio Grande do Sul, de 1875 a 1914, através dos relatórios consulares. 2. ed. Caxias do Sul: Educs, 2001. IOTTI, Luiza Horn (Org.). Imigração e colonização: legislação de 1747 a 1915. Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul; Caxias do Sul: Educs, 2001. Depoimento SCHEIFLER, Anna Schumann. Anna Schumann Scheifler: depoimento [5 de março de 2014]. Entrevistadores: E. Rela; C. S. Damo. Caxias do Sul, 2014. 1 arquivo .mp3 (01 h. 08 min.). Depoimento concedido para o Projeto Santa Lúcia do Piaí. Fonte impressa RIO GRANDE DO SUL. Relatório com que o Exmo. Sr. Dr. José Fernandes da Costa Pereira Júnior, presidente desta província, passou a administração da mesma ao Exmo. Sr. Dr. João Pedro Carvalho de Moraes no dia 1º de dezembro de 1872. Porto Alegre: Typ. do Constitucional, 1873.

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Capítulo II Elementos territoriais e identidade Mégui Pezzi Dal Bó Sandra M. F. Barella

Ora, a cidade é em si uma realidade objetiva com suas ruas, construções, monumentos, praças, mas sobre este “real” os homens constroem um sistema de idéias e imagens de representação coletiva. um mesmo grupo. SANDRA JATAHY PESAVENTO

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Elementos territoriais e identidade

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Síntese dos períodos 1635 - 1899 MORFOLOGIA

Não possuem delimitação de núcleo urbano. Princípio das zonas de povoamento. Presença indígena, jesuítica e bandeirante.

1899 - 1953

1953 - 2012

MORFOLOGIA

MORFOLOGIA

Visualização de um princípio de núcleo urbano. Igreja Matriz como ponto central e estruturador da vila. Arquitetura em estilo colonial italiano.

Consolidação do núcleo urbano. Princípio de descaracterização do conjunto arquitetônico de estilo colonial.

Ordens religiosas são marco referencial para a vila.

ESTRUTURA FUNCIONAL Usos: Indígena.

catequização indígena e primeiras moradias coloniais de povoamento.

OCUPAÇÃO Existência de picadas (pequenas passagens entre a vegetação).

ESTRUTURA FUNCIONAL

ESTRUTURA FUNCIONAL

contexto do núcleo urbano. Lazer voltado ao esporte e à contemplação natural.

contexto do núcleo urbano. Lazer voltado ao esporte e à contemplação natural. Presença intensa de espaços de cultivo agrícola.

Usos: Predomínio residencial e de arquitetura colonial de imigração (polonesa, alemã, portuguesa e italiana). Comércio de serviços de apoio às atividades residenciais.

Usos: Predomínio residencial. Comércio de serviços de apoio às atividades residenciais.

OCUPAÇÃO

OCUPAÇÃO

Ocupação territorial restrita.

Ocupação territorial ampliada. Situação atual.

1930

Elementos Singulares

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Elementos Singulares

2012

Elementos Singulares

Elementos territoriais e identidade

No estudo realizado sobre o distrito de Santa Lúcia do Piaí, foram abordadas as transformações ocorridas ao longo do tempo, através do método de dedução sobre dados físicos mapeados segundo critérios de evolução da ocupação territorial. A periodização proposta cumpre o papel de explicitar os aspectos relevantes sistematizados como: fatores populacionais, econômicos, político-institucionais e locacionais. É por meio das atividades exercidas pelos moradores, e pelas necessidades de transformação do ambiente, que ocorre a visualização de um crescimento do espaço ocupado, e da evolução do perímetro do povoamento. Os marcos referenciais, construídos ao longo do desenvolvimento das atividades predominantes em um determinado espaço mudam a forma de apropriação do mesmo pelas sociedades. O estudo identificou três períodos distintos. No quadro a seguir, os mesmos serão descritos, apresentando datações aproximadas e características relevantes associadas aos diferentes traçados.

Primeiro período – ocupação territorial (1635 a 1899)

O Primeiro Período da história do Distrito de Santa Lúcia do Piaí abrange o momento de transformação do espaço causada pela ocupação territorial. Os campos da Fazenda do Raposo, atual Santa Lúcia do Piaí, inicialmente eram povoados pelas tribos indígenas

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Mapa do município de São Sebastião do Caí Caaguas e Ibianguaras que tiveram, no século XVII, sua história modificada pela vinda dos padres jesuítas e dos bandeirantes paulistas. Os mapas a seguir demonstram como ocorreu essa ocupação inicial, ou seja, o distrito, que pertencia aos Municípios de São Sebastião do Caí e São Francisco de Paula, configurou parte estratégica de conexão entre as zonas de Vale ao sul e a de Serra ao norte. Segundo Masson (1940, p. 12), o mapa ao lado é a carta geográfica mais antiga do Rio Grande do Sul, e que já demarcava o rio Caí com o nome como hoje é conhecido. Também indica que, por volta de 1850, dá-se a aquisição do embarcadouro localizado à margem esquerda do rio, o Porto do Mateus, por Antônio Guimarães. O local passa então a denominar-se Porto de Guimarães e consolida o ponto de conexão fluvial responsável pela distribuição da população e das mercadorias que iriam abastecer a zona colonial da Serra.

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Elementos territoriais e identidade

É possível observar, no Mapa do Município do Caí, a marcação dos trechos consolidados da Estrada Rio Branco, descritos por Masson (1940, p. 29-33), que seguem a margem direita do rio, ligando a sede aos denominados distritos rurais, dentre eles a Estrada Municipal Faria Lemos, conectando o então Distrito de Santa Lúcia. Santa Lúcia do Piaí, antiga Fazenda do Raposo, teve seu território marcado pela presença das tropas que circulavam pelo corredor Raposo, um dos três caminhos mais conhecidos da Serra gaúcha, a grande zona de campo onde existiam as Fazendas dos Ilhéus e do Raposo, hoje conhecidas como Campos de Cima da Serra. (CORTELETTI, 2012, p. 104). Na figura 1 pode-se visualizar nas manchas coloridas a representação da localização destas fazendas. Na mesma figura, é possível observar o desenho do Plano Colonial para a Colônia Caxias, a mancha de ocupação de seu núcleo central e seu limite norte e leste marcado pela presença das três fazendas da ocupação inicial. Estas áreas, provindas de doação de terras por parte do Império brasileiro, não integram o projetado parcelamento oficial, e conformavam uma sesmaria. As Léguas, na Colônia Caxias, em número de dezesseis, eram divididas, por sua vez, em Travessões, com denominações próprias, e estes divididos em lotes Adaptado de MASSON, Alceu. Caí: monografia. São Sebastião do Caí: Prefeitura Municipal de São Sebastião do Caí, 1940.

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FIGURA 1

FIGURA 2

Estrutura colonial e fazendas da Cidade de Caxias do Sul

Mapa de localização das zonas de povoamento do distrito

Fonte: Adaptado de aerofotogramétrico da Prefeitura de Caxias do Sul e Cartas do Exército.

Fonte: Adaptado de Subprefeitura de Santa Lúcia do Piaí.

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Elementos territoriais e identidade

rurais, sempre numerados. Conforme Barella (2010) eram os lotes rurais, também conhecidos por lotes coloniais, que constituíam as unidades imobiliárias, objeto de transmissão dominial por parte do governo imperial. A légua correspondia a um quadrilátero composto em geral de 132 lotes irregulares que podiam variar de 5 a 60 hectares, ligados por um eixo central longitudinal feito de caminhos irregulares chamados travessões ou linhas. O travessão, uma subdivisão da légua, compunha um conjunto de lotes dispostos ordenadamente de modo a entestar com uma linha em geral disposta segundo os eixos Norte/Sul ou Leste/Oeste. A linha tinha papel de suportar os referenciais da demarcação dos lotes (também denominada picada), já que geralmente exigia abertura na mata, constituía referência à implantação das estradas de modo a garantir acesso. Finalmente, a figura 2 apresenta o mapa de localização das zonas de povoamento do Distrito de Santa Lúcia do Piaí no período de 1635 a 1899.

Segundo período – religiosidade (1899 a 1953 ) Este período é caracterizado e – nomeado como “Religiosidade”, pois é marcado pela presença de ordens religiosas como os Monges Camaldulenses; a Congre-

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gação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria; a Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses. Percebe-se então, através da figura 3, uma configuração do núcleo urbano da vila, com a delimitação de lotes e criação de ruas e quadras no entorno da Igreja Matriz. A zona se consolida pela presença dos equipamentos de serviço e começa então a expandir seu território.

Terceiro período – economia agrícola (1953 a 2012) Já se chamando Santa Lúcia do Piaí, e pertencendo ao Município de Caxias do Sul, a vila começa a crescer e a virar referência na produção de hortifrutigranjeiros na região e no estado. O núcleo urbano passa de uma vila à configuração de um distrito, com o implemento dos elementos de serviços necessários para a vivência de seus moradores. Nos anos 50, a cidade de Caxias do Sul apresentava um aumento significativo na sua atividade industrial e comercial devido à Segunda Guerra Mundial. Aumentam-se naquela época as exportações de produtos fabricados na cidade, na agricultura em especial o vinho. Fruto da expansão agrícola local, e dos implementos de equipamentos de serviço, percebe-se, conforme a figura 4, o crescimento e adensamento do núcleo

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Elementos territoriais e identidade

FIGURA 3

Mapa da área central e urbana do distrito no ano de 1951

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FIGURA 4

Mapa da área central e urbana de Santa Lúcia do Piaí no ano de 2012

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Elementos territoriais e identidade

urbano do distrito. As pessoas, naquele período, passam a se estabelecer mais perto da área comercial da vila, diminuindo a presença de ocupação rural e aumentando a área urbana do povoado. Atualmente percebe-se que há um grande movimento de expansão das ruas e quadras no sentido centro/leste, em direção à Vila Oliva. Este núcleo é hoje rodeado por plantações ou espaços de cultivo (estufas) rurais. O Distrito de Santa Lúcia do Piaí em Caxias do Sul é conhecido como a “Terra da Produção”, pela economia voltada à agricultura. Tanto os moradores quanto a sua associação percebem o potencial da região para outros ramos, como o turismo, e entendem a importância da preservação dos elementos singulares da região.

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Elementos territoriais e identidade

Referências BARELLA, Sandra Maria Favaro. Paisagem cultural: elementos de configuração morfológica e valores de preservação. Dissertação (Mestrado) – Porto Alegre: UFRGS-Propur, 2010. BOSSARDI, Vanessa. Estudo de usos e acessibilidade no Distrito de Santa Lúcia do Piaí. Estágio Curricular em Arquitetura e Urbanismo. Orientação: Professora Sandra Barella. Supervisão: Professora Luiza Horn Iotti. Caxias do Sul: UCS, 2012. CORTELETTI, Rafael. Um estudo de caso sobre a relação entre a conservação dos sítios arqueológicos e o processo colonizatório. Revista Latino-Americana de História, São Leopoldo, v. 1, n. 1, p. 99-122, jan. 2012. DAL BÓ, Mégui P. Evolução Urbana do Distrito de Santa Lúcia do Piaí. Estágio Curricular em Arquitetura e Urbanismo. Orientação: Professora Doris Baldissera. Supervisão: Professora Luiza Horn Iotti. Caxias do Sul: UCS, 2012. MASSON, Alceu. Caí: monografia. São Sebastião do Caí: Prefeitura Municipal de São Sebastião do Caí, 1940. SANTA LÚCIA DO PIAÍ. História, cultura, comércio e atualidade. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2012.

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Capítulo III Construções da memória coletiva: tradição; oralidade; retratos Anthony Beux Tessari Cristiane Sebem Damo Eliana Rela

Não basta reconstruir pedaço a pedaço a imagem de um acontecimento passado para obter uma lembrança. É preciso que esta reconstrução funcione a partir de dados ou de noções comuns que estejam em nosso espírito e também no dos outros, porque elas estão sempre passando destes para aquele e vice-versa, o que será possível somente se tiverem feito parte e continuarem fazendo parte de uma mesma sociedade, de um mesmo grupo. HALBWACHS, 2006, p. 39

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Construções da memória coletiva: tradição; oralidade; retratos

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Construções da memória coletiva: tradição; oralidade; retratos Conhecer a historiografia de um local auxilia na construção da memória e dos sentimentos de pertencimento e de coletividade. Acontecimentos vividos pessoalmente e acontecimentos vividos pelo grupo, ao qual a pessoa se sente pertencer, são mantidos como lembranças, mesmo que a pessoa não tenha participado disso, mesmo com personagens que não pertenceram ao seu espaço-tempo, como, por exemplo, lembranças da infância em família: um aniversário, uma viagem, um casamento, um acidente, o passamento de um ente querido. Devemos, portanto, entender a memória (essa que diz respeito aos acontecimentos vividos em grupo) sempre como um processo de construção coletiva. Para compreendermos bem essa ideia, basta recorrermos à experiência pela qual todos passamos com pais ou avós, em posse do álbum de fotos da família, objeto sagrado em todo lar. Como uma espécie de convenção genealógica, é nesses momentos, ouvindo os mais velhos (guardiões da memória familiar) e visualizando imagens estáticas de um passado remoto (geralmente em preto-e-branco ou em cores desbotadas), que passamos a conhecer nossos antepassados, de onde vieram, o que faziam, como viviam. Essas lembranças, construídas por meio da oralidade e do visual, se fixam em nossa memória como se a nós também pertencessem, pois dizem respeito ao nosso grupo, ao nosso clã familiar. Certamente, essas lembranças são responsáveis por moldar a nossa identidade, fazendo com que personagens passados sejam motivo de orgulho e distinção. Assim, a memória coletiva deve ser entendida como uma herança, que se renova a cada geração, e que ganha e perde significados com a passagem do tempo – quer dizer, é preciso também entender que a memória é feita não apenas de lembranças, mas igualmente de esquecimentos.

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Construções da memória coletiva: tradição; oralidade; retratos

Memória e história muitas vezes são entendidas como conceitos sinônimos, mas é importante salientar que são distintos entre si. Sem entrar em pormenores, podemos dizer que a memória é matéria-prima para a escrita da história. Esta se serve das lembranças (ou memórias) que são carregadas pelas pessoas para escrever sobre o passado, mas com um distanciamento que é importante. Geralmente, por ser fruto de experiências pessoais e coletivas, a memória está envolta em uma carga emocional muito forte, que direciona o entendimento do passado. Como já alertamos, a memória é feita de esquecimentos, aos quais se recorre para a formação de determinadas identidades sociais ou para a construção de mitos. De posse de memórias pessoais e coletivas, é possível construir a história local como fonte para uma consciência histórica que leva em consideração usos, valores e sentidos. Assim, o local pode ser entendido como o lugar das relações entre sujeitos. Para compreender seu espaço, os sujeitos precisam relacionar-se com o mundo, sentir-se parte dele. Neste sentido, é preciso ver a história local como campo que parte da valorização do ser e agir destes sujeitos, agentes de produção histórica. Tal produção se refere a um processo de pertencimento, que leva em conta elementos da cultura material e também da cultura imaterial, isto é, do invisível, presente ao longo da construção da memória desta localidade. As tradições, as vivências coletivas e individuais, que deram identidade a esse local, e que sofreram transformações ao longo do tempo nesse espaço, constroem a história local, que pode ser concebida, a partir do olhar sobre os diferentes agentes que dela fazem parte. Nessa relação com o local e com tudo que cerca o sujeito histórico, é que se estabelece o sentimento de pertença, de se sentir parte do todo. Muito se falou até aqui de memória, porém, é de conhecimento que a memória é um fenômeno construído, e que os modos de construí-la podem ser tanto conscientes quanto inconscientes. O que a memória seleciona ao

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longo do tempo é um trabalho de organização e reorganização, que se constitui com sentimento de forma individual ou coletiva. Em Santa Lúcia do Piaí, diferentes eventos compõem a memória coletiva da localidade. Em diversas oportunidades, realizaram-se entrevistas com moradores e ex-moradores da região, tendo por objetivo ativar lembranças sobre três acontecimentos que caracterizam o Distrito de Santa Lúcia do Piaí: o milagre atribuído a Bárbara Maix na cura do menino enfermo Onorino Ecker; a instalação dos Monges Camaldulenses, e o “martírio” do Padre Cristóvão de Mendoza. Essas lembranças, transmitidas pela oralidade e registradas nas imagens fotográficas que compõem este capítulo, socializam a memória da comunidade e são a substância da identidade de Santa Lúcia do Piaí.

Bárbara Maix e as Irmãs do Imaculado Coração de Maria A memória, na qual cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao futuro. (LE GOFF, 2003, p. 471).

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Construções da memória coletiva: tradição; oralidade; retratos

No dia 6 de novembro de 2010, em Porto Alegre – RS, a comunidade católica acompanhou a cerimônia que oficializou a beatificação da Madre Bárbara Maix. Um dos pontos-chave do processo de beatificação foi o reconhecimento de um milagre atribuído à religiosa. Bárbara Maix (1818 – 1873) nasceu em Viena, Áustria. Veio para o Brasil em 1848, desembarcando na cidade do Rio de Janeiro. Em 8 de maio de 1849, fundou a Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria, que teve como principal foco o auxílio a mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade, além de manter atividades nas áreas da educação e da saúde. Mas de que forma a história de Bárbara Maix e de sua Congregação se relaciona com Santa Lúcia do Piaí? O milagre reconhecido pelo Papa Bento XVI, que possibilitou a beatificação de Bárbara Maix, ocorreu no interior de Santa Lúcia do Piaí, no ano de 1944. Onorino Ecker tinha apenas quatro anos, morava junto com sua família na localidade de Malcabúrio... “No mês de julho era inverno aqui, muito frio. Os pais levantaram cedo e fizeram fogo... Lembram aquele tripé que as famílias tinham, com a panela pendurada num gancho, e embaixo faziam o fogo... E enquanto essa água fervia, os pais tinham ido tratar os animais, e as crianças ali, ao redor do fogo, brincando. Um dos irmãos empurrou o pequeno, ele se agarrou na corrente, derramou aquela água fervendo por cima e ele caiu no fogo; e inspirou aquela cinza e aquele vapor quente. Então, quarenta por cento do corpo dele ficou com queimaduras de terceiro grau, e todas as outras queimaduras. E ele foi trazido ali para o hospital dentro de um lençol amarrado nas quatro pontas […] E a Irmã que o recebeu, ela disse para os pais: “– Olha, não sei... Acho que não temos recursos para salvar esse menino.” Mas chamou logo o médico que estava aqui na cidade. Era o

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único, Dr. Cantisani. E o médico veio, ele tratou logo de fazer uma limpeza, uma higiene no corpo, hidratá-lo, e disse: “– Não temos recursos.” Na época a penicilina vinha dos Estados Unidos, demorava meses para chegar. Então eles trataram, deram um tratamento com base em sulfas, soro, e aqueles cuidados assim... estar ali e esperar alguma reação que pudesse acontecer. Quando passaram três dias, a Irmã que foi fazer o curativo, viu que caiu a pele do corpo, as unhas caíram todas, e o menino não reagia. O médico disse: “– Irmã, a Sra. faz o curativo e deixa.” A Irmã disse: “– Não doutor, existe Deus ainda. E se Bárbara alcançar de Deus esse milagre, o Sr. vai assinar?” Ele disse: “– Eu assino.” Então, a Irmã disse para os pais: “– Vocês vão para casa, vão cuidar dos outros, e deixem este aqui comigo, e vamos rezar juntos, vamos pedir a vida do Onorino. A Irmã ficou uma semana ao lado do menino, pingando soro – porque lhe faltava um dentinho –, pingava o soro e ia fazendo a limpeza e procurava manter a temperatura, para aliviar. O povo aqui, muito solidário, rezavam, visitavam a família; o próprio médico ia na capelinha do hospital e rezava. Quando completou sete dias, o menino saiu do estado de choque e chorou. A Irmã disse: “– Ele tem força, ele vai vencer!” E foi indo... Quando completou quinze dias, ele ficou completamente curado.” O texto é parte da entrevista realizada com a Irmã Gentila Richetti no dia 10/11/2013, quando narra a história de Onorino Ecker ocorrida em 1944. Irmã Gentila foi uma das responsáveis por coletar documentos e testemunhos para a abertura do processo de beatificação de Bárbara Maix no Vaticano. O elo que liga a Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria a Santa Lúcia do Piaí vai além do milagre de Onorino. As Irmãs já vinham atuando na localidade quando a paróquia de Santa Lúcia do Piaí foi fundada em 1931. Eram elas responsáveis pelo colégio paroquial como administradoras e educadoras, participavam dos diversos eventos religiosos que ocorriam na vila, além de se tornarem responsáveis pelo hospital e pela farmácia da localidade, a partir de 1944, o ano em que deram assistência ao menino Onorino.

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Construções da memória coletiva: tradição; oralidade; retratos

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Após a beatificação de Bem-Aventurada Bárbara Maix, a Igreja Matriz de Santa Lúcia do Piaí passou a celebrar anualmente, no mês de novembro, uma missa para marcar a data da sua beatitude. Peregrinos de diversas localidades – inclusive, de outros estados – lotam a igreja para participar da celebração, que conta a história do milagre da cura de Onorino – que se faz presente nas missas, vindo de São Lorenço do Oeste (SC) – e transmite as virtudes de Bárbara Maix. Em frente à igreja, foi erigido um monumento que retrata o menino enfermo em uma maca sendo conduzido por dois homens em direção à beata.

Monges camaldulenses A narração da própria vida é o testemunho mais eloquente dos modos que a pessoa tem de lembrar. É a sua memória. (BOSI, 2004, p. 68).

A Ordem dos Monges Camaldulenses tem sua origem em 1012, fundada por São Romualdo, na província de Arezzo, localizada na região da

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Construções da memória coletiva: tradição; oralidade; retratos

Toscana, na Itália. A característica dessa comunidade monástica é a vida contemplativa de dedicação única à oração e ao trabalho manual e intelectual, sem empenho de paróquia ou de qualquer outro apostolado pastoral com o povo. (DALL’ALBA, 1999, p. 25). Em 1899, os padres camaldulenses: D. Ambrógio Pieratelli, D. Michele Evangelista e o Irmão Oblato Ermindo Dindelli, vieram ao Rio Grande do Sul com a missão de criar uma fundação brasileira da ordem. Sem demora adquiriram uma extensão de terra situada na Fazenda Raposo, perto do rio Piaí. (DALL’ ALBA, 1999, p. 27). O local escolhido era cheio de pinheirais, com acesso restrito devido à falta de estradas e distante de qualquer núcleo urbano: os padres batizaram este local de Nova Camaldoli. Pela Bula Pontifícia de 26 de julho de 1902, é constituída canonicamente a casa de Nova Camaldoli. Em 31 de agosto de 1909, os monges abrem um mosteiro na vila de Ana Rech, denominado Mosteiro da Santíssima Trindade. As duas casas religiosas foram se desenvolvendo aos poucos, porém em 1913 já havia indícios de um possível fechamento da fundação brasileira e regresso dos monges camaldulenses para a Europa. A incerteza da permanência dos monges no Brasil durou até 1926, quando receberam, definitivamente, a decisão dos superiores da Ordem, na Itália, para deixarem o País. “O Ambrósio Andreazza, […] se tornou padre ou irmão camaldulense, […] um dos poucos, se não o único que foi para a Itália; quando eles estiveram aqui, se fixaram em Ana Rech, em Camaldoli, chamam lá Camândoli, mas é Camaldoli, Nova Camáldoli. […] Me parece que o único natural daqui foi o meu tio Ambrósio Andreazza, que se tornou padre. [...] Em 1947, ele voltou para visitar a mãe dele, minha avó Júlia. E, ali tem histórias que eu não sei até que ponto são verdadeiras, mas a minha mãe contava, minha avó também, de que na noite, antes

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dele morrer, na despedida fizeram uma grande festa, ele teria dito que, ‘Se eu morrer, eu quero ser enterrado sem os sapatos’. […] Então, no outro dia ele pegou o ônibus de Santa Lúcia para Caxias. E o ônibus capotou e ele morreu. […] Contam que, no desespero das pessoas que estavam no ônibus, ‘Vamos morrer!’, ele dizia, ‘No, solo io’, e abençoou a todos e morreu. […] Essa é a história do padre Ambrósio. E ele foi enterrado, segundo o pedido dele.” (Ambrósio Luiz Bonalume, 11 mar. 2014).

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Construções da memória coletiva: tradição; oralidade; retratos

Água Azul: a construção de um local sagrado Bem ou mal, tranquilizador ou perturbador, nobre ou não, poderoso ou miserável, anônimo ou célebre, carrasco ou mártir, todo indivíduo morto pode converter-se em um objeto de memória e de identidade, tanto mais quando estiver distante no tempo. (CANDAU, 2011, p. 143).

Relatos sobre o “martírio” do Padre Cristóvão de Mendoza podem ser lidos em trabalhos de diversos autores em diferentes épocas. A obra Conquista Espiritual feita pelos religiosos da Companhia de Jesus nas Províncias do Paraguai, Paraná, Uruguai e de Tapes, de autoria do Padre Jesuíta Antônio Ruiz de Montoya, foi publicada pela primeira vez em 1639. Montoya descreve as ações de diversos padres jesuítas que atuaram na América do Sul, reservando algumas páginas em que traz uma narrativa de como teria ocorrido a emboscada e a morte do Padre Cristóvão de Mendoza. Mas o trabalho de maior destaque é o de autoria de Aurélio Porto, apresentado no III Congresso Sul-Riograndense de História e Geografia, ocorrido em Porto Alegre em 1940. O texto recebeu o título Martírio do Venerável P. Cristóvão

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Construções da memória coletiva: tradição; oralidade; retratos

de Mendoza S. J. e integra a publicação dos Anais do Congresso. É Aurélio Porto que, a partir da análise de outras obras e documentos, constrói a hipótese de ser nas margens do rio Piaí o local da morte do Padre Cristóvão. O Padre Jesuíta Luiz Gonzaga Jaeger publica em 1943 uma pequena obra intitulada O herói do Ibía, na qual é apresentada vida e morte de Cristóvão de Mendoza. Nessa obra, padre Jaeger amplia as descrições sobre o local do “martírio”, relatando, inclusive, uma viagem que fez à Santa Lúcia do Piaí no ano de 1940, na tentativa de precisar a localização da morte do padre Cristóvão, com base na descrição da paisagem relatada nos documentos que haviam sido levantados por Aurélio Porto. Jaeger expõe nessa obra a repercussão que essa notícia trouxe ao povo de Santa Lúcia do Piaí, trazendo relatos de pessoas que dizem ter sido curadas por intermédio do padre “martirizado”. A narração do “martírio” é descrita novamente, sem inclusão de novas informações, em 1993 por Mário Gardelin no texto Padre Cristóvão de Mendoza: vida e obra do introdutor do gado no Rio Grande do Sul. Essa história veio ao conhecimento da comunidade de Santa Lúcia do Piaí somente em 1940, como menciona Jaeger. Naquela época, o Padre João Marchesi, pároco de Santa Lúcia do Piaí, em descrição no livro de tombo da paróquia, relata sua emoção e a da comunidade ao receber a notícia de que, em Água Azul, teria se dado tal acontecimento. Mas consciente da impossibilidade de se ter certeza da localização exata do martírio, preocupa-se com o valor que a comunidade passava a dar aquelas águas:

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“[…] Em vista de tais fatos de tempos passados e mais ainda sabendo agora que ali, ou nos arredores da fonte, foi martirizado um grande missionário, indubitavelmente o povo procuraria aquela água por devoção. É possível que o corpo do mártir fosse jogado pelos assassinos selvagens dentro daquela água onde ainda hoje pode perfeitamente caber um corpo imerso. Sabe-se dos documentos que o corpo ficou n’água desde o dia 26 de abril até 16 de maio, 20 dias portanto. Se tivesse sido posto nas águas do Mamangaba teria parado no mesmo lugar, sem ser levado pela correnteza, durante os 20 dias? Como, porém, os documentos, até agora descobertos, nada dizem da Água Azul, também nós nada podemos afirmar, a não ser que o Mártir manifeste algo a respeito, o que confiamos que se dará. Em vista disso, observei ao Pe. Jaeger que seria bom benzer a fonte Azul, pela formula do Ritual. Desta forma o povo se tem devoção àquela água, a qual não tivesse relação alguma com o martírio do Pe. Cristóvão, pelo menos faria suas práticas de devoção com uma água benta.” (Livro Tombo da Paróquia de Santa Lúcia do Piaí, n. 1, p. 43 – inscrição de 1940).

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Construções da memória coletiva: tradição; oralidade; retratos

Referências BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 11.ed. São Paulo: Cia. das Letras, 2004. CANDAU, Joël. Memória e identidade. São Paulo: Contexto, 2011. DALL’ALBA, H. A saga dos camaldulenses no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Edipucrs, 1999. GARDELIN, Mário. Padre Cristóvão de Mendoza: vida e obra do introdutor do gado no Rio Grande do Sul. In: COSTA, Rovílio Frei. Colônia Caxias: origens. Caxias do Sul, RS: Edições EST, 1993. HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006. JAEGER, Luiz Gonzaga. O herói do Ibía. Porto Alegre: Do Centro S, 1943. LE GOFF, Jacques. História e memória. 5. ed. Campinas: Ed. da Unicamp, 2003. PORTO, Aurélio. Martírio do venerável P. Cristóvão de Mendoza S. J. In: CONGRESSO SUL-RIOGRANDENSE DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA, 3., 1940 nov.5-16, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1940. 4 v. RUIZ DE MONTOYA, Antônio Padre. Conquista espiritual: feita pelos religiosos da Companhia de Jesus nas Províncias do Paraguai, Paraná, Uruguai e Tape. 2.ed. Documento consultado Livro Tombo da Paróquia de Santa Lúcia do Piaí. n. 01, 1930 – 1948. Depoimentos BONALUME, Ambrósio Luiz. Ambrósio Luiz Bonalume: depoimento [mar. 2014]. Entrevistadores: L. H. Iotti; C. S. Damo. Caxias do Sul, 2014. 1 arquivo .mp3 (23 min.). Depoimento concedido para Projeto Santa Lúcia do Piaí. RICHETTI, Gentila. Gentila Richetti: depoimento [nov. 2013]. Entrevistadores: E. Rela; L. H. Iotti; C. S. Damo. Caxias do Sul, 2013. 1 arquivo .mp3 (24 min. 50 seg.). Depoimento concedido para Projeto Santa Lúcia do Piaí.

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Capítulo IV Memórias do social: usos e costumes na vida cotidiana Anthony Beux Tessari Cristiane Sebem Damo Eliana Rela

A vida cotidiana é a vida de todo homem. Agnes Heller

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Memórias do social: usos e costumes na vida cotidiana

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Memórias do social: usos e costumes na vida cotidiana Abrimos este texto com um pensamento provocativo sobre a vida cotidiana. Heller (2004) explica que a vida cotidiana é a vida de todo homem, com todos os aspectos da individualidade. Na vida cotidiana, os homens e as mulheres colocam em funcionamento todos os seus sentimentos, sentidos, capacidades, habilidades, paixões, ideias e crenças. A vida cotidiana é, em grande parte, um conjunto dos tipos de atividades desenvolvidas por homens e mulheres. Tal conjunto adquire organicidade, movimento, entrosamento de partes como: a organização do trabalho e da vida privada, o lazer e o descanso, as atividades sociais, as trocas. Homens e mulheres, enquanto sujeitos, são também coletivos, são produto e expressão de suas relações sociais. Todos somos herdeiros e ao mesmo tempo perpetuadores dos conhecimentos produzidos em cada comunidade. Assim como todo indivíduo viveria mal sem memória, também uma coletividade precisa de memória. Essa memória dá sentido ao patrimônio e à identidade de cada grupo social. Ela pode estar representada em construções (casas, igrejas, capelas, moinhos, bodegas); bras de arte (esculturas, pinturas); objetos artesanais, industriais ou agrícolas (chapéus de palha, panos de louça ou de parede, objetos de uso doméstico, instrumentos de trabalho), e também nos modos de vida, de pensar e de fazer dos sujeitos. Todo patrimônio apresenta-se como conquista e apropriação social. Neste caso, compreender as representações da vida cotidiana como patrimônio é dar-lhes sentido;

é reconhecer a pluralidade dos elementos que o constituem; é promover

uma reflexão coletiva acerca dos movimentos das memórias e das identidades culturais. Quanto mais transformações ocorrem em determinado grupo ou local, mais importante torna-se o registro das atividades da vida cotidiana.

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Registrar e trazer ao conhecimento essas atividades é o principal objetivo deste capítulo, que combina memórias individuais e coletivas, expressas por meio da oralidade, com uma narrativa visual dos usos e costumes dos moradores do Distrito de Santa Lúcia do Piaí. As memórias trazidas pela fala dos sujeitos sociais entrevistados são relatos sobre a organização do trabalho, a vida privada, os momentos de lazer, as atividades em grupo, a educação formal, os ritos de passagem, e a vida econômica do distrito. Já, a narrativa visual é composta por fotografias de época, em preto-e-branco, quando o registro fotográfico era encarado como uma ocasião solene (as pessoas vestiam-se garbosamente para o retrato, e posavam sempre muito sérias – um pouco para não saírem borradas, um pouco porque o fotógrafo geralmente vinha da cidade, um estrangeiro a quem se encarava com distanciamento), com fotografias recentes, produzidas a partir de uma visão que busca condensar expressão (composição, enquadramento, luz ideal, que fazem uma foto ser bela) com conteúdo, que revele elementos significativos da cultura material e imaterial de uma comunidade. Antes de iniciarmos, um pequeno aviso. Assim como se apresenta na fala dos moradores entrevistados, escolhemos em muitos momentos não datar com precisão os acontecimentos que foram narrados. Essa é uma característica comum quando as lembranças são evocadas pelo sujeito e expressas oralmente: o passado costuma não ser mencionado em um tempo definido, cronológico – ao qual o historiador está acostumado –; é narrado com frequência nas formas “naquele tempo...”, “naquela época...”, “quando eu era jovem...”, “no começo...”, “depois daquilo...” etc. Essa ausência de definição cronológica não impede que o passado seja compreendido, ainda mais quando se trata de usos e costumes da vida cotidiana, que ocorrem num tempo que se pode chamar de “longa duração” – isto é, usos e costumes cotidianos pouco se transformam, ou mudam lentamente,

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fazendo parte da vida de mais de uma geração. No caso deste texto, estamos diante de descendentes de imigrantes alemães ou italianos, que narram acontecimentos cotidianos das primeiras décadas do século XX (os quais ouviram pais e avós contarem) até meados do mesmo período (os quais vivenciaram). Os depoentes que nos ajudaram a escrever um pouco sobre a história dos usos e costumes do cotidiano de Santa Lúcia do Piaí foram Ambrósio Luiz Bonalume, Anita Vitalina Ecker, Anna Schumann Scheifler, Fredolina Natália Ecker Alves e Rômulo Antônio Muraro. Doravante, serão tratados apenas pelo primeiro nome. Queremos, com isso, destacar o caráter universal de suas falas, que sintetizam características gerais da cultura do distrito. Fontes escritas também foram utilizadas. Abordamos na sequência os seguintes aspectos: lazer, educação, técnicas e ofícios, ritos de passagem, religiosidade, usos coletivos, conhecimentos populares sobre saúde e alimentação.

Lazer Anna, Anita e Fredolina contaram como era vivenciado o pouco tempo livre das moças, dos moços e de suas famílias. As festas, assim como outras atividades de lazer, serviam (e ainda servem) para, além de integrar a comunidade, romper a rotina pesada das atividades laborais. Entre os protestantes, notadamente os moradores da linha Faria Lemos, o Kerb era um costume todos os anos. O Kerb é a comemoração da data de fundação do templo, e a sua festa estendia-se por dois dias, tendo início após o culto, no domingo. O salão da igreja e as casas eram enfeitadas para criar a atmosfera de comemoração e, assim, integrar os participantes. Era costume também a formação de bandas para animar as festas. Recordando o encantamento que a festividade produzia, Fredolina sentencia:

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“A festa era muito bonita, muito bonita...” (Fredolina Natália Ecker Alves, 21 fev. 2014).

Entre os católicos, as festas eram aquelas promovidas pela capela da localidade, tendo como mote o padroeiro, e integravam moradores vizinhos. A festa da Capela São Pedro, por exemplo, atraía moradores de todas as outras regiões próximas:

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da vila de Santa Lúcia do Piaí, de Vila Oliva, Tunas Altas, Tunas Baixas, Sertória Alta, Sertória Baixa, São Maximiliano, entre outras. Como alimento, era servido churrasco, regado com muita bebida, como lembra Rômulo: “[...] matavam dois ou três bois, que iam todos para o espeto. Bebida era refrigerante, vinho e cerveja. Para beber tinha refrigerante, vinho e cerveja.” (Rômulo Antônio Muraro, 25 fev. 2014).

Um grupo de festeiros da comunidade ficava responsável por preparar o almoço e por servir os participantes. A festa acontecia após a missa, no domingo. Para animar a festa, formavam-se corais ou bandas. Além das festas do padroeiro ou do Kerb, as maiores e mais importantes para a comunidade a cada ano, pequenos momentos de lazer eram passados aos domingos, na casa de um vizinho ou na bodega, onde os moradores reuniam-se para cantar e dançar. Nesses encontros sociais, muitas vezes, ocorria de moças e rapazes enamorarem-se. O depoimento de Anna é dotado de detalhes sobre como os encontros eram organizados e ocorriam: “[...] meu pai resolvera criar um coral de cantores; naquele tempo, era só masculino. Eram doze, quinze pessoas, mais ou menos, homens que cantavam. Mandaram fazer uma bandeira. A bandeira em alemão. Num lado em alemão e, no outro lado, brasileira. Teve a inauguração da bandeira. Na inauguração tinha oito ou dez, não sei bem certo, meninas. Eu participava, eu tinha uns doze anos. As meninas tinham uma coroazinha de flores na cabeça. Toda vestida de branco e as flores. [...] naquele tempo, era costume fazer baile da sociedade, dos cantores,

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né. Era duas vezes por ano. Aí, meu pai resolveu construir um salão de baile. [...] Então tinha esses bailes lá, só de casais [...] Era muito bonito, no início dançava a polonäse, tinha um casal que puxava a frente e os outros atrás. Tinha que fazer tudo que o primeiro casal fazia. Passava por baixo... onde eles iam tinha que ir atrás, não podia errar. Tinha a janta de noite, e a minha mãe, ela era muito dedicada a isso aí. A minha mãe era de baixa estatura, cozinheira boa. Ela fazia a janta de noite pra essa gente. Era comida, era massa, batata assada, no forno de tijolo a vista. Ela fazia tudo isso, era o compromisso que minha mãe tinha. E a meia noite, então, tinha o reforço, pra matar o porre das pessoas [...]. Então ela fazia, aquela carne que sobrava, ela cortava em bifizinho, em fatiazinha e fazia com vinagre, cebola...” (Anna Schumann Scheifler, 5 mar. 2014).

Anita lembrou do “filó”, atividade realizada pelas famílias à noite, em um ambiente acolhedor: “Era um lugar que você se dava com todo mundo, conhecia todo mundo, porque, à noite, como não tinha televisão, não tinha nada, não tinha luz, a gente ia fazer filó. Era filó que se dizia, era serão. Comer pinhonada, assim. Então a gente ia de casa em casa, a gente conhecia todo mundo.” (Anita Vitalina Ecker, 21 fev. 2014).

Lembrou de como eram realizados os aniversários: “[...] o povo ia, pra fazer uma serenata, uma surpresa. Levava um violão ou levava gaita. E ficavam escondidos até anoitecer. E quando anoitecia, eles chegavam todos na casa cantando. E o aniversariante matava frango,

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fazia brodo, aquela brodada com vinho. E depois: baile! E quando a casinha era pequena, eles desmanchavam a parede da casa pra fazer espaço. Por exemplo, na cozinha e a sala, tiravam a parede pra fazer espaço e dançar. Então, essa era uma tradição que bem seguido acontecia. Daí ia jovem, de idade, tudo. Quem gostava de cantar cantava. E aquela festa de aniversário ia até os galos cantar. Ficava a noite inteira dançando e tomando brodo.” (Anita Vitalina Ecker, 25 fev. 2014).

E lembrou da expectativa para que o dia de domingo chegasse logo: “[...] você trabalhava a semana inteira pra esperar o domingo chegar. Mas demorava aquele domingo pra chegar. Demorava pra chegar o domingo... Daí tu ia no terço. Daí lá no bodegão do tio Cistoto sempre tinha matinê, era um encontro de dança, de cantoria, de coisa assim. Então era um domingo que tu vibrava pra que chegasse aquele domingo pra gente sair, porque era um domingo diferente, era um dia diferente.” (Anita Vitalina Ecker, 21 fev. 2014).

Fredolina recordou o período em que surgiu a Rádio Caxias (inaugurada em 1946) e a Rádio Canela (possivelmente, também surgida na década de 40), que passaram a embalar os animados “bailezinhos”: “Naquela época tinha aberto a Rádio Caxias, a Rádio Canela, essas coisas [...] então eles mandavam muitas dedicatórias. E como lá tinha a sala grande, a gente fazia os bailezinhos, sabe. Era o único divertimento que nós tínhamos naquela época.” (Fredolina Natália Ecker Alves, 21 fev. 2014).

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Educação As escolas rurais eram simples, geralmente uma casinha de madeira com uma única sala de aula para atender todos os alunos. As turmas de 1ª a 4ª série eram atendidas pela mesma professora ou professor. Estes geralmente chegavam às escolas a cavalo, vindos da vila de Santa Lúcia do Piaí. Podiam também pernoitar na casa de alguma família da região ou, ainda, havia um tipo de moradia junto à escola para o professor.

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Ambrósio destacou o esforço que sua professora fazia diariamente para atender sua turma de alunos, deslocando-se por vários quilômetros no lombo de um animal de montaria. O nome completo da professora que lhe ensinou o abecedário e as operações básicas da matemática ainda é lembrado: “[...] a minha professora vinha a cavalo de Santa Lúcia, a professora Maria Inês Scalcon. Ela vinha a cavalo todos os dias, lecionava, e eu estudei ali da primeira à quarta série.” (Ambrósio Luiz Bonalume, 11 mar. 2014).

A educação não era uma prioridade para as famílias do interior. Muitas crianças não conseguiam concluir seus estudos básicos, e se dividiam entre as atividades na roça, as atividades domésticas e os estudos. Rômulo e Fredolina expressaram em sua fala como a responsabilidade era praticada desde muito cedo, ajudando os pais no trabalho da roça ou cuidando dos irmãos mais novos: “Nós ia na escola, largava as onze e meia, chegava em casa ia pra roça trazer pasto pros animal. Comecei com nove anos ir na aula. Primeiro ano comecei, no segundo ano fui só uma semana.” (Rômulo Antônio Muraro, 6 dez. 2013).

“[...] aquele ano que eu estudei um ano no Macabúrio nós íamos, eu e a Vilga, um dia sim e um dia não, porque tinha as crianças pra cuidar para a mãe [...] eu estudei mais um ano com o Tomazzeli. [...] eu saí do primeiro

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ano e fui pro segundo livro, como se diz, do primeiro livro pro segundo livro, mas quando encerrou o ano, no ano seguinte eu não fui mais, porque meu pai me botou no cabo da enxada [...] Com oito anos eu não fui mais pra escola.” (Fredolina Natália Ecker Alves, 21 fev. 2014).

A grande presença de imigrantes ou descendentes de imigrantes italianos e alemães fazia com que as aulas fossem ministradas no idioma ou dialeto predominantemente falado na localidade. “A minha primeira aula foi em alemão. Eu tenho o quarto ano só, porque naquele tempo não tinha mais, tinha só até o quarto ano. Aí, depois, era em português.” (Anna Schumann Scheifler, 5 mar. 2014).

Porém, mesmo o interior de Santa Lúcia do Piaí, com suas poucas e precárias estradas, não escapou das ações da política nacionalista do Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945), que proibiram o ensino de línguas estrangeiras nas escolas. Anna lembra com certa tristeza quando, ainda criança, viu oficiais levarem embora uma bandeira alemã que havia sido feita artesanalmente: “[...] eles passavam nas casas, revistavam todas as casas. E na minha casa tinha livros alemães que o coral cantava e a bandeira em alemão. Linda, linda, linda, ela era vermelha, as cores da bandeira alemã, toda bordada a mão. Eles pegaram e rasgaram aquela parte alemã e levaram embora, deixaram só a [bandeira] brasileira para nós.” (Anna Schumann Scheifler, 5 mar. 2014).

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Técnicas e ofícios A partir de fibras vegetais, muitos agricultores confeccionavam cestas de vime ou de taquara, para o transporte dos produtos agrícolas, e também chapéus de palha de trigo, com a técnica da dressa (trança), para proteger-se do Sol. “Nós lidávamos com vime. Vime. Setenta e cinco mil quilos de vime na região lá, meu Pai era comprador de vime. Nós produzíamos e comprava todos os vimes que tinha na região.” (Rômulo Antônio Muraro, 6 dez. 2013).

“Nós plantávamos o trigo, na época de plantar o trigo. Quando ele tava maduro, a gente colhia. Aí, havia um trigo especial, que ele não tinha aqueles fios, a espiga não tinha aqueles fios compridos nos grãos. Ele era sem aqueles fios compridos [...], ‘panocheta’, acho que a gente dizia. Aí, a gente colhia a palha, que é aquela palha mais bonita. E a gente trabalhava, se fazia a trança, que se chamava, pra nós, na nossa língua, era a “dressa”. A gente trançava aquela palha se formava a trança e depois se fazia o chapéu. Eu trabalhava, costurava pra fazer o chapéu.” (Fredolina Natália Ecker Alves, 25 fev. 2014).

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Outra atividade artesanal praticada era o bordado, executado exclusivamente pelas mulheres. A técnica era colocada em prática durante as horas de descanso, ao meio-dia, ou à noite, à luz de velas. O enxoval, toalhas de mesa, de banho, panos de parede e de prato raramente eram comprados prontos, mas todos confeccionados em casa. “[...] a gente fazia o bordado que era um ponto que se enrolava toda a linha na agulha, e depois a gente passava a agulha no tecido por baixo e puxava, então, ficava aquela alcinha, aquela folha em alto relevo, formava as folhas com aquele, como se dizia, rococó. [...] então, se formava as rosinhas e era o nosso trabalho. O nosso enxoval era bordado na hora do meio dia, enquanto a gente tirava aquela meio hora, hora de descanso, as moças bordavam o enxoval à mão. E o crochê também, se fazia nas toalhas de banho, de louça e de mesa.” (Fredolina Natália Ecker Alves, 25 fev. 2014).

Num tempo em que não existiam modos de refrigerar os alimentos, era necessário desenvolver técnicas para conservá -los pelo máximo de tempo possível. Fredolina explicou sobre a técnica empregada para conservar batatas: “O meu pai abria uma cova grande na roça onde tinha caimento assim que a chuva escorria. Então, ele abria aquela cova, botava uma camada de palha de arroz e depois a gente botava todas as batatas assim, como se fosse os dedos assim, uma camada, e depois botava aquela camada de palha. E depois ele largava uma camada de terra, depois largava mais uma camadinha de palha pra assentar as batatas. Ficava assim [...] a gente enchia aquele

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buraco, tudo em camada assim. Depois eles cobriam com a palha, bastante palha, e botava bastante terra. [...] o monte ficava grande assim que parecia uma cova quando se enterrava uma pessoa no cemitério [...] fazia aquele monte alto que tivesse o caimento pra chuva escorrer. Em roda, depois de pronto, meu pai fazia uma valetinha assim, tudo em roda [...] pra chuva escorrer. Ela chegava a fazer o broto grande assim quando a gente ia tirar. Então, a gente começava de baixo, sempre de baixo, onde era mais baixinho, [...] depois fechava ainda, cada vez que se tirava, se tirava uma quantia. E daí se lavava e se deixava no sol, e elas ficavam murchas, depois se cozinhava no forno. Daí elas ficavam assim dentro, parecia com mel, doce, bem molezinha dentro, coisa mais boa.” (Fredolina Natália Ecker Alves, 25 fev. 2014).

E explicou sobre a técnica de conservação da carne de porco: “Se carneava um porco e a gente derretia a banha. Aí a carne, a gente pegava e cozinhava. Se botava uma quantidade na banha. [...] a gente botava assim, dentro da lata de banha já cozido os pedaços cortados. E uma parte, salgava bem salgada, que ficava branco de sal. Depois tinha que ferver duas três vezes pra poder botar no feijão ou cozinhar pra comer.” (Natália Ecker Alves, 25 fev. 2014).

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Os animais eram recursos fundamentais para a economia familiar e para a subsistência dos agricultores. Além de servirem para o transporte, como os bois e as mulas que puxavam carroças, carretas e slitas (espécie de estrado de madeira onde se punham sacos de grãos), eram fonte de alimento, como as aves (galinha, codorna) e os porcos que forneciam carne para encorpar o molho da polenta, carne lessa para sopa, banha para conservar outros alimentos (e até fazer sabão), e toucinho usado em muitas receitas. Também se criavam vacas como pecuária de leite, o que permitia a produção de derivados. Anna narrou como, junto com seu marido e seus pais, montou uma fábrica de queijo, produto que era depois comercializado no armazém da família ou vendido para regiões vicinais. “[...] meu esposo ficou quinze dias lá com eles em Picada Café, pra aprender fazer queijo. Eles faziam um queijo muito bom. Aí ele voltou. Nós construímos a fábrica de queijo lá no salão, embaixo do salão do meu pai. Meu quarto era lá dentro do salão e eu comia ainda com a minha mãe e meu pai, no salão com eles. Aí, fizemos a fábrica de queijo. E esse Vittmann de Picada Café, o Seu Alfonso, ele vinha pra buscar o queijo pronto [...] cada quinze dias, mais ou menos, ele vinha pra buscar o queijo. Era um queijo muito bom, aquele maciozinho, não tirava nada de gordura, um queijo gordo bom […] Tinha a temperatura, o termômetro dentro, tudo certinho. Então, naquela hora eu tinha que... tinha os fregueses que estavam no armazém, aí eu dizia assim: ‘Vocês esperam só um pouquinho que eu vou atender lá [...]’. Deixava eles lá, não tinha desconfiança que eles roubassem. Esperavam até que eu podia voltar. Então, tirava aquele queijo do tacho, era um pano grande, a gente botava por baixo, assim, depois levantava e jogava num tacho grande, assim. Aí salgava, misturava: ‘Agora tu te vira, bota nas formas.’.” (Anna Schumann Scheifler, 5 mar. 2014).

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Sobre o mesmo assunto, o Livro Tombo da Paróquia de Santa Lúcia do Piaí registra a inauguração de uma fábrica de laticínios, em 1940, ocasião na qual estiveram presentes autoridades locais que se pronunciaram a favor da produção de leite e de seus derivados pelos agricultores do distrito: [...] foi inaugurada a Fábrica de Laticínios, de propriedade de Chies e Cia., que ofereceu aos presentes os primeiros produtos da fábrica para os provarem à vontade com chopp em abundância. Nesta ocasião fizeram uso da palavra o Delegado de Polícia e o Vigário da Paróquia, concitando o povo a fomentar a produção de leite, nova e ótima fonte de renda para esta economia de terras fracas, mas que bem se prestou para este ramo de indústria. (1940). (Livro Tombo da Paróquia de Santa Lúcia do Piaí. n.1, p. 34).

Assim como o queijo, outros produtos de origem doméstica eram comercializados pelos produtores rurais. Inicialmente, vendiam o excedente daquilo que produziam em vilas mais habitadas, cuja demanda era maior, como em Caxias. Com o tempo, algumas famílias montavam uma venda própria, onde comercializavam não apenas seus produtos, mas manufaturados adquiridos de vendedores itinerantes (os chamados caixeiros-viajantes), tais como tecidos, ferramentas de trabalho, utensílios de uso doméstico (baldes, panelas, lampiões, louças), e até mesmo remédios. A família de Anna começou vendendo a produção doméstica na cidade de Caxias, mais tarde instalando o próprio comércio na localidade de Faria Lemos. Vendiam de tudo um pouco:

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“[...] naquele tempo não tinha estrada pra caminhão, carros... Então, eles puxaram de Faria Lemos a mercadoria, alimentos, batatas, essas coisas, pra Caxias, à carreta. Carreta com quatro, seis cavalos na frente. Levavam dias pra voltar, porque até chegar em Caxias... e eu então, a minha vida depois que... [...] eu cuidava só do comércio do meu pai. Era um comercinho pequeno, sabe. Tinha roupas feitas, tinha um... secos e molhados, como se dizia naqueles tempos. Remédios tinha, assim, Sadol, bálsamo, essas coisinhas de remédios tinha pra vender.” (Anna Schumann Scheifler, 5 mar. 2014).

A família de Fredolina também vendia os produtos em outros centros urbanos, e a depoente comenta que era prática comum usar como pagamento sacos cheios de grãos (trigo, por exemplo) para a aquisição de outros víveres necessários em casa: “Se sobrava um pouco pra vender, por exemplo, no começo, lá em casa, no começo a gente ia com o cavalo, às vezes vendia, assim, um cargueiro daqueles dois sacos de mantimentos pra poder comprar o café, o açúcar, o sal, a querosene, que era a velinha, né. Essas coisas que tinha que comprar no armazém, no mercado.” (Fredolina Natália Ecker Alves, 21 fev. 2014).

As técnicas agrícolas não eram muito avançadas, tampouco os agricultores usufruíam de máquinas mecânicas. Cultivar a terra dependia de bois, que puxavam arados rústicos, durante muito tempo feitos de madeira. Plantar milho, batata, trigo, entre outros, também era tarefa realizada manualmente, consumindo vários dias e com envolvimento de toda a família – pai, mãe e as crianças desde tenra idade. Mas, muitas vezes, a precariedade dos instrumentos e a morosidade do trabalho agrícola

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era problema menor diante das adversidades climáticas que os produtores rurais costumavam enfrentar, como períodos de seca, tempestades de granizo, geadas e neve. Rômulo contou sobre uma seca que dificultou o crescimento do arroz, de um temporal que em poucos minutos devastou a plantação de milho e de trigo da família, e da nevasca de 1962, que encobriu toda a paisagem: “Nós plantávamos bastante arroz, mas só que naquele tempo, diversas vezes pegava, quando que o arroz estava quase querendo fazer a espiga, dava uma seca não se colhia nem pra comer. E eu me lembro sempre um dia no trigo, também, um dia fomos a uma e meia, fomos na roça todo mundo, tinha até o lugar hoje, fui lá sei onde que tava [...] trigo bonito, tudo pronto pra... amarelando [...], trigo bonito, tudo assim e batata nessa altura, tudo bonita, vime nessa altura assim, a uva tudo vindo bonita e o milho dessa altura também, mais ou menos uns sessenta centímetros de altura o milho. Nós fomos a uma e meia pra roça lá, até na divisa com os Lise lá a roça era. De tarde, aí pelas quatro e meia começou a levantar um temporal, nós se olhava de lá aqui, mais ou menos por cima de Feliz, de lá onde era Linha São Paulo. Quando o temporal levantava dali era um perigo. E daí começou temporal, temporal pelas quatro e meia, quinze pras cinco. Temporal vinha vindo assim, vinha vindo. Quando foi umas quinze pras cinco meu pai diz oh, eu e minhas irmãs tava carpindo lá, “vamos embora que vai dar um temporal”. Chegamos lá, fizemos hora de chegar nem em casa, começou a chuva de pedra, quinze minutos, ficou quarenta centímetros de altura a chuva de pedra. Aquele trigo não sobrou nada, milho não sobrou nada, vime que veio depois brotou, mas deu um sacrifício, porque fez vinte, trinta broto [...] terminou tudo [...] E em 1962,

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então deu uma neve, uma neve assim, que levantemos, assim de manhã: “aqui não é mais aquele lugar! Não é mais aquele lugar”. Pinheiro tinha quebrado pra baixo tudo. Os mato que tinha ao redor, onde não quebrou, ficou todos os galhos quase quebrado uma parte e onde que era capoeira que era meia fraca, ficou tudo deitado. A neve, meio metro de altura.” (Rômulo Antônio Muraro, 6 dez. 2013).

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Ritos de passagem Entre os ritos de passagem, destacam-se na memória dos moradores o casamento, a Primeira Eucaristia e o passamento.

Casamento O casamento começava com o namoro, iniciado depois do casal se conhecer em alguma festa da capela, no Kerb, ou nos bailinhos organizados em casa ou na residência de algum vizinho. Em alguns casos, os namorados eram de localidades distantes, servindo-se de missivas para se comunicarem, pois linha telefônica não existia. “[...] meu namorado era lá de Gramado, então ele escrevia, eu me encontrava com ele a cada três semanas, geralmente que ele vinha.” (Anna Schumann Scheifler, 05 mar. 2014).

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“Quando eu comecei a namorar o falecido Dário, eu juntava [dinheiro], né. Costurava de noite, com aquela maquininha a mão e a velinha de querosene, costurava pro pessoal vizinho, roupa pra roça, costurava e cobrava cinquenta centavos, um real e meio, conforme se era calça de brim, essas coisas, né. E daí, eu juntava o dinheirinho e comprava, se tinha que comprar alguma coisa no armazém, pra fazer a torta que vinha meu namorado, né. Vinha do Canela, eu tinha que fazer, botar alguma coisa pro café [...]. E eu como não sabia escrever direito, eu troco o ‘d’, o ‘c’, o ‘s’ [...] eu escrevia mais ou menos o que eu queria e ela corrigia [aponta para senhora que entrou na sala onde estávamos fazendo entrevista], se não eu ditava e ela escrevia e depois eu passava a limpo com a minha letra [risos]. Eu tenho as cartas até hoje guardadas [...], tá ali guardadinha que nem um tesouro.” (Fredolina Natália Ecker Alves, 21 fev. 2014).

Em comunidades afastadas dos centros urbanos, acontecia algumas vezes de primos namorarem, e até mesmo a relação resultar em união estável. “[...] lá se achava, muitos casaram entre primos, porque não tinha outra opção, era [...] os parentaia [...] se reunia, e lá se namorava. E muitos casaram entre primos por isso. E antes da nossa geração, tinha duas famílias, a do nono Ecker e do nono Lazarotto. Então, com esse negócio de encontro, casaram seis dessa casa com seis dessa casa, porque não tinha outra escolha.” (Anita Vitalina Ecker, 21 fev. 2014).

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A festa de casamento gerava grande expectativa, não apenas pelos noivos, sogros e padrinhos, mas por todos os convidados. Após a celebração na igreja, que costumava ocorrer de manhã, todos deslocavam-se para o local da festa, onde era servido o almoço, geralmente churrasco. A festa durava até a noite, embalada por música. “E de manhã às dez horas era o casamento, nós ia de a pé lá na igrejinha. Depois do casamento, então, tinha almoço e de noite terminou, né. [...] De tarde tinha café; eu sei que tinha uns músicos que tocavam, mas não tinha baile.” (Anna Schumann Scheifler, 5 mar. 2014).

Rômulo contou que sabiam quando tinha casamento pelo estrondo dos rojões, que os festeiros costumavam acender para anunciar a união e o surgimento de uma nova família. O depoente traz na lembrança detalhes do selim, no qual a noiva vinha sentada, sobre o cavalo. “[...] nós sabíamos quando tinha os casamentos, porque vinham de Tunas Baixa, Tunas Alta, Sertória Alta, Sertória Baixa, São Maximiliano... ali todos, e Linha São Paulo, é claro, todos iam, passavam. Era coisa bonita de ver. As vezes cinquenta, cem cavalos, o noivo e a noiva na frente dos cavalos, e eles a cavalo na frente [...] nós ouvia o barulho, porque saía de lá, e nós como morávamos ali, estava no meio do caminho. Então de lá vinha o tiroteio, assim. No sábado de manhã. [...] Todos casavam em Santa Lúcia [...] se sentia o tiroteio no sábado, “quem é que tá casando hoje?”, “Quem que se marida?”[...] Nós ia lá cuidar. Até bonito com os cavalos. Os noivos na frente. O noivo e a noiva com um cavalo cada um. Ela... no tempo que tinha o selim [...] não era os arreios,

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pra moça, pra mulher não era os arreios. Selim, sentava assim de lado no cavalo.[...] e depois quando era mais ou menos onze e meia, retornava. Então se sentia aqui perto do Bonalume, em cima do morro, se sentia o tiroteio que vinha vindo. Tinha uns só com os foguetão atrás. [...] E de meio dia já tinha o churrasco pronto.” (Rômulo Antônio Muraro, 6 dez. 2013).

Após casarem-se, era comum o casal ir residir junto com os pais do noivo, onde permaneciam por volta de um ano. A noiva tornava-se uma ajudante da sogra na cozinha e em todas as outras atividades domésticas. Nesse tempo, continuavam a preparar o enxoval, iniciado logo depois de marcado o casamento, para quando fossem enfim ter o próprio lar. “Já tinha aprendido a costurar. [...] E eu já fazia crochezinhos, fazia aquelas fronhas com aquela barra entre meio, né, em crochê. Eu mesmo fazia o meu enxoval.” (Anna Schumann Scheifler, 5 mar. 2014).

“[...] quando nós conseguia pegar uns quilinhos de mantimentos, nós ia na bodega e comprava um pouco de algodão e fazia lá um lençol. E bordava de noite, com velinha de querosene. Então cada uma fazia o seu enxoval. Bordadinho, assim, à mão, tudo.” (Anita Vitalina Ecker, 21 fev. 2014).

Ainda sobre o casamento, um fato que chamou a atenção foi o caso das noivas que tinham que entrar na igreja com um véu de cor diferente, para marcar que já haviam sido iniciadas na vida sexual. Esse costume (ou significado da cor do vestido

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de noivado) perdurou por um longo período, tendo sido recentemente abandonado. “[...] quando uma moça casava grávida, pra ir na igreja, ela era bastante marcada. Ela tinha que entrar de vestido branco, só que o véu era roxo. Que era um sinal que ela não era mais virgem.” (Anita Vitalina Ecker, 25 fev. 2014).

Primeira Eucaristia As lembranças sobre a Primeira Eucaristia (entre os católicos) fazem parte da memória mais remota dos entrevistados, isto porque esse rito de passagem ocorria por volta dos 7 ou 8 anos de idade. O principal informante sobre o assunto foi Rômulo, que lembrou bem do dia de sua Primeira Comunhão, porque foi a primeira vez que ficou um período longe dos pais, já que realizou a catequese em uma semana intensiva de aulas, na Igreja Matriz de Santa Lúcia do Piaí.

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“A primeira comunhão fomos em Santa Lúcia. Nunca tinha saído de casa [...] era que nem ficar fora uns dez anos hoje.” (Rômulo Antônio Muraro, 6 dez. 2013).

 Centenas de crianças, de diferentes linhas do distrito, realizavam o sacramento em conjunto, em cerimônia ministrada pelo vigário. O Livro Tombo da Paróquia de Santa Lúcia do Piaí registra a Primeira Eucaristia de 132 crianças, no ano de 1936. Pelo relato, observa-se que era costume, após a celebração, ser servido café e doces, preparados pelas Irmãs do Colégio Santa Lúcia. [...] depois de uma semana completa de intenção e explicação do Catolicismo, ministrada pelo Vigário, fizeram a Primeira Comunhão solene, 132 crianças de ambos os sexos. Saíram do Colégio paroquial em procissão e vieram à matriz, acompanhados pelo Vigário, coroinhas, quatro anjinhos, banda de música e pelo povo. Comungaram com a mais edificante fieldade e ordem durante a primeira missa. Seguiu-se o tradicional café com doces oferecido pelas incansáveis Irmãs do colégio paroquial. Na última missa fizeram a renovação das promessas do batismo, a consagração a Maria S. S., receberam o escapulário de Nossa Senhora do Carmo e a lembrança da Iª Comunhão (1936). (Livro Tombo da Paróquia de Santa Lúcia do Piaí. n.1, p. 11).

Algumas fotografias antigas, inclusive o retrato de comungando de Rômulo, tão bem guardado durante anos, são testemunhos da importância atribuída a esse rito de passagem – por isso mesmo, foram escolhidos para serem perenizados em imagem. Já um retrato produzido recentemente, na praça em frente à Igreja Matriz, demonstra a continuidade do costume de

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vestir a criança com traje especial para a ocasião – as meninas, com vestidinhos brancos, que simbolizam a pureza da infância.

Passamento O passamento de um membro da comunidade significava uma suspensão do ritmo de trabalho diário. O velório ocorria na casa da família do falecido, e durava o dia todo, estendendo-se noite adentro. Posteriormente, o féretro era levado ao cemitério da capela da comunidade, onde era enterrado e o local marcado com uma cruz de ferro. Nas primeiras décadas do século passado, entre os anos 1900 a 1940, era costume contratar os serviços de um fotógrafo para registrar a última imagem da pessoa – às vezes, a primeira –, já no interior do ataúde. Esse costume era comum também para as crianças ou recém-nascidos falecidos, que eram vestidos com roupas brancas (como anjinhos) e tinham os olhos mantidos abertos para o retrato (crença de que isso os ajudaria a caminhar em direção a sua morada eterna, sem errar cegamente pelo limbo). Mesmo após abandonada a prática da fotografia pós-morte – cujo objetivo principal era tornar presente o ausente, por meio da lembrança –,

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o falecimento de um ente não significava seu esquecimento. Os cemitérios que ainda hoje existem, sempre anexos às capelas, são floreados com constância, em sinal de respeito àqueles que passaram e como prática de memória.

Outros aspectos de religiosidade Outros aspectos de religiosidade dos moradores de Santa Lúcia do Piaí são encontrados em práticas coletivas, como na cultura da capelinha (entre os católicos), que circulam de residência em residência, unindo a família em orações; nas procissões, com objetivo de alcançar uma graça comum, geralmente ligada à produção agrícola; e nos sinos de campanário, que comunicam e ditam o ritmo de alguns acontecimentos.

Capelinha A circulação da capelinha foi narrada no depoimento de Anita, que registrou a prática de orações em grupo: “Só que a capelinha tava na tua casa hoje, então a vizinhança acompanhava até na próxima casa, daí o terço era ali.” [...] Na outra noite o vizinho levava pra outra casa, então a turma ia toda lá. (Anita Vitalina Ecker, 21 fev. 2014).

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Procissão O livro tombo da paróquia do distrito registra uma procissão e um tríduo no ano de 1948, após um longo período de seca que estava prejudicando as plantações. Também existem fotografias registrando esse costume. Uma persistente seca meteu em prejuízo toda a preciosa colheita do milho e outros cereais [...]. no fim do mês os campos de milho apresentavam uma verdadeira desolação [...]. Na capela do Paiz é venerada uma antiga Imagem de Nossa Senhora Maria Santíssima. O povo fiel, sobretudo nas calamidades públicas, como é uma seca, recorre à Nossa senhora da Chuva do Paiz e em solene procissão acompanha a venerável Imagem à Igreja Matriz onde ela fica até a graça da chuva seja obtida. No domingo dia 26 de dezembro de 1948 foi organizada esta solene procissão. O Rev. Pe. Roque Castilhano, C. R. L. depois ter rezado a Santa missa na Gruta acompanhava a procissão com a venerada Imagem rezando com o povo fiel o S. Rosário. As 10 horas chegaram os [primeiros] para nos anunciar que Nossa Senhora aproximava-se à Matriz. Com uma grande multidão do povo [fomos] para encontrar Nossa Senhora. As duas procissões uniram-se num poderoso cortejo e, cantando as ladainhas lauretanas e outros cânticos em louvor de Maria, chegamos às 11 horas na matriz. [...] a chuva tardou; chovia nos arredores, chovia a Fazenda Souza, chovia a São Maximiliano, mas nem

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uma gota de água caiu sobre Santa Lúcia do Piaí e Caxias do Sul. Então começamos um solene tríduo [...] As boas mulheres da Vila e da colônia prometeram a Nossa Senhora uma magnífica veste (sendo a imagem, segundo antigo costume, vestida). Uma boa porção de gente assistia ao tríduo, Nossa Senhora nos concedeu a graça. Já o segundo dia do tríduo, durante a função suplicante uma copiosa chuva salvou o resto da colheita de milho. Nossa Senhora ficou conosco na matriz 14 dias e foi novamente conduzida em solene procissão até sua capela. Uma santa missa na capela do Paiz encerrava essa solene súplica. (Livro Tombo da Paróquia de Santa Lúcia do Piaí. n.2. p. 10).

Campanários Os sinos de campanários são instrumentos de comunicação, avisam sobre acontecimentos importantes da comunidade, como passamentos, casamentos e o horário de início de uma celebração. Estão presentes na arquitetura católica ou protestante. A capela São Maximiliano possui campanário com três sinos, que reverberam sons graves e agudos por toda a paisagem. A Igreja Luterana Cristo Redentor também possui campanário, que avisa sobre os eventos da Linha Faria Lemos.

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Usos coletivos A integração das comunidades não acontecia apenas nos momentos de lazer (nas festas) ou nos eventos religiosos (no culto ou na missa, no interior da igreja ou da capela). As famílias que construíam um moinho devido à localização do seu lote, compartilhavam a estrutura para outros agricultores. As estradas, indispensáveis e utilizadas por todos, eram também por todos construídas e conservadas.

Uso coletivo do moinho Os moinhos coloniais, movidos pela força da água, se localizavam perto de rios e eram utilizados pelos diversos colonos da região para a moagem do trigo e do milho. “[...] às vezes tu chegava lá tinha duas ou três moagem na tua frente, daí era por ordem de chegada, pra não ter que fazer outra viagem no outro dia eu esperava, [...] a gente levava quase uma hora para ir até o moinho, a cavalo.” (Fredolina Natália Ecker Alves, 21 fev. 2014).

O trabalho de moagem devia ser pago, o que era feito, muitas vezes, através de troca de produtos coloniais. “[...] o povo não tinha dinheiro pra pagar a moagem [...] Então, eles deixavam um pouquinho da farinha pra descontar o trabalho do moinheiro.” (Anita Vitalina Ecker, 21 fev. 2014).

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Uso e conservação das estradas A reclusa Santa Lúcia do Piaí chama a atenção pelo seu relevo acidentado, porém a beleza de sua paisagem teve como contraponto a dificuldade de locomoção das pessoas que viveram nesse distrito. Somado a isso, as constantes chuvas deixavam as poucas estradas em precárias condições. [...] nossos doentes, que desta vasta região, muitas vezes em estado grave, eram transportados, aos ombros de parentes e amigos, até Caxias, por não poderem transitar veículos confortáveis, pela nossa estrada geral S. Lúcia – Caxias, com vista do péssimo estado em que se encontrava particularmente o inverno (1937). (Livro Tombo da Paróquia de Santa Lúcia do Piaí. n.1, p. 16).

Muitas vezes eram os próprios colonos que faziam a manutenção para melhorar um pouco as condições das estradas. “[...] eles cobravam que eles roçassem as estradas, pagassem os impostos roçando as estradas e abrindo as valetas pra não empossar a água onde tinha os arroios, que chovia e não tinha escoamento, então tinha que abrir as valetas. [...] Então eles mandavam botar pedra e aterrar. Era pago com mão de obra [...] forma de pagar o imposto, arrumar as estradas.” (Anita Vitalina Ecker, 25 fev. 2014).

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As estradas eram necessárias para o desenvolvimento da localidade, para o escoamento dos produtos agrícolas. As principais comunicações eram com os Municípios de Caxias do Sul e São Sebastião do Caí: “Na época não tinha carro, era levado tudo por mulas o mantimento dos colonos. Os porcos eram tocados até Caxias em tropa a pé.” (Anita Vitalina Ecker, 21 fev. 2014).

Estes mesmos caminhos eram rotas dos tropeiros. “Vinha os boiadeiros lá de Canela, de lá de Porto Alegre e eles passavam por lá, eles passavam o rio nadando e dali eles faziam a posada [...] pra depois seguir pra Caxias.” (Anita Vitalina Ecker, 21 fev. 2014).

Conhecimento popular sobre saúde O acesso ao atendimento médico era difícil e a assistência médica quase inexistente. Quando necessitavam de um médico, tinham que deslocar-se até a vila ou, antes de ser construído o hospital, até a cidade de Caxias do Sul. Mas isso só acontecia quando o caso era muito grave, e diante do fracasso após muita insistência em curas caseiras. Para picadas de escorpiões, aranhas, cobras, cobreiros (tipo de herpes), dor de dente, pneumonia (chamadas “pontadas”), varíola, coqueluche, sarampo, resfriados, entre outros, recorriam com frequência à medicina popular, a remédios caseiros (homeopáticos), como chás e emplastros. Embora rezassem a santos de sua devoção em busca da cura, amiúde recorriam a benzeduras, feitas por mulheres (chamadas “bruxas”) e por homens (os “curandeiros”).

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“Chamaram lá um curandeiro lá de baixo no Caí, diz que ele sabia, não sei o que. Sei que ele me fez uma injeção... acho que até era enferrujada a agulha. Deus o livre! Uma agulha quase de tricô, assim. [...] Uma hora eu tava quase me passando, a minha mãe tirou querosene das velas, sabe. Tinha sido da vela, olha só. Pegou uma colher de querosene e deu pra eu tomar.” (Anna Schumann Scheifler, 5 mar. 2014).

“Na época, quando mordia uma cobra, não era levado no médico, era benzido. [Diziam:] “ah, fulana benze de cobra, leva na fulana que ela vai benzer...” (Anita Vitalina Ecker, 21 fev. 2014).

“Minha mãe era tipo uma curandeira. Ela benzia osso, osso quebrado [...] ela ia lá, botava no lugar, botava clara de ovo, assim, e benzia.” (Rômulo Muraro, 6 dez. 2013).

Os nascimentos dependiam das parteiras. Sem locais apropriados, muito menos instrumentos esterilizados, a criança nascia no leito da mãe. Devido à precariedade, muitos bebês nasciam mortos ou, pela falta de atendimento e desconhecimento de doenças, morriam horas após virem à luz. “Naquele tempo, vive ou morre. Não tinha quem socorresse, né. Não tinha médico, não tinha nada. Então a mulher ganhava o filho daquele jeito, a dores [...] A minha mãe ganhou todos os filhos ela sozinha, a gritos [...]. Só Deus mesmo que podia ajudar.” (Anna Schumann Scheifler, 5 mar. 2014).

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Embora essa condição, na narrativa oral de Anna encontra-se que, devido ao esforço pela sobrevivência, os recém-nascidos adquiriam vigor e cresciam fortes. “Nós somos em oito irmãos [...] eu tenho uma irmã que ainda vive, no dia 13 agora ela vai fazer 98 anos.” (Anna Schumann Scheifler, 5 mar. 2014).

Alimentação A alimentação dos colonos era bastante simples, com base nos alimentos produzidos na própria roça. “[...] era feijão, arroz e salada de laranja. [...] Ou um arroz com batatinha e molho e um pedaço de salame frito, botava tudo dentro de uma vasilha, e lá a gente comia.” (Anita Vitalina Ecker, 25 fev. 2014).

Alguns alimentos marcavam dias especiais da semana ou datas comemorativas. “[...] sábado, ela fazia aquelas rosquinhas, rosca doce se chamava. [...] a gente fazia a rosquinha assim, redonda, deixava crescer e depois assava no forno. Então, depois do culto, todo mundo ia lá comprar rosquinhas, era o que a mãe fazia sempre, todos os domingos quase.” (Anna Schumann Scheifler, 5 mar. 2014).

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“Minha mãe quando fazia [...] era assim, no Natal era os biscoitos [...] na Páscoa era cuca. [...] Ela tinha que fazer uma quantia meio grande [...] Ela pegava uma lata daquelas de querosene que elas tinham a tampinha redonda em cima [...] eles lavavam bem tudo, daí a mãe enchia aquelas latas. Fazia no forno, trabalhava um dia inteiro pra fazer.” (Fredolina Natália Ecker Alves, 25 fev. 2014).

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Referências HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004. Documento consultado Livro Tombo da Paróquia de Santa Lúcia do Piaí. n. 01,1930 – 1948. Livro Tombo da Paróquia de Santa Lúcia do Piaí. n. 02,1948 – 1953. Depoimentos ALVES, Fredolina Natália Ecker. Fredolina Natália Ecker Alves: depoimento 1 [21 de fevereiro de 2014]. Entrevistadores: E. Rela; C. S. Damo. Caxias do Sul, 2014. 1 arquivo .mp3 (01 h. 23 min.). Depoimento concedido para o Projeto Santa Lúcia do Piaí. __________. Fredolina Natália Ecker Alves: depoimento 2 [25 de fevereiro de 2014]. Entrevistadores: E. Rela. Caxias do Sul, 2014. 1 arquivo .mp3 (59 min.). Depoimento concedido para o Projeto Santa Lúcia do Piaí. BONALUME, Ambrósio Luiz. Ambrósio Luiz Bonalume: depoimento [11 de março de 2014]. Entrevistadores: L. H. Iotti; C. S. Damo. Caxias do Sul, 2014. 1 arquivo .mp3 (23 min.). Depoimento concedido para o Projeto Santa Lúcia do Piaí. ECKER, Anita Vitalina. Anita Vitalina Ecker: depoimento 1 [21 de fevereiro de 2014]. Entrevistadores: E. Rela; C. S. Damo. Caxias do Sul, 2014. 1 arquivo .mp3 (1 h. 23 min.). Depoimento concedido para o Projeto Santa Lúcia do Piaí. __________. Anita Vitalina Ecker: depoimento 2 [25 de fevereiro de 2014]. Entrevistadores: E. Rela. Caxias do Sul, 2014. 1 arquivo .mp3 (59 min.). Depoimento concedido para o Projeto Santa Lúcia do Piaí. MURARO, Rômulo Antônio. Rômulo Antônio Muraro: depoimento [6 de dezembro de 2014]. Entrevistadores: E. Rela; C. S. Damo. Caxias do Sul, 2013. 1 arquivo .mp3 (1 h. 21 min.). Depoimento concedido para o Projeto Santa Lúcia do Piaí. SCHEIFLER, Anna Schumann. Anna Schumann Scheifler: depoimento [5 de março de 2014]. Entrevistadores: E. Rela; C. S. Damo. Caxias do Sul, 2014. 1 arquivo .mp3 (1 h. 08 min.). Depoimento concedido para o Projeto Santa Lúcia do Piaí.

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Capítulo V Verdes e azuis das matas e águas e dos céus, nos olhos de quem vê Santa Lúcia do Piaí VALDIR DOS SANTOS

“A verdadeira viagem do descobrimento não consiste em procurar novas paisagens, mas em ver com novos olhos. Em busca do tempo perdido (“À la recherche du temps perdu”)” Marcel Proust, escrita entre 1908-1909

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As portas A terra onde nascemos é o nosso primeiro patrimônio, é o nosso primeiro sinal de identidade, é o nosso primeiro referencial de quem somos ou pretendemos ser. Dizer onde nascemos nos faz cidadãos do mundo, muito embora o mundo seja exatamente o que existe além dos limites da terra onde nascemos. Se saímos para o mundo, se vamos embora, se deixamos tudo o que tínhamos até então e decidimos conquistar o mundo, somos pessoas que partem levando, como marca atávica gravada no sangue e nas emoções, a terra em que nascemos, misto de lembranças e alegrias, tristezas e ausências, algumas tão fortes que nos fariam voltar sobre os próprios passos e retomar o que deixamos. E numa brincadeira que a vida tece, é nesse instante que percebemos a dimensão do mundo e do que queremos deste mundo, percebemos a dimensão do que temos por hora e do que queremos ampliar nesse mundo, percebemos que a nossa terra, o lugar onde nascemos, não tem espaço para tantos sonhos, não tem como atender tantos desejos, nem como concretizar nossos desafios e metas. E então é com essas indaga-

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ções que partimos, não sem lágrimas, mas sempre com essa frágil dureza de adultos, de pessoas que não choram mas que são surpreendidas, na maioria das vezes, com essas fontes brotando disfarçadas de poeira nos olhos, ou até da claridade da manhã que nos embaça o olhar. São lágrimas sim, são lágrimas que nunca fizeram parte de nossa expressão e que, dum jeito inesperado, insistem em nos constranger, em discutir nossas decisões, em fortalecer a vontade boba de adiar a partida, como se adiar fosse diminuir a dimensão de nossas decisões, e, nesse instante, a escolha é pela partida. Essas seriam, em princípio, as emoções imaginárias de quem partiu, um dia, deixando Santa Lúcia do Piaí escondida atrás da primeira curva da estrada. Partir é sempre difícil. E quantos percebem a dificuldade de quem fica, a tristeza, os silêncios, os ruídos imaginários na casa quase vazia, os passos que não mais se ouve marcando os minutos de solidão? Todos pagam o ônus das partidas, pois essas partidas se contorcem com as incertezas dos que partem, mesmo que seja em busca de melhores dias, e a lenta agonia das horas, dos dias, das semanas, dos anos intermináveis à espera das boas-novas, dessas notícias que teimam em tardar, dessas palavras que demoram para ser escritas. Quem fica aprende a arte da espera. Perdem o encantamento os dias de lazer e descanso, ficam imensas, e caladas, as mesas antes povoadas de afetos e risos e alegrias e esperanças. Ficam raras as conversas diante dos poucos pinhões torrados na chapa quente. Fechadas as portas diante dos olhos que ficam, fechadas as mesmas portas às costas de quem parte. Dentro das casas, e nos corações, o que arde não é a fumaça dos fogões, o que arde são as portas portadas que assinam todas as ausências.

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As mesmas paisagens E tem o lado sofrido das pessoas que ficaram, daquelas que, por um ou outro motivo, e são milhares de desculpas e justificativas que, nessas horas, sabemos criar, tem o lado sofrido e silencioso de quem não pode partir junto. Tem o lado de dor branca e constante de quem sabe ter ficado num tempo que já não se conjuga com tanta beleza. Tem as histórias das pessoas que fizeram e fazem, desde sempre, a vida continuar, às vezes lentamente, outras vezes impetuosa e cheia de vigor, mas deixaram as tristezas escondidas numa gaveta qualquer da casa e buscaram novos encantamentos nos ares encantados de Santa Lúcia do Piaí, desse lugar cujas cores de repente nos inundam como as águas azuis de sua fonte mística, dessas águas serenas se refletindo em verdes e azuis que se repetem, como num caleidoscópio de brincadeira, feito com pedaços de espelhos e papel picado; se repetem, mas jamais, por mais que se queira, nunca se igualam. São as mesmas imagens, as mesmas paisagens, só que ficam diferentes, transformadas em cenários mudos, em falas sufocadas, em cartas que não chegam.

As partidas Somos a imagem do que pensamos. E quem parte leva consigo a secreta verdade de voltar. Quando? Como? O que buscar nessas voltas? Que somos além desse emaranhado de perguntas sem respostas, de respostas sem perguntas? Somos apenas o que somos, e se as lembranças se fizeram cenas em paisagens consolidadas com cheiros, cores e distâncias na memória, são mensagens que renascem em nossas mentes como os verdes dos horizontes e suas colunas de pedras que se consolidam com o tempo. Recordar é sonhar, não importa quão indefesos sejam esses sonhos, mas sonhar nos dá a esperança que às vezes se

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chama certeza e se reveste de tênues véus de convicção, mas sempre temos a vontade irrefreável e íntima de regressar, temos certeza de que a terra, em que nascemos um dia, nos receberá de volta, que podemos voltar no tempo e no espaço e, como disse o escritor francês Marcel Proust em sua monumental obra À la recherche du temps perdu: Amamos apenas aquilo que não possuímos por completo. Terra natal é sinal marcado no corpo, é dado frio na carteira de identidade. E ter uma terra natal, e ter Santa Lúcia do Piaí é a confirmação de que, em todos os momentos da vida, precisamos ter amor por alguém, por alguma ideia, por algo abstrato e por nós mesmos, por nossas falhas, por nossas metas, por nossas certezas, por nossas fraquezas e por tudo aquilo que possamos fazer, em favor do crescimento de cada lado de nós mesmos, e daquilo que temos e que, em essência, constitui o nosso patrimônio emocional. Algumas pessoas são privilegiadas em seus dons e em suas qualidades, em sua força emocional, espiritual e mesmo em atributos físicos. Existem pessoas que nascem em locais privilegiados, em espaços onde a natureza foi generosa e fertilizou terras e águas, florestas e clima.

Os retratos da memória e as imagens para sempre Quando pousamos nossos olhos sobre Santa Lúcia do Piaí, é impossível desviar nossa atenção desses homens e mulheres em suas lides, nos campos, nos pomares, nos galpões, na cozinha, nas lavouras e hortas, nos jardins, nos bancos polidos das capelas e igrejas; dos homens de cabeça baixa e mãos paradas nas horas de dor;

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- dos homens nas marcenarias; desses homens solenes diante dos altares, nas pontes rústicas, no olhar rápido aos capitéis, nas mesas de doces, nos pomares, nos móveis rústicos que povoam as salas e suas

cortinas acariciadas pelos ventos de outono; das mãos que trançam as palhas, os nós que fazem as franjas de toalhas e panos de prato;

- das mesas que são campos de embates gastronômicos, das panelas luzidias penduradas nas cozinhas

impecavelmente limpas, das mesas que são campos de jogos e descanso das massas e tortéis e nhoques e pasteis e gróstolis cobertos de açúcar branquinho como as geadas que invadem as madrugadas de inverno e viram paisagens nas janelas antigas e em suas vidraças embaçadas;

- das tramas e dos amores juvenis dos meninos que crescem de repente, das moças pálidas que são mais

flores do que as flores que colhem nos jardins caseiros, dos chapéus de palha de trigo, das dressas que tecem redemoinhos em pensamentos apaixonados de quem ficou para trás nas histórias de amor, das

primeiras paixões e dos olhares furtivos nos corredores das escolas, dos sinais que só os jovens apaixonados entendiam;

- das águas frias das fontes e dos rios e dos corpos suados nas tardes de verão; das uvas e flores de verão

confundindo seus aromas no final das tardes quase anoitecidas; dos trabalhos que moldam paisagens, que inventam recortes de lavouras escorrendo pelas encostas dos montes; dos trabalhos que moldam rostos e corpos e acinzelam o caráter; dos suores que salgam corpos e ornamentam a vitalidade dos homens e a força de vontade das mulheres em seus cabelos macios;

- das seduções que emanam das palavras sussurradas nas noites de luar; das canções que cantavam os nonnos e nonnas; das canções que se ouviam nas festas dos santos; das rezas fortalecidas pelas vozes

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dos homens nas missas matinais; dos rosários gastos de tanto passar entre os dedos e mãos calejadas das rezadeiras; dos vitrais e dos santos nas paredes, das janelas subitamente incendiadas pelas luzes do pôr do sol;

- dos fornos e das chaminés fumegantes; dos biscoitos e pães quentes; dos copos de vinho ardentes e da lassidão das tardes de domingo e de bochas e jogos e danças sob o olhar cansado dos santos padroeiros; das rifas que nunca correm e das mesas longas nas festas de cada capela;

- das vertigens das águas despencando das cascatas, em seu torvelinho borbulhante a banhar-se incessantes, paisagens líquidas refletindo os azuis dos céus e dos encantamentos que atraem os meninos em bandos e outros bandos

de pássaros e aves do céu, das chuvas frias nas manhãs de inverno; dos suspiros enevoados em forma de cerração, brotando entre as fendas das montanhas; das pedras lisas dos regatos e dos troncos cobertos de fungos e das flores tímidas e parcas entre as pedras na beiras dos caminhos, nunca retos, sempre curvos, invadindo as matas e seus mistérios surdos;

- dos aromas das lavouras recém-aradas, terras marcadas por cicatrizes onde brotam grãos e frutos, que serão fartos

nas mesas do dia a dia; das colinas distraídas cobrindo os horizontes e se deleitando egoístas com os raios do sol ao

amanhecer; das pedras sob os sapatos novos nos caminhos que levam aos momentos de prece nos dias de procissão; das despedidas silenciosas e das vozes embargadas com que se diz adeus;

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- dos telhados submersos entre os arvoredos e seus alinhamentos serenos; desses telhados de barro que cobrem as casas, os lares, as escolas, as capelas e seus santos; desses telhados que cobrem as alcovas e

lençóis imaculadamente brancos guardados nos baús das nonnas e das tias que nunca casaram e guar-

daram seus segredos, mesmo que não os tivessem, como um troféu a ser apresentado no plano divino, na hora do julgamento celeste;

- das mulheres e de seus filhos que nunca souberam os segredos que, acrescentados às receitas mais

simples, fazem os pães mais apreciados, os doces e as geleias com cheiro e gosto de frutas e seus sabores; dos salames que dão água na boca só de lembrar; dos queijos brancos e macios adoçados com mel sobre

o pão recém-saído do forno; das sopas esparramando seus sabores; nos pratos fundos de porcelana craquelada; das canecas de café queimando a ponta da língua; das massas avermelhadas pelo rubor dos molhos que se sabem inimitáveis;

- das crianças que são irmãs dos que são filhos, que são irmãos, que são primos e que são da família; das casas recheadas de barulhos e alegria; das chinelas gastas e camas macias; onde dormem seus sonos e sonhos e esperas e aconchegos;

- dos pinheiros assustando as matas e suas pinhas despencando inesperadas para gáudio dos homens e dos bichos do mato; dos tucanos e seus bicos curvos colorindo os verdes molhados das matas; da pai-

sagem coberta de neve onde de repente se vê os rastros embarrados de alguém andando na “claridão” fria da lua sobre os campos gelados;

- dos galpões que são mais do abrigos dos animais, são espaços de luzes e sombras habitados por pás

e enxadas e serrotes e martelos e carroças e sacas de milho e réstias de cebola e alho e tachos gigantes onde se preparam as comidas das festas;

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- das orações simples dos homens mais simples ainda, que rezam orações azuladas de fé e de esperança diante das águas azuis da fonte santa do Padre Cristóvão de Mendoza; dessas águas testemunhais

desse confronto com os conflitos do mundo até então imaculadamente selvagem e inocente; das pegadas etéreas dos indígenas assustados nos primeiros contatos com os colonos e seus ruídos;

- das noites azuladas que encerram os dias cansados; das colheitas apressadas antes das chuvas; das

frutas maduras caindo nos pomares; das janelas e de suas vidraças amanhecendo amareladas pelos raios do dia que nasce preguiçoso; das rezas abafadas e dos minutos de sono interrompidos pelo canto

do galo madrugador; da casa recém-desperta e dos seus tantos moradores, inertes e mudos, pendurados

nas paredes; dos porta-retratos esquecidos num canto do armário; das gavetas que guardam os registros, poucos, dos nossos primeiros passos e que, por descuido, surgem de repente entre os brinquedos de uma criança;

- do vigor avermelhado das maçãs do rosto e das cestas cheias de uvas e maçãs e pêssegos e moranguinhos e ameixas e laranjas; das rodas das carretas que se arrastam sobre os pedregulhos e dos bois sonolentos que conhecem os caminhos que vão e voltam todos os dias;

- das pedras esmagadas nas estradas; das pedras que fazem os leitos íngremes das estradas do interior; das pedras que fazem barreiras nos açudes, que fazem casas, que fazem capelas e fazem cercas e fazem túmulos;

- do silêncio pétreo das sepulturas; dos tímidos cemitérios coloniais e de suas cruzes enferrujadas; das

fotografias que já não são mais do que manchas porcelanizadas, manchadas pelo tempo e seus tempos de mudanças; desses azuis cor de águas, cor de céus, cor das fitas que enfeitam os santos, das bandeiras que enfeitam os salões de festas; das luzes coloridas das festas de Natal e dos anjos empoleirados nos ombros dos santos e nos altares;

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Verdes e azuis das matas e águas e dos céus, nos olhos de quem vê Santa Lúcia do Piaí

- desses azuis que habitam as lembranças; desses azuis de crianças; desses azuis fugazes; desses azuis

que colorem com medo as frágeis flores de crochê que adornam uma cruz modesta e que, mais do que um azul dos céus e das águas de Santa Lúcia do Piaí, é uma declaração de amor infinito;

- é mais do que uma imagem, é um gesto que traduz a saudade e a eternidade das lembranças simples de ontem e de hoje, de sempre, com as quais, corajosamente, sobrevivemos.

O homem, em sua capacidade de transformar e de agir e interagir nas questões da nature-

za nem sempre atua de forma ponderada e positiva, nem sempre abre suas vertentes para que tudo permaneça em sua melhor situação, ou para que se respeitem as regras de relações entre o homem e o lugar em que vive.

Arar, plantar, cultivar e oferecer sua contribuição para a terra.

133

Verdes e azuis das matas e águas e dos céus de Santa Lúcia do Piaí Verdes e azuis nos olhos de quem vê Santa Lúcia do Piaí

134

v Verdes e azuis das matas e águas e dos céus, nos olhos de quem vê Santa Lúcia do Piaí

A verdadeira viagem do descobrimento não consiste em procu-

Certas recordações são como amigos comuns, eles sabem fazer

rar novas paisagens, mas em ver com novos olhos.

reconciliações.

Os dias talvez sejam iguais para um relógio, mas não para um

Se sonhar um pouco é perigoso, a solução não é sonhar menos, é

homem.

sonhar mais.

Apenas amamos aquilo que não possuímos por completo.

Os paraísos perdidos estão somente em nós mesmos.

A sabedoria não nos é dada. É preciso descobri-la por nós mes-

Teoricamente sabemos que a Terra gira, mas nós não percebe-

mos, depois de uma viagem da qual ninguém pode nos poupar

mos: o solo que pisamos não parece mexer-se e vivemos tranqui-

ou fazer por nós.

los, o mesmo acontece com o tempo de nossa vida.

Às vezes estamos muitos dispostos a crer que o presente é o único

O artista que troca uma hora de trabalho por uma hora de con-

estado possível das coisas.

versa com um amigo, sabe que está sacrificando uma realidade

O que reúne e atrai as pessoas não é a semelhança ou identidade

por algo que não existe.

de opiniões, senão a identidade de espírito, a mesma espiritualidade ou maneira de ser e entender a vida.

Em busca do tempo perdido (do francês “À la recherche du temps perdu”) obra romanceada de Marcel Proust escrita entre 1908-1909.

135

v

LINHA CRONOLÓGICA Um panorama evolutivo de Santa Lúcia do Piaí

136

1635 – A atuação de padres jesuítas na

cia dirigir a medição, divisão, e descrição das

a região de São Francisco de Paula passou

teiro da Santíssima Trindade, localizado em

rio-grandense é conhecida. Em documen-

zar a venda e distribuição delas e promover

nação de São Francisco de Paula de Cima

dulenses. Com isso, a ordem passa a manter

evangelização dos habitantes da província

tação desse ano e também de 1639, há re-

terras devolutas, e sua conservação; fiscalia colonização nacional e estrangeira.

à categoria de vila, ficando com a denomida Serra.

gistro da morte do Padre Jesuíta Cristóvão

1858 – Formação da Colônia de Nova Pe-

1884 – No dia 12 de abril, a Colônia

região do Ibía. Essa região foi identificada

integrada a São José do Hortêncio, o 7º dis-

5º Distrito de São Sebastião do Caí. Em 26

de Mendoza, que teria sido assassinado na por Aurélio Porto e pelo Padre Jesuíta Luiz

Gonzaga Jaeger como a atual localidade de Água Azul no Distrito de Santa Lúcia do Piaí.

trópolis, em 7 de setembro, que compunha, trito do Município de São Leopoldo.

1864 – Começam a ser distribuídos, pelo-

governo provincial, prazos de terra na Linha Sertório, pertencente a Nova Petrópolis.

Ana Rech, da Ordem dos Monges Camalas duas casas,uma em Nova Camaldoli e outra em Ana Rech.

Caxias é emancipada e passa a constituir o

1914 – Francisco Andreazza comprou ter-

de maio, Caxias é elevada à categoria de fre-

pinheirais e que fazia divisa com Gramado,

guesia, desvinculando-se da Paróquia São José do Hortêncio da Feliz.

1886 – Imigrantes italianos passam a se

ras no chamado Passo do Raposo, rica em

separada pelo rio Santa Cruz. Ali, ele montou uma serraria movida por roda d’água e depois com serras vindas da Itália.

1766 – Antônio Francisco de Lisboa, ven-

1875 – São Sebastião do Caí (antigo Porto

de Oliveira Raposo e sua mulher Angélica

desmembrada do Município de São Leo-

1890 – Pelo Ato Estadual 257, de 20 de

de maio. Nova Petrópolis que pertencia ao

nexando-se do Município de São Sebastião

1924 – Através do Ato 90, de 30 de de-

integrar o município de São Sebastião do

1899 – É fundada a primeira casa dos

Caí, sr. Ernesto Noll desanexou de Nova

gração italiana no Rio Grande do Sul.

lhido um local isolado, coberto de pinheiros,

de a Fazenda do Raposo a Francisco José Oliveira de Souza.

1824 – A Decisão n. 80 de 31 de março, dá início a imigração alemã no Rio Grande

do Sul. Os primeiros colonos foram esta-

belecidos na Real Feitoria do Linho Cânhamo às margens do rio dos Sinos, dando

Guimarães) é elevado à condição de Vila, poldo, conforme Lei Provincial 995, de 1º

distrito de São José do Hortêncio, passa a Caí. Também é neste ano que inicia a imi-

estabelecer nas Linha Sertório e Linha Fa-

1918 – Construção da Capela de São José, a localidade ainda pertencia ao Distrito de

ria Lemos (Nova Petrópolis).

junho, é criado o município de Caxias, desado Caí.

Monges Camaldulenses no Brasil. Foi esco-

origem à colônia de São Leopoldo.

1876 – Começa a ser demarcada, pelo go-

tembro, conhecida como a Lei de Terras,

Nova Petrópolis, havendo, neste ano, distri-

1902 – São Francisco de Paula de Cima

rem seus lotes eram filhos dos povoadores

pio pelo Decreto Estadual 563, de 23 de

1850 – Através da Lei 601, de 18 de sefica determinado que só era possível adquirir terras no Brasil através de compra. Atra-

vés dessa Lei, também é criada a Repartição Geral das Terras, que tem como competên-

verno provincial, a Linha Faria Lemos em buição de prazos. Os primeiros a requerede Nova Petrópolis.

perto do rio Piaí que foi batizado de Nova

localizada em Sertória Baixa. Nessa época, Nova Petrópolis.

zembro, o intendente de São Sebastião do

Petrópolis a Linha Faria Lemos, e esta passou a ser o 7º distrito do município de São Sebastião do Caí.

Camaldoli.

1926 – Os Monges Camaldulenses se re-

da Serra é elevado a categoria de Municí-

ordem que mantinham em Ana Rech e em

dezembro.

1878 – Em 24 de maio , pela Lei 1152, 1909 – Em 31 de agosto, é aberto o Mos-

tiram do Brasil, fechando as duas casas da Nova Camaldoli.

1930 – Em 10 de janeiro é realizada a so-

lenidade de inauguração da igreja matriz de

137

Santa Lúcia do Piaí durante a festa de sua

festa de Nossa Senhora do Carmo, o edifí-

1931 – Conforme Decreto de 18 de abril

de de Santa Lúcia o Piaí (entre os anos de

padroeira Santa Lúcia.

da Arquidiocese Metropolitana de Porto Alegre é criada a Paróquia de Santa Lúcia

de Faria Lemos. Jeronymo Bortolotto é nomeado o primeiro vigário da nova paróquia.

1934 – A Diocese de Caxias foi criada em 08 de setembro de 1934, pela Bula “Quae

Spirituali Christifidelium” do Papa Pio XI, a partir de um desmembramento da Arquidiocese de Porto Alegre.

1936 – Inicia o funcionamento de uma usina hidroelétrica no distrito de Faria Le-

Caí passa a denominar-se somente Caí, conforme decreto 7598, de 29 de novembro. Pelo decreto estadual 7643, de 28 de dezembro de 1938, o distrito de Farias Lemos passa a chamar-se Santa Lúcia do Piai.

1939 – Inaugurado em julho, durante a

138

Distrito de Santa Lúcia do Piaí.

ta solene para a benção da pedra fundamen-

Hospital Venerando Padre Cristovão de

1942 – Em maio foi inaugurada pelo Pe. tal da Escola Apostólica Nossa Senhora da

Santa Lúcia do Piaí vende a usina hidro-

Jesus Crucificado, na localidade de Água

Mendoza). Neste mesmo ano a Paróquia de elétrica, devido aos gastos que vinha tendo

jesuíta Luiz G. Jaeger a capela dedicada ao

Divina Providência, dos Cônegos Regulares

Azul.

1951 – Em 8 de julho ocorreu a inaugura-

cer ao município de Caxias do Sul, se des-

ranenses em Caxias do Sul.

Lateranenses em Santa Lúcia do Piaí.

com a construção do novo prédio da escola.

1944 – Santa Lúcia do Piaí passa a perten-

foram feitas nos limites municipais do es-

vinculando do município de São Sebastião

1953 – As Irmãs do Colégio Paroquial de

720, de 29 de dezembro. Neste mesmo ano,

cia na localidade. É fundado oficialmente

Pelo Decreto 7.842, diversas modificações

tado. Parte do território de São Francisco de Paula passa a pertencer ao município de

Caí, dentro dos limites do Distrito de Santa Lúcia do Piaí.

ligando as duas comunidades. Na mesma

1938 – O município de São Sebastião do

1949 – Em 24 de julho, foi realizada a fes-

calidade.

tituída por pessoas da própria comunidade, distrito.

assume a administração do Hospital da lo-

1948 e 1949 o hospital passou a se chamar

1940 – O prefeito de Caí vai a Santa Lú-

com o objetivo de construir um hospital no

dação de um novo Instituto Feminino no

1941 – A Paróquia Santa Lúcia do Piaí

mos de propriedade da paróquia.

1937 – É formada uma sociedade, cons-

do Padre Cristóvão de Mendoza em 1635.

cio do Hospital São Francisco na localida-

cia do Piaí para inaugurar a linha telefônica, ocasião é realizada a inauguração do novo

prédio do Colégio Paroquial de Santa Lú-

do Caí, conforme Decreto-lei Estadual n.º o Hospital de Santa Lúcia do Piaí é doado

para a Congregação das Irmãs do Imacula-

do Coração de Maria. As irmãs do Hospital irão atender neste ano ao paciente Onorino

o possível local onde teria ocorrido a morte

bro, é inaugurada a rede elétrica da sede do distrito.

funcionamento da paróquia de Santa Lúcia.

Cônegos Regulares Lateranenses. Em 4

Aurélio Porto, com o objetivo de procurar

Santa Lúcia do Piaí. No dia 28 de novem-

acidente.

anos que sofreu queimaduras graves em um

Neste mesmo ano, o Padre Jesuíta Luiz

Lúcia do Piaí acompanhado do pesquisador

o Botafogo Futebol Clube no distrito de

1955 – No dia 6 de fevereiro é realizada a

1947 – Inicia a administração da Paróquia

Gonzaga Jaeger chega ao distrito de Santa

Santa Lúcia abrem um Jardim de Infân-

Ecker, criança de aproximadamente quatro

cia, dirigido pelas irmãs do Sagrado Coração de Maria.

ção da Casa dos Cônegos Regulares Late-

de Santa Lúcia do Piaí pela Ordem dos de novembro é oficializada a criação da Pia União das Filhas de Maria na comunidade de Santa Lúcia do Piaí.

1948 – Em 18 dezembro ocorreu a fun-

comemoração do aniversário de 25 anos de

Neste mesmo ano é inaugurada uma nova capela da localidade Água Azul.

1956 - Inauguração da nova Capela de Santa Catarina, na Gruta de Pais, no dia 25 de novembro.

1957 - No dia 13 junho, foi inaugurada a

nova capela da localidade de Santo Antô-

nio. Em 08 de setembro, na localidade de Invernada, foi inaugurada a nova capela em homenagem a Nossa Senhora de Fátima.

Piaí que liga as paróquias de Santa Lúcia do

município de Caxias do Sul e do Estado do

Água Azul, a construção existente em torno

Cruzeiro.

de dezembro, capela em honra a Santo Isi-

to em homenagem ao Padre Cristóvão de

Piaí e Sagrado Coração de Jesus do Bairro

1958 - Durante a Festa da Padroeira de

1963 - Inauguração da nova capela em

ração do prédio da futura escola Apostólica

estrada de Água Azul, no dia 26 de maio.

Santa Lúcia do Piaí, é realizada a inaugudos Cônegos regulares Lateranenses. No

dia 15 de maio foi realizada a inaugura-

ção da nova capela de Nossa Senhora de Lourdes em Tunas Altas. São inauguradas os capitéis de São João Batista em Linha

Gonzaga, no dia 27 de julho, e de São Judas

Tadeu na localidade de Canudos, no dia 19 de outubro.

1959 - Em 15 de agosto, o distrito de San-

honra a Nossa Senhora do Caravággio na

Durante a festa em honra ao Sagrado Cora-

ção de Jesus, realizada em Nova Camáldoli, foi inaugurada a reconstrução e a ampliação

Rio Grande do Sul. Inaugurada no dia 19 doro, localizada na Zona Bonalume. Neste ano as Irmãs da Congregação do Imaculado

para o governo do estado, continuando o

to de crianças e jovens de 7 a 18 anos.

do Colégio de Santa Lúcia, passando esta

2009 – Fundação da Associação de Mora-

ne que liga Santa Lúcia do Piaí com Caxias

2010 – Beatificação de Barbara Maix por

o rio Macaco no dia 12 de junho, próximo a

cura do menino Onorino Ecker, que sofreu

do Sul. Inaugurada ponte de material sobre

capela de Nossa Senhora de Fátima.

uma Escolinha de Futebol para treinamen-

prédio como propriedade da paróquia.

Linha Sertório, junto a capela São José. Em localidade de Invernada, localizada perto da

Piaí.

2007 - Botafogo Futebol Clube instala

1966 - Inaugurada a rede dupla de telefo-

1 de dezembro foi inaugurada a escola da

Mendoza, situados em em Santa Lúcia do

Coração de Maria deixam a administração

da escola da localidade. No dia 29 de se-

tembro ocorreu a inauguração da escola na

da fonte, o bosque adjacente e o monumen-

Capela de Santa Maria Goretti

1968 - Inaugurada a 1ª escola municipal

dores do Distrito de Santa Lúcia do Piaí.

ocasião do reconhecimento do milagre de graves queimaduras no ano de 1944. Neste mesmo ano, a estrada que liga o Distrito de

ta Lúcia do Piai foi anexado à Diocese de

1964 - Foi inaugurada no dia 12 de abril

1960 - A capela de Santo Expedito é de-

ti, localizada nas proximidades do rio Ma-

1974 - É assinada a lei que determina a

2012 – Associação dos Moradores do Dis-

No mesmo local foi construída uma escola.

Paulo e São Maximiliano.

projeto turístico para o distrito.

Caxias do Sul.

sanexada da paróquia de Santa Lúcia do Piaí devido a instalação da nova paróquia

uma capela em honra a Santa Maria Goretcaco, na estrada que vai para Tunas Baixas.

feita de alvenaria, localizada na Zona do Travessão Silvestre, no dia 15 de agosto.

extensão da rede elétrica para as Linhas São

de Santo Expedito de Oliva no dia 24 de

1965 - Inaugurada, no dia 3 de abril, a

1992 – A comunidade de Sertória Baixa

1961 - Fundação em 22 de outubro o pré-

em substituição ao velho capitel São João.

na, conforme Lei Municipal 3.940 de 16 de

janeiro.

dio da Igreja Evangélica Luterana Cristo Redentor, localizada em Faria Lemos.

1962 - Inaugurada em 19 de agosto a pavimentação de concreto na ponte sobre o rio

nova capela Nossa Senhora de Aparecida No dia 30 de maio, no salão paroquial de

passa pertencer ao Distrito de Vila Cristi-

de Caxias do Sul recebe cobertura asfáltica.

trito de Santa Lúcia do Piaí dá início a um

2014 – É inaugurado o pórtico de entrada do Distrito de Santa Lúcia do Piaí.

dezembro de 1992.

Santa Lúcia do Piaí, realizou-se a 2ª Expo-

2005 – Pela lei 12.356 de 1º de novem-

animais, estiveram presentes autoridades do

do Estado do Rio Grande do Sul a Fonte

sição de Produtos Agrícolas e 1ª Mostra de

Santa Lúcia do Piaí à sede do Município

bro, é declarado como patrimônio cultural

139

equipe Aldo Toniazzo É cirurgião dentista formado pela Ufrgs. Atuou como fotógrafo do Instituto Superior Brasileiro -Italiano de Estudos e Pesquisas (Isbiep) da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Desde 1978, é fotógrafo do Projeto Elementos Culturais da Imigração Italiana no Nordeste do Rio Grande do Sul (Ecirs), integrado ao Instituto Memória Histórica e Cultural (IMHC) da UCS, onde atuou em projetos de inventário e resgate do patrimônio histórico e cultural de áreas atingidas pela construção de barragens e usinas hidrelétricas nos Estados do RS e de SC. Em 2007, participou como fotógrafo do projeto “Pesquisa

Anthony Beux Tessari e Registro do Patrimônio Histórico e Cultural Rural do Município de Caxias do Sul”, realizado em parceria com a Rede URB-AL. É sócio-fundador do Clube do Fotógrafo de Caxias do Sul. E-mail: [email protected]

Luiza Horn Iotti Mestre e Doutora em História pela PUCRS. Professora no Centro de Ciências Humanas da Universidade de Caxias do Sul desde 1988. Diretora do Instituto Memória Histórica e Cultural da Universidade de Caxias do Sul. Coordenadora de diversos projetos de pesquisa, entre eles: História e poder: discursos e práticas de gênero no Judiciário de Caxias do Sul - 1900-1950; Comarca Caxias: a trajetória do Judiciário e da justiça e Imigração e poder: a imigração italiana no Rio Grande do Sul. Editora da revista Métis: história & cultura. Autora dos livros: Imigração & colonização: legislação de 1747 a 1915 e O olhar do poder: a imigração italiana no Rio Grande do Sul, de 1875 a 1914, através dos relatórios consulares. Professora das disciplinas: Introdução

Possui graduação em Licenciatura Plena em História pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). É mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Tem experiência profissional em instituições de preservação do patrimônio arquivístico, histórico e cultural. Atuou no Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami, em Caxias do Sul (RS), e no Centro de Memória da Câmara Municipal de Vereadores dessa mesma cidade. Atualmente, é responsável técnico pelo Arquivo Fotográfico do Programa Ecirs (Elementos Culturais da Imigração Italiana no Nordeste do Rio Grande do

Sul), integrado ao Instituto Memória Histórica e Cultural da UCS. E-mail: [email protected]

Mégui Pezzi Dal Bó ao estudo da História, história do Rio Grande do Sul, Prática de estágio supervisionado, entre outras. Avaliadora do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). E-mail: [email protected]

Formada pela Universidade de Caxias do Sul no curso de Arquitetura e Urbanismo (2013), trabalha atualmente com projetos de arquitetura, interiores e PPCI (Planos de Prevenção Contra Incêndio). É colaboradora no escritório Edson Marchioro Arquitetura, Urbanismo e Engenharia S/S, realizando Planos de Mobilidade Urbana, Estudos de Impacto de Trânsito e Planos de Reestruturação do Transporte Coletivo em diversas cidades do Estado do Rio Grande do Sul, de Mato Grosso do Sul e São Paulo. Participou do Plano de Desenvolvimento do Distrito de Santa Lúcia do Piaí, na cidade de Caxias do Sul, através de estágio curricular realizado no Instituto de Memória Histórica e Cultural da Universidade de Caxias do Sul,

com o estudo da Evolução Urbana do Distrito. Também participou do Programa de Mobilidade Acadêmica da Universidade de Caxias do Sul, através de intercâmbio acadêmico para a Universidade de Sevilha, Espanha, no período de setembro/2011 a fevereiro/2012. E-mail: [email protected]

Cristiane Sebem Damo

Eliana Rela

É formada em Licenciatura em História pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Atualmente atua no Centro de Documentação da UCS (Cedoc/UCS), o qual está inserido no Instituto Memória Histórica e Cultural (IMHC/ UCS), auxiliando na organização de acervos documentais, assim como no atendimento e suporte aos pesquisadores e usuários do setor. Tem artigo publicado juntamente com outros autores, no livro Vivências sensoriais, leituras múltiplas: o espumante, lançado em 2012. E-mail: [email protected]

Doutora em Informática na Educação pela Ufrgs (2010). Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1995). Graduada em Licenciatura Plena em História pela Universidade de Caxias do Sul (1988). É professora da Universidade de Caxias do Sul. Coordena o Programa de Formação de Professores na UCS. Tem experiência na Formação de Professores; Estágio Curricular no Ensino de História; Processos de mediação no Ensino da História. Ministra disciplinas de Estágio, História da Fotografia. Possui várias publicações na área da História, entre elas: Nos-

Sandra Maria Favaro Barella

Valdir dos Santos

Possui Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1980), Especialização em Conservação e Restauração de Monumentos Históricos pela Universidade Federal da Bahia (1988), Especialização em Intervenção, Pesquisa e Ensino em Arquitetura pela Universidade de Caxias do Sul (1997), Mestrado em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2010). Atualmente é professora titular na Universidade de Caxias do Sul e pesquisadora no Instituto de Memória Histórica e Cultural/IMHC – Projeto Ecirs da Universidade de Caxias do Sul. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Fundamentos de Arquitetura e Urbanismo,

atuando principalmente nas seguintes áreas: Conservação e Restauração de Monumentos e Sítios Históricos; Patrimônio; Planejamento Urbano-Regional e Sistemas Configuracionais Urbanos; Tipologia Arquitetônica; Paisagem Cultural e Inovação Tecnológica. Atua como Arquiteta desenvolvendo Projetos e Consultorias, em Escritório próprio, em diferentes áreas da Arquitetura e do Urbanismo. E-mail: [email protected]

Valdir dos Santos envolveu-se nos meios culturais na década de 1960, sendo publicado no Correio do Povo, iniciando uma carreira que já lhe trouxe 33 premiações em diversos concursos literários, com mais de 100 textos autorais publicados em 30 obras coletivas. Nas artes plásticas, obteve 10 prêmios em concursos nacionais. Suas pinturas e desenhos estão em museus e coleções particulares. Ilustrou e fez capas de várias obras publicadas; criou cartazes institucionais, catálogos e apresentações; organizou mostras de artes; coordenou a parte cultural das Festas da Uva de 1984, 1986 e 1989. Formado em Design de Moda pela UCS, frequentou centenas de cursos livres de atualização, com ênfase em cerimonial e protocolo. Pesquisador por vocação, tem

sa Fé, Nossa Vitória: igreja católica, maçonaria e poder político na formação de Caxias do Sul; Fras-le 50 anos formulando sucessos; Design e identidade sustentável: valores locais como base para a inovação; A natureza do conhecimento histórico e seu ensino in: geografia e história: espaço, tempo e relações sociais. E-mail: [email protected]

interesse pela Festa da Uva; já criou trajes típicos para candidatas e soberanas, estandes institucionais e carros alegóricos, além de espetáculos de dança e roteiros para comerciais de televisão. É o responsável pelo Programa Mensagem – fatos históricos de cada dia, editado pela UCS; para vários veículos de comunicação regionais e nacionais. Atuou como redator de crônica social no Jornal de Caxias, Folha da Manhã, Correio do Povo, Jornal do Comércio e Pioneiro e foi curador de várias exposições institucionais da UCS, onde integrou a equipe de comunicação da Reitoria, atuando em projetos e ações diversificadas dessa e de outras entidades. E-mail: [email protected]

Imagens: referência e autoria Capa Autoria: Aldo Toniazzo

Pag. 10 Autoria: Aldo Toniazzo.

Pag. 14 Autoria: Aldo Toniazzo. Acervo: ECIRS/IMHC/UCS Pag. 17 Autoria: Aldo Toniazzo Pag. 18 Autoria: Aldo Toniazzo

Pag. 22 Autoria não identificada Reprodução: Aldo Toniazzo Acervo: Antônio Ângelo Muraro Pag. 25 Autoria não identificada Reprodução: Aldo Toniazzo Acervo: Antônio Ângelo Muraro Pag. 27 Autoria: Aldo Toniazzo e Ary Trentin Acervo: ECIRS/IMHC/UCS

Pag. 31 Autoria: Aldo Toniazzo e Ary Trentin. Acervo: ECIRS/IMHC/UCS Pag. 32 Autoria: Aldo Toniazzo e Ary Trentin Acervo: ECIRS/IMHC/UCS Pag. 33 Autoria: Aldo Toniazzo e Ary Trentin Acervo: ECIRS/IMHC/UCS

Pag. 34 Autoria não identificada. Reprodução: Aldo Toniazzo. Acervo: Jorge Andreazza Pag. 35 Autoria: Aldo Toniazzo e Ary Trentin Acervo: ECIRS/IMHC/UCS Pag. 40 Autoria: Aldo Toniazzo. Acervo: ECIRS/IMHC/UCS Pag. 42 Autoria: Aldo Toniazzo

Pag. 44 Quadro - síntese dos períodos. Autoria: Mégui Pezzi Dal Bó

Pag. 45 Autoria não identificada. Reprodução: Aldo Toniazzo. Acervo: Jorge Andreazza

Pag. 45 Mapa - Adaptado de MASSON, Alceu. Caí: monografia. São Sebastião do Caí: Prefeitura Municipal de São Sebastião do Caí, 1940. Anexo entre as páginas 12 e 13.

Pag. 46 Mapa - Adaptado de MASSON, Alceu. Caí: monografia. São Sebastião do Caí: Prefeitura Municipal de São Sebastião do Caí, 1940. Anexo entre as páginas 12 e 13.

Pag. 48 Estrutura colonial e fazendas da Cidade de Caxias do Sul Fonte: Adaptado de aerofotogramétrico da Prefeitura de Caxias do Sul e Cartas do Exército.

Pag. 48 Mapa de localização das zonas de povoamento do distrito. Fonte: Adaptado de Subprefeitura de Santa Lúcia do Piaí. Pag. 49 Autoria não identificada Reprodução: Aldo Toniazzo Acervo: ECIRS/IMHC/UCS Pag. 50 Autoria: Aldo Toniazzo

Pag. 51 Estrutura urbana e elementos de singularidade – Mapa de 1951. Fonte: Adaptado de arquivo particular do Arquivo Histórico João Spadari Adami – Primeiro Levantamento topográfico do distrito, realizado pela Prefeitura de Caxias do Sul.

Pag. 52 Estrutura urbana e elementos de singularidade – em 2012. Fonte: Adaptado de aerofotogramétrico da Prefeitura de Caxias do Sul. Pag. 54 Autoria: Aldo Toniazzo Acervo: ECIRS/IMHC/UCS Pag. 56 Autoria: Aldo Toniazzo Pag. 60 Autoria: Aldo Toniazzo Pag. 63 Autoria: Aldo Toniazzo

Pag. 64 Autoria: Aldo Toniazzo Acervo: ECIRS/IMHC/UCS Pag. 66 Autoria: Aldo Toniazzo Acervo: ECIRS/IMHC/UCS Pag. 67 Autoria: Aldo Toniazzo Pag. 68 Autoria: Aldo Toniazzo Pag. 72 Autoria: Aldo Toniazzo

Pag. 77 Autoria: Augusto Nienow Reprodução: Aldo Toniazzo Acervo: Anna Schumann Scheifler Pag. 78 Autoria: Aldo Toniazzo Acervo: ECIRS/IMHC/UCS

Pag. 82 Autoria não identificada Reprodução: Aldo Toniazzo Acervo: ECIRS/IMHC/UCS Pag. 85 Autoria: Aldo Toniazzo Acervo: ECIRS/IMHC/UCS Pag. 86 Autoria: Aldo Toniazzo

Pag. 88 Autoria: Aldo Toniazzo e Ary Trentin Acervo: ECIRS/IMHC/UCS

Pag. 93 Autoria: Aldo Toniazzo e Ary Trentin Acervo: ECIRS/IMHC/UCS

Pag. 94 Autoria não identificada Reprodução: Aldo Toniazzo Acervo: Anna Schumann Scheifler Pag. 95 Autoria não identificada Reprodução: Aldo Toniazzo Acervo: ECIRS/IMHC/UCS

Pag. 99 Autoria não identificada Reprodução: Aldo Toniazzo Acervo: Antônio Ângelo Muraro Pag. 102 Autoria: Aldo Toniazzo Pag. 103 Autoria: Aldo Toniazzo

Pag. 105 Autoria não identificada. Reprodução: Aldo Toniazzo. Acervo: ECIRS/IMHC/UCS Pag. 106 Autoria: Aldo Toniazzo Acervo: ECIRS/IMHC/UCS Pag. 107 Autoria: Aldo Toniazzo Acervo: ECIRS/IMHC/UCS Pag. 109 Autoria: Aldo Toniazzo Acervo: ECIRS/IMHC/UCS

Pag. 110 Autoria: Aldo Toniazzo e Ary Trentin Acervo: ECIRS/IMHC/UCS Pag. 115 Autoria: Aldo Toniazzo Pag. 116 Autoria: Aldo Toniazzo Pag. 118 Autoria: Aldo Toniazzo

Pag. 120 Autoria: Aldo Toniazzo

Pag. 124 Autoria: Aldo Toniazzo. Pag. 127 Autoria: Aldo Toniazzo

Pag. 128 Aldo Toniazzo Acervo: ECIRS/IMHC/UCS Pag. 134 Autoria: Aldo Toniazzo

Pag. 145 Autoria: Aldo Toniazzo.

O

patrimônio maior de Santa Lúcia do Piaí é seu perfil de fortes acentos rurais, com sua gente vivendo em am-

bientes onde a memória se exercita, tranquila e constante, na prática cotidiana do cultivo da terra e das tradições, bem como o respeito ao trabalho, comportamento e às atitudes desencadeadas pelos primeiros moradores, para vencer os desafios de viver, e sabiamente respeitado pelos seus descendentes, que com jeito discreto e digno fortalecem o perfil e o patrimônio desta que é uma das mais belas regiões do nosso estado.

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