Revanchismo e ideologia dos espaços

June 14, 2017 | Autor: L. Rosadas Campos | Categoria: Geography, Social Sciences, Gentrification, Gentrificación
Share Embed


Descrição do Produto

Universidade Federal Fluminense Escola de Arquitetura e Urbanismo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo Disciplina: GMPU – 2015-2 Professora: Fernanda Sanchez e Glauco Bienenstein Aluno: Luis Gustavo Rosadas Campos

Revanchismo e ideologia dos espaços

(…) La ciudad se afirma, después estalla”. Henri Lefebvre (1976, p.114)

2015-2

1

INTRODUÇÃO A ideia de cidade revanchista e ideologia do espaço público vai contra a ideia do planejamento estratégico, a fim de explicar o exemplo de Barceloneta. Espaços mercantilizados, movimento de pessoas para as áreas periféricas ao mesmo tempo em que o capital financeiro se apropria do mercado imobiliário, atraindo uma nova classe com poder aquisitivo.

Paralelo a isso, a ideologia fornece os elementos simbólicos para que a tal nova classe possa se sentir contemplada na área ‘revitalizada’. Camuflados na paisagem, com seu poder aquisitivo que os permite usar as máscaras necessárias para cada ocasião, a classe média encontra seu espaço de sensações tranquilizante. Entretanto, para os que sofrem a ameaça de remoções, resta a luta.

A IDEOLOGIA DO ESPAÇO PÚBLICO

O espaço público carrega em si um significado, uma ideologia. Tem um objetivo, uma função perante a sociedade e o modo de produção dominante. Com isso, a ideologia que contém o espaço público passa a ser uma ferramenta que confere valor, dá sentido e controla a sociedade.

Manuel Delgado aponta que para urbanistas e arquitetos, o significado de espaço público seria um “vazio entre as edificações, que deve ser preenchido adequadamente aos objetivos de promotores urbanos e autoridades, que geralmente são eles mesmos (2011, p. 9)”. A partir daí, dessa noção que o espaço público é um elemento de valorização de certas áreas, temos que tais promotores urbanos precisam de outros parceiros, que arquem com as despesas das ações de renovação urbana. Delgado coloca que “neste caso, falar de espaço em um contexto determinado pela ordenação capitalista do território e da produção imobiliária, sempre acaba resultando em um eufemismo: na realidade querem dizer ‘solo’ (ibid.)”, o espaço dentro da dinâmica capitalista passa a garantir ganhos financeiros, com a valorização do solo urbano, além da valorização imobiliária e do comercio de alto padrão em ruas e até bairros inteiros.

A produção de espaço passa a ser, como dito, uma ferramenta de produção de capital,

2

devido a um uso simbólico (em potencial) desse espaço, sendo ele transformado em algo consumível, passivo de receber investimento e de se tornar negociável. Entretanto, o espaço público não é somente uma fonte de renda, é também uma forma de controle da sociedade. Delgado explica que junto a essa ideia de valorização nas operações urbanas: (...) o espaço público passa a ser concebido como a realização de um valor ideológico, lugar em que se materializam diversas categorias abstratas como democracia, cidadania, convivência, civismo, consenso, e outros valores políticos hoje centrais, um cenário no qual se desejaria ver desfilar uma massa ordenada de seres livres e iguais que usa esse espaço para ir e vir do trabalho ou de atividades de consumo, e que, em seu tempo livre, passeia despreocupada por um paraíso de cortesia. Por certo que neste território corresponde expulsar ou negar o acesso às pessoas que não apresentem os modos dessa classe média para quem esse espaço se destina. (Delgado, 2011, p.10)

Tal idealismo, segundo Delgado (2011), que altera bairros inteiros em nome do progresso, mas que na verdade serve para reapropriação capitalista da cidade: (...) una dinámica de la que los elementos fundamentales y recurrentes son la conversión de grandes sectores del espacio urbano en parques temáticos, la genfrificacion de centros históricos de los que la historia há sido definitivamente expulsada, la reconversión de barrios industriales enteros, la dispersion de una miseria creciente, que no se consegue ocultar, el control sobre un espacio público cada vez menos público, etc. (Delgado, 2011, p.10)

Surgem campanhas midiáticas que reforçam o significado do lugar, ditando um modo de se comportar e de ser, onde aqueles que não possuem a capacidade de se camuflar de tal maneira, precisam ser excluídos. Para isto, acreditam que os espaços vazios (já que espaço público assume esse sentido) estão postos para receber este novo conteúdo. Tal consumidor desse espaço “revitalizado”, o espaço para a classe média, encontra nele um espelho de sua nova realidade: as representações tranquilizantes, o “seu lugar”, etiquetado e assegurado.

Como exemplo dessa ação, temos o bairro da Barceloneta, em Barcelona, cuja luta de movimentos sociais em defesa da preservação do bairro contra uma medida no ano de 2005 para a requalificação das edificações históricas, buscando: “(...) mejorar la accesibilidad vertical de las edificaciones tradiciona-les”: ascensores a los edificios. Demolición de 20% del total de quarts de casa de la Barceloneta = 1500 viviendas y la reubicación permanente en nuevas construcciones situadas cerca pero fuera del barrio, en terrenos propiedad de la compañía estatal de ferrocarriles RENFE. (GARZA, 2015)

3

imagem 1

imagem 2

Tal bairro, antes “sem vida” sob a ótica dos agentes que promovem o urbanismo na cidade e agora “revitalizado”, com uma obra que traria melhorias para a vida dos moradores, mas com a relocação para fora do bairro das famílias. Entretanto, a luta comunitária não permitiu que tal investida dos agentes imobiliários fosse a diante.

A ARQUITETURA COMO ELEMENTO DE VALORIZAÇÃO

A arquitetura contemporânea assumiu um papel de valorizador do espaço no qual está inserida. Pedro Arantes (2011) faz uma análise da arquitetura que passa a ser avaliada conforme seu impacto visual, transformando sua geometria na característica de maior relevância e “nova superficialidade fotogênica (p. 264)”.

Nesse novo espaço, dotado de símbolos e de ideologia, é necessário que se tenha um elemento visual a fim de conferir maior valor, que seja o símbolo de uma nova ordem. A arquitetura assume um significado de mercadoria, de algo reproduzível, que assume um valor e que confere um valor de mercadoria à certa área. Assim, Arantes (2011) trata a arquitetura como mercadoria: No campo da produção das mercadorias, pois é ainda disso que estamos tratando, a expansão da lógica do capital portador de juros sobre todas as outras esferas da economia e da cultura se exprime por meio de uma autonomização do significado em relação à materialidade dura dos produtos. Na produção de mercadorias, a racionalidade do capital fictício se expressa com a troca de um produto imaginário (como o “nome da marca” ou a “experiência”) por dinheiro – isto é, a transformação em capital daquilo que originalmente não é. Como na sua forma financeira, essa é a possibilidade que o capital procura para valorizar-se a si mesmo, desprendendo-se da materialidade dura dos produtos. (Arantes, 2010, p.90)

1

http://images-resrc.staticlp.com/S=W750M,H450M,U/O=85/http://media.lonelyplanet.com/a/g/hi/t/c9d77a0c127b81d29167f80e66ed1e96-passeig-maritim-de-la-barceloneta.jpg

2

http://www.renttopapartments.com/blog/wp-content/uploads/2013/02/Barceloneta-neighborhood.jpg

4

Essa arquitetura, de sentido alterado e transformada em produto, esconde certos aspectos funcionais e do modo pelo qual foi produzido. O trabalho realizado em forma de projeto (partido arquitetônico), da mão de obra na sua construção (método construtivo e trabalhadores envolvidos), são substituídos por uma imagem, por sua essa aparência expressa em fotografia que dissocia a arquitetura de seu lugar de origem. Arantes (2010) explica esse fenômeno com o fetichismo expresso na obra de Marx: O que estamos presenciando é uma manifestação mais avançada do fetichismo da mercadoria, pois não se trata apenas da separação entre produto e produtor, mas da separação entre o produto real e sua imagem como produto imaginário – que passa a circular e a valorizar-se com certa autonomia. O fetiche em sua primeira manifestação, como fetichismo da mercadoria, é a separação entre o fazer e o feito, a autonomização do produto em relação ao produtor. O encantamento da mercadoria, que parece nascida por iniciativa própria, negando sua origem, é uma abstração primeira. O exemplo dado por Marx é o da mesa que passa a dançar, como numa sessão espírita. Esse fetiche de primeiro grau está associado à formação de valor na produção de mercadorias, bens tangíveis que cristalizam a energia do trabalho fisicamente aplicado. (Ibid. p.90/1)

Essa abstração de sentido dentro da pós modernidade, é entendida de maneira oposta ao período modernista. Hoje temos que “a abstração pós-moderna está associada à financeirização que, no âmbito da produção do espaço, encontra, como equivalente ao capital portador de juros (Arantes, 2010, p.91)”, estando ainda relacionada diretamente ao mercado imobiliário e toda a sua lógica de especulação. Essa dinâmica econômica, como coloca Arantes, denomina-se ‘renda da forma’, que faz da arquitetura uma ferramenta de obtenção de “ganhos monopolistas derivados da atração proporcionada por suas formas únicas e impactantes (Ibid., p.93)”. Esse efeito visual obtido com os arquitetos do ‘Star System’, proporciona o efeito surpresa onde impressiona o “espectador” a reter na memória o espetáculo proporcionado pela arquitetura. A identificação da obra com determinados atributos intangíveis lhe garante a capacidade alquímica de transmitir, por meio de grandes objetos inertes e presos ao solo, valores imateriais a cidades, governos e corporações. É assim que a alta-arquitetura colabora para elevar o capital simbólico e econômico de seus empreendedores e beneficiários, e aumentar suas vantagens competitivas. (Ibid.,p.93)

A renda faz com que as imagens produzidas da arquitetura circulem o mundo, seja por revistas especializada, sites de fotografias e fotógrafos, sites especializados em arquitetura, seja por agências de turismo. Entretanto, esse veloz giro não é capaz de tornar pura a sua reprodutibilidade, “o original pode ser visitado, apreciado em sua concretude, em seu lugar de origem (ibid., p.263)”, já que ela é indissociável do seu lugar de origem. Segundo Arantes (ibid.), daí surge a necessidade de produzir cidades

5

competitivas, ideologia a fim de obter-se ganhos financeiros e reforçada por uma arquitetura cujo sentido, ou aura, é contaminada pelo mercantilismo, onde ela se torna uma obra de arte com sentido artístico esvaziado e desprovido de potencial crítico e libertador. A arquitetura circunscrita ao cálculo econômico: “A arquitetura é, assim, abstraída do seu contexto e da sua estrutura de relações complexas para se tornar uma forma plástica autônoma, sedutora, que passará a circular como um conceito. A fotografia extrai da arquitetura uma imagem sintética e excitante capaz de transportar em si os atributos que estimulam a renda da forma.” (Arantes, 2010, p. 269).

Manuel Delgado, no prologo do livro ‘Mierda de Ciudad’ (2015), aponta a postura do arquiteto urbanista como uma relevante questão nesta dinâmica de valorização pela arquitetura. Para Delgado (2015), a urbanização gerida pela lógica neoliberal, faz com que o Estado se torne mínimo, no que tange a sua função de árbitro nas relações econômicas, passando à postura de “parceiro”. Sua função seria a contenção de conflitos (com inimigos reais ou imaginários), na produção simbólica com a contenção assistencial à miséria, para o bom funcionamento do mercado. O papel do arquiteto como um agente de materialização dos planos e projetos para as “regenerações”, somado ao dos teóricos que oferecem aporte para tais dinâmicas de “destruição e entristecimento” das cidades, acarreta o aumento da responsabilidade ao substituir a vida urbana real. Delgado denomina estes profissionais de tecnocratas urbanos, pois falam do espaço mas pensam no solo, já que o espaço que criam, cedo ou tarde, se tornam espaços de venda. Tais profissionais acreditam que os espaços vazios estão postos para receber um novo conteúdo, sendo arrogantes o suficiente para achar que o espaço urbano está aí, posto à expressarem suas façanhas criativas. Entretanto, são ingênuos porque não reconhecem o que fazem como sendo fruto das relações de produção e que acatam ordens. Da aliança ‘Capital’ e ‘Políticas públicas’, temos uma transformação de ordem humana e morfológica. Alteração do uso do solo, de antigas industrias para residências (elitizadas) ou indústria tecnológica. As consequências de ‘reabilitar’ é desabilitar, ou seja, expulsar quem vive no lugar.

6

A GENTRIFICAÇÃO E AS LUTAS SOCIAIS

Gentrificação e cidade revanchista Para melhor compreendermos o processo de gentrificação, precisamos entender o significado da palavra junto da sua origem. A palavra gentrificação vem do inglês “gentry”, que significa “classes média alta” e “pequena nobreza”. Um breve estudo etimológico mostra que sua origem vem do antigo francês ‘genterie’3 (século XIV), cujo significado é ‘gentil’. Desta maneira, uma classe gentil e nobre, de poder aquisitivo elevado, capaz de se comportar de maneira aceitável e com o poder de consumir o que estiver dentro desse espaço aristocratizado. De maneira oposta, aqueles que não podem compartilhar do convívio com a nobre classe, no espaço idealizado, passam a ser gentrificados, expulsos por não possuírem os elementos necessários para usufruir do espaço.

Aprofundando na questão, a origem do processo de gentrificação surge na Inglaterra, como acaso durante o pós-guerra, em cidades de porte variado, orquestrado pelo Estado que recuperava edifícios antigos. As plantas de tais edifícios eram remodeladas para as famílias de classe média e classe média alta. Nesse processo de ocupação, a população das classes mais baixas perdia o direito de viver na região central, sendo expulsas desta região da cidade. Segundo Smith, “a gentrificação implica movimento”, e assim: (...) enquanto a renovação urbana do pós-guerra, financiada pelo Estado nas cidades ocidentais, encorajou a gentrificação no mercado privado, esta gentrificação de agora, assim como a crescente privatização dos terrenos no centro e do mercado de habitação desde os anos 80, alimentou o programa a partir do qual foram estabelecidos os planos de um amplo renascimento urbano com múltiplas facetas, ultrapassando de longe a renovação dos anos sessenta. A linguagem corrente do renascimento urbano é a prova da generalização da gentrificação na paisagem urbana (Smith, 2000, p.61).

A gentrificação passa a englobar diversos setores que conferem uma nova vida as áreas centrais. Um novo estilo de vida, onde o complemento da moradia vem junto de equipamentos a fim de suprirem a necessidade da nova classe que vai habitar as áreas. Junto a isso, novos tipos de trabalho, edifícios assinados por arquitetos do “star system”, parques condizentes com as premissas da contemporaneidade, restaurantes

3

http://www.wordreference.com/definition/gentry, 06/12/2015

7

de cozinha internacional, cinemas, centros culturais e comerciais a fim de atender tal demanda.

Do acaso a um sistema que age em consorcio, onde Estado e Empresa buscam um novo mercado. Um negócio altamente rentável e que evoluiu rápido, com campo fértil nos países centrais do capitalismo, com sua consolidação no fim dos anos 1980. Além disso, outro fator importante para o bom funcionamento da gentrificação seria a desvalorização como fruto do desinvestimento nas áreas centrais, criando assim as “condições espaciais de reinvestimento sobre locais específicos do centro tomando a forma da gentrificação” (Smith, 2006). Esse sistema passa a ser apropriado pelas instituições financeiras que, oferecendo baixos juros aos promotores imobiliários, substituindo o perfil de quem viverá na área. Isto faz com que o real interesse passe a ser o potencial valor do imóvel na revenda, ou seja, o valor de troca em detrimento do valor de uso. Segundo a teoria da renda diferencial (rent gap), as causas originais da gentrificação estavam na mobilidade geográfica do capital e nos modelos históricos do investimento e do desinvestimento no campo urbano: o investimento nas áreas periurbanas em detrimento da região central, dominante no século XX, criou condições espaciais de reinvestimentos sobre locais específicos do centro, tomando a forma de gentrificação (Smith, 2006, p.66).

O processo de gentrificação faz parte de um modelo de cidade onde as diferenças precisam ser eliminadas. Para que tal modo de produzir cidade seja lucrativo e eficiente, os promotores urbanos contam com um aliado importante: a mídia. Esta se comporta, muitas vezes, como um panfleto de propaganda onde um modelo de cidadão, de cidade e de sociedade é difundido veementemente. A partir daí, esse ímpeto de remover, de eliminar o indesejável a qualquer preço do espaço público e das áreas a serem gentrificadas se clarifica dentro do conceito que Smith (2012) chama de “urbanismo revanchista”. Este antiurbanismo revanchista representa una reacción contra el supuesto «robo» de la ciudad, una desesperada defensa de la falange de privilegios desafiados, envuelta en el lenguaje populista de la moralidad cívica, los valores familiares y la seguridad barrial. La ciudad revanchista expresa, por encima de todo, el terror de raza/clase/género sentido por los blancos de la clase media dominante, un grupo social que repentinamente ha sido «puesto en su lugar» por un mercado inmobiliario asolado, la amenaza y la realidad del desempleo, la aniquilación de los servicios sociales y la emergencia de las minorías y los inmigrantes, así como también de las mujeres, en tanto poderosos actores urbanos. La ciudad revanchista augura una feroz reacción contra las minorías, la clase trabajadora, las personas sin hogar, los desempleados, las mujeres, los homosexuales y las lesbianas, los inmigrantes. La ciudad revanchista ha sido escandalosamente reafirmada por la programación de televisión. (Smith, 2012, p, 321)

8

A realidade da gentrificação chega à mídia, junto com um novo rótulo dos jovens trabalhadores da classe média, deixando evidente quem serão os novos usuários dos espaços “requalificados”. Os Yuppies, termo usado para os Jovens Profissionais Urbanos (YUP, em inglês) foram os tais ocupantes que se beneficiaram, a partir da década de 1980, com os investimentos do Estado e da nova cara das edificações dada pelos agentes imobiliários. Com isso, “os "pioneiros urbanos" de Nova York e Londres foram substituídos, com aprovação do governo, pelos yuppies (p. 86). Além deles, complementando o cenário dos novos ocupantes, nos dias de hoje temos uma outra “leva” que se beneficia desse processo de ocupar os espaços gentrificados, os hypsters.

Dentre os que são removidos, seja pela força, seja pela falta de capacidade de consumir tal espaço ou de “consumirem” tal ideologia, os sem teto que transitam pelos bairros gentrificados, que são invisíveis no espaço dito público e democrático, passam a ser entendidos como um obstáculo físico na rua, como um elemento de desequilíbrio na paisagem urbana, afetando aqueles que consomem a cidade e que se comportam conforme os estereótipos que a mídia reforça. Tornam-se ameaça à valorização das áreas e à utilização do espaço público por aqueles que podem pagar (comerciantes que usam o espaço como extensão de seus negócios), provocando, Segundo Smith (2000), a fúria dos que utilizam e lucram com o espaço. Constantemente, os sem teto, passam por processos de remoção das áreas em vista da gentrificação e dos bairros mais nobres, sendo assim arremessados aos subúrbios distantes ou a abrigos também distantes da região central. Expulsos dos espaços privados do mercado imobiliário, os sem teto ocupam os espaços públicos, mas sua presença na paisagem urbana é contestada com fúria. Sua visibilidade é constantemente apagada por esforços institucionais de removê-los para outros lugares – para abrigos, para fora dos prédios e parques, para bairros pobres, para fora da cidade, e em direção a outros espaços marginais. As pessoas expulsas também são apagadas pelas desesperadas campanhas pessoais dos que têm casa para não verem os sem teto, mesmo quando tropeçam em seus corpos nas calçadas. Este apagamento em curso da visão pública é reforçado pelos estereótipos da mídia que ou culpam as vítimas – e, portanto, justificam sua invisibilidade estudada – ou afogam-nos num sentimento lúgubre que faz deles párias sociais, desamparados, o patético Outro, eximido de responsabilidade cívica ativa e com sua condição de pessoa negada (Smith 2000, p. 135).

A gentrificação é um processo de produção de desigualdade que se tornou global no final do século XX. Contudo, no decorrer das décadas seguintes, passou de oportunidade à estratégia urbana e, aliada ao capital, passa a ser global no modelo de cidade neoliberal.

9

El urbanismo neoliberal abarca una amplia gama de cambios sociales, económicos y geográficos, y la intención de estos argumentos opuestos es impulsar la cuestión en torno a cuán variada es la experiencia del urbanismo neoliberal y cómo estos mundos opuestos encajan entre sí. (Smith, 2015, p.258)

A produção de espaço passa a ser, como dito, uma ferramenta de produção de capital, devido a um uso simbólico (em potencial) desse espaço, sendo ele transformado em algo consumível, passivo de receber investimento e de se tornar negociável.

O caso de Barceloneta, Barcelona Para a preparação às olimpíadas de 1992, Barcelona experimentou uma série de transformações que a converteram em cidade paradigma da reestruturação territorial e econômica do novo capitalismo global, tornando-se um modelo de planejamento urbano exportável para outras cidades, como coloca (López 1993; Maldo 2004) no artigo de Muna Makhlouf De la Garza (2015). Uma das áreas mais afetadas por esse processo de renovação foi a orla da cidade, na qual está localizado o bairro da Barceloneta, construído na segunda metade do século XVIII.

mapa 4

imagem 5

Garza (2015) mostra que para muitos vizinhos isto era um pretesto que permitiría a entrada do capital privado. A relação poder público e iniciativa privada especulava a entrada no bairro, com a mudança do perfil de bairro popular para um destino turístico para a clase média alta.

Dentro desse modelo de cidade, a luta pelo espaço se faz através do tempo, com envolvimento da vizinhança do bairro. Mas, faz-se necessário que haja uma articulação entre os movimentos sociais da mesma região (e com de outros bairros), com a 4

https://www.google.com.br/maps/place/Barceloneta,+08039+Barcelona/@41.3740986,2.1978547,15z/data=!4m2!3m1!1s0x12a4a300227d79e7:0xb538e20b226b0ceb? hl=pt-BR (01/12/2015) 5

https://farm4.staticflickr.com/3180/2365145116_0d5dc74588_b.jpg

10

conexão entre os problemas locais e os globais, sendo a ação local uma forma de transformação global.

A apropriação do espaço pelos movimentos de resistencia como estratégia de reivindicação se torna fundamental, já que esta é a forma de apropriação do mercado imobiliário: a mercantilização do espaço público.

imagem 6

A luta constante dos movimentos sociais surgem de uma geração que acreditam perdida a luta partidaria, pela traição dos seus ideais, pelo fracasso da sua luta ou porque foram cooptados. A frustração com a “relación entre el agente y el recurso no es sólo una oportunidad de satisfacción de una necesidad, sino también una posibilidad de adquirir poder (Signorelli 1999: 56, apud Garza, 2015)”.

6

http://i.posta.com.tr/editor/ER/2014/08/24/fft31_mf5687620.Jpeg

11

Bibliografia ARANTES, Pedro Fiori. (2010) “Arquitetura na era digital-financeira: desenho, canteiro e renda da forma”. Tese de Doutorado em Arquitetura e Urbanismo, no Programa de PósGraduação em Arquitetura e Urbanismo, Área de Concentração de Tecnologia da Arquitetura, FAU-USP. São Paulo. ARICÓ, Giuseppe; MANSILLA, José et STANCHIERI, Marco Luca (Org.). (2015) “Mierda de ciudad: Una rearticulación crítica del urbanismo neoliberal desde las ciencias sociales”. Barcelona: Ed. Pollen. CASTELLS, Manuel et BORJA, Jordi. (1996) “As cidades como atores políticos”. Novos Estudos CEBRAP, julho, n. 45, pp. 152-166. DELGADO, Manuel (2011). “El espacio público como ideologia”. Madrid: Catarata. FERRAZ, Sonia et MACHADO, Bruno (2014). “Eu não tenho onde morar, é por isso que eu moro na rua. Os “sem-teto”: moradores ou transgressores? ” In: Cadernos Metrópole v. 16, n. 32, pp. 609. São Paulo: EDUC. IANNI, Otavio (1999). “A era do globalismo”. – 4 ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. GARZA, Muna Makhlouf De la. (2015) “Movimientos sociales y cuestión urbana Movimientos vecinales y transformaciones urbanísticas. Una aproximación etnográfica al caso de la Barceloneta, Barcelona”. In: “Mierda de ciudad: Una rearticulación crítica del urbanismo neoliberal desde las ciencias sociales”. Barcelona: Ed. Pollen.

SMITH, N. (1988). “Desenvolvimento desigual”. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand. ______ (2000). “Contornos de uma política especializada: veículos dos semteto e produção de escala geográfica”. In: ARANTES, A. (org.). O espaço da diferença. Campinas, Papirus. ______ (2006). “A gentrificação generalizada: de uma anomalia local à ‘regeneração’ urbana como estratégia urbana global”. In: BIDOUZACHARIASEN, C. (org.). De volta à cidade: dos processos de gentrificação às políticas de revitalização dos centros urbanos. São Paulo, AnnaBlume. ______ (2007). “Gentrificação, a fronteira e a reestruturação do espaço urbano”. GEOUSP – Espaço eTempo. São Paulo, n. 21, pp. 15-31. ______ (2012). “La nueva frontera urbana. Ciudad revanchista y gentrificación”. Madrid: Ed. Traficantes de Sueños. ______ (2015). “Nuevo globalismo y nuevo urbanismo: La gentrificación como estrategia urbana global”. In – El mercado contra la ciudad: globalización, gentrificación y políticas urbanas. Madrid: Ed. Observatorio Metropolitano de Madrid.

12

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.