Revisitando Mértola através das Memórias Paroquiais de 1758

June 28, 2017 | Autor: Alexandra Vidal | Categoria: History, Interdisciplinarity, Biology, Ictiofauna
Share Embed


Descrição do Produto

Revisitando Mértola através das Memórias Paroquiais de 1758 a

a

Alexandra Vidal , Maria Rosário Bastos

a,b

, Luís Cancela da Fonsecac

Cepese - Centro da População Economia e Sociedade, Porto | Email: [email protected] b Universidade Aberta, Porto | Email: [email protected] c MARE, Laboratório Marítimo da Guia, Cascais & Centro de Ciências e Tecnologias da Água, Universidade do Algarve Faro | Email: [email protected]

I. INTRODUÇÃO

A utilização dos estuários pelo Homem foi sempre uma constante devido ao papel que desempenham nos

O Guadiana era navegável até Ayamonte e barra de Castro Marim e “por elle vêm as caravelas de Setubal,

ciclos de vida de inúmeras espécies de aves e de animais marinhos migradores, na aptidão para a produção

e embarcaçoens similhantes, carregar trigos e cevadas a esta villa, mas não passam de sitio da Mesquita

de sal, na pesca e pela importância como zonas portuárias e de abrigo para a navegação. A água é, realmente,

que dista três legoas desta vila por cauza de algum cascalho de inundaçoens que no rio tem feito dous ou

fonte de vida. Por isso, as principais civilizações da Antiguidade são “dons dos seus rios”. Pesca, sal, caça,

três váos, os quaes athé os barcos, que para os yates e caravelas levam desta villa a carga, nam passam

produção de cereal, moagem, transporte, comércio, o rio tudo assegurava!

sem haver maré chea, podendo remedear-se este impedimento sem muito custo. O impedimento porém de

Também Mértola é indissociável do Guadiana, do respectivo estuário e das condições naturais que apresenta,

roxedos, e caxopos, que o rio tem para a parte de sima donde nasce, não tem fácil remedio e com effeito he

estando no limite do seu curso navegável.

innavegavel de sua natureza”. No entanto, refere-se que ainda ali se faz sentir o efeito da maré, já que corre todo o ano e nunca seca, pois por um lado ali engrossa porque lá desembocam outros curso de água e, por outro “com o fluxo das marés, que lhe entram athé huma legoa por sima desta villa, não há lugar a deixar de correr pelo retrocesso das agoas proprias, que as da maré violentam para traz”. (Disponivel em: http://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4240766 acedido em Setembro 2015)

Fig. 1 - Mapa do século XVIII da Península Ibérica publicado no Robert Wilkinson's General Atlas. Disponível em: wikipedia.org/wiki/Iberian_Peninsula#/media/File:Iberian_Peninsula_antique_map.jpg Fig. 2 - Pormenor das zonas do Baixo Alentejo e Algarve em A New Map of the Kingdom of Portugal, Divided into its Provinces, from the Latest Authorities. Disponível em: www.geographicus.com/P/AntiqueMap/Protugal-cary-1801#sthash.A9mjvTVg.dpuf

II. MATERIAIS E MÉTODOS

A fonte histórica que serve de base ao presente trabalho são as Memórias Paroquiais de 1758. Contêm as respostas ao questionário mandado elaborar pelo Marquês de Pombal, 3 anos após o grande terramoto que destruiu Lisboa e muitas outras localidades, especialmente a sul de Portugal. Tinha este por fito fazer o cadastro de todas as paróquias do reino e percepcionar os danos causados pelo sismo. Estava dividido em 3 partes: 1- sobre a povoação (27 perguntas); 2 - sobre a serra (13 perguntas); sobre os rios (20 perguntas). Foi enviado aos bispos de todas as dioceses, que o deviam reencaminhar aos curas das paróquias sufragâneas.

III. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Através das respostas do Padre Bento José Sevilha de Leiria, datada de 19 de Junho, ficamos a saber, v.g., que os frutos da terra recolhidos com abundância são o pão (entenda-se cereais) e mel que os habitantes dão ao gado; mas que na serra se cultivam trigo, cevada e centeio. Nas margens do Guadiana, quase até aos sapais de Aiamonte e Castro Marim, existem muitas árvores de fruto, hortas de milho, feijão, melões, melancias, aboboras etc.. Os animais de criação são essencialmente “gados de cabelo” e os de caça perdizes, coelhos, lebres, lobos, porcos e veados. Quanto às pescarias, ali se criam “solhos, saveis, safios, lampreias, muges, roballos, sabogas, picoens e barbos”. Pesca-se todo o ano: “de Janeiro e Fevereiro adiante, de lampreas, saveis, safios, robalos, e outros mais; de Março athé Junho, solhos e de Junho athé Outubro e Dezembro, muges e outros de qualidade inferior”.

Fig. 4 - Barra del rio Guadiana em O atlas de Pedro Texeira. Portos, barras e paisagens litorais da Península Ibérica, 1634. ASSOCIAÇÃO CAMPO ARQUEOLÓGICO DE TAVIRA, Algarve, Portugal, acervo cartográfico. Disponível em http://arkeotavira.com/Mapas/Texeira/Index.html.

Para além dos elementos atrás referidos ficamos a saber que:

. .

o mel, pelos vistos se destinaria maioritariamente aos animais; na serra se cultivam cerais de sequeiro, prática que terá contribuído para a degradação dos solos que

actualmente se verifica naquela zona;

.

nas margens do Guadiana existiam pomares e hortas, quase até aos sapais de Ayamonte e Castro

Marim, o que evidencia a disponibilidade de água doce para rega. Na época, a ausência de grandes barragens deveria possibilitar maior escorrência e, logo, menor salinização para o interior;

. as espécies de gado e de caça seriam semelhantes às actuais, com excepção de lobos e veados, agora desaparecidos (embora estes últimos tenham vindo a ser introduzidos em algumas zonas de caça);

. do pescado capturado só os solhos (esturjões) terão desaparecido - última ocorrência registada nos anos

oitenta (embora o stock da maioria das outras espécies se deva ter reduzido muitíssimo!). Os safios citados deverão ser enguias prateadas (início da migração), pois os safios necessitam de água muito mais salgada do que a expectável pela existência de hortas;

. as propriedades atribuídas às águas deverão, eventualmente, estar relacionadas com o seu conteúdo em enxofre e cobre (que se sabe terem poder curativo relativamente à sarna).

IV. CONCLUSÃO

Mértola e o seu Guadiana constituindo como que um “oásis” num território historicamente árido e por isso pouco povoado e apetecido deve ser estudado (como tem sido) de uma forma sistemática e sistémica. Porém, Mértola não deve ser olhada sob perspectivas isoladas, tão comuns na investigação científica tradicional. Assim sendo, a Bio-ecologia e a História uniram esforços e apresentam o seu contributo que é visto sob uma perspectiva sistémica, no ensejo de alertar para a sustentabilidade de um sistema que mais do que ser lembrado, tem que ser preservado. BIBLIOGRAFIA E FONTES BAPTISTA, C. Batista; BASTOS M. R.; AZEITEIRO, U.; DIAS, J. A. (2012) - "Approach to diachronic study of river freshwater fishes in the Tagus valley: the cases of Abrantes and Santarém", in 7º Simpósio sobre a Margem Ibérica Atlântica – MIA 2012 (16th-20th of December, 2012, Lisbon). BASTOS, M.R.; VIDAL, A.; AZEITEIRO, U.M.3; DIAS, J.A. (2013) - "Fish Distribution in Fauna Data in Lagoon of Aveiro (North Portugal): a Comparative Analysis between 1758 and the Present — An Interdisciplinary Case Study, in International Journal of Marine Science, vol.3, nº.28, pp. 219-224. Available at http://www.sophiapublisher.com/epublication-05/IJMS/Vol.3/28-1. doi: 10.5376/ijms.2013.03.0028 GARCIA, João Carlos (1986). O espaço Medieval da Reconquista no Sudoeste da Península Ibérica. Lisboa: Centro de Estudos Geográficos. 130 pp. Memórias Paroquiais de 1758. Disponível em http://digitarq.arquivos.pt/details?id=4240766 (acedido em Setembro de 2015). Fig. 3 - Peixes nativos e residentes da Bacia do Guadiana em Salvemos os peixes do Guadiana: a comunidade piscícola da Bacia do Guadiana. Disponível em: http://ffishgul.fc.ul.pt/publications.html

É muito curiosa a resposta às propriedades medicinais das águas uma vez que é dito “lavando as pessoas sarnozas as cura do seo mal, ou por virtude do Santo, a quem os lavados deixam as suas camizas, ou por natural virtude da agoa, perto da qual estam humas covas, que mostram serem minas de ferro, enxofre e vitriolo, por cujo mineral parece passar aquella agoa, como me informa o medico desta villa, e de que dará melhor conta o paroco daquelle destrito”.

SANTOS, Natacha & BASTOS, Maria Rosário Bastos (2014). O estuário do Rio Ave (PT). Anais do IV Encontro da Rede Braspor (15th to 18 th of October 2014, Manaus, AM, Brazil). TORRES, Cláudio & MACIAS, Santiago (s.d.). Mértola, o Guadiana e a História. Disponível em http://comum.rcaap.pt/bitstream/123456789/1674/1/M%C3%A9rtola,%20o%20Guadiana%20e%20a%20Hist%C3%B3ria.pdf (acedido em Setembro de 2015). AGRADECIMENTOS À Drª Natacha Santos o nosso sincero reconhecimento pela forma empenhada, esclarecida e profissional com que elaborou o presente poster. Ao Cepese o nosso bem-haja pelas condições físicas e materiais disponibilizadas para a elaboração do trabalho apresentado.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.