Revista Latinidade - Revista do Núcleo de Estudos das Américas - Dossiê Imigração

May 24, 2017 | Autor: Alexandre Belmonte | Categoria: Immigration, Inmigracion, Imigração
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Descrição do Produto

ISSN 1983-5086

Revista do Núcleo de Estudos das Américas Edição Especial 2013

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Reitor Ricardo Vieiralves de Castro Vice-reitor Paulo Roberto Volpato Dias Sub-reitora de Graduação – SR1 Lená Medeiros de Menezes Sub-reitora de Pós-graduação e Pesquisa – SR2 Monica da Costa Pereira Lavalle Heilbron Sub-reitora de Extensão e Cultura – SR3 Regina Lúcia Monteiro Henriques Centro de Ciências Sociais - CCS Diretor Léo da Rocha Ferreira Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFCH Diretora Dirce Eleonora Nigro Solis Faculdade de Direito Diretor Carlos Eduardo Guerra de Moraes Núcleo de Estudos das Américas - NUCLEAS Coordenadores Maria Teresa Toribio B. Lemos Alexis T. Dantas Paulo Roberto Gomes Seda CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/CCS/A L357

Latinidade. - Edição Especial (2013) . – Rio de Janeiro : UERJ. IFCH. Nucleas, 2009 . v. : il. 180p. Semestral. Inclui bibliografia. ISSN 1983-5086 1. América Latina - Periódicos. 2. Ciências sociais – Periódicos. I. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Núcleo de Estudos das Américas. CDU 3(05)

Linha Editorial

A Revista Latinidade se norteia para os estudos das sociedades americanas, priorizando as linhas de pesquisa política e cultura, política e sociedade e economia e relações internacionais. Entende que os estudos sobre cultura política atendem aos Gts do Núcleo de Estudos das Américas/Nucleas e dos latinoamericanistas do país e do exterior. A Revista Latinidade é assessorada por parecerista, professores da UERJ e colaboradores de outras universidades do estado do Rio de Janeiro e do pais, como professores da USS, UFRJ, UNIRIO, UFSM entre outras instituições de ensino superior. Destacam-se entre os parecerista os professores Helenice Sardenberg (Univ. Maria Thereza/Niterói), Eduardo Parga(UGF), Nilson Moraes (UNIRIO), Luiz Carlos Borges (MAST), Sul Brasil Pinto Rodrigues (UFRJ), Andre Luis Toribio Dantas (UERJ/FAETEC), entre outros professores. Também devem constar nos artigos entregues para publicação as datas de recebimento e aprovação dos textos. Os volumes da Revista Latinidade publicados a partir de 2012 apresentam alterações em sua estrutura. Foram acrescentados à publicação: dossiê, resenha, comunicações e estudos de caso, além do Sistema de Editoração Eletrônica.

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Editor Responsável: Maria Teresa Toribio Brittes Lemos Conselho Editorial: Alexis T.Dantas –UERJ Carlos Juárez Centeno-Universidad Nacional de Córdoba/AR Dejan Mihailovic –TEC/Monterrey/ México Katarzyna Dembicz – CESLA/ Universidad de Varsóvia/Polonia Lená Medeiros de Menezes-UERJ Maria Luzia Landim-UESB/Jequié Mauricio Mota-UERJ Nilson Alves de Moraes-UNIRIO Tatyana de A. Maia-USS Zdzislaw Malczewskis-Scr. – Paraná Conselho Consultivo: Raimundo Lopes Matos – UESB/Jequié Paulo Roberto Gomes Seda – UERJ

Andre Luis Toribio Dantas – UERJ/ FAETEC Eduardo Antonio Parga – UGF Fernando Rodrigues - USS Alexandre Dumans – UCAM Maria Medianeira Padoin – UFSM Marianna Abramova – Academia Financeira /Governo de Moscou/UR Sergey V. Ryazantsev, Institute SocioPolitic Research RAS, Moscou Adalberto Santana – UNAM/ME Irina Vershinina – Academia Financeira / Governo de Moscou/UR Henrique Shaw – Universidad Nacional de Córdoba/AR Programação Visual: Ramon Moraes Revisão: A revisão dos textos é de responsabilidade dos autores.

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Beneficiário de auxílio financeiro da CAPES – Brasil. Programa de Apoio a Projetos Institucionais com a Participação de Recém-Doutores (PRODOC)

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Sumário Apresentação ................................................................................... 7 DOSSIÊ: Análise da historiografia da imigração espanhola na América Latina a partir dos estudos de caso para a Argentina e o Brasil ....................................................................... 9 Érica Sarmiento RESENHA: A dura vida dos imigrantes .......................................................... 25 Alexandre Belmonte Imigração galega no Rio de Janeiro e em Buenos Aires (1890-1930): Breve estudo comparativo do imaginário e do associativismo étnico ............................................................ 31 Érica Sarmiento Vasos Comunicantes: Análisis Comparativo del Pensamiento Político y Socio-economico en Rusia y América Latina ............. 43 Irina M. Vershinina, Johannes Maerk Imigração europeia no Brasil: discursos, práticas e representações (1870-1930) ............................................................ 73 Lená Medeiros de Menezes Migração e território Guarani - espaço ideológico de identidade e arena de disputas ..................................................... 85 Luiz C. Borges Os Galegos do Mercado Modelo: O Comércio “Salvador” ...... 101 Maria Luzia Braga Landim Travessias e Cartas: Viagem e Mala do imigrante ..................... 111 Maria Izilda Santos de Matos

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Imigração Boliviana no Rio de Janeiro - Cultura e identidade ...... 127 Maria Teresa Toribio B. Lemos La musa proletaria en Costa Rica 1900-1948 .............................. 133 Mario Oliva Medina Problemas e Abordagens às Questões Étnicas: Um Ensaio sobre as Motivações da Exclusão Social na Bolívia .................. 147 Mauro Marcos Farias da Conceição As Mortes de Deus, do Autor e do Sujeito ............................... 161 Raimundo Lopes Matos Identidades y culturas en procesos migratorios – el caso de ‘la polonia’ brasileña en el siglo XXI .................................... 173 Renata Siuda-Ambroziak Políticas de saúde para o desenvolvimento do Interior da Bahia: as relações entre o mundo rural e urbano, pistas para o futuro ..................................................................... 183 Tiago Landim d´Avila Normas Editorias ........................................................................ 191

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Apresentação A Revista Latinidade Especial de 2013 tem a satisfação publicar os textos apresentados durante a realização do XVI Congresso de La Federación Internacional de Estúdios Sobre América Latina y El Caribe -FIEALC realizado na cidade de Antalya, Turquia. No Simpósio Processos Migratórios entre América Latina y Europa- Economia e interculturalidad en Debate – El Viejo Mundo y El Nuevo Mundo, coordenado pelos professores Maria Teresa Toribio B. Lemos, Lená Medeiros de Menezes e Alexis T. Dantas Latina. Foram apresentados estudos sobre sociedade, economia, cultura, com ênfase nos processos interculturais. Os textos revelam o empenho dos participantes em reunir novas abordagens e novos procedimentos teórico-metodólogicos para a análise crítica das questões abordadas. Esse Número Especial reúne 14 artigos, incluindo o dossiê Análise da Historiografia da Imigração Espanhola na América Latina a partir dos estudos de caso para a Argentina e Brasil , de autoria da professora Érica Sarmiento e a resenha do livro A Dura Vida dos Imigrantes , de Ângelo Trento pelo professor Alexandre Belmonte. Os textos destacam a profundidade epistemológica e o caráter acadêmico das questões tratadas pelos autores e revelam a complexidade pluricultural das sociedades americanas.

Maria Teresa Toribio Brittes Lemos

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Análise da historiografia da imigração espanhola na América Latina a partir dos estudos de caso para a Argentina e o Brasil Érica Sarmiento1

A história dos espanhóis no Rio de Janeiro sobreviveu a um período de silêncio na historiografia da imigração. Sendo o terceiro grupo de estrangeiros de maior relevância quantitativa na cidade do Rio de Janeiro, depois dos portugueses e dos italianos, os espanhóis, em sua maioria originários da Galiza, constituiram-se em uma presença invisível, ao menos para os estudos migratórios. Antigos moradores do Rio de Janeiro, os galegos já marcavam presença na cidade, desde, pelo menos, o início da segunda metade do século XIX. Sendo assim, por que somente alguns historiadores se arriscaram a estudar o papel da imigração espanhola e/ou galega no Rio de Janeiro? Provavelmente não exista uma única e definitiva resposta. Poderíamos dizer que a própria inexistência de estudos e a problemática das fontes poderiam limitar o início de uma investigação que, supostamente, não renderia frutos, ou que, em último caso, levaria muito tempo para se constituir em uma pesquisa de bases sólidas. Um fator que sim exerceu forte influência na historiografia da imigração urbana e espontânea no Brasil foram os estudos pioneiros de imigração rural, dedicados ao contexto histórico do final do século XIX. Importantes na sua contribuição, porém equivocados ao apostar em uma única hipótese para explicar o fenômeno imigratório urbano, esses primeiros estudos vincularam a imigração urbana, primordialmente, à política de imigração subvencionada do Estado de São Paulo. Dessa forma, compreendia-se a emigração espontânea, de muitos espanhóis e italianos, dirigidas às cidades, como deslocamentos internos, do interior do Brasil para as grandes cidades. Isso ocorre principalmente com as bibliografias mais antigas, como o caso da dissertação de mestrado de Mary Hesler de Mendonça Motta2. Apesar da indiscutível contribuição e inovação da pesquisa no tocante à

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imigração urbana no Rio de Janeiro (1890-1930), com a utilização de fontes qualitativas como os processos de expulsão, a autora não consegue dissociar a imigração urbana dos excedentes derivados das zonas cafeicultoras paulistas. Um dois fatores explicativos, utilizados na dissertação, é que o Brasil continuava trazendo imigrantes para a lavoura em decorrência do abandono do campo, por parte dos estrangeiros, para se dirigirem às cidades3. Não se nega a veracidade do argumento, uma vez que haveria muitos imigrantes que, devido às más condições de vida nas zonas rurais, buscariam melhores oportunidades nos centros urbanos. Entretanto, essa não seria a única explicação para analisar as causas da imigração portuguesa, italiana e galega no Rio de Janeiro. Para o caso específico da imigração galega a Rio de Janeiro, as características principais desse coletivo, circunscrito a uma zona urbana, vinculado ao setor terciário e a uma imigração baseada em cadeias imigratórias, demonstra muito pouco vínculo, ou, diríamos, quase nenhum, com a política de passagens subvencionada pelo Estado de São Paulo4. A mesma questão foi desenvolvida por Lúcia Paschoal Guimarães no único trabalho que encontramos dedicado exclusivamente à imigração espanhola no Rio de Janeiro5. As fontes utilizadas limitam-se basicamente às listas de vapores e aos censos da cidade do Rio de Janeiro dos anos de 1906 e 1920. A partir dos dados censitários, a autora faz uma análise da comunidade espanhola na sociedade carioca, analisando a distribuição espacial dos imigrantes e localizando-os principalmente nas freguesias centrais e nas áreas portuárias. Entretanto, devido às irregularidades e à precariedade das fontes, com limitações reconhecidas pela própria autora, não foi possível construir uma tipologia desses espanhóis. Paschoal Guimarães parte da teoria de que existem duas tendências historiográficas para os estudos migratórios: a primeira baseada na temática relacionada com a política de colonização, tomando como exemplo as colônias do sul do país, e a segunda com o processo de introdução de mão-de-obra escrava. Deparamo-nos com o mesmo problema: o da associação imediata da imigração espanhola- nesse caso a do Rio de Janeiro- com a imigração subvencionada. Apesar de se distanciar do argumento que utilizamos para a imigração galega, que se baseia numa imigração espontânea através de laços de parentesco e de cadeias migratórias, essas bibliografias tiveram grande importância, pois abriram perspectivas e instigaram novas reflexões nos estudos migratórios, além de contribuir com referências bibliográficas e com a indicação de fontes. É importante ressaltar, que, em ambos os casos, quan-

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do analisam a procedência dos espanhóis, as autoras enfatizam a presença majoritária de indivíduos procedentes da Galiza no Rio de Janeiro. Certamente, esta foi outra grande contribuição. Nos últimos anos, apareceram estudos que se preocuparam com a imigração nas áreas urbanas desde uma perspectiva qualitativa, utilizando fontes orais, periódicas e também as atas de associações mutualistas. Foi o caso de duas bibliografias relacionadas com a imigração espanhola e galega na cidade de São Paulo. A mais antiga, a de Avelina Martínez Gallego, defende a hipótese de que a falta de estudos da imigração espanhola está relacionada com a ausência de elementos intelectuais dentro da colônia capazes de registrar os acontecimentos culturais e políticos que envolvessem a vida dessa comunidade. A autora reforça ainda mais a sua hipótese, comparando com o caso dos imigrantes italianos. Segundo Gallego, este grupo possuía maior visibilidade dentro da sociedade paulista devido ao apoio recebido do governo italiano e à participação de uma intelectualidade orgânica que se encarregou de deixar como herança várias publicações, como os livros e a divulgação da imprensa étnica6. Uma obra não tão recente, mas que continua sendo a única para o caso dos galegos em São Paulo na segunda imigração de massas, é a de Elena Pájaro Peres7. A utilização de fontes orais, atas de associações espanholas e de correspondências diplomáticas serviu para construir um perfil da imigração galega que, segundo a autora, estava constantemente associado aos exilados da Guerra Civil e aos trabalhadores reclamados pela política desenvolvimentista brasileira da década de 50. Existe, na obra, uma crítica à forma determinista de enquadrar os imigrantes a certos acontecimentos históricos, como pode ser o caso dos italianos de São Paulo com o movimento operário, os negros com a escravidão ou os espanhóis e a imigração subvencionada. A visão reducionista acerca de alguns temas também contribui a limitar o emprego de novas metodologias. O anarquismo e os movimentos operários, por exemplo, estiveram principalmente associados aos italianos de São Paulo. Para este caso, em concreto, existe uma tendência a privilegiar determinados grupos imigratórios e, consequentemente, negar a participação e a construção histórica de outros. Como bem disse Devoto, referindo-se às emigrações espanholas e italianas à América, “... estudiar emigración no era funcional a una historia de las élites dirigentes y tampoco lo era para una historia del movimiento obrero o socialista centrado él también en aquella parte de las

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clases subalternas que había permanecido y no en aquella que había partido8”. Estudos relacionados com o movimento operário no Rio de Janeiro e referências bibliográficas sobre a imigração demonstraram que, na sociedade carioca, existiam vários sindicatos, grupos anarquistas e também líderes espanhóis envolvidos com a causa operária9. A bibliografia sobre o anarquismo e os movimentos de esquerda, entretanto, não tem a obrigação ou o comprometimento com os estudos migratórios, o que, muitas vezes, impede o pesquisador de identificar, por exemplo, dados tão valiosos para a imigração, como o lugar de origem do imigrante. Apesar de deixarem lacunas e muitas interrogações, foi essa bibliografia, juntamente com as fontes orais e os processos de expulsão, que nos permitiu constatar a participação galega em diversos episódios do movimento anarco-sindicalista no Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro, no começo do século XX, muitos estrangeiros foram condenados e expulsos por atuarem em movimentos operários e em sindicatos. Segundo as autoridades policiais da época, os imigrantes eram os responsáveis por instigar os trabalhadores nacionais a se rebelarem contra seu próprio país. Segundo Boris Fausto, as diferenças ideológicas do movimento operário do Rio de Janeiro e São Paulo se devem às características das duas cidades e a composição da classe trabalhadora. O Rio tinha uma estrutura social mais complexa, com setores sociais menos dependentes das classes agrárias, como a classe média, os militares e universitários, enquanto que em São Paulo, a classe média girava em torno da burguesia do café e não existiam grupos militares desejosos de unir-se com as camadas populares em contra do poder estabelecido10. Além disso, outro fator importante deve ser destacado: no Rio de Janeiro havia menos operários estrangeiros nas fábricas e muitos no setor terciário ou de serviços (ferroviários, marítimos, portuários) e os movimentos de protesta se distinguiam por apresentar um viés muito mais popular que operário11. A obra mais destacada em relação aos processos de expulsão, sem dúvida, é o livro Os Indesejáveis, de Lená Medeiros de Menezes12. É uma referência recorrente nos estudos migratórios e leitura obrigatória para quem trabalha com processos de expulsão, criminalidade, anarquismo e imigração urbana. Os Indesejáveis trouxe à tona uma narrativa modernizadora, com interpretações únicas e pioneiras dos bastidores do poder, dos relatórios policiais, dos inquéritos das delegacias. Um submundo se apresentava à historiografia da imigração, com uma criteriosa análise dos pro-

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cessos de expulsão, no período da Belle Epoque carioca. A autora dava destaque às vozes dos excluídos e de todos os que com eles conviviam no cotidiano carioca da Primeira República. O romantismo da imigração, com a temática abordada pela obra Os Indesejáveis perdia, assim, a sua força. Já não era possível imaginar o “Fazer a América”, sem antes pensar nesses milhares de portugueses, italianos, espanhóis, franceses, russos, que foram expulsos do Brasil, acusados de contravenção, de vadiagem, roubo e de crimes políticos. Nessa obra, foi possível encontrar muitas respostas para o entendimento da inserção socioprofissional e das estratégias de sobrevivência dos imigrantes galegos no Rio de Janeiro. Nos processos de portugueses, de galegos, de italianos, entre outros, encontrava-se a explicação para a existência de muitos preconceitos, mitos e estereótipos que rondavam a figura dos estrangeiros. Contrariamente a alguns trabalhos relacionados à imigração espanhola, Lená Medeiros, em Os Indesejáveis, percebeu a importância dos galegos como grupo majoritário dentro do contingente espanhol no Rio de Janeiro. Analisou não só a nacionalidade do estrangeiro, como também o seu lugar de origem e percebeu que alguns indivíduos, oriundos de Portugal e da Espanha, pertenciam à região norte da Península Ibérica. Talvez, na época, os leitores e especialistas não se deram conta, mas a obra introduziu, mesmo que não fosse o seu objetivo, a percepção de cadeias migratórias nos estudos da imigração no Rio de Janeiro. A partir da análise dos processos de expulsão, rompe-se com a ideia de “flor exótica”, com a tradicional explicação de que o anarquismo “arribou” em terras brasileiras, trazidos pelos imigrantes europeus, especialmente os espanhóis e italianos. Portugueses e galegos, oriundos do Norte da Península Ibérica, camponeses e pequenos proprietários, desembarcaram no Rio de Janeiro na tenra idade, jovens caixeiros, lavadores de prato e garçons, quase meninos, que aprenderam as suas táticas de sobrevivência no cotidiano carioca. Como pensar que esses imigrantes foram porta-vozes das doutrinas de esquerda no Rio de Janeiro? Voltando ao recorrido historiográfico da emigração espanhola no Brasil, o que prevalece ainda é a presença de uns poucos estudos que analisem essa imigração ao Brasil como um todo. Algumas bibliografias oferecem dados referentes ao contingente espanhol que entrou no Brasil no período da imigração de massas13, explicando o processo histórico da imigração subvencionada; outras contribuem com alguns aspectos da imigração espanhola e galega na cidade de São Paulo14, de Salvador da Bahia15

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e Belém do Pará16. Em relação ao predomínio dos galegos como grupo majoritário do Estado espanhol em algumas cidades brasileiras, há o clássico estudo de Jeferson Bacelar para o caso de Salvador da Bahia, intitulado Galegos no paraíso racial, do ano de 1994. Durante muito tempo (e ainda segue), a obra de Bacelar permaneceu como a única, específica, sobre a imigração galega no Brasil. A pesquisa centra-se na integração dos galegos na sociedade baiana e as suas relações dentro do ambiente familiar, concluindo que a família é a unidade básica de reprodução do grupo galego. Segundo Bacelar, para participar do modelo de trabalho galego onde o clientelismo faz submergir a condição de classe, é preciso se reconhecer, como membro do grupo e criar as bases para a ascensão da sociedade galega. O autor conclui que os galegos predominam nos setores do comércio de alimentos e bebidas, os chamados secos e molhados, substituindo os portugueses, que até o século XIX representavam a maioria neste ramo comercial. Bacelar investigou a origem dos galegos de Salvador e descobriu que procediam, majoritariamente, dos municípios pontevedreses de Pontecaldelas, Fornelos de Montes e A Lama17. Outro estudo da comunidade galega na Bahia, o de Maria Albán, caracteriza a primeira imigração de massas como espontânea e formada por homens procedentes da província de Pontevedra18. Por último, o trabalho de Célia Maria Leal Braga analisa a trajetória dos galegos na Bahia através das fontes orais. As entrevistas e o arquivo do Consulado Espanhol da Bahia foram as fontes utilizadas por essa autora para analisar a estrutura familiar e a adaptação dos galegos em Salvador19. Nas últimas décadas, apareceram estudos, principalmente em São Paulo, que se preocuparam com a imigração direcionada às áreas urbanas, priorizando a análise qualitativa e a utilização de fontes orais, imprensa e atas de associações. A pesquisa de Marília Klaumann para a cidade de Santos (SP), por exemplo, demonstra que a maioria do contingente oriundo do Estado espanhol era de origem galega, diferentemente da Capital e do interior do Estado paulista, onde estavam em segunda colocação, predominando a imigração andaluza. Merece destaque também os estudos de Ismara Izepe de Souza, a respeito dos crimes políticos, com a análise da documentação da Delegacia Especializada de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS-SP), além das teses que abordam a cultura espanhola e galega, desde a perspectiva da gastronomia e sua influência em São Paulo, como o caso das pesquisas de Dolores Martín Corner20. Sem lugar a dúvidas, a quantidade de teses e pesquisas desenvolvidas nos últimos anos,

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para todo o Brasil, é muito mais abrangente do que essas breves observações que realizamos ao longo deste artigo. Outra problemática do estudo da imigração galega é o que denominamos de invisibilidade. A invisibilidade de um coletivo está associada à presença de outros estrangeiros, à organização da sociedade receptora, suas estruturas hierárquicas e como estava organizado o mercado de trabalho. Temos a existência de uma imigração galega urbana, convivendo nos bairros e logradouros centrais carioca, unido com outros estrangeiros numericamente mais importantes, como os portugueses, italianos e africanos/ afro-brasileiros. Tratamos o problema da invisibilidade galega, desde um ponto de vista relativo, já que, a nosso ver, a imigração não deve ser tratada unicamente desde a construção da história das minorias, daqueles personagens que se destacaram pela sua projeção econômica e social. A importância que se dá ao objeto de estudo depende do tipo de fontes utilizadas e do tipo de história que se priorize. Éramos conscientes de que só poderíamos conhecer a história da imigração galega através da reconstrução de uma história anônima que incluísse também aqueles que fizeram parte das camadas populares. Por tanto, era lógico que a presença dessa massa de imigrantes, submersa no cotidiano carioca, tornava-se mais imperceptível que a daqueles imigrantes que deixaram um grande legado e se tornaram personalidades de prestígio. Para compreender a invisibilidade foi preciso buscar as origens galegas e a estrutura na sociedade de origem, debruçando sobre as migrações interpeninsulares do período moderno. A presença dos portugueses é um fator explicativo para entender, em parte, o que chamamos a invisibilidade dos galegos. É importante frisar que quando os galegos chegaram ao Rio de Janeiro havia um grupo migratório que já predominava, por razões históricas, nos setores terciários e de serviços cariocas: os portugueses. A participação ativa da comunidade portuguesa no Brasil e no Rio de Janeiro, que havia ocupado antes que qualquer outro grupo migratório determinados setores socioprofissionais, poderia ter ofuscado a presença dos galegos. Antes mesmo da imigração galega adquirir representatividade, o termo “galego” já havia sido adotado pelos brasileiros para ofender os imigrantes portugueses. A semelhança lingüística e comportamental entre os galegos e os portugueses do Norte deram a estes últimos o apelido de “Galegos do Minho”. Portugueses e galegos compartilhavam as freguesias e ruas centrais do Rio de Janeiro, as zonas de habitações coletivas, convivendo diretamente com as classes nacionais mais pobres. Representavam, sem dúvida, dois

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grupos migratórios importantes com características muito parecidas que podiam confundi-los no cotidiano carioca. A preferência dos galegos pelas cidades também ocorreu em outras partes da América Latina, como no caso de Buenos Aires ou La Habana, segundo demonstram os estudos do recente trabalho organizado por Ruy Gonzalo Farías, intitulado Bos Aires Galega, 2010 e, para o caso de Cuba, a obra de José Antonio Vidal Rodríguez, A Galicia Antillana: formación e destrución da identidade galega en Cuba, 1899-196821. Se a bibliografia específica para os galegos no Rio de Janeiro era praticamente inexistente, os estudos migratórios para o caso dos espanhóis e dos galegos em outros países americanos, como Cuba, Argentina e Uruguai, apresentavam uma variedade de obras publicadas que contribuíram como um importante ponto de apoio metodológico para a compreensão acerca do estudo dos galegos no Rio de Janeiro22. A explicação das causas estruturais, os estudos a nível micro e macro e a utilização de fontes, tanto qualitativas como quantitativas, para casos de imigração galega à América serviram muitas vezes não só como referência teórica, mas também como estudo comparativo acerca das diferenças e semelhanças do comportamento migratório entre os galegos do Rio de Janeiro e os que se dirigiram a outros países americanos. Por exemplo, encontramos pontos semelhantes entre a imigração galega na Argentina e no Rio de Janeiro, após a leitura de bibliografias tão emblemáticas como a tese de doutorado de Alejandro Vázquez. Um grandioso trabalho de duas mil páginas e uma década de estudo que esse pesquisador nos deixou acerca da ocupação profissional, as cadeias migratórias, a forma de financiamento de viagens e outros temas de grande relevância. Da mesma forma, merecem referência as publicações de Xosé Manoel Núñez Seixas23 sobre as lideranças étnicas, as sociedades de instrução e as remessas dos retornados. Núñez Seixas analisou o papel dos retornados e a importância dos “americanos” na sociedade de origem, seus empreendimentos e o apoio ao desenvolvimento da Galiza. Também pertence ao mesmo autor, em co-autoria com o historiador Raul Soutelo, a obra As cartas do destino. Unha família galega entre dous mundos 1919-1971, do ano de 2005. É uma importante contribuição com fontes inéditas e de difícil acesso, como podem ser os arquivos privados24. No Brasil, a utilização das cartas como importante fonte para os estudos migratórios não tem sido negligenciada pelos pesquisadores, que chamam a atenção da importância do acervo privado para a reconstrução da memória25.

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O estudo das variações regionais, provinciais e até de realidades quase imperceptíveis nos mapas, como podem ser as paróquias e as aldeias, revela um amadurecimento dos estudos migratórios nos últimos anos, trazendo à tona uma profunda compreensão e conhecimento da sociedade de origem e de recepção dos imigrantes e das relações que se estabeleceram entre ambas realidades. A escola de estudos migratórios argentinos, por exemplo, demonstra habilidades no uso das fontes nominativas e no conhecimento da sociedade de origen do imigrante. É o caso dos trabalhos da historiadora Nádia de Cristóforis, por exemplo, onde percebemos a importância dos arquivos municipais nos estudos microterritoriais e a preservação desses documentos para os estudos migratórios, em particular no caso das associações. A autora analisa a Sociedad de Residentes del Municipio de Vedra, em Buenos Aires, a partir do livro de atas e do Padrón de Habitantes, documentos preservados pelo Concelho de Vedra. A importante contribuição desses estudos reside no fato da pesquisadora concluir que o catalizador fundamental para o surgimento da associação foi o forte estímulo dado pela Sociedade Agrícola de Vedra (o Sindicato Agrícola). A instituição origina-se a partir do desenvolvimento de um movimiento agrarista galego, capaz de estimular os imigrantes a se mobilizarem em prol de sua sociedade26. Em contraposição à quantidade de associações micro territoriais em Buenos Aires e à frutífera produção acadêmica voltada para o associativismo espanhol e/ou galego na Argentina, nos deparamos com a difícil situação do associativismo no Brasil, em particular no Rio de Janeiro, de caráter muito mais nacional e regional do que micro territorial. A problemática das poucas instituições micro territoriais convive com a dramática situação da inexistência de documentação para o desenvolvimento dos estudos, como é o caso das atas das associações. O vazio historiográfico, que Nádia De Cristóforis menciona em seu artigo como um dos objetivos a ser cumprido em suas investigações, no caso brasileiro continua à espera de estudos mais pormenorizados. Por exemplo, é o dramático caso da associação Aurora del Porvenir, fundada em 1912, no Rio de Janeiro, cujo registro se encontra no Arquivo Nacional. Cabe aqui perguntar: onde está o restante da documentação? E as atas? Nada se sabe a respeito desses imigrantes do Concelho de Tomiño, localizdo no sul da província de Pontevedra. Eles resolveram registrar a sua associação no começo do século XX, com o intuito de fundar uma escola no seu município. Como bem argumentou Alejandro Fernández, muitas razões levaram os pesquisadores a se interessarem pelas instituições micro territoriais: desde a

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sua estreita conexão com as histórias locais, o apoio financeiro e institucional por parte dos governos municipais e autonômicos, até o fato dessas sociedades terem se convertido em um terreno fértil para a análise e o estudo dos enfoques microanalíticos. Em muitos casos, as questões mais exploradas das entidades micro territoriais pelos estudos migratórios, limitaram-se às questões das lideranças étnicas, à ação social dos sujeitos ou de suas redes sociais, o que deixa em evidência, o potencial ainda não esgotado da documentação ligada às associações. Certamente, ainda há muito a conhecer a respeito da dinâmica das entidades micro territoriais no âmbito das sociedades de destino da imigração27. Prosseguindo com a imigração galega em Buenos Aires, temos o trabalho de Ruy Gonzalo Farías, que oferece uma importante contribuição aos estudos migratórios. Os estudos tratam de um período ainda pouco estudado- a segunda imigração de massas, entre os anos de 1946 e 1960, quando a Argentina ressurge como principal destino americano. Percebendo esse vazio historiográfico, Farías evidencia a necessidade de novas aproximações buscando nas fontes quantitativas a construção de tipologias, assim como os indicadores da integração socioprofissional e da mobilidade social deste grupo imigratório. Somente através destes novos olhares e abordagens, abrem-se possibilidades de análise do objeto de estudo e também- fato importante e ressaltado por Farías- permite-se romper com esquemas generalizantes. O grupo analisado pelo pesquisador corresponde aos galegos que residem nos atuais municípios de Avellaneda e Lanús. Nas suas pesquisas, busca-se romper com a generalização da realidade porteña, onde a imagen do imigrante galego está vinculada ao setor terciário e às etapas de hierarquização que o mesmo proporciona aos recém-chegados. Especialista e conhecedor da imigração galega na Argentina entre os anos de 1890 a 1930, Ruy Farías realiza comparações entre os dois períodos das grandes migrações, concluindo que a distribuição espacial nos períodos de 1890-1930 e 1939-1960, permitiu constatar como o processo de descentralização espacial se perpetuou ao longo da década de 20. Uma das problemáticas do estudo da imigração galega ao Rio de Janeiro certamente era- e continua sendo- a ausência de obras específicas sobre o assunto, mas após a descoberta das primeiras fontes, o maior obstáculo foi a falta de continuidade temporal das documentações e a variedade da natureza das mesmas. Tudo levava a crer, em princípio, que a escassez de documentos e a inovação do tema provocariam dificuldades de pensá-lo teoricamente e de chegar a uma conclusão a respeito. Por isso,

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o objetivo inicial, antes de criar tipologias rígidas foi tentar reconstruir ou analisar os fatos históricos através de uma coexistência pacífica entre fontes de distintas naturezas. Como bem afirmou Gianfausto Rosoli para a análise da imigração italiana de massas: “los verdaderos protagonistas de la experiencia impactan por su silencio, debido a las dificultades, casi insuperables, de documentar y analizar en modo adecuado las reacciones y los comportamientos de la masa anónima28”. O estudo dessa massa anônima, quase imperceptível, nos levou a buscar as dimensões subjetivas do processo histórico e utilizar uma análise micro-histórica para maior percepção da imigração galega. Diante do desconhecimento, primeiramente, era necessário descobrir quem eram os imigrantes, uni-los em um número consistente e construir os primeiros traços dos galegos no Rio de Janeiro. Depois de conhecer seus lugares de origem e onde se estabeleceram geograficamente e profissionalmente na sociedade receptora, tentar “dar vida” a esse número, buscando, através de histórias individuais ou familiares a sua participação como coletivo, como estrangeiros e como sujeitos ativos. As primeiras fontes que nos ofereceram dados substanciais sobre os galegos no Rio de Janeiro foram os arquivos privados do Hospital Espanhol e do Consulado Espanhol. Essa documentação foi o alicerce, o ponto de apoio para as fontes qualitativas que encontramos ao longo dos anos dedicados a pesquisa dos galegos no Rio de Janeiro. A riqueza dessas fontes nominativas serviu não só para reconhecer os galegos como uma comunidade representativa numericamente, como também para unir a imigração em torno a umas características comuns. Ter acesso a essas informações possibilitou reconstruir historicamente o nosso objeto de estudo, desde o ano de 1850 até o ano de 1939. A partir da amostra formada por mais de 3500 indivíduos, extraímos as primeiras informações do grupo imigratório: os municípios de origem, a profissão, o ano de chegada, o número de repatriados, o estado civil, a alfabetização e a localização espacial dos imigrantes nas ruas do Rio de Janeiro. Por primeira vez, foi possível vincular o lugar de origem com a sociedade de destino e encontrar os focos migratórios. Já as matrículas dos sócios do Hospital Espanhol, recolhidas em três livros correspondentes aos anos de 1859 até a década de 20 do século passado, foi a fonte que mais ofereceu informações sobre os pioneiros da imigração massiva. Entre os anos de 1859 e 1880, encontramos 218 galegos matriculados no Hospital Espanhol. Essa informação, junto com os

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dados pessoais de cada sócio, possibilitou a localização geográfica dos pioneiros pelos bairros cariocas, a construção das cadeias migratórias e antiguidade da imigração no Rio de Janeiro. Foi possível, por exemplo, distribuir os galegos pelas ruas do Rio de Janeiro, classificar as suas atividades profissionais e a partir daí, formular uma série de perguntas: se as atividades exercidas estavam associadas ou não aos espaços físicos onde se desenvolviam; se estavam próximos a outros grupos de imigrantes de maior tradição histórica e relevância numérica, e até que ponto isso poderia interferir na sua visibilidade como grupo étnico; se havia concentrações de galegos em determinadas ruas; se os pioneiros procediam de zonas com tradição migratória a Rio de Janeiro ou se exerciam atividades que foram seguidas pelos fluxos posteriores; se esses pioneiros exerceram de mediadores nas redes de socialização, ajudando os recém-chegados a conseguir o primeiro emprego e a primeira residência, etc. Sabemos que uma parte da imigração galega não estava representada no Hospital Espanhol, já que um dos problemas das associações étnicas era que sobre-representavam os setores mais prósperos economicamente, deixando à margem todos aqueles trabalhadores que não podiam pagar as mensalidades exigidas ou que simplesmente não estavam interessados nos serviços oferecidos. Entretanto, foi a única associação, ainda que a nível espanhol, que dispunha de uma documentação apropriada ao nosso objeto de estudo. Não encontramos nenhum documento, como já mencionamos nos parágrafos acima, das sociedades micro territoriais no Rio de Janeiro, apesar do conhecimento da existência de algumas delas29. As atas do Centro Galego, guardadas no arquivo do Hospital Espanhol, ofereciam os nomes dos membros da diretoria, mas não encontramos nenhuma listagem que enumerasse os sócios. A documentação do Centro Galego desde a sua fundação no ano de 1899 até o seu fechamento (na década de 40) nos permitiu fazer uma pequena construção da tipologia da liderança étnica. Além dessa informação, foi possível recuperar as atividades culturais do Centro e as listas dos convidados, que davam a conhecer o tipo de eventos celebrados, a qual tipo de público estavam direcionadas, as programações culturais e também com quais instituições brasileiras o Centro manteve relações. Muito ainda está para se investigar, nessa solidão que envolve o estudo dos galegos no Rio de Janeiro. Os arquivos relacionados com o período do governo de Getúlio Vargas, a partir de 1930, e também a imprensa operária e carioca do começo do século XX, são fontes que, igualmente,

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oferecem valiosas informações sobre as associações de trabalhadores, onde os galegos estiveram envolvidos e exerceram liderança. As associações assistencialistas e de ócio, que perduram até os dias atuais na sociedade carioca, constituem-se em fontes primordiais para o período da segunda imigração, e ainda completamente carentes de pesquisa. Os estudos comparativos também são um foco de interesse e se apresentam como uma nova tendência para os estudos migratórios, pois, através do método comparativo as sociedades podem ser analisadas desde as suas reciprocidades e diferenças, destacando aspectos das transformações históricas que, de outro modo, não seriam passíveis de percepção.

CURRICULO DO AUTOR: Érica Sarmiento da Silva. Coordenadora-adjunta do Laboratório de Estudos de Imigração (Labimi/UERJ), coordenadora adjunta do Laboratório de História Ibérica e Imigração (LABIHI/UNIVERSO), professora titular do curso de mestrado em História da Universidade Salgado de Oliveira, professora na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professora tutora de América colonial no curso de Educação a Distância (História), na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Foi professora visitante na Universidade de Columbia (Nova York), Instituto de Estudos da América Latina (ILAS) e na Universidade de Santiago de Compostela (Espanha). Publicou o livro O outro Río: a emigración Galega a Río de Xaneiro.Santa Comba/Santiago de Compostela: Editora 3C3, 2006.

NOTAS 1

Coordenadora-adjunta do Laboratório de Estudos de Imigração (Labimi/UERJ), coordenadora adjunta do Laboratório de História Ibérica e Imigração (LABIHI/UNIVERSO), professora titular do curso de mestrado em História da Universidade Salgado de Oliveira, professora na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professora tutora de América colonial no curso de Educação a Distância (História), na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio)

2

MOTTA, Mary Hesler de Mendonça. Imigração e trabalho industrial- Rio de Janeiro (1889-1930). Dissertaçao de mestrado apresentada na UFF, Niteroi, 1982.

3

Quando se refere concretamente ao caso dos imigrantes espanhóis no Rio de Janeiro, ademais de relacioná-los com a imigração subvencionada, reconhece que a maioria era originário da Galiza, mas, curiosamente, associa a corrente espanhola com a imigração de exilados anarquistas.

4

Podemos mencionar as tradicionais e específicas bibliografias sobre a imigração espanhola a Brasil, como KLEIN, Herbert. La emigración española en Brasil. Columbres: Arquivo de Indianos, 1996; GONZÁLEZ MARTÍNEZ, Elda. Café e Inmigración: los españoles en São Paulo, 1880-1930. Madrid: Cedeal, 1994; SOUZA-MARTINS, José de. “La inmigración española en

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Brasil y la formación de la fuerza de trabajo en la economía cafetalera, 1880-1930”. In: Nicolas Sánchez-Albornoz (comp.), Españoles hacia América. La emigración en masa, 1880-1930, Madrid: Alianza, 1988, p. 249-269. E a bibliografia mais geral como a de YÁÑEZ GALLARDO, César. La emigración española a América (siglos XIX y XX). Colombres: Archivo de Indianos, 1994; ou SÁNCHEZ ALONSO, Blanca. Las causas de la emigración española (1880-1930). Madrid: Alianza, 1995, que abordam os fenômenos migratórios desde a perspectiva macro. 5

GUIMARAES, Maria Lúcia Paschoal. Espanhóis no Rio de Janeiro(1880-1914).Contribuição à historiografia brasileira. Tese de concurso à livre docência de Historiografia apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, 1988.

6

GALLEGO, Avelina Martínez. Espanhóis. São Paulo: CEM, 1995.

7

PÉRES, Elena Pájaro. A inexistência da terra firme. A emigração galega em São Paulo 1946-1964. São Paulo: EDUSP, 2003.

8

DEVOTO, Fernando. “En torno a la historiografía reciente sobre las migraciones españolas e italianas a latinoamérica”. Estudios Migratorios Latinoamericanos, ano 8, n° 25, dezembro de 1993, p.441-460( p.445).

9

Entre os autores que estudaram os movimentos operários no começo do século no Rio de Janeiro e a conseguinte participação dos estrangeiros está a já citada dissertação de MOTTA, Mary Hesler de Mendonça. Imigração e trabalho industrial- Rio de Janeiro (1889-1930). Dissertação de mestrado apresentada na UFF, Niterói, 1982; MENEZES, Lená Medeiros de. Os indesejáveis: desclassificados da modernidade. Protesto, crime e expulsão na Capital Federal (1890-1930). Rio de Janeiro: EdUERJ, 1996. CARONE, Edgar. A República Velha. Instituições e classes sociais (1889-1930). Rio de Janeiro-São Paulo: Difel, 1978; ADDOR, Carlos. A insurreição anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Dois Pontos, 1986; DIAS, Everardo. Historia das lutas sociais no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1977, 2ªed.; RODRIGUES, Edgar. Os companheiros. Rio de Janeiro: VJR, 1994, vls 1,2,3,4 e 5; MARAM, Sheldom Leslie. Anarquistas, imigrantes e o movimento operário brasileiro, 1890-1920. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. Podemos encontrar ainda em trabalhos mais recentes como o de FERNÁNDEZ, Eliseo; LOPES, Milton ; RAMOS, Renato. “A Imigração galega e o anarquismo no Brasil”. In: DANIEL AARÃO REIS E RAFAEL DEMINICIS. História do Anarquismo no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Mauad / EDUFF, 1998. Também de interesse são os trabalhos de Claudio Batalha, com referências sobre os sindicatos e associações: BATALHA, Cláudio. Dicionário do Movimento Operário. Rio de Janeiro do século XIX aos anos 1920. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2009.

10

FAUSTO, Boris. Brasil, de colonia a democracia. Madrid: Alianza América, 1995, p.169.

11

Dois exemplos de movimentos populares no Rio de Janeiro, no começo do século XX, foram a Revolta da Vacina e o movimento do jacobinismo. Os dois temas estão muito bem estudados nas obras de CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Schwarcz, 1987 ou nos trabalhos de RIBEIRO, Gladys Sabina. A liberdade em construção. Identidade nacional e conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

12

MENEZES, Lená Medeiros. Os indesejáveis: desclassificados da modernidade. Protesto, crime e expulsão na Capital Federal (1890-1930). Rio de Janeiro: EdUERJ, 1996.

10

Os já citados KLEIN, Herbert. La emigración española en Brasil. Columbres: Arquivo de Indianos, 1996; GONZÁLEZ MARTÍNEZ, Elda. Café e Inmigración: los españoles en São Paulo, 1880-1930. Madrid: Cedeal, 1994.

13

MARTÍNEZ GALLEGO, Avelina, Espanhóis, São Paulo: CEM, 1995; a já mencionada obra de PÁJARO PERES, Elena. A inexistência da terra firme. A emigração galega em São Paulo 1946-1964. São Paulo: EDUSP, 2003.

14

BACELAR, Jefferson. Galegos no paraíso racial. Salvador: Ianamá, 1994 e BRAGA, Célia M. Leal. Memórias de imigrantes galegos. Bahia: CED, 1995.

15

GONZÁLEZ MARTÍNEZ, Elda E. La inmigración esperada: la política migratoria brasileña desde João VI hasta Getúlio Vargas. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2003.

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16

BACELAR, Jefferson. Galegos no paraíso racial. Salvador: Ianamá, 1994.

17

ALBÁN, Maria del Rosário, “A emigración galega na Bahia”. Revista da comisión galega do quinto centenário, nº 1, 1989, p.179.

18

BRAGA, Célia M. Leal. Memórias de imigrantes galegos. Bahia: CED, 1995.

19

Vid. SOUZA, Ismara Izepe. Solidariedade internacional. A comunidade espanhola do Estado de São Paulo e a polícia política diante da Guerra civil da Espanha (1936-1939). São Paulo: Associação Editorial Humanitas\Fapesp, 2005. Apesar da obra estar centrada no caso dos espanhóis em São Paulo, a autora também utiliza alguns exemplos do Rio de Janeiro. Também é referência as obras de CÁNOVAS, Marília Dalva Klaumann. Imigrantes espanhóis na Paulicéia. São Paulo: Edusp, 2009 e, da mesma autora, CÁNOVAS, Marília Dalva Klaumann. Hambre de Tierra. Imigrantes espanhóis na cafeicultura paulista. 1880-1930. São Paulo: Lazuli editora, 2005. Por último, a pesquisa de CORNER, Dolores Martín. “A Cozinha dos imigrantes espanhóis galegos e andaluzes na cidade do Rio de Janeiro”. Vid site www.labimi.uerj.br

20

VIDAL RODRÍGUEZ, José Antonio. A Galicia Antillana: formación e destrucción da identidade galega en Cuba 1899-1968. La Coruña: Fundación Pedro Barrié de la Maza, 2008; FARÍAS, Ruy Gonzalo. Bos Aires Galega. Noia (A Coruña): Ed. Toxosoutos, 2010.

21

Vid. VÁZQUEZ, Alejandro González. La emigración gallega a América, 1830-1930. Tese de doutorado. Universidade de Santiago de Compostela, 2 vol., 1999. Sobre a emigração galega a Uruguai: CAGIAO VILA, Pilar. Participación económico-social de los inmigrantes gallegos en Montevideo (1900-1970). Tese de doutorado. Universidad Complutense de Madrid, Madrid, 1990; para o caso mexicano: VILLAVERDE GARCÍA, Elixio. La emigración gallega a México, 1876-1936. Tese de doutorado. Santiago de Compostela, USC, 1998. Para o caso cubano, o já citado trabalho de VIDAL RODRÍGUEZ, José Antonio. A Galicia Antillana: formación e destrucción da identidade galega en Cuba 1899-1968. La Coruña: Fundación Pedro Barrié de la Maza, 2008. Vid. também para o caso da imigração estrangeira na Argentina, aa emblemática obra de DEVOTO, Fernando. Historia de la inmigración en la Argentina. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2003. Para mais estudos sobre a Argentina, o clássico livro de MOYA, José C. Primos y extranjeros. La inmigración en Buenos Aires, 1850-1930. Buenos Aires: Emecé, 2004 e FERNÁNDEZ, Alejandro E. & MOYA, José C. La inmigración española en la Argentina. Buenos Aires: Biblos, 1999. Na revista de Estudios Migratorios Latinoamericanos, publicada em Buenos Aires, encontram-se diversos artigos sobre imigração galega à América, tratando de diferentes temas, entre eles, podemos citar alguns, como o associativismo galego, a imagem social e a questão identitária da imigração dos galegos na Argentina ou as teorias sobre as cadeias migratórias.

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Dentre a vasta obra deste autor encontram- se as publicações NÚNEZ SEIXAS, Xosé Manoel. “Las remesas invisibles. Algunas notas sobre la influencia socio-política de la emigración transoceánica en Galicia (1890-1930)”. Estudios migratorios latinoamericano, ano 9, n° 27, agosto de 1994, p.301-346; Emigrantes, caciques e indianos. Vigo: Xerais, 1998; O inmigrante imaxinario. Estereotipos, representacións e identidades dos galegos na Argentina (1880-1940). Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela, 2002.

23

NÚÑEZ SEIXAS, Xosé Manoel; SOUTELO, Raul. As cartas do destino. Unha família galega entre dous mundos 1919-1971. Vigo: Galáxia, 2005.

24

É o caso da historiadora Maria Izilda Matos (PUC-SP): “Laços de sangue: Cartas, correspondências e mensagens trocadas entre espanhóis”. Comunicação apresentada no Seminário Internacional Espanha-Brasil Processos de experiência de e-imigração. UERJ, 6 e 7 de dezembro de 2012.

25

DE CRISTÓFORIS, Nadia. “El asociacionismo de Vedra (Galicia) en Buenos Aires: tensiones, rupturas y fusiones de sus núcleos constitutivos”. Comunicação apresentada no II Congreso Internacional Ciencias, Tecnologías y Humanidades. Diálogo entre las disciplinas del conocimiento. Mirando al futuro de América Latina y el Caribe. 29 de octubre a 1 de noviembre de 2010, Universidad de Santiago de Chile. Da mesma autora, a obra Bajo la Cruz del Sur: gallegos y asturianos en Buenos Aires (1820-1870). La Coruña: Fundación Pedro Barrié de la Maza, 2009.

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Uma obra indispensável para o estudo das associações, de forma geral, no Rio de Janeiro é o livro de FONSECA, Vitor Manoel Marques. No gozo dos direitos civis. Associativismo no Rio de Janeiro, 1903-1916. Niterói: Muiraquitã, 2008. O livro funciona como um manual que auxilia o leitor a encontrar os diferentes tipos de associação, além de oferecer uma importante reconstrução histórica do associativismo no Brasil desde os seus primórdios.

27

ROSOLI, Gianfausto.”Las imágenes de América en la emigración italiana de masas”. Estudios Migratorios Latinoamericano, ano 6, n° 17, abril de 1991, p.3-22.

28

No Boletim do Consejo Superior de Emigración (1927, p.958) aparece a Sociedad Aurora de Porvenir, Sociedad Hijos de la Picoña, Sociedad Hijos del Distrito de Arbo, Sociedad Hijos de Rubiós, Sociedad La Paz de los Tres Rivartemes, Sociedad Pro Santa Bárbara, Sociedad Protectora Hijos de la P. de Cabeiras. Fundo do Arquivo da Emigraciõn Galega, Santiago de Compostela.

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Resenha

Alexandre Belmonte

A dura vida dos imigrantes RESENHA DE TRENTO, ANGELO. DO OUTRO LADO DO ATLÂNTICO UM SÉCULO DE IMIGRAÇÃO ITALIANA NO BRASIL. SÃO PAULO: NOBEL, 1988, 574 P.

É sempre prudente revisitar os clássicos. Sobretudo quando se trata de uma obra fundante, como é o caso de Do outro lado do Atlântico – um século de imigração italiana no Brasil. É uma obra fundamental para se compreender as peripécias dos italianos em solo brasileiro e sua contribuição para a cultura do país. O livro traz importantes aportes sobre a história da imigração italiana no Brasil. O primeiro capítulo estabelece um panorama geral dos antecedentes da imigração, os fatores de atração e as condições na Itália às vésperas da emigração em massa. No Brasil, a imigração italiana resolveu uma situação de impasse, num momento em que os fazendeiros tiveram que abandonar gradativamente o antigo sistema baseado em mão-de-obra escrava. Trento chega a considerar a imigração como um dos fatores que levaram à abolição da escravatura. Entre 1880 e 1924 chegaram ao Brasil aproximadamente 1.400.000 italianos. Vários fatores estimularam essa migração em massa: leis que previam o transporte gratuito, prêmios pagos aos agentes de imigração, escassíssima densidade demográfica do país, a propaganda do país na Europa, subvenção da imigração pelo Estado brasileiro etc. O principal fator de expulsão dos italianos foi a miséria, impulsionada por depressões agrícolas, altas taxas sobre os preços dos alimentos, confisco de propriedades por dívidas etc. “A fuga, inclusive a pé em pleno inverno, para chegar ao porto de embarque – Gênova – envolvia aldeias inteiras e podia assumir aspectos de verdadeira libertação ...”, diz Trento. Claro que por trás da emigração transoceânica, havia também os interesses das sociedades de navegação italianas. Eram péssimas as condições nos navios e vapores, e a taxa de mortalidade era elevada, sobretudo de crianças. As descrições da travessia são

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sempre terríveis e dramáticas, incluindo casos de mortos de fome ou por asfixia. Uma vez chegados ao destino, os imigrantes eram alojados gratuitamente por oito dias. Nos anos de grande afluência, a impossibilidade de encontrar emprego imediato levou muitos italianos a mendigar sua sustentação pelas ruas. As péssimas condições de viagem e permanência desses imigrantes suscitou uma série de discussões na Itália, num momento em que surgiam leis que visassem à proteção desses migrantes. No segundo capítulo, Trento analisa o destino regional da imigração italiana. As províncias do Sul representaram o destino privilegiado nos primeiros anos de imigração. Já em 1848 o governo concedeu a cada província 36 léguas quadradas de terras destinadas à colonização. Apesar disso, a verdadeira colonização italiana no Sul começa em 1875, e começa a estancar em 1892, devido a uma série de fatores, sobretudo à instabilidade política advinda da revolução federalista e à passagem dos serviços de imigração e colonização do governo central para os governos dos estados. Além do Rio Grande do Sul, outros destinos acolheram esses imigrantes, como Rio de Janeiro, Espírito Santo e, em maior número, Minas Gerais. Mas foi São Paulo o lugar que concentrou mais imigrantes no Brasil: dos 4.100.000 estrangeiros entrados no Brasil entre 1886 e 1934, 56% encontravam-se nesta região, destacando-se os italianos em primeiro lugar em relação a outras nacionalidades, ocupando maciçamente a região cafeicultora, em plena expansão graças à expansão das ferrovias. O capítulo 3 versa sobre os misteres e classes sociais nos centros urbanos. O emprego urbano será particularmente mais evidente em São Paulo, mas, em menor índice, não deixará de caracterizar cidades como o Rio de Janeiro e outras capitais. O aumento de mão-de-obra favoreceu o incremento da exportação do café e aumento no número de empregos urbanos – comércio, serviços e indústrias. Muitos colonos deixaram a fazenda e tentaram abrir um comércio nos lugarejos e cidades. Quem não dispunha de capital para abrir seu próprio negócio podia empregar-se como assalariado. O mascate foi tipicamente italiano. Ao estabelecer-se na cidade, abria uma lojinha. O mercado varejista e o de jornais estavam quase totalmente em mãos dos italianos. Até 1920, os imigrantes e seus descendentes representavam a maior parte da classe operária em São Paulo, e uma grande porcentagem dela no Rio de Janeiro. Boa parte dos empresários também possuía origem estrangeira. Uma considerável parcela dos bancos de São Paulo estava nas mãos dos italianos.

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Os processos de assimilação e a vida coletiva são abordados no quarto capítulo. Uma preocupação constante da colônia italiana, sobretudo a partir da última década do século XIX, será a recuperação dos laços identitários e a defesa da língua e da cultura italiana. A Società di Beneficenza Italiana surge em 1854 no Rio de Janeiro, já com 126 sócios. Em 1875, funde-se com a Società di Mutuo Soccorso. Em outros estados surgem outras associações de italianos, como no Rio Grande do Sul em 1871 e em São Paulo em 1878. São fundadas escolas e jornais italianos, sobretudo a partir de 1885. As exceções são no Rio de Janeiro, onde em 1854 surge o L’Iride Italiana, e logo depois o Monitore Italiano, jornal de caráter patriótico. Trento indica uma série de jornais que são fundados mais ou menos por todas as grandes cidades brasileiras, muitos estão intimamente ligados ao movimento operário de início do século XX. Em São Paulo, o primeiro jornal italiano foi o Garibaldi, surgido em 1870. Há a presença de iniciativas jornalísticas mesmo onde a colônia italiana era escassa, como no Pará, na Bahia e em Pernambuco. Vários jornais professaram abertamente uma posição apolítica Escolas italianas como a Dante Alighieri eram instrumentos para manter vivos o conceito de italianidade e os laços com a Itália. Sobre o movimento operário é dedicado o quinto capítulo da obra. No Brasil, como na Europa, as condições do proletariado foram dramáticas, com jornadas de trabalho de até 16 horas em determinados períodos do ano. O surgimento de organizações operárias no Brasil foi tardio, como a própria industrialização. Entretanto, já em 1891 tinha-se notícia de que chegavam ao país trezentos socialistas romanos. O surgimento do movimento operário no Brasil dependeu do elemento estrangeiro. Italianos, espanhóis e portugueses formaram a maioria dos quadros dirigentes das organizações operárias. Muitos eram socialistas ou anarquistas, e surgem as primeiras publicações de orientação proletária, como Gli Schiavi Bianchi (“Os escravos brancos”), que já fala de “tirania burguesa”, “escravidão do capital” e “injustiças”. Segundo Trento, “uma parcela mínima de emigração com experiência política chegou de fato ao Brasil, mas seu peso quantitativo foi muitas vezes mitificado pelos libelistas da época e pela historiografia posterior” (p. 217). Em 1907 foi aprovada pelo parlamento brasileiro o projeto 1.641, que previa a expulsão do país dos estrangeiros que representassem perigo para a segurança nacional ou para a tranquilidade pública. Muitos anarquistas italianos foram extraditados, como Gigi Damiani, expulso em 1919.

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No período entre as duas guerras, conforme aponta o capítulo 6, a porcentagem de italianos que entraram no país caiu drasticamente: pouco mais de 89.000 indivíduos, de acordo com as estatísticas italianas, e quase 120.000, de acordo com as brasileiras. No mesmo período, entraram na Argentina mais de 610.000 pessoas. A partir dos anos vinte, o Brasil não exercerá mais nenhuma atração, ainda que a necessidade de mão-de-obra fosse constante. As repatriações eram cada vez mais crescentes. A partir dos anos 1920, a imigração sofreu mudanças significativas na sua composição profissional, no momento em que o Brasil conheceu um forte desenvolvimento industrial. Os italianos estão maciçamente presentes no comércio, mas também começam a se afirmar nas profissões liberais, sobretudo na cidade de São Paulo. A partir da metade dos anos 1920, começou-se a assistir a uma campanha para que os italianos matriculassem seus filhos em escolas italianas. Algumas polêmicas em relação à orientação fascista das escolas italianas começaram a surgir, e atingiam inclusive os livros didáticos em uso. Num deles, Le due Patrie, de Sestilio Montanelli, descrevia-se o caboclo como “preguiçoso, sujo, indolente, capaz de passar dias inteiros deitado” (p. 295). Para minimizar a influência fascista nessas escolas, criouse uma lei que determinava que português, história e geografia do Brasil deveriam ser ensinados exclusivamente por professores brasileiros. Além de tentar manter viva a italianidade e de inculcar uma ideologia nos descendentes dos italianos, o governo italiano do entre-guerras também esforçou-se para garantir uma maior presença intelectual no Brasil, seja enviando professores universitários, seja na criação de novas escolas. A propaganda fascista no seio da comunidade italiana não encontrava muita resistência por parte do governo brasileiro. Tanto os anarquistas quanto os comunistas italianos se mantiveram à margem do movimento antifascista. O último capítulo da obra de Trento analisa a situação do pós-guerra. Novamente a emigração aparece para os italianos como solução para os problemas criados pela escassez de trabalho e capitais. Uma boa parte desse fluxo migratório dirigiu-se para outros países europeus, embora um fluxo consistente tenha se direcionado às Américas. Seguiu-se um período de assinaturas de acordos entre Itália e Brasil, com a abertura de um Escritório Comercial Brasileiro em Milão e de Câmaras Italianas de Comércio no além-mar. Mas nem a presença, em 1947, de 207 empresas italianas em São Paulo pôde incrementar o aporte maciço de italianos ao país. Conforme diz Trento, “o estado de espírito de quem emigrava, talvez com medo de que um novo conflito ainda pudesse sacudir a Europa (...)

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não podia deixar de refletir o horror pelas devastações e pelos sacrifícios humanos, os sofrimentos e o desespero que, por tanto tempo, haviam assinalado o destino da pátria” (p. 450). A mentalidade desses italianos era diferente da dos que haviam imigrado trinta ou quarenta anos antes. A recusa em submeter-se e em aceitar compromissos humilhantes traduziam novas exigências dos italianos, o que muitas vezes era visto como vagabundagem, indolência etc. Conforme diz Trento, “fazer a América” foi uma empresa que custou fadiga, humilhação, desespero, até mesmo para quem teve êxito. Passados os tempos de imigração maciça, “os protagonistas conhecidos e obscuros desses sacrifícios não devem ser esquecidos” (p. 488). A obra de Trento é testemunho disso.

Imigração galega no Rio de Janeiro e em Buenos Aires (1890-1930): Breve estudo comparativo do imaginário e do associativismo étnico Érica Sarmiento1 PPGH-mestrado-Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO)/ Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

RESUMO: No presente artigo, pretende-se analisar o imaginário e o associativismo do imigrante galego nas cidades do Rio de Janeiro e Buenos Aires no período da Grande Imigração. O associativismo, os movimentos operários, o crescimento do setor terciário foram marcantes nestas duas capitais, principalmente através da presença dos imigrantes. A imigração galega exerceu forte influência nos setores terciários, e, como elemento predominante no pequeno comércio, não passou despercebida diante do olhar crítico da população carioca e porteña do ínicio do século XX. Por outro lado, o associativismo marcou uma atuação desse grupo imigratório tanto na sociedade de origem, como na sociedade de recepção, recriando identidades e contribuindo, com as remessas, para o desenvolvimento do campo galego. Palavras chave: Rio de Janeiro- Buenos Aires- galegos

A PRESENÇA DO IMIGRANTE GALEGO Ao longo do período da imigração de massas, entre os anos de 1880 e 1930, as cidades do Rio de Janeiro e de Buenos Aires, foram receptoras de um importante fluxo imigratório procedente do Estado espanhol. Apesar das fontes estatísticas indicarem unicamente a nacionalidade do estrangeiro, muitos estudos, direcionados para as origens regionais dos imigrantes, constataram que os espanhóis que desembarcavam nessas duas capitais (na época, Rio de Janeiro, então capital do Brasil) eram, majoritariamente, de origem galega2. Na sociedade carioca, os espanhóis representavam o terceiro grupo imigratório mais importante, depois dos portugueses e italianos. Já no caso da capital Argentina, segundo as estatísticas, entre os anos de 1878 e 1927, 46,2% das entradas de passageiros procediam da Itália e 32,88% da Espanha.

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Durante o primeiro quartel do século XX, os galegos constituíam arredor de 50-55% do contingente de espanhóis residentes em Buenos Aires. Eles compartilhavam espaços sociais e profissionais com outros coletivos e participavam do processo de modernização carioca e porteño. A imigração galega se caracteriza principalmente por sua concentração nas áreas urbanas. Apesar de buscar as cidades na experiência imigratória, a imensa maioria dos galegos que se dirigiu a Buenos Aires e Rio de Janeiro era de origem camponesa. Conforme analisa Núñez Seixas, os galegos não só eram numerosos em Buenos Aires, como a sua presença se faziam notar na sociedade: Además de ser el grupo mayoritario entre los españoles residentes em Buenos Aires, los inmigrantes galaicos desempeñaban toda una serie de ocupaciones en el sector terciário urbano de gran exposición al público (...) abundan los comerciantes y hoteleros, los almaceneros, los dependientes de comercio (NÚNEZ SEIXAS, 2007:35)

A forte presença dos galegos instigou o imaginário argentino. O sentido pejorativo utilizado pela população nativa em relação ao uso da palavra galego parece remontar desde os períodos coloniais, quando a imagem do imigrante já era depreciada nas novelas, literatura e nos teatros castelhanos. No teatro, a figura do mucamo ou criado, associada ao imigrante galego, era a mais freqüente. No século XX, os estereótipos foram reforçados. O termo “galego” estava associado a indivíduo preguiçoso, sujo e de inteligência tosca. Mesmo ocupando posições econômicas importantes, os estereótipos do galego bruto e sem cultura já estavam enraizados na sociedade argentina (NÚÑEZ SEIXAS, 1999). Algo similar acontece no Rio de Janeiro. Aqui, os galegos também conheciam a imagem que os cariocas tinham deles. Quando a Junta Diretiva do Centro Galego do Rio de Janeiro propôs, no ano de 1903, publicar seu primeiro jornal, titulado El Correo Gallego, uma das preocupações dos diretivos era ilustrar el nombre “gallego” en el Brasil, que mucho lo necesita. Como sabeis Sres. Directores, en casi todas las localidades en que el elemento gallego es grande, no se limita á tener una sociedad recreativa, tienen también un periódico que trata no solamente de los intereses gallegos de las respectivas localidades sino de Galicia y e de España en general. Sabeis perfectamente que en Rio de Janeiro la palabra “gallego” es sinónimo de insulto, de

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estigma y si bien es verdad que el Centro Gallego ya ha demostrado que no puede ser insulto el ser “gallego” al contrario que sintetiza el trabajo la honradez y la constancia en todos las acciones justas y nobles, no es menos verdad también que es muy necesario hacer una propaganda firme, perseverante, enérgica para hacer acreditar á este medio adverso que Galicia sabe dar al mundo no solamente hombres trabajadores como también cultores de la ciencia que se han distinguido universalmente en todos los ramos del saber humano3.

Essa era a forma como a colônia galega do Rio de Janeiro se sentia observada e qualificada pelos brasileiros. Um emigrante trabalhador, mas sem projeção sócia. Era uma ofensa que a colônia não fosse reconhecida por qualidades que não fosse somente a de árduos trabalhadores. A imagem é, em certa medida, parecida a dos galegos na Argentina; diferencia-se pelo fato de que a emigração majoritária dos oriundos da Galiza sobre a espanhola na sociedade argentina foi criando um estereótipo que qualificava os espanhóis de uma forma geral e, no Brasil, houve uma troca de nacionalidade: os portugueses - que eram os emigrantes mais numerosos e mais antigos - é que eram os galegos. Além disso, o português não era visto como preguiçoso. O conceito de trabalhador podia ter duas interpretações, a positiva - o imigrante símbolo do esforço - e a negativa - o imigrante que se aproveita dos nativos e que faz do trabalho desonesto um meio para alcançar sua ascensão socioeconômica. Quando os sócios do Centro Galego utilizam a expressão “ser galego”, não devemos interpretá-la como destinada somente à coletividade galega. A nacionalidade e a palavra se confundem em diferentes contextos e significados: entre “ser galego” da Galiza, “ser galego” de Portugal. A construção dos estereótipos não se faz de um dia para o outro, e ,no começo do século XX, o grupo imigratório de maior contato com a população carioca (em número e em tempo) eram os portugueses. Os portugueses e os galegos representavam, sem dúvida, um importante contingente imigratório com características muito similares que poderiam perfeitamente homogeneizá-los frente aos olhos dos nacionais. Analisando desde a perspectiva do mercado profissional e do contingente emigratório que habitava o Rio de Janeiro do final do século XIX/começo do século XX encontramos os portugueses ocupando majoritariamente o ramo do pequeno comércio e de hotelaria e sendo o grupo de emigrante

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mais numeroso da sociedade carioca. Os portugueses residentes na capital distribuíam-se pelas paróquias de São José, Santa Rita e Santana, além da Candelária e os espanhóis/galegos também se espalhavam pelas áreas mais centrais destacando-se nas freguesias de São José, Santa Rita e Santo Antonio. Ambos emigrantes se concentravam nas zonas das habitações coletivas, convivendo diretamente com as classes nacionais mais pobres, formadas por libertos e migrantes de outras regiões brasileiras. Isso significa que em muitos aspectos do cotidiano carioca, onde já estavam estabelecidos os portugueses, se aglomeraram também os galegos, e perante os olhos dos nacionais de alguma maneira esse fator deve ter influenciado. Um exemplo ilustrativo foi o do escritor brasileiro Aluízio de Azevedo que foi cônsul da cidade de Vigo no ano de 1896. Ele refletiu nas suas cartas e/ou nos seus relatos de memória de viagem uma imagem dos camponeses galegos que correspondia a de um povo inculto, ignorante e sujo, com tendências amorais (abundância de filhos ilegítimos, permissividade em matéria sexual) imcomprensíveis para o habitante de uma grande cidade cosmopolita (NÚÑEZ SEIXAS, 2002:60) .As mesmas qualificações eram utilizadas no Rio de Janeiro em relação aos emigrantes portugueses. A ocupação profissional dos imigrantes, suas características culturais e sua forma de comportamento, em resumo, a sua inserção sócio-profissional, construiu imagens que estavam vinculadas ao processo de mudanças políticas e culturais pelas quais passava a sociedade brasileira e argentina neste período histórico. Quanto ao apoio assistencialista, ele não era nenhuma novidade nos países com altos índices de emigração. Uma vez os imigrantes passavam a ser um grupo numeroso e conquistavam importantes privilégios na sociedade, tendiam a se unir em associações com fins assistencialistas ou culturais, como uma forma de unir seus valores e tradições, dar apoio econômico tanto no país de origem como no de acolhida. No caso de Buenos Aires, se bem é certo que o associativismo galego conta com alguns precedentes desde o período colonial (em 1787 foi criada, com fins religiosos e assistencialistas, a Real Congregación de Naturales y Originarios del Reino de Galicia), o surgimento das sociedades galegas é um fenômeno que coincide com o início da imigração de massas, correspondendo às últimas décadas do século XIX. Em 1879, foi fundado em Buenos Aires o primeiro centro galego da Argentina, desaparecendo, precocemente, no ano de 1892. Mais de uma década depois, coincidindo com a Grande Imigração e a Primeira Guerra Mundial, surgiu o Centro

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Gallego de Buenos Aires, no ano de 1907. Após se consolidar como um Centro beneficente e mutualista, a instituição cresceu de forma acelerada, incrementando, consideravelmente, o seu número de sócios e passando a ser a maior sociedade mutualista da Argentina e da América española4. O número de associações cresceu na sociedade porteña em ritmo frenético, florescendo as sociedades de tipo regional e, particularmente, as microterritoriais. Estas reproduziam os âmbitos territoriais de relação e interação social de seus lugares de origem, reproduzindo um conjunto de freguesias ou até mesmo uma única freguesia. Calcula-se que, entre 1904 y 1936, existiram ao redor de 327 sociedades microterritoriais. O imigrante recém chegado na Argentina procurava os seus patrícios, na tentativa de construir espaços de sociabilidade e ócio e, assim, fundar ou se associar às instituições municipais ou paroquiais (freguesias). Desde os primeiros decênios do século XX, estas sociedades não só objetivavam o socorro mútuo, a beneficência e o ócio, como também levavam a cabo ações no país de origem. Muitas associações estimularam e financiaram iniciativas voltadas para a educação, recebendo, por isso, o nome de sociedades de instrucción.5Paralelamente às instituições de caráter associativo, surgiu a imprensa espanhola, destinada ao público peninsular e, posteriormente, o periódico El Gallego, a serviço do Centro Gallego de Buenos Aires. (DE CRISTÓFORIS, 2009) Conhecido e muito estudado pela historiografia contemporânea, o associativismo galego em Buenos Aires gerou uma forte rede de solidariedade que incetivava a circulação de idéias, através dos periódicos, e também o envio de remessas para a sociedade de origem. Um dos fenômenos que caracterizaram o associativismo galego em Buenos Aires foi a proliferação de associações étnicas a nível microterritorial. Essas associações reproduziam o espaço de sociabilidade de origem e o sentimento de pátria, vinculado ao local de nascimento, que podia ser um município, uma freguesia ou até mesmo unidades tão pequenas como as aldeias Só como exemplo, durante o primeiro terço do século XX, fundaram-se 225 escolas primárias nas freguesias e aldeias da Galícia graças ao financiamento das associações. A sobrevivência dessas solidariedades locais e o alto índice de retornos, seja definitivo ou por curta estada, foram fatores que ajudaram a manter os imigrantes vinculados ao seu local de origem. Muitos imigrantes exerceram papel fundamental na educação local do campesinato através das sociedades de instrução. Eles alegavam que a instrução era importante para romper os elos da escravidão da ignorância, fruto de uma Galiza estagnada e pouco instruída ( NÚÑEZ SEIXAS, 1998).

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Duas décadas depois da fundação do Centro Galego de Buenos Aires, nascia, no ano de 1899, o Centro Galego do Rio de Janeiro. Tal como sucedeu no caso argentino, muitos dos seus líderes já pertenciam a Beneficência Espanhola, fundada em 1859. Notemos que as datas da formação do associativismo galego/espanhol foram bem próximas em ambas as cidades. No caso do Rio de Janeiro, além do Centro Galego, foram confirmadas a existencia de pelo menos 11 sociedades microterritoriais galegas6. Incrivelmente, as atas ou qualquer outro tipo de documentação referente a estas associações desapareceram. Com exceção de uma: Aurora del porvenir. Registrou-se no ano de 1912, com sede na Rua Voluntários da Pátria, bairro de Botafogo, com o fim de “construir patrimonio para fundar em Tomiño, provincia de Pontevedra, Espanha, escola prática onde possam gratuitamente receber instrução moral e intelectual7”. Dessa forma, percebemos que o imigrante, considerado ora como um elemento civilizador, ora a “flor exótica” que contaminava a clasSe operária brasileira com teorias anarquistas, passava a ser, na sua sociedade de origem, o elemento modernizador. Os “brasileiros” da Aurora de Porvenir, como são chamado os imigrantes galegos do Brasil, construíram uma importante escola que simbolizou a tentativa de modernização e democratização. No seu programa incluía-se a laicização da educação, a renovação e a inovação do sistema educativo mediante práticas intuitivas que estimulassem a aprendizagem do aluno8. Ao contrario de Buenos Aires, é muito inferior o número de associações galegas no Rio de Janeiro, seja qual for o seu âmbito territorial, e consequentemente a imprensa étnica e a contribuição à sociedade de origem. Uma das hipóteses, segundo Avelina Gallego, para a coletividade espanhola no Brasil, de forma geral, é que esta, ao contrário dos italianos, não contava com um intelectual orgânico e com uma política emigratória que via a emigração como um fator positivo, como um mercado nacional no exterior. Seguindo a autora, a emigração espanhola carece de relatórios, crônicas de viagem de autoridades espanholas, artigos na imprensa que relatasse a vida da colônia no Brasil, ademais de contar com uma política que enfatizava as emigrações para as colônias espanholas (Cuba, Argentina, Uruguai) e que estava impregnada por uma mentalidade anti-emigração (GALLEGO, 1995:58). Mesmo que, em parte, essas hipóteses se confirmem, ainda existe uma lacuna sobre o assunto, até mesmo porque, como mencionado anteriomente, o material das associações desapareceram.

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Outra questão que deve ser mencionada é que diferentemente do Centro Galego do de Buenos Aires, o do Rio de Janeiro fechou as suas portas depois de 40 anos de existência. Um dos problemas enfrentados junto às autoridades brasileiras, e entre os seus próprios sócios, foi a questão da “diretoria vermelha’. As divergências internas entre seus membros, formados pela ala “azañista” (os de esquerdas) e pela ala dos nacionalistas foram parar nas mãos da polícia de Getúlio Vargas. Era demasiado perigoso em um país estrangeiro, com um regime de ditadura, manter posições declaradamente esquerdistas. O final foi trágico: fecharam o Centro Galego em 1943. Na Argentina, a liderança étnica, através da projeção social dos líderes nas associações mutualistas, junto com as redes sociais, era a via de entrada para a participação política dos espanhóis nesse país, além de abrir possibilidades de ascensão social tanto na sociedade receptora como na de origem (DA ORDEN: 2001:171) . A coletividade galega aí tinha uma parcela significativa de representatividade: era o grupo regional mais representativo na Associación Española de Socorros Mutuos. Pelo menos até 1925 estiveram sempre acima de 40% do total de sócios de origem espanhola (FERNÁNDEZ, 2001:144). Quanto aos discursos da associações étnicas devemos analisá-los cautelosamente. As frases dotadas de patriotismo era algo normal em qualquer associação. Havia que apelar ao sentimento de identidade e de coletividade para unir um grupo em torno de um mesmo ideal. Mas em que medida essas instituições do começo do século XX conseguiram alcançar a massa de galegos ambulantes, caixeiros, camareiros, que viviam dispersos pelo centro do Rio, buscando dia-a-dia um lugar ao sol? Teriam esses emigrantes realmente conhecimento, dinheiro, ou tempo, depois de longas jornadas de trabalho, para se dedicarem a uma associação como o Centro Espanhol? Sabiam realmente da existência dele? Dentro dos discursos podem estar algumas respostas: “Nuestro nombre, nuestro prestigio y nuestra influencia”, “los que tienen siempre el alma, el esfuerzo, el bolsillo, ¿porque no decirlo? - ya que tanto cuenta el bolsillo en estos tiempos- a la disposición de toda obra española”. Primeiramente, está claro, que nessa época já havia uma coletividade galega numerosa e formada por indivíduos que alcançaram um poder econômico e que estavam desejando um reconhecimento social. Um dos degraus para chegar a essa ascensão social era através das associações. Os membros da diretoria ganhavam uma visibilidade tanto dentro do coletivo galego como na sociedade brasileira. Poderiam perfeitamente utilizar as necessidades dos

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seus patrícios em prol de interesses individuais. Como esclarece Fernando Devoto: El problema del asociacionismo de los inmigrantes no se resuelve indagando solamente las necesidades y aspiraciones de los migrantes. Hay que detenerse también en aquellos de los grupos dirigentes. Éstos fueron los que crearon muchas de las instituciones centrales y al hacerlo perseguían propósitos que en parte eran semejantes y en parte eran diferentes de los mismos anónimos inmigrantes. El prestigio social que daba el título de presidente de una de estas entidades, o incluso de miembro de su comisión directiva, las posibilidades de interacción con las autoridades consulares del país de origen que brindaban, la visibilidad en los actos públicos que se hacían en el radio de acción de las mismas constituían reconocimientos ambicionados, aunque nos puedan parecer modestos y a veces un poco patéticos (DEVOTO: 2003:245).

O historiador Núñez Seixas aborda a questão dos tipos de lideranças étnicas utilizadas para os galegos em América, como a liderança interna e a de projeção. A primeira consiste em um tipo de liderança que nasce dentro do grupo étnico e se desenvolve dentro dele, a partir de indivíduos que, teoricamente chegam ao continente americano em uma situação relativamente parecida (por exemplo, filhos de camponeses que chegam sem recursos) e que, graças a sua ascensão social e o seu trabalho de portavozes do grupo se convertem tanto em seus representantes como em seus defensores mediante o exterior. A segunda, a liderança de projeção refere –se àqueles indivíduos surgidos do grupo étnico, que adquirem uma audiência superior ao do grupo que são identificados e que, de fato, se movimentam às margens dele, ou simplesmente mantêm uma vinculação fraca ou um envolvimento meramente simbólico (NÚÑEZ SEIXAS, 2003: 355-356). Um caso bastante representativo de indivíduos de projeção dentro da coletividade espanhola/galega e da brasileira foi o do imigrante galego José Hermida Pazos (Pontecaldelas), dono das fábricas de óticas. Tanto ele, como o seu sócio e chefe, o português José Maria dos Reis, atuaram ativamente nos cargos de diretoria nos Hospitais de ambos os seus países no Rio de Janeiro, participaram em associações brasileiras ligadas à indústria, além de pertencerem à irmandades religiosas. Os dois foram corretores jubilados da Ordem Terceira de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte. As suas oficinas, situadas na Rua Buenos Aires nºs 63, 65, 67, 69 e 71

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encontravam-se instaladas em prédios pertencentes à referida Ordem. Essas irmandades desempenhavam diversos papéis ligados à execução e fiscalização de ofícios, além de funcionarem como bancos e defenderem os interesses de diversas corporações de ofícios (Pita Freitas, 1986: 49). Outra irmandade, A Nossa Senhora do Monte do Carmo, da qual também fazia parte José Maria e José Hermida, acolheu ao xallense Francisco Mouro Castro. Nos seus documentos pessoais, encontramos uma espécie de diploma, do ano de 1916, onde um jovem Francisco, aos seus 26 anos de idade, pagava uma quantia de 305$000 réis para poder fazer parte do noviciado. Uma cota que nem todos podiam ou estavam interessados em pagar9. Quando a situação econômica era favorecedora não bastava somente em se inscrever nas associações espanholas, era necessário integrar-se também na elite brasileira. No caso de José Hermida Pazos estamos diante de um emigrante de um concelho e uma zona pontevedresa de importante emigração à Rio de Janeiro, como pode ser Pontecaldelas e os municípios vizinhos, como Cotobade. A projeção social desse emigrante, um industrial que fazia parte dos círculos intelectuais brasileiros, seguramente foi um ponto de apoio importante para a instituição espanhola que contava com um personagem ilustre que transpassava os círculos galegos e que gozava de prestígio na sociedade carioca. Esses imigrantes pioneiros podiam contribuir com recursos econômicos para a instituição, ademais de ajudar na inserção socioprofissional de patrícios recém-chegados e apoiar àqueles que haviam conseguido ascender economicamente, mas que buscavam também uma projeção social na sociedade carioca. A imagem do imigrante não é somente uma percepção, um estereótipo, construído pelos discursos ou pelo imaginário, ela representa a história e a memória dessas cidades.

NOTAS 1

Este artigo é resultado do estudo preliminar do projeto financiado pelo CNPQ “A imigração galega no Rio de Janeiro e em Buenos Aires (1880-1930): associativismo, trajetória socioprofissional e cidade”.

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Para o caso dos espanhóis na capital argentina, vid. MOYA, José C. Primos y extranjeros. La inmigración española en Buenos Aires, 1850-1930. Buenos Aires: Emecé, 2004. Para o caso dos galego, o estudo de NÚÑEZ SEIXAS. Xosé Manoel. Un panorama social da inmigración galega en Bos Aires, 1750-1930. In: FARÍAS, Ruy (coord), Bos Aires galega, Gallega Inmigración, pasado y presente. Buenos Aires: Comisión para la Preservación del Patrimonio Cultural de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires, 2007, p.47-70. Para o caso dos espanhóis no Rio de Janeiro, SARMIENTO, Érica. O outro rio: a emigración galega a Río de Xaneiro. Santa Comba/ Santiago de Compostela: 3C3 editores, 2006.ZAMORANO BLANCO, Victor D. De agentes del progreso a elementos del desorden: inmigrantes españoles y exclusión social en Río de Janeiro (1880-1930. Tese de doutorado apresentada na Faculdade de História, Universidad de Salamanca,

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2010.Alguns trabalhos mais antigos que podem contribuir com dados quantitativos, GUIMARÃES, Lúcia Paschoal. Espanhóis no Rio de Janeiro(1880-1914).Contribuição à historiografia brasileira. Tese de concurso à livre docência de Historiografia apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, 1988. Os imigrantes galegos em Buenos Aires, grupo majoritário do Estado espanhol, também tiveram forte presença no setor terciário. Sobre essa temática há variedade de bibliografia, entre as mais recentes FARÍAS, Ruy Gonzalo. Bos Aires galega. A Coruña: Toxosoutos, 2010. Outras informações podemos encontrar em NÚÑEZ SEIXAS, Xosé Manoel (Ed.) La Galicia austral. La inmigración gallega en la Argentina,.Buenos Aires: Editorial Biblos, 2001. 3

O grifo é da autora. Arquivo do Hospital Espanhol do Rio de Janeiro (AHERJ). Ata do dia 17 de outubro de 1903, Centro Galego, Libro de Actas, aniversário ano de 1902.

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Os 400 socios de 1910, se transformaron em 27.237 no período de 1929 a 1930. No período de 1961 a1962, a instituição atingiu o número de 104.855 socios.

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Calculam-se em 235 o número de escolas financiadas pelas sociedades de instrução americanas. Dentre esse total, 186 foram construídas ou reformadas especificamente para fins acadêmicos. Vid. NÚÑEZ SEIXAS, NÚÑEZ SEIXAS, Xosé Manoel. Emigrantes, caciques e indianos. O influxo sociopolítico da emigración transoceánica en Galicia (1900-1930). Vigo: Xerais, 1998; CAGIAO VILA, Pilar. A vida cotia dos emigrantes galegos em América. In: Pilar Cagiao Vila (Compiladora), Galegos en Amércia e americanos en Galicia. Santiago de Compostela: Xunta de Galicia, 1999, p.115-35. CAGIAO VILA, Pilar & PEÑA SAAVEDRA, Vicente (Comisariado). Nós mesmos. Asociacionismo galego na emigración – Asociacionismo gallego en la emigración, [Santiago de Compostela]: Consello da Cultura Galega, 2008. Sobre a obra sócio-educativa dos imigrantes galegos na América e na sociedade de origem, ver o clássico PEÑA SAAVEDRA, Vicente. Éxodo, organización comunitaria e intervención escolar. La impronta socio-educativa de la emigración transoceánica en Galicia. Santiago de Compostela: Xunta de Galicia, 1991, 2 vols.

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Segundo o Boletín del Consejo Superior de Emigración, as sociedades microterritoriais galegas no Rio de Janeiro são Sociedad Aurora del Porvenir (concelho de Tomiño), Sociedad Hijos de la Picoña (Salceda de Caselas), Sociedad Hijos del Distrito de Arbo, Sociedad Hijos de Rubiós (As Neves), Sociedad La Paz de los Tres Rivartemes (As Neves), Sociedad Pro Santa Bárbara, Sociedad Protectora Hijos de la P. de Cabeiras (Arbo) (Fundos do Arquivo da Emigración Galega, Santiago de Compostela). Além dessas sociedades, o Arquivo da Emigración de Santiago de Compostela ofereceu-nos outros nomes que não constavam na citada lista do Boletin Superior de Emigración, tais como o Centro del Distrito de Caselas (Salcedas de Caselas), Sociedad de Socorros Mútuos, Educación y Progreso Vidense (As Neves) e Hijos de Redondela. Infelizmente, só conseguimos encontrar as atas e o resgistro da Aurora del Porvenir.

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Arquivo Nacional. 1º Ofício de Registro de títulos e documentos do Rio de Janeiro. Registro de Sociedades Civis, n. 563.

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JORGE, Natalia. As Escolas indianas en Tomiño. Site http://pdf.depontevedra.es/ga/107/ zMIzuueJVV.pdf, acesso no dia 21/06/2012.

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Arquivo pessoal de Francisco Mouro Castro. Doado gentilmente pela neta do imigrante, Albina López (Santa Comba, A Coruña, 2004)

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BIBLIOGRAFIA CAGIAO VILA, Pilar. A vida cotia dos emigrantes galegos em América. In: CAGIAO VILA, Pilar (compiladora). Galegos en América e americanos en Galicia. Santiago de Compostela: Xunta de Galicia, 1999. p.115-35. CAGIAO VILA, Pilar & PEÑA SAAVEDRA, Vicente (Comisariado). Nós mesmos. Asociacionismo galego na emigración – Asociacionismo gallego en la emigración. Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega, 2008. DA ORDEN, Maria Liliana. La inmigración gallega en Mar del Plata: trabajo, movilidad y relaciones personales. In: NÚNEZ SEIXAS, Xosé Manoel (ed.). La Galicia Austral. La inmigración gallega en la Argentina. Buenos Aires: Biblos, 2001. p.87-106. DE CRISTÓFORIS, Nadia Andrea. Bajo la Cruz del Sur: gallegos y asturianos en Buenos Aires (1820-1870). A Coruña: Fundación Pedro Barrié de La Maza, 2009. DEVOTO, Fernando. Historia de la inmigración en la Argentina. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2003. FARÍAS, Ruy (coord.). Bos Aires Gallega Inmigración, pasado y presente. Buenos Aires: Comisión para la Preservación del Patrimonio Cultural de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires, 2007. FARÍAS, Ruy Gonzalo (coord.). Bos Aires galega. A Coruña: Toxosoutos, 2010. FERNÁNDEZ, Alejandro E. “Los gallegos dentro de la colectividad y las asociaciones españolas en el primer tercio del siglo XX”. In: Xosé Manuel Nuñez Seixas (ed)., La Galicia austral. La inmigración gallega en la Argentina. Buenos Aires: Biblos, 2001. p.139-160. JORGE, Natalia. As Escolas indianas en Tomiño. Site http://pdf.depontevedra.es/ ga/107/zMIzuueJVV.pdf, acesso no dia 21/06/2012. MOYA, José C. Primos y extranjeros. La inmigración española en Buenos Aires, 18501930. Buenos Aires: Emecé, 2004. NÚÑEZ SEIXAS, Xosé Manoel (Ed.) La Galicia austral. La inmigración gallega en la Argentina.Buenos Aires: Editorial Biblos, 2001. NÚÑEZ SEIXAS, Xosé Manoel. Algunhas notas sobre la imagen social de los inmigrantes gallegos en la Argentina. Estudios Migratorios Latinoamericanos, Santiago de Compostela, nº 42, p.67-109, ano 14, 1999. NÚÑEZ SEIXAS, Xosé Manoel. O inmigrante imaxinario. Estereotipos, identidades e representacións dos galegos na Arxentina (1880-1940). Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela, 2002. NÚÑEZ SEIXAS, Xosé Manoel. Emigrantes, caciques e indianos. O influxo sociopolítico da emigración transoceánica en Galicia (1900-1930). Vigo: Xerais, 1998.

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Vasos Comunicantes: Análisis Comparativo del Pensamiento Político y Socio-Economico en Rusia y América Latina Irina M. Vershinina, Instituto de Latinoamérica de la Academia de Ciencias de Rusia, Moscú, Rusia Johannes Maerk, Ideaz. Instituto de investigaciones interculturales y comparadas, Viena, Austria

RESUMEN La ponencia analiza el pensamiento latinoamericano y ruso, haciendo hincapié en las similitudes (y en menor grado las diferencias) entre el pensamiento político y socio-económico entre dos espacios que son vinculándose cada vez más a través del espacio de BRICS, el mundo eslavo y el mundo latinoamericano. El debate sobre centro-periferia, la búsqueda de lo autentico en el pensamiento y corrientes contra la occidentalización, cuestiones clave que trataban de abordar y que no perdieron su importancia hasta nuestros días están en el focus del presente trabajo. Además se va discutir cómo se inserta el pensamiento de estos dos espacios en la era de la globalización y en el nuevo escenario internacional más allá del mundo unipolar. Palabras claves: América Latina, Rusia, pensamiento político y socio-económico

INTRODUCCIÓN Cualquier pensamiento social (en el sentido lato de la palabra, es decir incluso el filosófico, económico, etc.) es un reflejo de los problemas que surgen en la sociedad, y el enfoque de su resolución se determina por el complejo de peculiaridades civilizacionales. Al recurrir a las teorías, modelos y ideas ajenos a piori nos condenamos a los fracasos, siempre estamos alumnos es decir los que pisan los talones de los otros. Estamos en presencia de una crisis que, por su índole y sus manifestaciones, supera aquella otra, también muy grave, de los años treinta. No me parece que sea posible explicarla a la luz de teorías que surgieron en los centros hace más de un siglo: ni de las que exaltan las virtudes del capitalismo ni de las que condenan el

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sistema. Son teorías que han quedado a la zaga de los acontecimientos y también del enorme avance de los conocimientos científicos. El capitalismo ha evolucionado incesantemente y, conforme se desenvuelven y propagan las innovaciones técnicas, acontecen grandes transformaciones en la estructura de la sociedad, acompañadas de cambios de gran significación en las relaciones de poder que tanto influyen en la intensidad del desarrollo y la distribución social de sus frutos. A todo ello se añaden las consecuencias cada vez más notorias de la ambivalencia de la técnica. El anacronismo de esas teorías es muy serio en sí mismo y en sus consecuencias, pues son incapaces de interpretar los hechos y son contraproducentes en sus formas de acción. Una y otra vez la realidad rebasa el molde estrecho de conceptos que pretenden circunscribirse a lo económico, eliminando por asepsia doctrinaria elementos sociales, culturales y políticos que forman parte integrante de la realidad y que, junto con los elementos técnicos y económicos, tienen importancia creciente en las mutaciones estructurales de la sociedad (PREBISCH, 1984, p. 163).

Estas palabras escritas hace 30 años pertenecen a Raul Prebisch, pero parecen muy actuales ahora cuando el mundo está sufriendo la crisis, mucho más grave debido a si multidimensional y multifacética y que no se puede reducir sólo a lo económico, pero que cuya salida están buscándola en vía de neoliberalismo económico. El Mundo tiene necesidad de nuevos proyectos alternativos que, en nuestra opinión, deben ser elaborados a base del pensamiento propio y la experiencia histórica propia, y los cuales tengan en consideración el arquetipo del pueblo que va a participar en éstos. Justo por eso nos dirigimos a las diferentes corrientes del pensamiento latinoamericano y ruso en las cuales más que en ningunos otros países se reflejó la busqueda de su propio camino hacia el desarrollo equitativo, justo y sostenido. En este trabajo tratamos de analizar el pensamiento latinoamericano en su relación con otro pensamiento situado en los márgenes, el mundo eslavo con especial énfasis en el ruso. Desde luego utilizamos el término “marginal” como una categoría de análisis sin ninguna connotación de orden ético. Nos interesa como se piensa “desde” estos dos espacios “marginales”. “Marginal” denominamos todo aquello pensamiento que se genera fuera del núcleo principal del pensamiento humanístico y social – es decir fuera de Europa

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Occidental y Estados Unidos. Entre este pensamiento “marginal” existen vasos comunicantes es decir tal como en la dinámica de fluidos podemos observar un fluir de ideas comunes: la originalidad / imitación de las ideas, la problemática relación centro – periferia, la indigenización del saber.

LA BÚSQUEDA DE LO AUTENTICO EN EL PENSAMIENTO - LAS CORRIENTES CONTRA LA OCCIDENTALIZACIÓN EN AMÉRICA LATINA (DE LA CONQUISTA A LA ANTROPOFAGIA) El pensamiento (filosófico) latinoamericano se inició con la llegada de los primeros sacerdotes y monjes poco después de 1492 con la conquista y la posterior fusión de las Américas de los quechuas, los aztecas, los mayas y otros con España y Portugal. Desde luego estos pueblos ya tenían sus propias formas de pensar, sin embargo con la conquista quedó clausurado el desarrollo proprio del pensamiento de los pueblos autóctonos. Por lo tanto, el desarrollo de pensamiento latinoamericano comenzó con la corriente filosófica dominante en la Península Ibérica del siglo 16: la escolástica aristotélica–tomista que obtuvo en las universidades recién fundadas como Santo Domingo (1505), Lima y México (1553) la protección y promoción oficial. Las órdenes religiosas (especialmente dominicos, agustinos, y desde la mitad del siglo 16 los jesuitas en particular) eran los más importantes exponentes de esta escolástica quienes eran responsables de la educación y de la cristianización de los pueblos indígenas subyugados. El objetivo era formar a los subordinados en el Nuevo Mundo en las ideas y los valores del estado español y de la corona española. Así la escolástica estaba estrechamente asociada con la clase alta criolla y la burocracia colonial española y dominó el quehacer filosófico durante los siglos 16 y 17. En Europa en cambio surgieron ya las corrientes post-escolásticas: el empirismo inglés (Locke, Hume) y el racionalismo francés (Descartes). Así por ejemplo, el Discurso del método de Descartes, publicado en Europa en 1637, fue conocido en el Nuevo Mundo casi un siglo más tarde. Pero a mediados del siglo 18 en América Latina cada vez más estas ideas ilustradas cobran más importancia: en 1771 el virrey del Perú aprobó un plan de estudios que incluyó las ideas de Leibniz, Bacon y Descartes y en 1781 el mexicano Juan Benito Díaz de Gamarra y Dávalos (1745-1783) publicó sus Errores del entendimiento Humano. El libro fue una crítica de la escolástica que se refiere a las ideas de Leibniz y Descartes y se dirigió contra la doctrina imperante de Tomás de Aquino. Gamarra definió la filosofía como el conocimiento de la verdad, del bien y del honorable: esto

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podría lograrse sólo a través de la iluminación de la naturaleza y de las conclusiones extraídas de la razón sin referente religioso. Una vez consumida la independencia que llegó a casi todos los países de América Latina hasta 1830, la cuestión de la autenticidad del pensamiento en América Latina fue una de los enfoques principales de dos pensadores argentinos: Juan Bautista Alberdi (1810-1884) y Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888). Alberdi formuló como uno de los primeros pensadores hispánicos la pregunta, ¿en qué medida se puede hablar de una filosofía auténtica latinoamericana? Punto de partida son sus Ideas para presidir a la confección del curso filosofía contemporánea” pronunciadas en el Colegio de Humanidades, Montevideo en 1842 fue la contradicción entre una filosofía universal y una filosofía particular. Para Alberdi no existe una solución universal para todas las preguntas de todos los tiempos, ya que no puede haber una solución universal para todas las preguntas: “No hay, pues, una filosofía universal, porque no hay una solución universal de las cuestiones que la constituyen en el fondo. Cada país, cada época, cada filósofo ha tenido su filosofía peculiar, que ha cundido más o menos, que ha durado más o menos, porque cada país, cada época y cada escuela han dado soluciones distintas de los problemas del espíritu humano” (GAOS, 1982, p. 302).

En el ya mencionado discurso en cambio el autor afirma que sólo existe una filosofía particular. “Es así como ha existido una filosofía oriental, una filosofía griega, una filosofía alemana, una filosofía inglesa, una filosofía francesa y como es necesario que exista una filosofía americana. (GAOS, 1982, p. 203) En consecuencia, la filosofía iberoamericana sería una propuesta de solución para los problemas de la gente en este continente: el problema de la libertad, el problema de la organización social y el problema del progreso. Alberdi anticipa con estas preguntas una discusión sobre el papel fundamental práctico de la filosofía para el continente latinoamericano: “(...) la discusión de nuestros estudios será mas que en el sentido de la filosofía en sí; en el de la filosofía de aplicación, de la filosofía positivista y real, de la filosofía aplicada a los intereses sociales, políticos, religiosos y morales de estos países” (GAOS; 1982, p. 205). En un punto desde luego Alberdi es fiel al eurocentrismo de su época: la solución de los problemas latinoamericanos viene de la adaptación de las ideas europeas en el continente,

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una posible aportación de las ideas autóctonas (americanas) descarta por completa. De manera similar, el segundo autor argentino, Domingo Faustino Sarmiento distingue en su obra principal “Facundo. Civilización y Barbarié” dos formas fundamentalmente diferentes de la sociedad latinoamericana: por un lado, la sociedad bárbara, americana e india y por otro lado, la sociedad civilizada, europea y española. Para Sarmiento España fue el primer país que ha civilizado a la América bárbara. Sin embargo, después de la independencia de América Latina, el progreso de la sociedad no estaría garantizado por España, sino por los Estados Unidos. Justificó esto con el tremendo auge económico del “hermano mayor en el norte”, y urgió un replanteamiento de la política de inmigración: se pronunció a favor de una mayor promoción de la inmigración europea, sobre todo anglosajona porque ellos están libres de cualquier mezcla con otras razas (sic) y poseía más energía física e intelectual. Las dos propuestas de Alberdi y Sarmiento son la base de una feroz política de modernización basado en el eurocentrismo y a partir de la segunda mitad del siglo 19 del positivismo. Este último ofrecía las utopías sociales de la libertad y la dignidad humana al mismo tiempo que rechaza las enseñanzas espiritualistas de la Iglesia Católica. La autoridad de la teología debe ser sustituida por la autoridad de la ciencia, la religiosidad por el ateísmo y el agnosticismo. Al mismo tiempo esta filosofía importada desde Francia obtuvo se impacto en las dictaduras del continente (sobre todo en Brasil y México). A partir del siglo 20, el péndulo de las ideas se volteó al otro lado: Los mexicanos Antonio Caso (1883-1946) y José Vasconcelos (1882-1959) trataron de superar el positivismo. Ellos establecieron en 1907 en la Facultad de Derecho de la Universidad de la Ciudad de México la Sociedad de Conferencias que fue posteriormente renombrado Ateneo de México (19091914) (PEREIRA, 2004, pp. 38-45). Los miembros eran un grupo de jóvenes intelectuales (por ejemplo Alfonso Reyes, Pedro Henriques o Diego Rivera) que comenzaron a interesarse por la literatura y la agitación social y política, además de la filosofía. Los atenistas lucharon contra la tesis positivista que sólo una filosofía basada en la ciencia y la tecnología posee validez y valor. Se establecen como anti-materialistas, con grandes simpatías para el idealismo y el vitalismo (elementos que no siempre son fáciles de distinguir). Ellos tienen una clara preferencia por el pensamiento intuitivo, al mismo tiempo menosprecian las consideraciones lógico-matemáticas. Los atenistas

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persiguen dos objetivos principales: por un lado, trataron de vincularse intelectualmente con el potencial intelectual de Europa y aceptaron caso incondicionalmente el carácter universal de la filosofía europea. Por otro lado, critican de manera tajante el positivismo latinoamericano como proyecto neocolonial. En la obra principal Ética de Vasconcelos, esta crítica queda claramente manifiesta: Pocos son las filosofías válidas universalmente, el platonismo. el aristotelismo, el idealismo y el realismo parecen polos eternos de la conciencia. Al lado de éstos, hay doctrinas de ocasión, hechas para justificar una política o corolarios de planes y de prejuicios temporales (...). Por eso, lo más triste de nuestra historia mental es que hayamos podido aceptar como ‘la filosofía` la doctrina pseudocientífica del evolucionismo, armadora del imperio, excusa de las violaciones y los atropellos al derecho de gentes. Lo que no podremos perdonar a nuestros mayores es el habernos puesto de rodillas delante de ese fetiche del progreso expansivo de los anglosajones: la evolución (VASCONCELOS, 1987, p. 983).

Vasconcelos, después de haber atacado a la cultura anglosajona, cree que puede haber un progreso intelectual en América Latina sólo cuando se trata de una formulación propia de ideales: “Cada raza que se levanta necesita constituir su propia filosofía (…). Nosotros nos hemos educado bajo la influencia humillante de una filosofía ideada por nuestros enemigos, si se quiere de una manera sincera, pero con el propósito de exaltar sus propios fines y anular los nuestros” (VASCONCELOS, 1966, p. 43). Vasconcelos anticipa una discusión que se ha discutido sobre todo desde finales de los sesenta años del siglo XX: América Latina necesita una filosofía autóctona que abre un nuevo camino intelectual: “Es menester (…) dar una filosofía a las razas hispánicas, aunque no fuese por otro motivo que el tener ya nuestros rivales una filosofía propia que no nos conviene a nosotros repetir como loros en nuestras universidades ni poner en obra en nuestras acciones” (VASCONCELOS, 1957, p. 681). Estos rivales, que mencionó son en particular la teoría del darwinismo social en su expresión anglosajona y el positivismo. El desarrollo de una filosofía autóctona de América Latina no sólo es apropiado, sino absolutamente necesario para Vasconcelos, sobre todo porque teme una pérdida paulatina de la identidad y la prevalencia de la influencia norteamericana en la cultura. El hecho de que se tratara de los pueblos de

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América Latina de pueblos oprimidos, de acuerdo con Vasconcelos no impide la formulación de una filosofía independiente. La filosofía latinoamericana no es sólo una simple interpretación de los textos, sino un importante instrumento de política.

DOS VÍAS AUTÓNOMAS DEL ANÁLISIS DEL PENSAMIENTO SOCIO-ECONÓMICO EN AMÉRICA LATINA EN EL SIGLO XX Consolidando la independencia política durante los intelectuales latinoamericanos los siglos XIX y XX, trataron de producir un conocimiento propio a partir de la realidad social del continente. Tal es el caso de dos aportaciones origininales que a continuación quiero analizar1: la teoria de la dependencia y la propuesta de un nuevo meridionalismo. La teoría de la dependencia es a la mayor la aportación intelectual del continente latinoamericano al pensamiento socio-económico universal. Esta búsqueda de una vía autóctona de la realidad social de América Latina cobró fuerza con el establecimiento de la Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL) de las Naciones Unidas en Santiago de Chile en 1948. El spirtus rector de esta institución fue el argentino Raúl Prebisch El alejamiento de esa labor de mera “traducción” de la teoría, precisamente es la base que explica la construcción de los dos grandes paradigmas del pensamiento latinoamericano: la producción de los teóricos de la cepal en los años cincuenta y sesenta, y la teoria de la dependencia. No son, por cierto, las únicas corrientes teóricas latinoamericanas, ni sólo alrededor de sus marcos explicativos se ha producido conocimiento, pero sí son ambas las que han logrado, hasta ahora, un mayor grado de estructuración teórica (SANCHEZ SOSA, 2004, p.12). Aunque la “escuela de la dependencia” nunca fue una doctrina uniforme, se puede identificar algunas ideas que compartían los científicos sociales: • Los obstáculos más importantes para el desarrollo no son la falta de capital o de habilidades de emprendedor. Ellos eran externos a la economía subdesarrollada no internos. • La división internacional del trabajo se analiza en términos de las relaciones entre regiones, de los cuales hay dos tipos - centro y periferia que asumen particular importancia. • Hay un intercambio desigual de bienes – el centro exporta a la periferia bienes manufacturados (caros) y la periferia recibe en cambio poco dinero por sus exportaciones de materia prima hacia el centro.

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Como estrategia de salir de este círculo vicioso de dependencia, los autores de propusieren como una de las medidas a adoptar la Industrialización por sustitución de importaciones (ISI). ISI se basa en la premisa de que un país debe tratar de reducir su dependencia del exterior a través de la producción local de productos industrializados. El otro enfoque autócono es el llamado “Meridionalismo”. Dejan Mihailovic, catedrático serbio-mexicano, propone una nueva alianza geopolitica para hace frente al mundo unipolar existente y que seria capaz de romper con la dicotomía entre el polo centrico y periferico descrito por la teoria de la dependencia. Al llamado bloque BRICS (Brasil, Rusia, India y China) se sumarán Mexico y Argentina que formarían el “núcleo duro” del nuevo meridionalismo, paises que, segun Mihailovic, suficientemente flexibles para no desarrollar hábitos imperiales (...) Una vez lograda su consolidación el nuevo meridionalismo rompe con la geopolítica imperial, va más allá de la globalización y la regionalización, promueve la integración interregional y el desarrollo endógeno, autocentrado y, finalmente, crea una nueva configuración del poder global (MIHAILOVIC, 2007, p.84).

Como primera evidencia empírica de esta nueva configuración, Mihailovic hace referencia al grupo G-20 que hoy comprenden 23 miembros de la OMC: Argentina, Bolivia, Brasil, Chile, China, Cuba, Ecuador, Egipto, Filipinas, Guatemala, India, Indonesia, México, Nigeria, Pakistán, Paraguay, Perú, Sudáfrica, Tailandia, Tanzanía, Uruguay, Venezuela, Zimbabwe. Esta coalición de países emergentes es un grupo de presión en temas agricolas que se formó bajo el liderazgo de Brasil poco antes de la 5ª Conferencia Ministerial de la Organización Mundial del Comercio (OMC) en Cancún, México, en septiembre del 2003. Durante dicha conferencia el grupo se presentó como un adversario serio de los miembros dominantes (EE.UU y Union Europea). Dado que las propuestas de los EE.UU. y la UE para reducir sus subsidios agrícolas y abrir sus mercados a los productos agrícolas de los países del G-20 no correspondían con los resultados de la Ronda de Doha, fracasaron las negociaciones, sobre todo debido a la unión de los países del grupo.

EL PENSAMIENTO RUSO: BÚSQUEDA DE SU PROPIO CAMINO EN LUCHA CONTRA EL EUROCENTRISMO En la historia rusa hubo dos corrientes del pensamiento social en las que con gran fuerza se reflejó la búsqueda de Rusia de su propia única vía del

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desarrollo y que desempeñaron un papel fundamental en cobrar Rusia la conciencia de ser una civilización autónoma y original. Estas son el eslavofilismo que surgió en los años 40 del siglo 19, y el eurasianismo, que se originó entre los emigrantes rusos en el primer tercio del siglo 20. La importancia de estas corrientes se determina no sólo por su papel en el pasado, sino también por el hecho de que las ideas formuladas por ellos siguen siendo válidas y se vislumbran casi en todas las corrientes científicas, políticas de hoy.

ESLAVOFILISMO Desde el momento de aparecer el eslavofilismo han pasado casi 150 años pero los problemas, que los eslavófilos habían planteado en sus trabajos a mediados del siglo 19, volvieron a surgir en Rusia lo que hace a los investigadores acudir de nuevo a la herencia de los fundadores de esta corriente sin reducir su estudio a la esencia de “clase” y tratando de penetrar la idea eslavófila en toda su riqueza y amplitud, tratando de entender el quid de controversias entre los eslavófilos y los occidentalistas. En el extranjero el eslavofilismo muy a menudo identifican con el paneslavismo cuyos motivos de alguna manera se puede distinguir en las opiniones eslavófilas. Pero éste no es la esencia y el sentido de la corriente. Es un pensamiento ruso estrechamente vinculado con Rusia y sus problemas internos en vísperas de la reforma de 1861 (abolición de la servidumbre) cuando Rusia comenzó la transición del feudalismo al capitalismo, que venía acompañando por una transformación radical del modo de vida edificada durante siglos. Los eslavófilos sugerieron su visión de los problemas y su solución de muchas cuestiones importantes de la vida política, social y económica rusa planteando serie de cuestiones ante la sociedad. En los momentos más complejos y cruciales de la historia recaemos en nuestro pasado, buscamos allí un apoyo y soluciones de los problemas actuales tratando de tomar conciencia del presente para crear nuestro futuro. “Cada hito histórico, reflejando su tiempo único y singularidad histórica, tiene un interés particular para los descendientes cuando ellos mismos se ponenen en el camino de cambios radicales” (ÄÓÄÇÈÍÑÊÀß, 1994, p. 3). Uno de los fundadores del eslavofilismo Petr Kiréyevski dijo sobre la importancia de la memoria: “... una característica distintiva de la barbaridad es la desmemoria; ... no hay ni gran labor, ni palabra lógica sin el sentido vivo de dignidad,... el sentido de dignidad no existe sin el orgullo nacional, y el orgullo nacional no puede ser sin la memoria nacional” (ÖÈÌÁÀÅÂ,

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1986, p. 69). En esta era de globalización, que ha afectado todos los países y pueblos, que se presenta como objetiva e inevitable pero de hecho es la imposición al mundo la vía y los estándares occidentales, lo que significa unificación total, se necesita volver a sus “principios” (orígenes), como dijeron los eslavófilos, pués sólo en este caso, hay posibilidad de preservar su propia identidad. Eslavófilos abordaron, tal vez, el problema más complicado para Rusia, problema de sus relaciones con el Occidente y la actitud rusa hacia el mismo Occidente y sus logros (en aquel entonces éste fue representado por Europa). En esta discusión como opositores los eslavófilos tenían a los que se llamaban convencionalmente “occidentalistas”. Esta división en los eslavófilos y occidentalistas se produjo en aquella época pero sigue existiendo ahora. Aún más, volvió a ponerse de relieve después de caer la Unión Soviética, cuando en Rusia se comenzó otra vez a discutir las vías de desarrollo. Por supuesto, tanto los eslavófilos como los occidentalistas actuales no son los que fueron antes, pero el quid de la polémica sigue siendo el mismo: ¿Cuál es el camino a seguir Rusia? Su propio, único que responda a sus “principios” (orígenes), o el occidental, inevitablemente siendo un discípulo necio al que todos enseñan y traen al buen camino. Rechazando un enfoque materialista que fue típico en la Unión Soviética y en mayor medida es inherente al capitalismo actual, nosotros, de una manera distinta, podemos evaluar la esencia y el significado del eslavofilismo, acudir a aquellas sus razones que antes estuvieron fuera del alcance de los científicos, pero que, en nuestra opinión, constituyen sus fundamentos y son de gran importancia para comprender Rusia y su lugar en el mundo. Ante todo, tenemos en cuenta sus conceptos religiosos y filosóficos. Hoy en día para nosotros los problemas más importantes que planteron los eslavófilos, son: la relación entre lo nacional y lo universal, actitud hacia el Estado, la personalidad y la sociedad, la relación entre lo individuo y lo colectivo, la élite y el pueblo. Ellos fueron tratados en el contexto de antítesis: Rusia - Occidente. Los oponentes acusaron a los eslavófilos del odio al Occidente (a Europa), de ser retrógrados y de renunciar al progreso. Pero hay que tener en cuenta que el eslavófilismo surgió en un periódo de dominar en Rusia dudas en sí misma, se comparaba constantemente con el Occidente y no a favor de Rusia en la mayoría de los casos. Los partidarios del Occidente se orientaban a éste y decían que su programa de desarrollo era correcto por que la realidad social y política europea lo comprobó. Ellos quitaron a Rusia

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posibilidad de tener su propia vía distinta de la occidental. Al mismo tiempo los eslavófilos en sus argumentos e ideas partieron de la realidad rusa. Para otro fundador de esta corriente, Khomiakov, “los valores superiores, principios móviles de existencia no están en un pensamiento abstracto sino en “la vida”, en “un gran organismo” vivaz al que pertenece el ser humano y que para él fue una Rusia ortodoxa. Por eso su idea incita al desarrollo no por los problemas de teoría sino por las necesidades vitales ...” (ÕÎÐÓÆÈÉ, 2002, p. 154). Eslavófilos no negaban logros europeos incluso en el campo de instrucción, filosofía y pensamiento social, en el material (físico). Ellos mismos habían sido educados sobre los mejores ejemplos de éste, conocían bien la filosofía, literatura europea, su pensamiento religioso, estuvieron al corriente de las obras económicas. Su conocimiento profundo de Europa y la comprensión de a dónde la llevaría la secularización ya comenzada los hicieron ver la distancia entre Europa y Rusia. La posición de los eslavófilos hacia el Occidente y por lo tanto su diferencia de los “occidentalistas” rusos expresó A. Kóshelev: Ellos esperaban la luz sólo desde el Occidente, alababan todo lo existente allí, trataban de copiar todo lo que había en Europa y olvidaron que tenemos nuestro propio ingenio, nuestras propias particularidades y necesidades locales, históricas, espirituales y físicas. No rechazamos nada los grandes descubrimientos y mejoras realizadas en el Occidente, consideramos necesario conocer todo lo producido allí, usar lo mucho que tenían, pero vimos la necesidad de dejar pasarlo todo a través de la crítica de nuestra propia mente y desarrollarse con la ayuda y no a través de los copiamientos de los pueblos que nos habían adelantado en el camino de educación. ...Reconocimos que nuestra primera tarea escencial era estudiar a nosotros mismos en la historia y en el modo de vida actual... (ÊÎØÅËÅÂ, 2009, p. 171).

Los eslavófilos contrarrestaban la pura imitación del Occidente, una transferencia irreflexiva sobre terreno ruso de las instituciones, la educación y pensamiento occidentales. Ellos dieron por el hecho de que en la persona de Europa Rusia había conocido un mundo más instruido, que la superaba por el nivel de desarrollo en muchas áreas, pero estuvieron profundamente convencidos de que bajo la Instrucción había que comprender no sólo el mejoramiento de la vida cotidiana, “las mejorías en las Ciencias, Artes y el acondicionamiento visible de la sociedad sino el movimiento común,

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intelectual y moral, que debe liar a los pueblos en una unidad fraterna ...” (Idid., p. 214). Ellos creían que la doctrina sería necesaria y útil para Rusia, y entonces, alzanzaría su destino, sólo cuando despertara sus propias fuerzas y, basandose en éstas, ella consiguería construir su vida independiente, de acuerdo con sus “principios”. Los eslavófilos trataron de hacer llegar hasta la sociedad, en aquel entonces calada de ideas occidentales, que la vida rusa era particular, que no tenía nada que ver con la vida del Occidente, que estaba organizada, según leyes completamente otras, y era giada por otros conceptos de Etica y Moral. Es por eso en sus pensamientos y construcciones teóricas se volvían hacia el pasado, a la historia de Rusia antes de Pedro I, ya que justamente allí veían el ideal de vida rusa. Eslavófilos no estaban en contra de las reformas de Pedro I reconociendo que las reformas habían sido predeterminados por todo el desarrollo histórico del país. Ellos no estaban de acuerdo con los métodos de su realización, pensando que habían dado lugar a la escisión de la sociedad. En la época postpetrina las altas capas de sociedad comenzaron a idolatrar servilmente todo lo europeo, lo que vino acompañando de transplantar las instituciones ajenas y introducir en “las cabezas rusas” las ideas ajenas con evidente desprecio de lo suyo: de su historia y modo de vida, tradiciones y costumbres. Como señaló el historiador ruso del siglo 19, K. Bestúzhev-Ryumin, para los eslavófilos “el retorno a la Rusia prepetrina significa el desarrollo de los principios sociales y políticos cuya actividad había sido detenido por las reformas ...” (ÁÅÑÒÓÆÅÂ-ÐÞÌÈÍ, 2009, p. 337). Mucho en el pasado histórico ellos idealizaron, muy a menudo dieron por real lo deseado, y este deseado no correspondía a la realidad pasada. Pero no podemos culparselo. ¿Es que no nos lo ocurre cuando nosotros no aceptando lo que está pasando en contorno, y sin tener posibilidad de cambiar nuestra realidad, miramos al pasado, encontrando allí muestras de nuestros ideales. Pero no significa que queremos volver al pasado. Nosotros, al igual que los eslavófilos, entendemos que éste se había ido y no podemos devolverlo. Los eslavófilos buscaban en el pasado, “el principio eterno, el espíritu ruso”. El tiempo antiguo tuvo valor para ellos como una base espiritual del presente, estuvieron buscando en aquella época lo que era lo ruso, que pudiera servir del fundamento para el desarrollo de pensamiento ruso origina,l determinara la vía nacional de transformación del país correspondiendoa a las tradiciones rusas y a la comprensión rusa del sentido de vida. De aquí viene como los eslavófilos entendían la libertad. Ellos distinguían la libertad interna y externa. A diferencia de los occidentalistas que, según

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su opinión, se quillotraban principalmente por la libertad externa política, los eslavófilos hablaban sobre la libertad interna, sobre la independencia espiritual y moral lo que significaba y la independencia mental, es decir, la libertad de ideas y opiniones y, por lo tanto, la salida de la dependencia mental (intelectual) del Occidente. Ellos hicieron mucho para que “los rusos reconocieran el derecho del pensamiento ruso de percibir independientemente la Verdad sin esperar la autorización previa de Europa Occidental” (ÑÀÌÀÐÈÍ, 2009, p. 496). La base espiritual para los eslavófilos se hizo la Ortodoxia. La Fe ortodoxa fue no simplemente el eje en torno al cual se formó su mundividencia, ella penetró en todos sus pensamientos, apoyándose en ella, formaron su enfoque de los problemas más importantes de la existencia humana en general, y no sólo en Rusia, determinaron su lugar y su importancia en la historia universal. De gran importancia es el hecho de que los eslavófilos fueron los primeros en hablar de la Ortodoxia en nuevo significado, nuevo para entonces: se referieron a ésta como al principio cultural de Rusia, como a una “gran idea nacional”. Con la Ortodoxia asociaban la originalidad rusa, pero no la limitaban con el marco nacional. El destacado filósofo ruso del siglo 19, V. Soloviev, quien criticó a los eslavófilos de su “desafección” a Europa, reconoció que “el eslavofilismo contuvo el germen de una comprensión verdadera, universal del cristianismo” (ÑÎËÎÂÜÅÂ, 2009, p. 640). Por primera vez, trataron de percibir la identidad de Rusia, hablaron de su predestinación dirigiéndose al público, “no en el lenguaje de pequeña tradición popular sino en el lenguaje universal de cristianismo oriental” (ÏÀÍÀÐÈÍ, 2009, p. 917). Ahora, mucha gente en Rusia de nuevo trata de encontrar una salida volviéndose a la tradición oriental cristiana - la Ortodoxia. Y he aquí es interesante que a la tradición rusa religioso-filosófica se vuelvan no sólo creyentes sino también ateos que comprenden la importancia de la Creencia en la vida humana. El discurso en Rusia se está haciendo cada vez más religioso. Y de nuevo, como hace 150 años, se ve la diferencia de Europa: en los momentos cruciales de su historia Rusia trata de recobrar su predestinación religiosa y la Europa moderna la perdió casi completamente. Podemos decir que el desarrollo de la idea religioso-nacional es lo más importante en el eslavofilismo. Y es ella la que determinó la actitud de los eslavófilos hacia el Occidente.

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Soloviev V. en el siglo 19, hablando de la idea rusa y de la razón de existencia de Rusia en la historia universal, dijo que “la idea de la nación no es lo que ella piensa de sí misma en el tiempo, sino lo que el Dios piensa de ella en la eternidad” (ÑËÀÂßÍÎÔÈËÜÑÒÂÎ. PRO ET CONTRA, 2009, p. 734). Y estas palabras se puede atribuir a los eslavófilos que pensaron en la predestinación que el Señor había dado a Rusia. Gran lugar en las ideas eslavófilas ocupa el problema de las relaciones entre el Estado y la sociedad. Un eslavófilo más - K. Aksákov - consideraba el pueblo ruso no estadista en el sentido de que él no había querido gobernar, por lo que había invitado a Rusia a los varegos, es decir la autoridad desde afuera. Pero no todos estaban de acuerdo con su tesis, aludiendo, con razón, a como un pueblo no estadista había logrado crear un estado tan poderoso y fuerte. Pero aceptaron su principio de división en el “Mundo” (“Tierra” en ruso) y el “Estado”. Creían que el pueblo percibía la necesidad de existir el Estado como una institución y reconocía sólo aquella autoridad con la que tenía un contrato y a que encargó protección de el Mundo (Tierra) y su gestión. La fórmula de las relaciones entre el Estado (autoridades) y el pueblo expresó K. Aksákov: “Al gobierno se da la fuerza del poder, a la Tierra (al pueblo – nota de la autora) - el poder de la opinión” (ÄÓÄÇÈÍÑÊÀß, 1983, p. 49). El esquema de la “Tierra” y el “Estado” de K. Aksákov más tarde se complementó con la teoría de la “Sociedad” construida por su hermano Iván Aksákov en su base. La sociedad se encuentra entre “el pueblo en su ser espontáneo” y el Estado que es “la gobernación externa del pueblo”. “La sociedad” surge del pueblo, es “el mismo pueblo en su avance” (ÖÈÌÁÀÅÂ, 1986, p. 219). De este modo, la sociedad, según su comprensión, es el pueblo educado (el cual para ellos era no sólo capas altas sino también todos los estamentos con un cierto nivel de educación, desarrollo espiritual y moral). Con eso mientras más alto sea nivel intelectual y moral, más fuerte sea la sociedad. Debido a esto, los eslavófilos conceden gran importancia a la educación del pueblo, haciendo hincapié en que debe ser diferente a la de Europa occidental, y aquí Rusia tiene ventaja porque la gente todavía no está afectada por las ideas destructivas de educación occidental (europea). Hablando de la instrucción, ellos se basan en un arquetipo ortodoxa de persona rusa, como lo entienden, y no la separan, como un sistema de educación, del desarrollo espiritual. A. Khomiakov escribe que “la plaga de la pobreza espiritual es más horrible que la de la pobreza material” (ÕÎÌßÊÎÂ, 1900, I, p. 96). Y sigue, que el edificio sólido de educación rusa debe ser erigido

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sobre la Fe, la Fe Ortodoxa, ya que sólo ella da a la conciencia la sensatez y la integridad (en contraposición al pensamiento occidental en la que prevalece la racionalidad y la dualidad). En virtud de esto, la sociedad por los eslavófilos “no es más que una manifestación visible de nuestras relaciones internas con otras personas y nuestra unión con ellos” (Ibid., p. 385). Y este tipo de relaciones en la sociedad puede construirse sólo sobre la Fe, ya que sólo ella es una luz perfectisíma que ilumina todas las concepciones morales de una persona, todos sus criterios respecto a otra gente y las leyes internas que la unen con ésta”. (Ibidem). “La sociedad, que busca fuerzas para conservarse fuera de sí misma, ya está enferma” (ÕÎÌßÊÎÂ, 1900, III, p. 28). Y “el ser humano alcanza su objetivo moral sólo en la sociedad en que las fuerzas de cada uno pertenecen a todos, y las fuerzas de todos a cada uno” (Ibid., p. 29). Las ideas eslavófilas sobre la sociedad civil sana que debe basarse “en la comprensión de sus miembros de la Hermandad, Verdad, Juicio, y Misericordia”, están en sintonía con las opiniones de muchos rusos hoy, la mayoría de los cuales no acepta la comprensión de la sociedad civil como un conjunto de individuos que defienden principalmente sus derechos materiales. Ellos vieron la pena de aquella época en la división de la sociedad en capas altas y bajas que no se entendían, no se confían, que tenían diferentes ideales. Gran parte de las capas altas se separó del terreno popular y se orientó al Occidente y a la educación occidental, y las bajas se quedaron en su “Tierra”, conservando sus costumbres y tradiciones. Veían su tarea en unir la sociedad a través de superar la disociación de la conciencia rusa (en secular y religiosa, educada y popular). Sus ideales de la sociedad y vida social los eslavófilos expresaron a través de la teoría sobre la comunidad rural (ejido), que para ellos era una máxima manifestación del principio colectivo en el pueblo ruso. Y la consideraban no sólo y no tanto como una entidad económica sino como un organismo social que tenía gran necesidad de “vivir juntos en harmonía y amor” y que “implica un acto supremo de la libertad personal y la conciencia - la abnegación” (ÊÀÏËÈÍ, 2008, p. 166). La historia de Rusia confirma la importancia y el valor supremo de lo colectivo en la vida del pueblo ruso. Para su arquetipo es más cercano el ideal de “colectivismo ético” que el “individualismo ético-místico” (Ibidem). La doctrina de comunidad rural fue seguida por la doctrina de Sobornost que desarrolló Khomiakov, como muchas otras cosas,

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polemizando con el pensamiento religioso occidental. En este concepto se reflejó la unidad orgánica de lo general y lo particular. “Esto es un gérmen de la idea rusa, un concepto central de la filosofía rusa, la palabra muy complicada para traducir a otros idiomas ... pero la más omnicomprensiva en la terminología filosófica” (ÃÓËÛÃÀ, 2004, p. 16). Sobornost no es un sinónimo del colectivismo o antónimo del individualismo. Hablando de Sobornost, el pensamiento ruso pone la conversación en el ámbito ético y religioso, la presenta como “una evidencia intuitiva creada en el pueblo por la Ortodoxia durante siglos” (Ibid., p. 17). Según Khomiakov, la palabra «soborny» expresa la idea de unicidad en diversidad. Para él, la Iglesia Sobornoya es “la Iglesia de unanimidad libre, completa, la Iglesia en la que habían desaparecido etnias, no hay Griegos ni bárbaros, no hay diferencias en el estado, no hay esclavistas ni esclavos ...” (ÕÎÌßÊÎÂ, 1886, II, p. 326ñ.327). En el siglo XXI la doctrina de Sobornost adquiere un sentido real, se vuelve más importante para nuestro país que durante el período de eslavófilos. El mundo moderno está envuelto en el proceso de descristianización, que no está pasando ya a nivel de violencia externa sino a nivel de destrucción de integridad de la conciencia. En este contexto la oposición del individualismo - sobornost característica para el período de eslavófilos, pierde su importancia para la caracterización de las relaciones entre el Occidente y Rusia. Una persona deja de ser ínterga e indivisible, es decir, deja de ser un individuo y se convierte en el dividuo, una personalidad fragmentada de tiempo contemporáneo que no tiene libertad interna, ni nervio personal (su pérfil), es un punto de aplicar las poderosas fuerzas sociales y biológicas. Al proceso de dividización puede enfrentar la Sobornost si la entendemos en el sentido de Khomiakov (ÅÑÀÓËÎÂ, 2007, p. 11-16).

Él entendió bajo ella una unidad, una comunidad en la cual cada uno sigue siendo la personalidad, no pierde su “Yo”, es decir, dentro de esta unidad, cada persona se queda con su individualidad y libertad, lo que es posible sólo si se basa en el amor desinteresado, abnegado. Más tarde ella fue desarrollada por otros filósofos y pensadores rusos: por ejemplo, por V. Soloviev en su doctrina sobre la “omniunidad”; por S. Trubetzkoi - en la doctrina de “la naturaleza sobornaya de la conciencia” que, “profundizando las ideas de los eslavófilos y teniendo en cuenta la doctrina de Soloviev,

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interpreta la Sobornost como la coincidencia de los principios religiosos, morales y sociales, que opone tanto al individualismo como al colectivismo socialista”. El papel de los eslavófilos en la historia de pensamiento social ruso es difícil de sobrevalorar. Del pensamiento eslavófilo vino la doctrina de comunidades histórico-culturales de N. Danilevski, quien se considera el seguidor de los eslavófilos. Al unísono con las ideas de ellos está y el concepto historiosófico euroasiático. El gran filósofo ruso A. Lósev dijo que el eslavofilismo era “la primera filosofía orgánicamente rusa”, que se hizo “un modelo para toda la filosofía rusa posterior”. El eslavofilismo fue el que “había llevado hasta la expresión consciente, ideológica de la Verdad Eterna del Oriente Ortodoxo y el régimen histórico de la tierra rusa, al unirlos orgánicamente” (ËÎÑÅÂ, 1990, p. 85-86). En las ideas socio-políticas de los eslavófilos se vio una tendencia de subordinar las cuestiones políticas a las sociales. Por eso a veces los acusaron de indiferencia política. Sin embargo, la actualidad de hoy nos muestra lo importante que son problemas sociales en la elaboración de cualquier política, incluso la económica porque la resolución o no de las cuestiones sociales siempre se convierte en un problema político. Para ellos tal problema social fue la reforma agraria relacionada con la abolición de la servidumbre, y el problema de dotar a los campesinos de la tierra. Su participación en preparar la reforma y la necesidad de dotar de tierras los llevó a reconocer derecho histórico de los campesinos a la tierra. Esta posición teórica se puso por base de su trabajo práctico. Su actividad en este ámbito nos permite decir que la doctrina de los eslavófilos no fue pura teoría, reflejó problemas palpitantes de la sociedad rusa y los eslavófilos trataron, según sus posibilidades, de facilitar su resolución. Ellos plantearon muchos problemas de la realidad rusa, que vuelven a ponerse en la agenda de hoy día en Rusia, cuando dejó su propia vía de desarrollo y adoptó un proyecto occidental. Y todo lo que había sido creado por los eslavófilos en el siglo 19, sigue siendo un factor importante en la vida nacional y el pensamiento ruso. Y en este sentido el eslavofilismo sigue vivendo.

EURASIANISMO La segunda corriente de importancia en el pensamiento social ruso es el eurasianismo que compartió y desarrolló algunas ideas eslavófilas. Sin embargo, se basó en un concepto diferente. Yo diría que el eurasianismo

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fue una corriente mucho más geopolítica, más práctica que filosófica y religiosa. Lo más probable se explique por el hecho de que éste fue una reacción a la revolución de 1917 y un intento de comprender no sólo lo que había pasado sino, sobre la base de los cambios revolucionarios, trazar un camino para el desarrollo futuro del país. Uno de los fundadores del eurasianismo P.N. Savitski dijo: el problema de la revolución rusa es un eje en torno al cual se mueve su pensamiento y su voluntad (de los eurasianistas – nota de la autora), como el pensamiento y la voluntad de la gente de mundo ruso y de portadores de la predestinación rusa en el universo ... Los eurasianistas no tienen miedo de las controversias. Saben que la vida está tejida de ellas. Los eurasianistas viven en contraposiciones. En su sistema combinan la tradición y la revolución. Y están muy seguros de que en el futuro no serán ellos que combinan estos principios sino la historia lo hará (ÑÀÂÈÖÊÈÉ, 2007, p. 18).

Según ellos, el eurasianismo... se encuentra en una área común con los eslavófilos. Sin embargo, ellos consideraban el eslavofilismo en cierto sentido una corriente provincial y local. Pero ahora ante Rusia abren oportunidades reales de ser un nucleo de nueva cultura Europea-Asiática (Eurasiatica), de gran importancia histórica, debido a que las ideas y proyectos euroasiaticos deben encontrar imágenes y dimensiones correspondientes y sin parangón (ÑÀÂÈÖÊÈÉ, 2004, p. 356). Los eurasianistas, igual a los eslavófilos, opusieron Rusia a Europa, haciendo hincapié en su identidad y originalidad cultural-histórica. Sin embargo, no estuvieron de acuerdo con los eslavófilos en que esta originalidad culturalhistórica estaba determinada por un principio eslavo. Ellos fueron más allá de la Rusia de los eslavófilos, y se referían a la Rusia que se había formado históricamente en el espacio de continente euroasiático. Según V.N. Ivanov, los eurasianistas correctamente hacen cambios en la causa de los eslavófilos, buscando en el Oriente lo que no había en las ideas eslavófilas cuando éstos argumentaban la diferencia rusa de Europa. “Sólo al revisar completamente toda la historia del Oriente, encontramos a nosotros mismos” (IVANOV, 1926, p. XIII). Eurasianistas fueron los primeros en hablar sobre Rusia como del mundo especial desde el punto de vista geográfico, político, económico, del mundo - el continente medio - Eurasia, que dio el nombre a su corriente. Al

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estudiar la historia rusa ellos combinaron el enfoque histórico con el geográfico. Su enfoque geográfico consistió en tratar la historia de Rusia como una historia de interacción entre el pueblo del bosque y el de la estepa, creían que “es la interacción de las formaciones históricas de la zona de estepa, por un lado, y la de bosque, por otro, la que determina muchas cosas en los destinos político, cultural, económico de Rusia” (ÑÀÂÈÖÊÈÉ, http://gumilevica.kulichki.net/SPN/spn11.htm#spn11text1). La argumentación geográfica de la unidad de los pueblos que habitaban el territorio del espacio euroasiático, ocupó un lugar importante en su concepto, según el cual la ubicación de las zonas natural-climáticas, vastas llanuras habían contribuido a una intensa interacción y mestización de los elementos étnicos y culturales del espacio ocupado por Rusia, habían acostumbrado a vivir juntos, determinado la necesidad de la unión política, cultural y económica. Los eurasianistas pusieron en circulación el término – topogénesis (lugar de desarrollo), que significaba la influencia cualitativa de un factor geografico (espacio, paisaje, medio ambiente, etc) en los acontecimientos históricos, cultura, sistemas políticos y sociales de las etnias. Este enfoque dio a sus opositores argumento para acusarlos del determinismo geográfico. Sin embargo, en nuestra opinión, detrás de esto se ocultaba cierto rechazo del elemento “asiático”, que los eurasianistas incluyeron en el tejido historico ruso, y por otro lado, el desacuerdo con un enfoque, supuestamente, demasiado económico y etatista en detrimento del religioso y cultural. Para los eurasianistas este elemento asiático fue el Estado mongol-tártaro de los tiempos de Genghís Khan que había ejercido gran influencia en el desarrollo del sistema de Estado ruso en aquel período. Reconociendo, igual a muchos historiadores, que la base ideológica de estado ruso la consitiyeron la Ortodoxia y las tradiciones bizantinas, los eurasianistas, al mismo tiempo, pensaron que uno de los fundamentos del sistema estatal ruso era el tártaro, y que “el milagro de transformación del Estado tártaro en el Ruso había sido realizado gracias al auge religiosoortodoxo, que tenía lugar en Rusia en la época de yugo tártaro” (ÒÐÓÁÅÖÊÎÉ, 2007, p. 221). Este ardor religioso había permitido a la antigua Rusia ennoblecer el sistema de estado tártaro, dándole un nuevo carácter religioso-ético y hacerlo suyo. En el concepto del eurasianismo se veía claramente la geopolítica, pero ellos mismos no lo negaron, reconociendo que habían sido fundadores del enfoque geopolítico de la historia rusa.

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Los eurasianistas creyeron que “la unión política de este gran territorio es un resultado de los esfuerzos no sólo del pueblo ruso, sino también de muchos pueblos de Eurasia” (Ibid., p. 33). En relación con esto ellos pusieron de manifiesto dos hechos importantes: 1) se hizo hincapié en que ya a partir del siglo XV Rusia fue un estado multinacional. Una importancia particular en el siglo XVI los eurasianistas dieron a la gente tártara que servía adjunto a la corte rusa: “que, en su opinión, furon fundadores auténticos de la potencia militar del Estado moscovita de aquel tiempo”. Aun más, en el régimen político del Estado ruso vieron ciertos motivos, según los cuales, “a una parte de la población no rusa se habían garantizado sus derechos nacionales y religiosos”; 2) se afirmó que “las relaciones con Asia no son menos importantes en la historia de Rusia que las relaciones con Europa”. Al expresar esta opinión, los eurasianistas creían que era necesario revisar la historia de las relaciones exteriores de Rusia “destacando más, que lo se había hecho hasta aquel entonces, el papel del Oriente” (ÑÀÂÈÖÊÈÉ, Http://gumilevica.kulichki.net/SPN/spn11.htm). Los eurasianistas supusieron que la historia de Rusia podía ser interpretada como un sistema “basado en el cambio de formas diferentes de interacciones entre las más grandes comunidades ideológicas, estatales y económicas que habían surgido en cada una de las dos zonas de Eurasia” (ÑÀÂÈÖÊÈÉ, http:// gumilevica.kulichki.net/SPN/spn11.htm#spn11text1). Esta vuelta simultánea y igual hacia el Oriente y el Occidente es una particularidad de la comprensión euroasiática de la cultura y geopolítica. Con esto ellos percibieron Rusia y Eurasia como organismo único, vivo y en desarrollo, como un “concilio de los pueblos”. En nuestra opinión, un enfoque geopolítico de los eurasianistas puede y debe ser repensado en el contexto actual de globalización y de mundo global. Ellos hablaron que Rusia, percibiendo esta tradición (eurasiática – nota de autora), debe rechazar resuelta- e definitivamente a los viejos métodos de unión que pertenecían a la época ya sobrevivda y superada - métodos de violencia y guerra. En los tiempos modernos se trata de las vías de creatividad cultural, de la inspiración, destello, colaboración. A pesar de todos los medios modernos de comunicación, los habitantes de Europa y Asia siguen estando, en gran medida, cada uno en su propio cuartito, viviendo con los intereses de su campanario. La “topogénesis” euroasiática en concordancia con

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sus propiedades, acostumbra a una causa común ( ÑÀÂÈÖÊÈÉ, http://gumilevica.kulichki.net/SPN/spn05.htm).

La continuación de las construcciones historiosóficas y geopolíticas de los eurasianistas, el núcleo de su concepto, que sigue conservando su importancia en la actualidad, fue la teoría de Estado, cuya elaboracón se la encargó N.N. Alexéev. A pesar de existir en la historia diferentes corrientes del pensamiento político ruso, cada uno de los cuales presentó su ideal del sistema de Estado, todas ellas, según Alexéev, coincidieron en intentar formular un ideal social basado en la “Verdad” (Justicia). Los eurasianistas consideban una sociedad organizada en el Estado como una “unidad orgánica viva”, lo que implica la existencia en ella de la “clase dominante especial - un conjunto de personas que definen y orientan la vida política, económica, social y cultural de un todo estatal-social”. En la capa gobernante ellos destacaban su núcleo - activo estatal. Para ellos las más importantes características del estado fueron el principio y el carácter de la selección de clase dominante y de este activo, y no formas de gobernación. Hablando de los principios del sistemas estatales europeos y no estando de acuerdo con éstos, los eurasianistas presentan como un nuevo tipo de selección de la clase dominante - ideocracia, y con ella un nuevo tipo de régimen de Estado – sistema ideocrático en que reina una “idea-regla”, cuyo portador es dicha capa gobernante. “La idea-regla debe ser tal que, primero, valga la pena dar su vida por ella y, segundo, que este sacrificio sea considerado por todos los ciudadanos como un acto moralmente valioso” (ÒÐÓÁÅÖÊÎÉ, 2007, p. 575, 616). Los eurasianistas (Alexéev) asertaron que: el derecho de Rusia debe basarse en los principios y requisitos alternativos a las teorías jurídicas liberales occidentales. Ningún derecho es importante, sino la Verdad, el Estado de la Verdad. El estado de garantía, “obligatorio” que trata a las personas y no a los individuos, no a los fundadores atómicos de una empresa colectiva arbitraria (ÏÅÒÐÎÂ, 2012).

En el desarrollo del Estado los eurasianistas partieron del sistema soviético que, al mismo tiempo, consideraban como una forma de transición al estado de nuevo tipo. Teniendo en cuenta la posible evolución del estado soviético, Alexéev señaló dos vías de ésta. Para nosotros la más interesante es la primera vía de que habló, y podemos ver hasta qué punto resultó ser exacto su pronóstico. Él escribió que esta oportunidad “está basada en la

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hipótesis de que la energía, liberada por la revolución, vaya a extinguirse poco a poco”, que si se lleva a cabo la primera opción, “¿cómo lo desean y lo presuponen los demócratas, el régimen comunista unipartidista se sustituirá por el multipartidista en sentido occidental o semioccidental de la palabra. La entrada del Estado soviético en la senda marcada significaría que la creación de nuevas formas políticas ha terminado, la revolución se ha desvanecido, viene el reino de patio trasero de Europa ...” (ÀËÅÊÑÅÅÂ, 2003, p. 175, 177). El concepto eurasiático del Estado se basó en un nuevo concepto que difiere tanto del sistema democrático como del comunista. “El estado eurasiático es una entidad política, como decimos, de la naturaleza demótica. Queremos decir que nuestro estado está construido sobre los cimientos profundos de pueblo y corresponde a la “voluntad de pueblo”. Construimos nuestro estado sobre la soberanía del pueblo, pero no sobre la soberanía desorganizada, anárquica en que se basan las democracias occidentales (donde “la soberanía de pueblo” = agregado mecánico de opiniones de los ciudadanos alcanzados la madurez política), sino sobre la soberanía organizada y orgánica. Consideramos como “pueblo” o “nación” no una selección aleatoria de ciudadanos que corresponden a los requisitos del sufragio universal, sino “la totalidad de generaciones históricas, pasadas, presentes y futuras, que constituyen unicidad de la cultura formalizada por el Estado” (Ibid., p.179). Los eurasianistas abogaban por la abolición de los partidos políticos creyendo que éstos sólo organizan un cuerpo de votantes y sustituyen por su voluntad la supuesta voluntad del cuerpo electoral. “El gobierno debe despertarse de la pasividad silenciosa; debe determinar el principio objetivo y real sobre el cual se puede construir una “representación” auténtica nacional es decir encontrar a los portadores verdaderos de funciones organizativas de estado, verdaderos exponentes de la voluntad nacional. En otras palabras, queremos sustituir el régimen artificial-anárquico de representación de los individuos y partidos aislados por el régimen orgánico de representación de necesidades, conocimientos e ideas. Así que no necesitamos un partido político, como lo necesita la democracia al estilo occidental” (Ibid., p.180). En cada estado, a su juicio, hay cierta constante política que garantiza la estabilidad del estado y la continuidad de su curso, pero la que, sin embargo, está escondida “detrás de las decoraciones exuberantes del régimen democrático y de la fraseología de parlamentarismo”. Los eurasianistas creían que esta constante debía ser identificada y articulada claramente. Juestamente en este sentido entendían un carácter ideocrático del Estado, o, en otras

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palabras, “el estado de opinión pública estabilizada” (es decir, la opinión pública que no parece a una “carrera nerviosa de sentimientos políticos”). Al no ser partidarios del sistema soviético ellos pudieron ver en éste elementos “sanos” que podrían desarrollarse en el estado que esperaban ver en el futuro (o construir ellos mismos) en Rusia. En general este sistema debe consistir en la dictadura de un partido (no tuvieron miedo de utilizar este término) y en las instituciones representativas que “da oportunidad combinar con éxito la opinión pública estabilizada ya existente con su dinámica. La primera plasma el principio de lo constante, las segundas – principios móviles”. Un nuevo tipo de Estado euroasiático requería que el estrato social, portador de esta opinión pública estabilizada, no fuera un partido político en el sentido europeo de la palabra sino fuera una parte orgánica del Estado. Y estas partes, en su opinión, ya existieron en la Unión Soviética - elementos territoriales, profesionales y nacionales del estado. El partido en el poder junto con ellos debe ser portador de una idea orgánica. Pero los eurasianistas no abogaban por la erradicación forzosa de los partidos políticos, creyendo que la política bien estructurada dirigida a construir un estado de nuevo tipo de por sí llevaría a la muerte natural del régimen de partidos. Por lo tanto, de acuerdo con Alexéev, en 1917 en Rusia prevalecieron, por lo extraño que parezca a la mentalidad occidental, las ideas de la democracia, dictadura y justicia social, lo que correspondía a los principios del pueblo ruso. Ellos tienen que quedarse y convertirse en los fundamentos de futura historia rusa. Pero deben ser corregidos y transfor mados, quedados exentos de materialismo y transformados en un sentido religioso ... El futuro pertenece al estado ortodoxo de derecho que puede combinar el fuerte poder (el principio de dictadura), con la democracia popular (el principio de vólnitsa) y el servicio a la justicia social (ÀËÅÊÑÅÅÂ, 2003, p. 115-116).

Vemos, pues, que los eurasianistas no redujieron las cuestiones del régimen social sólo a los problemas de carácter político y económico. “Siendo personas creyentes y profesando principios religiosos, ellos corroboraron la filosofía de política y economía subordinadas a estos principios” (ÑÀÂÈÖÊÈÉ, http://gumilevica.kulichki.net/SPN/spn10.htm# spn10text11).

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Sí, a diferencia de los eslavófilos, los eurasianistas prestaron más atención a los temas económicos, a los problemas de organización de la vida social, pero no aceptaban el materialismo que había triunfado en el Occidente. Su filosofía no es filosofía de materialismo, sino más bien una filosofía de ideas de organización. “Está demarcada del materialismo clásico de forma muy acentuada, al igual que de cualquier idealismo abstracto. El idealismo no tiene nada que ver con el materialismo. Los eurasianistas prestan una atención exepcional a lo material, hasta tienen una intuición especial a éste. No es de extrañar que muy a menudo son acusados del “materialismo geográfico”, materialismo histórico. Pero lo material que enfrentan es una materia calada de ideas, materia en la que vive el Espíritu” (ÑÀÂÈÖÊÈÉ, http:// gumilevica.kulichki.net/SPN/spn05.htm). Su filosofía tenía coronamento religioso, ellos sentían profundamente la naturaleza divina del mundo y creían que “el pensamiento filosófico ruso y el pensamiento filosófico de otros pueblos de Eurasia sólo entonces se elevarían a altura nunca vista..., cuando después de las cruces se enciendiera a luces brillantes en los espacios de Eurasia una inspiración religiosa” (Ibidem). Precisamente en esta área se encontró divergencia principal con el comunismo que no reconocía la posibilidad de coexistir los principios religiosos y el nuevo orden social. Los eurasianistas, al contrario, creyeron que “el nuevo sistema adqueriría la integridad y estabilidad cuando desde adentro lo iluminara la luz religiosa”. En el Estado eurasiatico un lugar especial pertenece a la noción de personalidad en la que el papel principal pertenece a la tradición. Y en esto se parecen a los eslavófilos que también dan a la tradición un lugar importante en el proceso de buscar su propia vía de desarrollo. Según P. Savitski, los eurasianistas entienden “la cultura y los mundos histórico-culturales ... como un tipo especial de “personalidad sinfónica”. La tradición es la base espiritual de tal personalidad. Los eurasianistas incorporan esta base en la cultura a la que pertenecen, pero lo hacen no en el ahinco protector, sino aplicando esfuerzos creativos cuyo objetivo es incluir en la tradición lo nuevo, en lo tradicional plasmar lo nunca visto. No se trata de una tradición muerta, mecánica, sino de una tradición depurada y transformada”. El pueblo no debe desear “ser como los demás”. Debe desear ser él mismo. El precepto socrático “de conocerse a sí mismo” sigue vigente aquí. Cada pueblo debe ser personalidad. Y cada personalidad es única en su género. Y justamente en su exclusividad y incomparabilidad está el valor que tiene para otros” (ÑÀÂÈÖÊÈÉ, 2007, p. 23).

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DE MANERA DE CONCLUSIÓN: PUNTOS EN COMÚN Y DIFERENCIAS ENTRE EL PENSAMIENTO RUSO Y LATINOAMERICANO El pensamiento ruso y latinoamericano no podían ignorar los problemas económicos, éstos se encontraban en el focus de atención de los representantes de las corrientes sociales y filosóficas, la necesidad de su comprender y solucionar llevaban a la elaboración de las teorías económicas y formación de distintas doctrinas económicas. En América Latina, en primer lugar, es la teoría de la dependencia. En Rusia, las cuestiones de desarrollo económico de una u otra forma se trataban prácticamente todas las corrientes del pensamiento social. Pero si vamos a hablar de una escuela es la escuela de naródniks que, basandose en la realidad de la Rusia del siglo XIX, argumentó la inadmisibilidad del capitalismo para ella. El principal ideólogo de la corriente V.P. Vorontsov en los años 80 del siglo XIX destacó los problemas que enfrentaban los países que tomaron el camino de capitalismo tarde y con los que después se encontró América Latina. Si tratamos de perfilar rasgos comunes del pensamiento económico latinoamericano y ruso, pués, primero, se distinguen por el rechazo de las “puras” teorías abstractas que no tienen nada que ver con la vida real. Su credo es: las teorías económicas existen para ayudar a resolver problemas reales (Celso Furtado, Mendeléev, Vorontsov) y la filosofía social tiene que estar al servicio del desarrollo de América Latina (Alberdi). Segundo, los problemas económicos, la estructura de producción existente no se estudian de por sí, sino en el contexto histórico al usar los métodos histórico-estructural (Fernando Cardoso y Enzo Faletto), e histórico-inductivo (Celso Furtado). Tercero, el reconocimiento de que el sistema capitalista se divide en dos partes - el Centro y la Periferia, como las llamó Raúl Prebisch. Los científicos rusos no usaron esta terminología en aquella época, pero su comprensión del carácter y problemas de la Periferia, como un conjunto de países que habían tomado el camino de desarrollo del capitalismo más tarde que otros, està en plena consonancia con la teoría latinoamericana de la dependencia: “estos países son involucrados en el intercambio mundial como proveedores en el mercado internacional de los productos provenientes de sus riquezas naturales”, y los países viejos encuentran en ellos nuevos mercados para sus productos manufacturados y nuevo instrumento para desarrollar su economía” (Vorontsov).

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Cuarto, entre los factores que influyen en el desarrollo económico y determinan sus peculiaridades singularizan los que, por lo general, ignoran los economistas occidentales, pero que son sumamente importantes al hablar sobre ventajas competitivas. Estos son factores climáticos, topográficos, socio-históricos y socio-políticos (los últimos R. Prebisch llamó las relaciones de poder). Es imprescindible también el sistema de valores que deja sus rastros en un tipo de comportamiento y percepción de la realidad económica (Fernando Cardoso y Enzo Faletto, V. Vorontsov, V. Riazánov). Quinto. Se presta mucha atención a las cuestiones sociales, que casi siempre se analizan junto con el desarrollo económico. Esto es, en primer lugar, el problema de distribución desigual de los resultados del desarrollo lo que lleva a la desigualdad y la polarización social; la distribución desigual de los gravámenes expresada en fortalecer la explotación del pueblo. Como señaló Vorontsov, “la carga principal de todos los pagos caye sobre el Trabajo, y no sobre las Propiedades y la Renta” (VORONTSOV, 2008, p. 181) lo que, a su vez, es un limitante para el desarrollo económico debido a contracción del mercado interno. De eso escribían los pensadores latinoamericanos, con este problema los países de la región enfrentan como antes, y aun más, el problema del acceso desigual al “excedente” producido a base del crecimiento económico, va mano a mano con el desarrollo de los países que avanzaron con mayor éxito en esta dirección (China, Brasil, India, Rusia). Esto intensifica la polarización de la sociedad y la tensión social. Sexto. Aceptación de la necesidad del Estado en el proceso socioeconómico. Con esto se trata de formas diferentes de ésta: desde la participación directa en la producción con crear las empresas estatales hasta su papel regulador, organizativo y social. En este caso, la creación de empresas estatales considera apropiada en las industrias técnológicamente complicadas para el sector privado o siendo de importancia estratégica para el país. Septimo. En el pensamiento tanto en Rusia como en América Latina hay una busqueda de nuevas alianzas geopolíticas más allá de Europa Occidental y Estados Unidos. En el pensamiento ruso (sobre todo la vertiente eurasianismo) hay el reconcimiento que Rusia tiene lazos culturales y historicos fuertes con Asia (que incluso llegan a ser más importantes que los lazos occidentales). En América Latina, ideas como el meridionalismo proponen una nueva agenda de las alianzas estratégicas del contintente con las nuevas potencias emergentes (India, China, Rusia) dejando a un lado los lazos de

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ataño con EE.UU y Europa Occidental. Las diferencias entre el pensamiento socio-económico de América Latina y Rusia están relacionadas con el hecho de que en Rusia el progreso industrial (económico) de una nación siempre se evaluaba no por la perfección técnica de la producción sino por el bienestar de los trabajadores. La solución de este problema no se supone en el marco del modo de producción capitalista. Vorontsov, por ejemplo, consideraba el capitalismo una de las formas del progreso industrial, y no su esencia. Esto lógicamente llevaba a aceptar otras posibles formas de organización de producción y por lo tanto de la economía (Ibid., p. 301). Otro punto importante de diferencia es el papel de la religion – para los eslavófilos la religion orthodoxa era la base espiritual de todo pensamiento, mientras para los latinoamericanos trataban de ignorar la religion católica (o incluso combatirla como los positivistas) o utilizar la religión en la lucha social (como la teología de la liberación). Además, la distinción de todas las corrientes de pensamiento ruso, incluso el económico, que lo distingue del occidental, y me parece, y del latinoamericano, es que se da la importancia escencial a lo ideal en la vida humana. Vorontsov en su obra sobre la economía, escribió que la energía social se alimenta con las aspiraciones ideales del hombre y que la mayor influencia en el proceso histórico se puede ejercer a través de las motivaciones ideales, porque sólo éstas son capaces de inspirarlo para grandes hazañas de carácter social. Sobre la idea-regla en el Estado de los eurasianistas ya se ha indicado anteriormente. Como se puede ver en nuestras conclusiones finales, en el pensamiento ruso y latinoamericano hay muchas más ideas en común que ideas opuestas. Muchos intelectuales en los dos espacios proponen un camino autóctono basado en la herencia cultural de sus pueblos más allá del modelo neoliberal occidental. Vale la pena de revisar las propuestas y de entrar en un dialogo entre las dos civilizaciones.

NOTAS 1

Desde luego soy consciente de que haya mucho más.

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Imigração europeia no Brasil: discursos, práticas e representações (1870-1930) Lená Medeiros de Menezes (UERJ)* RESUMO Desde o século XIX dois discursos centrais caracterizaram as polêmicas em torno da imigração no Brasil. Um deles destacava a imigração como o caminho a ser seguido em direção ao progresso e à civilização, interditando a possibilidade de esse caminho ser alcançado com a utilização da mão-de-obra de ex escravos. O outro estava baseado na ideia de que o estabelecimento de uma legislação restritiva na entrada e permanência do imigrante em solo brasileiro representaria a defesa da nação frente ao estrangeiro nocivo e perigoso. Tomando essa polarização como ponto de partida, o artigo analisa o impacto do processo imigratório no Brasile as formas pelas quais ideias, interesses e discursos “em disputa” converteram-se em praxis política, a partir do advento da República. Nesse sentido, contempla análises sobre as práticas adotadas com relação à entrada e a permanência de estrangeiros no país e a generalização da expulsão como processo destinado à promoção de seleção a posteriori de imigrantes. Palavras-chave: Imigração – Discursos – Práticas e Representações

Os fluxos migratórios orientados para o Brasil na segunda metade do século XIX inseriram o país na dinâmica transnacional de deslocamentos que caracterizou a expansão do capitalismo e a projeção da Europa no mundo, com projeção dos deslocamentos efetuados a partir de Portugal, Itália e Espanha e desembarques efetuados em vários portos do Brasil,1 com projeção no porto do Rio de Janeiro e no porto de Santos. A presença cada vez maior de estrangeiros nas cidades portuárias principalmente para a capital e para cidades que recebiam refluxos de imigrantes oriundos do campo - ocorreu pari passu com o processo de urbanização e com o aparecimento das chamadas “doenças das grandes cidades” e, posteriormente, com os enfrentamentos advindos do aquecimento das reivindicações operárias. Polarizaram-se, assim, os discursos relativos aos benefícios ou aos malefícios trazidos pela imigração; polarização que se evidenciou nas últimas décadas do Império e ganhou visibilidade a partir do advento da República, quando o conceito de ‘estrangeiro’ tendeu a substituir o de ‘imigrante’, trazendo à cena um vocábulo enunciador da ideia do exógeno.2

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No contexto dessa polarização, foram concentradas em um polo formações discursivas que defendiam o incentivo à imigração - basicamente a imigração europeia - entendida como único caminho possível para o alcance de patamares de progresso e de civilização.3 Um exemplopode ser dado pelas palavras de Rodrigo Augusto da Silva, em relatório, ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, em relatório relativo ao ano de 1887: Cumpre considerar a imigração por aspectos menos restritos ou mais amplos, frisando-a pelo que realmente vale como fator ativo que poderá tornar-se, do povoamento do nosso vastíssimo território, da constituição da pequena propriedade, do desenvolvimento das indústrias de toda a natureza, como agente eficaz, enfim, do progressosocial em todas as suas esferas.4

Muito semelhantes seriam as conclusões apresentadas pelo ministro Pedro de Toledo, da Agricultura, Indústria e Comércio, em relatório referente ao ano de 1910:”A imigração e colonização são elementos principais e indispensáveis ao progresso das nações novas, tendo merecido de minha parte excepcionais cuidados”.5 Nas entrelinhas desses discursos era projetada a ideia de que o trabalho do negro liberto era incapaz de promover o progresso do país, a partir de enquadramentos que opunham habilidades, características e moralidade entre as “raças”, segundo as teorias que então circulavam, que punham os europeus no topo da pirâmide da evolução, formada, em sua base, por povos “primitivos”, dentre os quais se contavam negros e indígenas. É importante destacar que, no Brasil, os portugueses, antigos colonizadores, tendiam a não ser incluídos na representação do imigrante promotor do progresso, principalmente por parte daqueles que tinham na França e na Inglaterra o modelo a seguir. De alguma forma, essa distinção reproduzia distanciamentos existentes na própria Europa, que relegava os povos mediterrânicos – de origem latina – a um papel secundário. Por volta de 1850 já era corrente a contraposição entre uma “Europa ativa”, industrializada e civilizada, e uma “Europa passiva”, agrícola e “atrasada”. Essa diferenciação esteve no cerne de teorias que analisavam o desenvolvimento dos povos americanos segundo a “superioridade” ou “atraso” das nações responsáveis por sua colonização. Os pastores Kidder e Fletcher, por exemplo, atribuíam aos portugueses o “atraso” do Brasil:

Imigração europeia no Brasil: discursos, práticas e representações (1870-1930)

As leis, a maneira de fazer negócios, assim como de pensar e agir, que aí prevalecem geralmente são as dos portugueses. Tudo isso está a exigir decidida renovação, a fim de apropriar-se às circunstâncias de um novo Império que surge para vida no meio dos progressos do século XIX.6

Imagens que identificavam a influência portuguesa no Brasil com o atraso e o imobilismo, dessa forma, já circulavam na segunda metade do século XIX, interna e externamente.7Apesar dessas imagens, porém, os portugueses guardavam com os restantes dos povos europeus uma característica fundamental no contexto do discurso do progresso: eram brancos, distanciando-se,por exemplo, dos africanos, chins e coolies,8 sobre os quais pesava a imagem da degeneração, conforme demonstra discurso proferido por Eduardo A. Pereira de Abreu, cafeicultor da cidade de Silveiras em São Paulo: ... uma calamidade para a atual lavoura [é] a introdução dos coolies em nosso país. A experiência tem demonstrado a negativa mais completa e os resultados perigosos, insuficientes e nulos que essa classe de homens, eivados de maus costumes e corruptos por natureza e princípios de educação tem acarretado consigo em todos os lugares em que como colonos se apresentam /.../ Fracos e indolentes por natureza, alquebrados pela depravação dos costumes e hábitos que desde o berço adquirem, narcotizados física e moralmente pelo ópio, não poderão nunca no Brasil suportar o árduo e penoso trabalho da cultura do café. Seria um erro grave introduzir e estabelecer em nosso país uma raça inferior, quando a nossa já se ressente muitíssimo pelos variados efeitos ocasionados pelo clima, alimentação e educação ...9

Para o autor, a introdução dos coolies no Brasil representaria um maior “abastardamento” da população brasileira, devido à inoculação de “um sangue pobre e degenerado, tóxico e nocivo às grandes leis do cruzamento de raças”, bastando o clima do país, a educação, a alimentação e, principalmente, “o sangue impuro do africano e a pouca ou acanhada civilização”.10 No contexto desses discursos discriminatórios contra africanos, coolies e, também, chins, os portugueses acabariam por tornar-se imigrante “desejável”,tanto devido ao ideal de branqueamento que teve seu coroamento na defesa explícita da eugenia na Era Vargas quanto por conta das

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dificuldades existentes em atrair os povos europeus identificados com o progresso e a civilização. Dentre os que migravam, no entanto, independentemente de sua nacionalidade, muitos não eram - ou viriam a deixar de sê-lo no Brasil “morigerados”, afastando-se em muito do modelo do trabalhador “superior” idealizado pelas elites brasileiras. Essa constatação explicou o surgimento de um discurso, por vezes agressivo, contra o “estrangeiro”, principalmente por parte das autoridades responsáveis pela manutenção da ordem, queclamavam por soluções destinadas a por fim ao crescimento da criminalidade e dos “males”que afligiam o país, imputando à imigração a responsabilidade por esse processo. Esse discurso discriminador já podia ser encontrado décadas antes da proclamação da República, como demonstram palavras do Chefe de Polícia da Corte na segunda metade do século XIX, que alertava que devia ser lembrado por todos “que a quase totalidade dos crimes contra a pessoa [eram]perpretados por indivíduos da ínfima classe da sociedade – escravos, estrangeiros, proletários e desordeiros, vulgarmente conhecidos como capoeiras”.11 Na defesa de uma solução para o problema, os chefes de polícia reportavam-seàs experiências de sucesso adotadas na França e em Portugal para defender a expulsão de estrangeiros desordeiros como forma de dar solução ao problema: Os legisladores portugueses e franceses cogitaram, acertadamente, acerca dos estrangeiros proletários e, por isso, aquele, no art. 259, e este, no art. 212, dos respectivos códigos penais, instatuíram que o estrangeiro legalmente declarado vadio e vagabundo seja posto à disposição do governo para fazê-lo sair do território do Estado.

Algumas evidências empíricas pareciam embasar essas práticas repressivas, como era o caso de estatísticas policiais que demonstravam, por exemplo, a participação majoritária de estrangeiros em determinados tipos de crime (destaque para os crimes contra a propriedade), da maioria das contravenções previstas em lei (a vadiagem em especial, em um contexto de imposição do trabalho como valor social) e de “desviostolerados”, como era o caso daprostituição.12 Com a proclamação da República, as discussões sobre a expulsão de estrangeiros voltaram à pauta política e o discurso da manutenção da ordem através do combate ao estrangeiro “indesejável” tornou-se corrente,

Imigração europeia no Brasil: discursos, práticas e representações (1870-1930)

principalmente a partir do momento no qual o anarquismo irrompeu no país, seduzindo as lideranças operárias, grande parte formada por estrangeiros. A imigração que nos tem procurado, com as vantagens verdadeiramente notáveis, nos tem trazido também, em grande quantidade, o estrangeiro estragado por todos os vícios, o criminoso perseguido pela justiça do seu país, o aventureiro capaz de todas as audácias. Além disso, o movimento que agora agita as nações europeias, formulando como bandeira de combate a guerra contra o capital, contra os elementos conservadores da sociedade, já nos envia também os seus propagandistas, que se encarregam de acumular o combustível entre as classes menos abastadas para fazer as suas explosões.13

As palavras do Chefe de Polícia da Capital Federal, em 1890, seriam seguidas por seus sucessores, que utilizavam os exemplos dados por países como a Inglaterra (AliewAct de 1848), Bélgica (Leis de 1865, 1871, 1874 e 1884), a França (Leis de 1832, 1834, 1839, 1848, 1849a além do Código Penal), a Espanha (Lei de 1852), a Dinamarca (Lei de 1875) e a Itália (Lei de Segurança Pública), para defender a ineficiência do art. 400 do Código Penal Brasileiro14e anecessidade de lei incisiva que autorizasse o governo a expulsar estrangeiros. Todos os decretos que regulamentaram a expulsão de estrangeiros ao longo da Primeira República (1889-1930) orientavam-se em uma dupla direção. Em uma delas estabeleciam medidas mais rigorosas para a entrada no país(seleção a priori); na outra relacionavam os motivos passíveis de expulsão (seleção a posteriori). O primeiro decreto que regulamentou a entrada e a expulsão de estrangeiros entrou em vigor em 1893. A apesar do regime de exceção então vivido (estado de sítio), ele adequou o paísaos postulados do Direito Internacional, segundo os quais o estrangeiro só podia ser expulso através de legislação específica que regulasse a matéria. De duração efêmera, o decreto entrou em vigor como instrumento complementar de repressão durante a Revolta da Armada, da qual participaram vários estrangeiros.Ficou então proibida a entrada no Brasil de “estrangeiro mendigo, vagabundo, atacado de moléstia comprometedora da saúde pública” ou daquele que fosse “suspeito de atentado cometido fora do território nacional contra a vida, a saúde, a propriedade ou a fé

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pública”.15 Com relação à expulsão, foram elencados motivos variados para sua execução, com grande peso de atos de revolta e subversão que ameaçassem a República, ainda que atingisse, também, aos que procedessem de forma “a provocar ou aumentar o mal-estar público, ou a criar embaraços à tranquilidade e regularidade dos negócios e da vida social”.16 Com a volta à normalidade política, o decreto deixou de ter vigência, mas sua dupla funcionalidade e muitas de suas disposições tornaram-se base para os caminhos nas décadas que se seguiram.No ano de 1902, um projeto de regulamentação da entrada e expulsão de estrangeirosfoi aprovado na Câmara, mas foi engavetado pelo Senado. Foi necessário esperar mais 5 anos para que um novo projeto entrasse em discussão. Com a vitória daqueles que defendiam a busca de meios para vigiar e punir os estrangeiros “nocivos” ou “indesejáveis”, foi aprovado o decreto-lei nº 1641, de 07 de janeiro de 1907, conhecido, posteriormente, como Lei Gordo, que vigiria, com pouquíssimas alterações, até o ano de 1921, quando um novo decreto (nº 4269 de 17 de janeiro de 1921) entrou em vigor. Considerado por muitos juristas como verdadeiro “arrastão” contra os estrangeiros, o decreto de 1907 propiciou a expulsão de estrangeiros das mais diferentes nacionalidades e pelos mais variados motivos, que incluíam das contravenções ao chamado “crime político”.Na capital, considerada tambor de ressonância para o país, foi, efetivamente,um instrumento de “limpeza urbana”. Pelo decreto nº 1641, podia ser expulso o estrangeiro que, por qualquer motivo, comprometesse”a Segurança Nacional ou a tranquilidade pública”;17podendo, também, ser alvo da expulsão todo aquele contra o qual existisse a condenação ou processo por tribunais estrangeiros ou por tribunais brasileiros “por crimes ou delitos de natureza comum” ou, ainda, os que pudessem ser acusados da prática da “vagabundagem, da mendicidade ou do lenocínio devidamente comprovados”.18 Observe-se que, embora existisse a lei, muitos estrangeiros foram expulsos sem serem processados, conforme comprova documentação inédita encontrada pela pesquisadora no Arquivo Histórico do Itamarati. Diferentemente dos ofícios usuais nos quais havia a menção do processo que originara a expulsão, outros documentos não deixam margem de dúvidas quanto à prática da expulsão ao total “arrepio da lei”. Nesse caso, trata-se de ofícios sem numeração,que trazem a tarjeta “confidencial” e contêm, como informação, a notícia de que os estrangeiros relacionados serão expulsos do território nacional.19

Imigração europeia no Brasil: discursos, práticas e representações (1870-1930)

Ainda que tenha sido considerado inconstitucional20 durante todo o tempo de sua vigência, o decreto foi responsável pela expulsão “legal” de centenas de estrangeiros. As mesmas críticas atingiriam o decreto de 1921,21 responsável pela implantação de práticas seletivas mais apuradas de entrada no país no pós Primeira Guerra. Para além do impedimento à entrada de estrangeiro “mutilado, aleijado, cego, louco, mendigo, portador de moléstia incurável ou moléstia contagiosa grave”; daqueles que procurassem o país “para entregar-se à prostituição” ou dos que tivessem mais de 60 anos, sem possuir renda que lhes permitisse a subsistência, também ficava impedida a entrada de estrangeiros “perigosos à ordem pública”, em um momento no qual a “propaganda pelo ato” já fizera sua entrada no país, dando visibilidade às alas radicais do movimento anarquista e deixando um rastro de explosões a dinamite nas ruas. No tocante à expulsão, o mesmo decreto estabelecia que podiam ser expulsos estrangeiros já deportados por outro país ou considerados elementos perniciosos à ordem pública em seus países de origem; autores de atos de violência dedicados a “impor qualquer seita religiosa ou política” por meios criminosos; indivíduos que, por conta de sua conduta, pudessem ser considerados nocivos à ordem pública ou à segurança nacional; os evadidos de outro país, condenados “por crime de homicídio, furto, roubo, bancarrota, falsidade, contrabando, estelionato, moeda falsa ou lenocínio”; imigrantes já condenados no Brasil pelos mesmos crimes. Consagravam-se, dessa forma, dispositivos orientados para a imposição de políticas restritivas que punham fim efetivo às práticas liberais em termos de políticas imigratórias. Essas medidas acompanhavam tendências que se consagravam por todo mundo, nos anos de crise que caracterizaram o Entre Guerras, a partir das novas políticas adotadas pelos Estados Unidos (1921 e 1924 - United StatesImigrationAct de 1924), que proibiram a imigração japonesa para o país. Para além dos decretos de 1921, outras medidas foram ainda adotadas no sentido do controle e vigilância dos estrangeiros. Dentre elas, o decreto datado de 31 de dezembro de 1924, que tornou obrigatório o transporte de todos os passageiros de 2ª e 3ª classes, desembarcados no Rio de Janeiro, para a Hospedaria de Imigrantes da Ilha das Flores. O fim da Primeira Grande Guerra em 1919 possibilitou não só o aparecimento de novos crimes - caso da criminalização das drogas pelo Tratado de Versalhes - quanto a consagração de novos discursos e práticas restritivas relativas à imigração, em um contexto no qual ideologias fortemente autoritárias e nacionalistas ditavam novos caminhos ao mundo.

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Com base nas leis que regulamentavam a entrada e permanência de estrangeiros no Brasil ao longo da Primeira República, centenas de estrangeiros foram impedidos de desembarcar ou foram expulsosdo país. Vários deles, inclusive, estavam amparados pela legislação, servindo de exemplo indivíduos que estavam fixados no país desde a infância e estrangeiroscasados com brasileiras e pais de filhos brasileiros. Na capital brasileira, em especial, a prática da expulsão transformou-se em verdadeira política destinada a livrar a cidade - considerada vitrina do Brasil – de todo e qualquer estrangeiro que, por palavras ou ações, pudessem ser considerado “indesejável” e, portanto, passível de ser colocado para fora do país. A forma encontrada para por fim às polêmicas que acompanharam a execução dos decretos de 1907 e de 1921 - em um contexto no qual, por todo o mundo, a liberdade de migrar sofria restrições – foi aalteração do artigo 72 da Constituição Federal, quegarantiu ao Poder Executivo o direito constitucional de expulsar o estrangeiro que viesse a se constituir em problema para o país. Com o fim da Primeira República e a subida de Vargas ao poder em outubro de 1930, as políticas restritivas foram consagradas com o estabelecimento de cotas de entrada, a exemplo do que já fora adotado em outros países do mundo. Por outro lado, opções eugênicas marcariam a atuação do Conselho Nacional de Imigração criado pelo novo regime. Em exposição introdutória ao relatório encaminhado à Presidência da República em 1936, o ministro da Justiça, Agamennon Magalhães, defendia explicitamente a questão étnica como caminho privilegiado para a proposição de uma política imigratória que fornecesse contraponto aos caminhos seguidos pela “República Velha” nas questões relativas à imigração: Sob a influência do liberalismo da Constituição de 1891 e das nossas leis de imigração e colonização, as preocupações administrativas se restringiam ao problema do braço, do imigrantetrabalhador, sem nenhuma atenção à sua qualidade como elemento de integração étnica.22

Na “nova era” iniciada com o movimento que levara Getúlio Vargas ao poder,uma nova Constituição, promulgada em 16 de julho de 1934, traçariaformalmente os rumos de umapolítica imigratória subordinada aos interesses da “formação racial” brasileira, através “de largo plano de seleção, distribuição, localização e assimilação do imigrante”.23 Sem menções a raças ou nacionalidades, ao estabelecer cômputos baseados nos últimos 50 anos de imigração, a medida contemplava as nacionalidades

Imigração europeia no Brasil: discursos, práticas e representações (1870-1930)

mais expressivas no país, projetando, portanto, a entrada de indivíduos europeus e brancos e, no caso do português, de estrangeiros com maiores proximidades culturais. O ano de 1934 foi profícuo na adoção de novas práticas imigratórias, datando de então a obrigatoriedade da adoção de formalidades prévias para a imigração e a exigência de “cartas de chamada” para a entrada no país. As medidas adotadas, presentes, com maior ou menor peso, por todo o ocidente, subordinavam o direito individual de busca por melhores condições de vida aos interesses políticos e econômicos dos governos, tanto nos países de partidaquanto nos países de recepção de imigrantes. O “largo plano de seleção” estabelecido pela adoção das cotas de entrada em 1934 viria a ser confirmado pela constituição autoritária de 10 de novembro de 1937, quando o país vivia o”Estado Novo”, à semelhança dos regimes fortes que eram implantados pelo mundo.Já então havia passado o “perigo anarquista” e os comunistas transformaram-se nos alvos privilegiados da política de segurança nacional. Sobre esta fase da história política brasileira, a expulsão de Olga Benário, companheira de Luís Carlos Prestes, enviada para a Alemanha nazista, onde terminou seus dias em um campo de concentração, transformou-se em exemplo paradigmático de algumas práticas adotadas com relação aos estrangeiros que pudessem ser qualificados como perigosos. A necessidade de regulamentar a execução dos dispositivos constitucionais impôs a necessidade de inúmeras normas complementares e muitos foram os decretos relacionados à política migratória que surgiram entre 1934 e 1939. Reproduzindo tendências de época, as atividades relacionadas à política imigratória foram centralizadas no Conselho Nacional de Imigração (decretolei nº 406 de 4 de maio de 1938), diretamente subordinado à Presidência da República. Dentre as inúmeras funções do Conselho, constavam: a determinação das cotas anuais; a apresentação de propostas para promoção da assimilação do imigrante e no sentido de evitar concentrações que se tornassem perigosas;24 o estudo das políticas seletivas a serem adotadas; a proposição de interdições de entrada quando fosse necessário; o estudo dos fenômenos da imigração nas diferentes zonas do país e a promoção da permuta de trabalhadores. No âmago de todas estas questões projetavam-se questões raciais e tendências eugênicas. Com relação aos portugueses, a colônia estrangeira mais expressiva na capital, desde cedo foram adotadas medidas de relativização na aplicação

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das novas medidas. Com relação às cotas especificamente, para além de relativizações iniciais, elas deixaram de ser aplicadas a partir de 1939, decisão que veio a fortalecer a definição de uma nacionalidade brasileira que buscava suas raízes no passado, levando os portugueses a serem “cidadãos nacionais”, mesmo quando conservavam a nacionalidade de origem.25 Ou seja, segundo Fiori, a adoção de um “modelo de nação de raiz lusitana”26 ou de uma “brasilidade concebida no sentido lusitano”, no dizer de Schaartzman, Bomeny e Costa,27 o que consagrava a idéia de que o português era um imigrante “conhecido”.

NOTAS *

Professora Titular de História Contemporânea. Departamento de História. Rua São Francisco Xavier, 524, 9º andar, Maracanã, Rio de Janeiro, Brasil. (20550013). www.uerj.br. Pesquisa desenvolvida com bolsa de Produtividade do CNPq (bolsa de Produtividade em Pesquisa) e apoio da FAPERJ, através de auxílio financeiro do Projeto Cientista do Nosso Estado e inscrita no PROCIÊNCIA/UERJ.

1

Para além dos portos do Rio de Janeiro e de Santos, há registros de entrada, também, pelos portos de Belém, Recife, São Salvador, Vitória, Paranaguá, Florianópolis, São Francisco do Sul e Rio Grande.

2

Em livro clássico no qual propõe uma teoria para as relações internacionais, J. B. Duroselle chama a atenção dos historiadores para a necessidade da reflexão sobre a categoria de estrangeiro, alertando que ela é a única “que permite colocar no mesmo conceito de “relações internacionais” as relações entre Estados, unidades políticas (State as actor approach, de Wolfers) e indivíduos ou grupos de tipos não relacionados com o Estado (Individuial as actor approach)”. Cf. J. B. Duroselle, 2000, p. 50.

3

Para aprofundamento do tema verL. M. de Menezes. In: Hugo Cancino, 2007: 396-414.

4

Brasil. Relatório do Ministério de Agricultura, Commercio e Obras Públicas de 1887(grifos nossos). Disponível em BGDDP/www.brazil.crl.edu/bsd/bsd. Consulta em 25 set. 2013.

5

Brasil. Relatório do Ministério de Agricultura, Indústria e Commercio de 1911: XXVI(grifos nossos). Disponível em BGDDP/www.brazil.crl.edu/bsd/bsd. Consulta em 25 set. 2013.

6

Kidder e Fletcher. O Brasil e os brasileiros. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1941. p 352.

7

Sobre esta questão, ver L. M. de Menezes. In: Benzoni,2008: 271-280.

8

A discussão sobre a introdução de chineses e indianos, como mão de obra intermediária teve grande impacto no Congresso Agríciola do Rio de Janeiro, realizado em 1870.

9

Congresso Agrícola – Edição fac-similar dos Anais do Congresso Agrícola, realizado no Reio de Janeiro em 1878. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1988. Introdução de José Murilo de Carvalho.

10

Id. Ibidem.

11

Relatório do Chefe de Polícia da Corte de 1870, anexo ao relatório do Ministério da Justiça do mesmo ano (grifos nossos). Disponível em BrazilianGovernmentDocumentDigitization Project: www.brazil.crl.edu/bsd/bsd. Consulta realizada em 12 de agosto de 2013.

12

Sobre prostituição estrangeira e lenocínio, ver L. M. de Menezes, 1992; M. Rago, 1991 e L. C. Soares, 1992. Com relação ao lenocínio, este só se tornou crime com o Código Penal de 1890, quando o chamado Tráfico de Brancas já era uma realidade no país.

13

Brasil. Arquivo Nacional. Relatório do Chefe de Polícia da Capital Federal, 1890/91: 3. Anexo ao Relatório do Ministério da Justiça e Negócios Interiores de 1991. Disponível na

Imigração europeia no Brasil: discursos, práticas e representações (1870-1930)

internet em emwww.brazil.crl.edu/bsd/bsd (consulta realizada em 15 de agosto de 2013). Observe-se que, segundo conceituação posteriormente adotada pela ONU, expulsão não era sinônimo de deportação, sendo a primeira destinada aos estrangeiros e a segunda aos nacionais. 14

Este previa a deportação por sentença judiciária, quando o estrangeiro reincidisse no crime de vagabundagem, ou, segundo o art. 5º da lei de 04 de agosto de 1875, quando o estrangeiro tivesse perpretado crime contra brasileiros em país estrangeiro.

15

Biblioteca Nacional. Coleccção das Leis da República de 1893, Decreto nº 1566, art. 2º.

16

Idem, art. 4º.

17

Biblioteca Nacional. Colecção das Leis da República de 1893, Decreto nº 1641, art. 1º.

18

Idem, art. 2º.

19

Ver AHI/SP. Ofícios e Fichas Policiais, Lata 154, Maço 425. É importante dizer que essa documentação joga por terra a tese de que os anarquistas eram expulsos com outras acusações, levando à crença, errônea, de que não houve expulsão por crimes e contravenções previstas no Código Penal, incluindo crimes internacionais como o tráfico de mulheres.

20

Sua inconstitucionalidade repousava no fato da Constituição de 1891, de inspiração liberal, garantir a igualdade de direitos para nacionais e estrangeiros “residentes” (art.72). Dessa forma, a definição do tempo necessário para a caracterização de “estrangeiro residente” foi sempre um assunto em pauta.

21

Esse decreto, conjugado a decreto específico de combate ao anarquismo, abateu-se de forma impactante sobre as lideranças operárias.

22

BRASIL, Relatório do MTIC de 1936: 31. Disponível em BGDDP: www.brazil.crl.edu/bsd/ bsd

23

BRASIL, Relatório do MTIC de 1936: 30. Disponível em BGDDP: www.brazil.crl.edu/bsd/ bsd

24

Segundo o ministro, o problema da assimilação deveria prevalecer sobre qualquer outro. Cf. Relatório do MTIC de 1936: 32. Disponível em BGDDP: www.brazil.crl.edu/bsd/bsd

25

WESTPHALEN e BALHANA in SILVA e outros, 1993.

26

FIORI in Congresso Internacional (Açores), 2006

27

SCHWARTZMAN e outros, 1984.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CANCINO, Hugo Cancino y MORA, Rogelio de la (coord.).Ideas, intelectuales y paradigmas en América Latina (1850-2000), VleraCruz/México, Universidad Veracruzana Lomas del Estadio, 2007. FIORI, Neide. “Imigração portuguesa e nacionalismo cultural brasileiro: o ‘regime de cotas’ de imigrantes”. Actas do II Congresso internacional sobre a imigração em Portugal e na União Européia. Açores, Portugal: Angra do Heroísmo, 2006. MENEZES, Lená Medeiros de Menezes.Os estrangeiros e o comércio do prazer nas ruas do Rio (1890-1930). Rio de Janeiro: Ministério da Justiça, 1992. MENEZES, Lená Medeiros de. Os Indesejáveis. Crime, protesto e expulsão na Capital Federal (1890-1930). Rio de Janeiro:EdUERJ, 1996.

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RAGO, Margareth. Os prazeres da noite. Prostituição e códigos de sexualidade feminina em São Paulo (1890-1930). São Paulo: Paz e Terra, 1991. SOARES, Luiz Carlos Soares. Rameiras, ilhoas, polacas. A prostituição no Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: Ática, 1992. SCHWARTZMAN, Simon, BOMENY, Helena e RIBEIRO, Vanda. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro, Paz e Terra/ São Paulo, Editora da USP, 1994. WESTPHLEN, Cecília BALHANA, Altiva. “Política e legislação imigratória brasileira e a imigração portuguesa”. Actas do Colóquio Internacional sobre Emigração e Imigração Portuguesa – séculos XIX e XX. Maria Beatriz Nizza da Silva e outros (org.). Lisboa: Fragmentos, 1993.

Migração e território Guarani - espaço ideológico de identidade e arena de disputas Luiz C. Borges - Museu de Astronomia e Ciências Afins-MCTI

RESUMO: Tentar compreender as constantes migrações guarani implica levar em conta a cosmovisão desse grupo étnico, a qual lhe impõe um permanente deslocamento em busca da Terra Sem Males; bem como algunas das tensões que a territorialidade guarani provoca, a partir de variáveis, tais como o contatos e as fricções interculturais, o jogo das identidades face a outros grupos indígenas e à sociedade nacional. O oguatá porã ou caminar sagrado representa um exemplo de migração motivada por um efeito de uma concepção de mundo. Em geral, essas tensões encontram-se relacionadas a uma contraposição político-ideológica entre os representantes da sociedade envolvente e os grupos indígenas. E os Guarani que, muitas vezes mantêm seus aldeamentos na proximidade de núcleos urbanos, exemplificam bem essa situação. Palavras-Chave: Brasil, Guarani, Migração

1 HISTÓRIA, MITO E PROCESSOS SOCIOCULTURAIS Os Guarani1, um grupo da família lingüística Tupi-Guarani (Tronco Tupi), vem mantendo contatos intensos com representantes da sociedade envolvente desde o século XVI, tendo passado, tal como ocorreu com outros grupos indígenas latinoamericanos, por processos de redução e conversão ao cristianismo e, por conseguinte, ao modo de produção e civilização patrocinado pelas nações colonizadoras europeias, notadamente Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Holanda. A relevância linguística e cultural dos povos guarani nos países em que habitam (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) vem acentuando-se, especialmente devido ao reconhecimento de que eles representam um exemplo de resistência e adaptabilidade física e étnica, além do fato de serem detentores de um complexo acervo patrimonial, notadamente no campo filosófico e astronômico. Inicialmente, é preciso esclarecer que, quando me refiro aos Guarani, reporto-me a uma unidade imaginária do povo Guarani, entendido como

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um conjunto linguístico-cultural que historicamente se constituiu a partir do desmembramento, e posterior dispersão, de um grupo originário, o ProtoTupi, do qual se originaram dois subgrupos lingüística e culturalmente aparentados, mas com diferenças históricas e culturais bem demarcadas: os Tupinambá (com diversas denominações e autodenominações, dependendo da região em que se fixaram) e os Guarani. Em particular, refiro-me aos Guarani Mbyá, um dos subgrupos guarani (o qual, junto com os Kayova ou também Pai-Tavyterã, e os Nhandeva ou Xiripá ou, ainda, Ava-Xiripá, formam a grande nação Guarani). Além desses que são encontrados no Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai – todos relacionados ao macro-grupo mencionado anteriormente, há, ainda, outros povos Guarani, linguisticamente não aparentados, e que são encontrados apenas no Paraguai e na Bolívia, como os Guajaki, Tapiete, Guarayo, Chiriguano e Izozeños. Em relação à historicidade, ou seja, aos fundamentos culturais e ideológicos que sustentam e justificam modo de ser desse povo, devemos levar em conta que, nas sociedades em que a oralidade se institui como a ordem dominante, o processo histórico só pode ser equacionado através dos enunciados que circulam na sociedade e que, por sua vez, são os responsáveis pela formação das matrizes de pensamento dessa mesma sociedade. Destarte, como em geral acontece nas sociedades indígenas e, em particular, na dos Guarani Mbyá, o processo enunciativo, a produção e a transmissão e manutenção de saberes, de organização e regras sociais, e igualmente dos processos e formas produtivos, se realizam prioritariamente no domínio do mito que funciona, em suma, como um discurso ou mito fundador (ORLANDI, 2003; BORGES, 1999; CHAUI, 2000), pois se apresenta como aquele em que a voz da imemorialidade, ou da ancestralidade, dimensionada em e por um tempo originário, se faz ouvir/agir através de um narrador (ou de um texto narrado) que, neste caso, representa a voz da instituição ou do imaginário social instituinte. Entre os Guarani, por exemplo, há a predominância de uma formação mítico-utópica que se manifesta na forma-conceito da Terra Sem Mal ou Yvy Marã E’ù [yvy: terra; marã e’ù: ‘que não se estraga’, ‘que não se acaba’, ‘intocado’: ‘indestrutível’]. Esta forma constitui um dos elementos chave para a compreensão do pensamento e do modo de ser (teko ou ethos/eidos) guarani, dado o papel simbólico e histórico que essa entidade mítica desempenha na concepção de mundo e no vir-a-ser desse grupo. Não deve ser negligenciada, na análise, a função política do mito em sua relação com a vontade coletiva. Neste sentido, toda mitocosmologia resulta

Migração e território Guarani - espaço ideológico de identidade e arena de disputas

da “criação de uma fantasia concreta que atua sobre um povo [...] para organizar a vontade coletiva” (GRAMSCI, 2000, p. 14). Assim, se considerarmos, com Castoriadis (1992), que toda sociedade cria, para si mesma e consubstancial ao seu modo próprio de ser, um tempo e um modo de existência que lhe são próprios e que lhe conferem sua especificidade (e originalidade) no conjunto das demais sociedades, compreenderemos a razão pela qual os Guarani, em sua autorrepresentação, são o seu passado e, por essa mesma razão, heterônomos. Eles organizam seu modo de ser/viver a partir da recordação das belas palavras e da bela morada de Nhamandu. Esta condição metafísico-existencial pode ser deduzida tanto dos relatos míticos, quanto das declarações atuais dos Guarani, de que é exemplo este excerto: “assim, farei correr o fluxo das Belas Palavras2/para você, que se lembrará de mim”; “eis porque você, que vai morar sobre a terra,/tenha lembrança da minha bela morada” (CLASTRES, 1990, p. 113). Em virtude disso, encontramos na cosmologia guarani um conjunto multidimensional de relações antinômicas, a partir das quais é possível depreender de que modo se configuram, integrada ou isoladamente, algumas das relações que eles mantém entre seu modo de ser e o universo. A dicotomia sagrado/profano opera como mito ou discurso fundador, uma vez que é sobre essa base que a vida guarani, em sua totalidade, se constitui e encontra sua razão de ser. Assim, para esse povo, a terra (ente históricogeográfico) representa o lugar da infelicidade e das cópias imperfeitas, ao passo que a Terra Sem Males é a sua verdadeira morada. O que leva a considerar os Guarani ontologicamente como seres cosmocêntricos, para os quais o cosmos (a morada dos deuses e homens verdadeiros) é o locus da verdade. Ao considerar a organização cosmológica e social dos Guarani, ressaltase a prevalência do sujeito divino sobre o sujeito humano e, portanto, da realidade metafísico-cosmológica sobre a profano-histórica, configurando uma estrutura sócio-ideológica que podemos caracterizar como cosmoteocêntrica. Esta estruturação social e existencial, por sua vez, resulta de uma heteronomia radical instituinte, haja visto que constitui e perpassa a totalidade organizacional da sociedade guarani e, por conseguinte, as suas formas de representação e enunciação que, em síntese, pode ser representada pela disjunção entre Terra (onde se encontram os deuses, logo, lugar da verdade e da perfeição) e a terra (onde vivem os homens, sempre sujeitos às contingências espacio-temporais e, em última instância, da morte)3.

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Assim, o que mais se evidencia da concepção metafísica do mundo guarani é essa marca de uma disjunção tanto geográfica, quanto histórica o que leva a considerar que o espaço vivencial desse grupo resulta de um descompasso tempo-espacial, ou em um presente fora dos eixos4. A partir desses elementos culturais, podemos dizer que a sociedade guarani, quanto à estrutura político-ideológica, se assenta em uma forma híbrida de teocracia (quando há a subordinação das leis, da história, aos impulsos ou crenças religiosas, ou seja, quando a razão ou causa última das coisas é atribuída a entidades deísticas, cf. GRAMSCI, 2000) com hierocracia (quando a direção governamental cabe a líderes religiosos) sendo, portanto, melhor caracterizada como uma sociedade hieroteocrática, pois embora os líderes religiosos (masculinos e femininos) influam decisivamente na sociedade guarani, o governo, ou melhor, o destino da sociedade é partilhado entre as esferas política e religiosa. Com base nas considerações acima, o foco deste trabalho consiste em tecer algunas considerações acerca das migrações guarani no territorio brasileiro, buscando compreender, a partir da cosmovisão guarani - pela qual esse grupo étnico é induzido a manter-se em permanente deslocamento territorial em busca da Terra Sem Males -, algunas das tensões que a sua noção e prática de territorialidade termina por provocar. Para tanto, levaremos em conta variáveis, tais como o contatos e as fricções interculturais, o jogo das identidades face a outros subgrupos guarani e à sociedade envolvente; bem como as relações econômico-sociais dissimétricas entre os Guarani e segmentos da sociedade majoritária. Neste aspecto, um conceito de suma importância é o oguatá porã ou caminhar sagrado, e o que ele, impreterivelmente associado ao tape porã e ao arandu porã, representa para a história dos Guarani no Brasil. Em síntese, o oguata porã encontra-se organicamente justificado pela concepção de mundo5 guarani, além de sustentar-se nos efeitos discursivos da tradição. Em outros termos, representa, discursivamente, a fantasia ideológica (ŽIŽEK, 1996), qual seja, trata-se do resultado de um processo de ideologização desenvolvido pelos Guarani a partir das condições histórico-sociais de sua existência visto que, em última instância, a relação homem-deus é apenas uma metáfora abstratizante e desistoricizante da relação constitutiva homem-realidade, sendo esta o resultado da intervenção humana, logo, histórico-cultural, na ordem das coisas. A territorialidade guarani também está reportada à dualidade fundante de sua sociedade, pois ela possui uma dimensão aqui-e-agora e uma

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dimensão cósmico-religiosa que não é isenta de tensões e disputas. No entanto, a despeito de sua motivação, a territorialidade guarani, especialmente nas condições históricas da contemporaneidade, é uma fonte de constantes conflitos territoriais, debido à intersecção entre seus territórios e os de empreendimentos econômicos. Em geral, essas relações encontram-se mediadas e tensionadas, no campo sociopolítico e cultural, por uma rede de discursos na qual aos índios – em geral representados como uma entidade genérica e supraétnica – é destinado um papel histórico de figura de fundo. Essa discursividade inscreve-se no imaginário social e contribui para que se estabeleça entre os índios (em geral, e os Guarani, em particular) e os não índios, uma contraposição para a qual, a médio prazo e nas condições vigentes da política cultural e econômica mundializada, não são vislumbradas soluções que satisfaçam as partes envolvidas nesse processo.

2 CONVERSÃO, ADAPTABILIDADE E SOBREVIVÊNCIA GUARANI Tempo, memória e mito. Essa tríade sustenta não só o sistema guarani de produzir conhecimento – teorias e explicações sobre a gênese do mundo, e sobre a razão de existência das coisas – mais igualmente todo o aparato ideológico acerca do seu lugar no ordenamento do mundo. Contudo, o que implicamos ao falarmos de memória? O termo memória pode significar: a) locus de armazenamento/recuperação de informações, b) ato ou processo de armazenar/recuperar eventos ou de rememorar eventos, c) matéria ou dado armazenado/recuperado por algum processo físico, mecânico, fisiológico. A memória oral (individual ou coletiva) não opera na reprodução tal qual daquilo que é armazenado/recuperado. A memória-rememoração é sempre uma versão, interpretação ou intervenção histórica e ideológica no arquivo da memória. Isto porque a memória (suposta, processo ou dado) opera sempre e continuamente através de um trabalho de interpretação e de renovação, seja no processo de organização, codificação, classificação ou armazenamento, seja no ato/processo de recuperação e uso do material armazenado/recuperado. Como tal, a memória é um arquivo, isto é, mais do que um processo de armazenar/ recuperar e tratar informações, uma forma peculiar de organização do mundo. De acordo com Chauí (2012), a memória é um dos muitos processos ou constituintes sociais do nomos. Devemos lembrar que a relação entre a sociedade guarani e a nãoguarani se dá na forma de temporalidades disjuntas e sobre-encaixadas. Disjuntas porque tanto de uma perspectiva endógena, quanto de um ponto

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de vista exógeno, a temporalidade guarani e não guarani não se correspondem; e sobre-encaixadas porque as diferentes temporalidades coocorrem produzindo efeitos de maior ou menor intensidade. Por fim e resumidamente, essa estratégia de adaptabilidade consiste na seguinte fórmula: ressignificar diacríticos, absorver elementos culturais exógenos a fim de manter a identidade de Guarani. Esse traço peculiar aos Guarani já era percebido no século XVI, como mostram os relatos de Gabriel Soares de Sousa (1987). Isso significa que a partir da separação da horda proto-tupi primitiva – da qual surgiram os dois mais importantes ramos da família Tupi-Guarani, os Tupinambá e os Guarani – o grau de diferenciação entre esses dois subgrupos já se encontrava bastante acentuado no início da colonização portuguesa. Dentre os traços políticos e culturais que demarcavam as diferenças entre Tupinambá e Guarani, podemos citar: a) para os Tupinambá, expansionismo, arte da guerra, canibalismo ritual, centralismo tribal, sistemática rivalidade intertribal e agressiva oposição aos portugueses; b) para os Guarani, abandono do canibalismo (início do movimento em direção à espiritualização?), economia de reciprocidade, aceitação do convívio com os colonizadores, baixo grau de agressividade e demonstração de dotes musicais. Tais características foram notadas e exploradas pelos missionários durante o período de cristianização, o que, afinal, deixou marcas bem profundas na cultura guarani, seja na música, seja em sua espiritualidade. Ao desenvolver um proceder político-cultural distinto do dos Tupinambá, os Guarani utilizaram-se, no período colonial e durante o processo de conversão levado a cabo especialmente pelos Jesuítas, da tática de resistência passiva, em geral entendida pelos missionários como conformismo, mas que, em termos gramscianos deve ser, antes, entendida como guerra de posição (GRAMSCI, 2000). A expansão do dos impérios coloniais e do cristianismo – este último levado a efeito por padres seculares e missionários, particularmente franciscanos e jesuítas -, provocou imenso abalo no sistema cultural dos grupos indígenas, em muitos casos desestruturando-o e deculturando-os e, em outros, levando à extinção grupos não aceitaram submeter-se. Desse modo, embora tenham “perdido” diversas práticas cerimoniais e rituais6 por conta da vivência em reduções, enriqueceram o núcleo duro que sustenta a sua identidade, qual seja, a língua e o sistema cosmológicoreligioso, com elementos que adaptaram à sua própria conveniência7. No que tange ao apelo à religião – seja como fonte de resistência, seja como traço incorporado à identidade – uma hipótese explicativa considera que:

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[...] os Guarani escolheram sua religião como afirmação diante da sociedade ocidental, como forma de continuar sendo os mesmos e evitar ser reduzidos a cidadãos genéricos. Nessa religião, a ‘palavra’ ocupa o centro do sistema. Ela é o conceito-existência que explica como o indígena se compreende e compreende sua existência (CHAMORRO, 1999, p. 20).

Neste sentido, a religião guarani instaura-se, ao mesmo tempo, como espaço de resistência, de adaptação e como um processo de hibridismo cultural, especialmente no que respeita à liturgia, no qual se torna perceptível, segundo Brandão (1990), um movimento de resistência frente à violência da colonização e, em especial, àquela da conversão, e, ao mesmo tempo, um modo criativo de incorporar ao seu acervo cultural temas e rituais do cristianismo. Este é o caso, por exemplo, da música guarani, cuja estrutura musical (instrumental e vocal) se aproxima do cantochão e na qual pontificam instrumentos que, claramente, foram tomados de empréstimo aos religiosos cristãos: o violão (significativamente chamado de mbaraká, ‘maracá’) e a rabeca (ou ravé, em Guarani). Outra importante instituição da sociedade guarani é a opy ou ‘casa de reza’, construção que simboliza o centro identitário de uma aldeia, e onde todas as noites os Guarani se reúnem para cantar/rezar, fazer rituais de cura e discutir sobre os problemas da aldeia. Em termos de função, ela não se diferencia do que, há algum tempo, os templos religiosos representavam para as cidades. No interior da opy há um “altar”, onde estão dispostos os instrumentos sagrados, velas e cachimbos. Vemos aqui dois exemplos já tradicionais de objetos e elementos intangíveis que, emprestados ao cristianismo, se incorporaram à cultura guarani e, hoje, são partes integrantes e inalienáveis do ethos guarani. Além do vestuário, há três outros aparatos sociais que, vindo do mundo do juruá (denominação usada para indicar os “brancos”), foram incorporados ao seu cotidiano: a escola, a enfermaria e, mais recentemente, a casa de cultura.

3 HISTÓRIA, MEMÓRIA E TERRITORIALIDADE Historicamente – o que quer dizer também arqueológica, antropológica e linguisticamente – não há certeza quanto à localização do território original do Proto-Tupi, do mesmo modo que não dispomos de elementos inequívocos relativos a quando, onde, como e por que razão se deu o

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êxodo e posterior dispersão desse proto-grupo. Também é controversa a direção que essas levas migratórias tomaram em sua longa caminhada pelos territórios sulamericanos8. No caso dos Proto-Tupi e mais tarde, dos ramos Tupinambá e Guarani dele derivados, existe entre os especialistas - considerando-se as evidências arqueológicas disponíveis que aventam a hipótese de que seu deslocamento implicava a conquista e a manutenção de novos domínios territoriais - uma controvérsia quanto a utilizar o termo migração ou expansão (cf. LADEIRA, 2001). Entretanto, essa controvérsia só tem validade científica se estivermos nos referindo aos deslocamentos Tupinambá e Guarani antes da chegada e do contato com os europeus. A situação pós-contato deve ser vista de forma histórica e politicamente diferente. A pressão colonial exercida sobre os indígenas (em especial sobre os Tupinambá e os Guarani) provocou a migração e a dispersão desses indígenas para áreas que não estivessem ocupadas ou em vias de ser ocupadas pelos colonizadores, quando não a desestruturação tribal e a reorganização dos índios com bases nos ideário colonial, visto que a nova realidade imposta aos índios “instaura uma nova relação da sociedade com o território, deflagrando transformações em múltiplos níveis de sua existência sociocultural” (OLIVEIRA, 1998 apud LADEIRA, 2001, p. 88). A partir do momento do contato com os europeus, e com as novas formas de produção, organização social e civilizatória, é possível aplicar o termo diáspora a esses diversos movimentos de dispersão provocados pela expansão capitalista. A questão relativa ao centro de dispersão e aos itinerários das levas migratórias é controversa e os estudos, nas diversas áreas de interesse – linguística, arqueologia, antropologia e bioantropologia – são, até o momento inconclusivos. Basicamente, há duas vertentes concorrentes. Uma delas admite que o centro de dispersão dos Proto-Tupi encontra-se no sul do Brasil, de onde esses índios teriam partido para colonizar as demais regiões. A outra admite, ao contrário, que o centro de origem e de dispersão tanto do Proto-Tupi é a Amazônia. Mais precisamente entre os rios Madeira e Xingu, na área que atualmente corresponde ao sul do Estado de Rondônia. Segundo essa vertente, a datação para a presença os Proto-Tupi na Amazônia remonta a 5000 anos (a datação apontou 3000 aC); já a data de diferenciação entre os Tupinambá e os Guarani, a partir do momento em que o proto-grupo se dividiu em dois grandes ramos, remontaria a 2.500 anos atrás (a datação apontou 500 aC). Uma das características dessa dispersão, que é também expansão territorial, é que ela se deu fundamentalmente por via terrestre e

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por meio de guerra de conquista (NEVES et al, 2011; SANTOS, 1991; RODRIGUES, 2000; LADEIRA, 2001). A hipótese segundo a qual o centro de dispersão da horda Proto-Tupi é amazônico é secundada pelas análises de Neves et al. (2011), cujos resultados mostraram que existe afinidade não apenas linguístico-cultural, mas igualmente biológica, entre os atuais Guarani (espalhados pelo centro, leste e sul do Brasil) e os (já extintos) Tupinambá (leste e norte brasileiros) e os atuais povos de ascendência tupi que se encontram concentrados na Amazônia. Devemos admitir que essas migrações não ocorreram de uma única vez, mas deve ter havido – como, aliás, tem sido visto para as migrações de outros grupos humanos – diferentes ondas migratórias, dispersando-se no tempo e no espaço. A diferenciação dos povos que integram a moderna família Tupi-Guarani são um bom indicativo desse processo migratório no tempo e no espaço9. Os povos da família tupi-guarani passaram por diferentes ciclos migratórios, tanto e tempos pré e pós-coloniais. Isto é, embora seja claro que dos encontros (com variados graus de intensidade e conflito) com os colonizadores tenham resultado pressões variadas sobre os grupos indígenas, às vezes provocando, às vezes acentuando as levas migratórias, por vezes barrando-as, não se pode atribuir a essa nova realidade geopolítica e econômica provocada pela colonização a causa das constantes e sucessivas migrações tupi e guarani. É preciso acrescentar à colonização fatores intrínsecos ao imaginário instituinte das sociedades tupi e guarani. Uma dessas razões refere-se à sua heteronomia fundadora e que remete à sua concepção de vida verdadeira – aquela que só pode ser vivida no plano do sagrado, do metafísico, portanto. Gera-se daí a disjunção entre o tempo mítico-cosmológico e o histórico, referente à vida falsa por ser vivida no mundo tempo terreno. Na sociedade guarani vigora um mitodiscurso fundador que se refere à busca da Terra Sem Males, cujo resultado, na vida prática, é o que os Guarani denominam de oguatá porã, o caminhar sagrado, que os leva periodicamente, seja individual, seja coletivamente, a migrar. Deriva daí, também, a noção expandida que eles têm de sua territorialidade. Segundo Brandão (1990), antes da chegada de portugueses e espanhóis, a área de domínio guarani, com cerca de 350.000km2, delimitava-se, a Oeste, pelo rio Paraguai e, ao Sul, pela confluência deste com o Paraná; a leste, seu limite era o oceano Atlântico, entre Paranaguá, no litoral brasileiro e a fronteira entre o Brasil e o Uruguai de hoje. Essa situação alterou-se drasticamente a partir da colonização e, em especial, pelo regime de

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aldeamentos e de missões ou reduções, em geral controlado pelos jesuítas10. Ao longo do tempo e na atualidade, devido ao avanço das cidades e, em especial, do agronegócio, as condições para a manutenção de terras indígenas tornaram-se ainda mais graves. Com relação a território, os Guarani, sustentando-se em sua mitocosmologia, concebem um território que associa os limites físicos das aldeias e trilhas. E embora a constituição territorial guarani possa ser concebida como aberta e descontínua (GARLET, 1997), se considerarmos que o centro simbólico-territorial dos Guarani é a aldeia, notaremos que, conquanto geograficamente descontínuo, o território guarani, cuja isomorfia é dada pela presença das aldeias, apresenta continuidade. O que caracteriza politicamente dos Guarani (como de resto a maioria dos grupos indígenas, cujo centro político e de existência ou vivência é a aldeia) é o reconhecimento do território com espaço expandido, o qual sustenta um conjunto de unidades tribais autônomas (isto é, lugar e modo de vida e território independente) e, potencialmente, inimigas entre si. Por outro lado, há entre eles uma identidade que os unifica em torno de destino, concepção de mundo e deveres que são herança comum. Desse modo, usam como estratégia de sobrevivência e, simultaneamente, de expansão e ocupação territorial, separarem-se em unidades sociais pequenas (grupos familiares) que se deslocam e, assim, formam novos aldeamentos, formando redes de parentesco11 e, em consequência, expandindo, com isso, o território simbólico e efetivo guarani, o qual é chamado por eles de “yvy rupá” ou leito da terra ou onde se assenta o mundo, isto é, em suma, o espaço geográfico e cultural do mundo guarani. Diante disso, uma pergunta se impõe: por que os Guarani, dentre os grupos indígenas brasileiros, são os que mais se encontram em permanente dispersão? Com base na bibliografia especializada e nos relatos dos Guarani, essas migrações são atribuídas primariamente a razões de ordem míticocosmológicos e, secundariamente, a motivos histórico-políticos. Essas duas motivações encontram-se totalmente interligadas e, embora seja possível, analiticamente, separá-las, dissociá-las implicaria negligenciar a relação instituinte homem-realidade ou homem e história. É certo que a mito-religiosa busca da Terra Sem Males (tomada aqui como síntese do pensamento guarani e como télos e não apenas como a topônimo de um lugar efetivamente, isto é, geohistórica e socialmente existente, mostra-se, em termos discursivos, como uma forma ideologizada das condições históricas, traduzida para a esfera do religioso. Entretanto, na

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concepção guarani essa busca (expressa no oguata porã e no tape porã ‘caminho sagrado ou verdadeiro’) aparece como um dos principais motivos de suas caminhadas, seja geográfica, seja espiritualmente. Assim, dentre as causas míticas e históricas para o contínuo êxodo guarani, podemos listar: conflitos interétnicos, redimensionamento do território (reterritorialização como reelaboração da memória tribal), projeção mítica do território, associado ao discurso fundador da Terra Sem Males; a necessidade de ter um lugar onde lhes seja possível viver e, segurança seu antigo modo de ser; a intensificação de ocupação de terras produtivas produzindo um choque entre os interesses do Estado e os dos povos indígenas, ocasionando a perda de territórios tradicionais (BRANDÃO, 1990; CHAMORRO, 1999, OLIVEIRA, 2002). No deslocamento territorial guarani há, ainda, uma particularidade. Entre os homens, os solteiros são os que mais se locomovem entre as aldeias; entre as mulheres, as idosas são as que mais se deslocam, para visitar parentes (MAINÕ’I, 2009). Em tempos mais recentes, a última grande leva migratória guarani, em território brasileiro, iniciou-se no Rio Grande do Sul em 1940, quando uma família extensa e aderentes, liderados pela kunhã karai (mulher sagrada) Tatatin (D. Maria), após terem caminhado a pé e atravessado os estados de Santa Catarina, Paraná e Rio de Janeiro, estabeleceram-se no Espírito Santo em 1970 (COMUNIDADE, 1996), onde fundaram a Tekoa Porã (Aldeia Boa Esperança, ou aldeia sagrada) da qual, mais tarde e em datas distintas, desmembraram-se duas novas aldeias. De acordo com relatos de pessoas que fizeram parte dessa migração, havia duas razões convergentes que levaram Tatatin a persuadir seu povo a sair da terra que ocupavam no Rio Grande do Sul, uma de natureza mítico-religiosa, e outra derivada da situação de tensão agrária entre os Guarani e representantes da sociedade envolvente. Segundo Aurora da Silva Carvalho, Kerexu Mirin, filha Tatatin, sua mãe sonhava e ouvia os conselhos divinos e então dizia aos demais “agora vamos andar porque Nhanderu [...] é deus, o pai do céu, então, vamos andar e continuar rezando a Nhanderu”. A divindade alertava contra o que poderia se tornar um conflito sangrento, ao mesmo tempo em que a recordava da herança sagrada: “[...] para a tribo Guarani dei toda a terra para morar, para viver, não para brigar com branco nem com ninguém” (COMUNIDADE, 1996, p. 24, 25). As terras recém-ocupadas pelos Guarani, tanto no Rio de Janeiro, quanto no Espírito Santo, foram reconhecidas e homologadas nos anos 1990. Afora essa grande onda migratória, há relatos de que migrações de

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menor porte continuam ocorrendo através das fronteiras entre Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil. Esses deslocamentos podem ser de indivíduos, de famílias (nucleares ou extensas) ou mesmo de grupos familiares maiores, podendo, neste último caso, envolver centenas ou milhares de pessoas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Atualmente, além de continuarem celebrando o oguatá porã, do qual deriva a expansão de seus aldeamentos, os Guarani justificam esse constante alargamento de fronteiras por meio de uma hermenêutica consolidada por seu aparato ideológico (seus AIS). De acordo com essa hermenêutica, em parte histórica, em parte cosmológica, o caminhar sagrado se justifica duplamente. De uma parte, pelos vestígios que encontram ao se deslocar e aos quais atribuem valor arqueológico, isto é, como remanescentes e indicativos da passagem de seus antepassados. De outra, tais achados são interpretados como desígnios divinos e que confirmam não apenas a verdade e o vaticínio das palavras sagradas, como igualmente o seu indisputável direito à terra. Com isso, o território guarani não apenas é vasto, como entrelaça-se (com maior ou menor grau de tensão) com outros territórios, tanto de grupos indígenas, quanto de nacionais. O território, simbólica e ideologicamente, configura-se como um lugar que assegura, na memória e na identidade, uma ligação com o passado fundador comum e assegurador, portanto, da unidade e da identidade tribal. Considero, igualmente, que o passado comum e seus signos, seus significantes sendo significados em diferentes tempos e espaços, bem como seus efeitos de sentido sócio-historicamente motivados, constituem, em síntese, um mito ou discurso fundador e, enquanto tal, sendo elemento pedagógico para a formação dos sujeitos da sociedade guarani, participa de modo integral e totalizante dos processos de produção e reprodução sócio-cultural. As migrações também fazem parte da ideologização das condições histórico-sociais, ou fantasia ideológica como o denomina Žizek, da qual resultou o desenvolvimento de uma disjunção entre uma terra (históricosocial) e uma Terra (entidade mitocosmológica), como elemento constitutivo de seu aparato hegemônico. Essa estrutura hegemônica se multiplica e replica-se nas diversas instâncias educativo-formativas da sociedade guarani, ainda que apresentando variações locais, como se depreende das relações diferenciadas entre as aldeias, ou entre elas e a sociedade envolvente.

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Nesta acepção, a noção e a posse de território são fundamentais não somente para a manutenção e reprodução da vida, mas especialmente, como dizem os próprios Guarani e que se expressa nos termos tekoa e oreretama12 (nossa terra), do seu modo de ser (orereko). A expressão modo de ser vale por uma afirmação totalizante que abrange tanto a dimensão espacial (território, aldeia etc.), quanto a político-ideológica (língua, costumes, relações sociais, cosmovisão, modo de organização, religião, rituais etc.). Logo, garantir o modo de viver ou modo de ser constitui uma das condições imprescindíveis do território e que, no caso específico, condição que impulsiona a expansão territorial. Além dos movimentos migratórios intermitentes em busca de novos territórios, os Guarani também mantêm um intenso deslocamento intertribal, em geral, de cunho individual, ou, no máximo, de pequenos grupos formados por unidade familiar. Esses deslocamentos consistem em: visita a familiares, mudança de aldeamento, e busca de esposa (no caso dos homens solteiros). De certa maneira e ainda que de forma transfigurada, as migrações ou deslocamentos guarani continuam a reproduzir as tensas relações entre sistemas sociais e culturais que, além de econômica e politicamente assimétricos, fundam-se em concepções e perspectivas filosóficas diametralmente opostas.

NOTAS 1

O termo genérico Guarani refere-se a uma diversidade de aldeamentos que se espalham pela América do Sul (Argentina, Brasil, Paraguai), com exo e autodenominações específicas. A população geral é estimada em cerca de 98.000 indivíduos, sendo que, no Brasil, totalizam perto de 51.000 (em dados de 2008, de acordo com a Funasa/Funai, disponíveis em www.pib.socioambiental.org/pt/c/quadro-geral, acessado em 23 fev. 2012) e encontram-se divididos em subgrupos: os Nhandeva, os Mbyá e os Kayová. Contudo, se a essa população indígena forem adicionados os falantes de Guarani Jopara ou Paraguaio (uma língua geral), os número de falantes de Guarani acende a cerca de 8 milhões. No Brasil, aldeias guarani são encontradas em São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Tocantins e Pará. Escrevo Guarani (substantivo) quando me refiro ao povo, assim, os Guarani; e guarani (adjetivo) quando me refiro a uma característica, traço cultural ou produto desse povo, assim, modo de vida guarani, artesanato.

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A tradução “belas palavras” para a expressão guarani ayvu porã não corresponde exatamente ao campo semântico e discursivo da palavra porã, que expressa o mais alto grau de relevância por serem aquelas proferidas pelos pais e mães verdadeiros, os deuses, e, portanto, sendo aquelas que deram origem às coisas e as justificam, essas palavras sagradas não podem deixar de ser escutadas e seguidas. Nesta acepção, porã significa não só o mais alto ideal de beleza, o belo, como também o ético-político, o bem, e o cognitivo, o verdadeiro. É nessa acepção que aparece em locuções como: oguata porã, tape porã (‘caminho sagrado’), arandu ou kua’a porã (‘saber sagrado’), porãkuery (‘seres sagrados ou divinos = os deuses’).

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As aldeias guarani se caracterizam, em geral, pela falta de um modelo urbano. Entretanto, se nos lembrarmos da relação instituinte e estruturante entre as condições materiais de existência e o arranjo geral da sociedade guarani, veremos que a des-ordem do espaço urbano de suas aldeias corresponde à disjunção fundadora entre a vida verdadeira (o nãoaqui, mas o lá) e a vida temporária e mera cópia imperfeita daquela.

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Essa mesma disjunção temporal e sócio-cultural opera na relação que os Guarani estabelecem com os outros (os diferentes ou não-guarani).

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O relativizado significa que, do ponto de vista da ideologia Guarani, seu deslocamento territorial não é motivado por razões histórica e/ou econômicas, mas religiosas. Obviamente que, ainda que o componente metafísico esteja presente, o elemento histórico e as pressões relativas às forças produtivas exercem, como substrato, sua influência no oguatá porã.

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Um dos poucos rituais formais mantidos até hoje pelos Guarani é o ritual de nominação, quando as crianças com cerca de 1 ano ou mais (quando já podem manter-se em posição vertical) recebem seus nomes. Os Guarani dispõem de 5 classes de nomes masculinos e femininos, cada classe relativa ao domínio celeste de uma divindade. Essas classes ou famílias cosmológicas de nomes aproximam-se de uma estrutura clânica. Desse modo, o único resquício de clã que encontramos entre os Guarani refere-se à origem de seus nomes. Cabe ao oficiante da cerimônia escutar qual é o nome e de que região do céu, ou ambá, este nome procede. Podemos, rapidamente, arrolar algumas outras perdas: a casa comunal, a cerâmica, o uso do arco-e-flecha, a pintura corporal, as habilidades marítimas, a plumária. Há atualmente várias tentativas de recuperar, por exemplo, a pintura corporal, o uso do tembetá, e rituais de iniciação. O artesanato, no qual se destaca a cestaria, é modernamente uma atividade bastante desenvolvida entre os Guarani e uma de suas fontes de renda.

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O maracá tradicional (que passou a chamar-se mbaraká mirim, ‘maracá pequeno’) não foi abandonado, continua com a mesma função, sendo usado junto com o violão, ou isoladamente, em cerimônias religiosas e/ou xamânicas.

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Além das diferentes interpretações encontradas em autores brasileiros, os estudos guaranis realizados em outros países também apresentam, em relação aos brasileiros, disparidades não apenas interpretativas, mas também classificatórias, como, por exemplo, a linguística. Fora do Brasil, a língua guarani é classificada como integrando o grupo tupi-guarani da família equatorial-andina. No que tange à história das migrações, algumas datações e localizações, a partir de material arqueológico e histórico, dão-nos conta que: são encontrados registros de povos proto-tupi no alto curso dos rios Paraná e Uruguai que datam do século I dC, e que, entre os séculos VI e VII, esses povos deslocam-se em direção ao sul e alcançam o rio de la Plata no século XIV.

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Obviamente, estou supondo que, ao falar no êxodo Proto-Tupi, estou considerando a probabilidade de: a) alguns terem decidido ficar no território original; b) que, durante a marcha, muitos, e em diversos tempos, tenham-se estabelecido nos novos territórios conquistados; c) que outros tenham resolvido seguir rumos diferentes da horda principal. Essas hipóteses se baseiam: a) na própria dispersão territorial de Tupinambá e Guarani (tal como se encontra nos registros coloniais e na atualidade), o que pode ser extrapolado para os Proto-Tupi; b) no fato de terem existido e existirem ainda inúmeros grupos que cultural e linguisticamente são “geneticamente” aparentados aos Tupinambá e aos Guarani, e c) que o choque entre os Tupi e as frentes coloniais, no passado, e as frentes de expansão da sociedade envolvente, no presente, levou vários grupos a se dispersarem em busca de novos territórios.

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Havia, entre os séculos XVII-XVIII, 30 reduções: 7 no Brasil, 8 no Paraguai e 15 na Argentina.

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Existem, atualmente, no Rio de Janeiro, 6 aldeamentos guarani: em Paraty: Tekoa Itatin, área de 79 hectares e população de 109 pessoas, Tekoa Arandu Mirim, com população de 25 pessoas, Tekoa Guyraytapu (Arapongas), em Paraty, 213 hectares e população de 28 pessoas; Tekoa Jahape (Rio Pequeno), com população de 25 pessoas; em Angra dos Reis: Tekoa Sapukai, 2100 hectares e população de 330 pessoas; em Niteroi: Tekoa Itarypu, com população de 35 pessoas (www.museudoindio.org,br, 2013).

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As línguas tupi distinguem um nós inclusivo, nhande (que abrange falante e ouvinte, isto é, de algo que abrange a todos) de um nós exclusivo, ore (que marca uma separação entre o falante e seu ouvinte, no sentido de que o que é indicado por ore não se estende ao ouvinte, excluindo-o).

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Os Galegos do Mercado Modelo: O Comércio “Salvador” Maria Luzia Braga Landim1 RESUMO Este artigo trata dos galegos fixados em Salvador a partir do movimento imigratório espanhol que se intensificou entre 1873 e 1965. Provocado pelo desenvolvimento industrial tardio da Espanha e por problemas econômicos decorrentes da manutenção de uma estrutura fundiária arcaica, aproximadamente 13 mil espanhóis imigraram para a cidade. Atualmente a Bahia possui a terceira maior colônia espanhola do Brasil proveniente principalmente de Galícia. Os imigrantes enfrentaram barreiras para viver numa sociedade ocidental e multicultural onde as diferenças econômicas, culturais e linguísticas discriminavam o “outro”. Mas, os imigrantes prosperaram em diversos setores de atividade econômica no estado da Bahia. Os produtos alimentícios superaram os de sapataria, alfaiataria, hospedagem e ourivesaria. O grupo se autodefendia concentrando o comércio mercantil num único lugar como forma de proteção: as imediações do atual Mercado Modelo, próximo às docas, onde as mercadorias eram escoadas pelos navios provenientes de diversos lugares. As firmas celebravam transações nos ramos de atacado e varejo numa escala progressiva que impulsionava o desenvolvimento da cidade baixa. Nossa intenção é discutir uma das formas de integração social por meio da coesão da colônia espanhola e para tal, utilizamos o conceito de colônia como rede de relações pessoais para fornecer informalmente elementos econômicos e não econômicos. A memória usada como fonte impulsionou o uso dos procedimentos da história oral (Thompson, 1978) e permitiu transformar a memória em análise. Um estudo preliminar acurado sobre as primeiras famílias espanholas na cidade de São Salvador revela que se integraram aos soteropolitanos comercialmente e as relações sociais estabelecidas pela formação de laços mercantis incorporaram as noções desenvolvidas por Manuel Castells (1997) sobre a configuração de identidades sociais. Palavras-chave: Imigração espanhola em Salvador-séc. XIX-XX, Identidade Social, Comércio mercantil-Bahia.

INTRODUÇÃO A cidade de São Salvador capital do Estado da Bahia, primeira capital do Brasil, cenário de tradições mescladas de culturas indígenas e africanas, também foi berço de imigrações europeias que ocuparam espaços, mudaram valores e transformaram comportamentos.

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Os imigrantes que atravessaram o Atlântico em busca de melhores condições de vida - provocada pelo desenvolvimento industrial tardio da Espanha e por problemas econômicos decorrentes da manutenção de uma estrutura fundiária arcaica - enfrentaram todo o tipo de barreiras para viver numa sociedade ocidental e multicultural. Impulsionados pela perseverança e força de trabalho, características peculiares dos desbravadores, enfrentaram desafios sociais, econômicos, culturais e linguísticos que os discriminaram como o “outro”, o outsider2. Afetados pela presença e os significados do “outro”, os soteropolitanos se depararam com uma mão de obra qualificada que introduzia novos padrões às técnicas de comercialização, e estabelecia alterações significativas no cotidiano soteropolitano. Para fundamentarmos essas reflexões usamos Zygmunt Bauman: [...] as incertezas provindas de uma sociedade de risco chamada por ele de modernidade líquida, são responsáveis pelas mudanças nos paradigmas identitários. Para ele, a identidade é algo a ser inventado, e não descoberto. O recurso à identidade deveria ser considerado como um processo contínuo de redefinição da invenção e reinvenção da sua própria história [...] (BAUMAN, 2005, p.23).

As alterações introduzidas no ambiente comercial da cidade deram aos galegos, prestígio e poder para ocuparem os espaços financeiros. Usaram o saber-poder que a comunidade baiana lhes conferiu, e pautaram as mudanças na tradição antepassada de convivência com os negócios. Os instrumentos de conquista e luta política também foram utilizados para ascender economicamente. Bourdieu afirma que: [...] A história de vida das sociedades europeias está relacionada com a história das transformações e da função do sistema de produção de bens simbólicos e da própria estrutura desses bens. Ao longo das mudanças, formou-se um campo social, intelectual, cultural e financeiro, que almejava a autonomia progressiva do sistema de relações de produção, circulação e consumo do mercado de bens simbólicos que ampliavam os sistemas de poder. [...] (BOURDIEU, 1989, p.99)

As reflexões de Bourdieu sobre a constituição dos campos de saber e poder podem ser entendidas como representações sociais e não se abstém

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da neutralidade e da relação com a experiência vivida. A sociedade moderna busca o objetivismo funcional, para analisar cada sujeito com sua função e dom. É nos grupos que a memória coletiva é criada, a partir da vivência comum. É neles que as várias memórias carregadas de subjetividade, fortalecem a identidade do indivíduo e do próprio grupo, pois seus membros se sentem parte dele, e compartilham o passado que não pode ser esquecido. Essa cumplicidade é formada através da história, e do relato de vida. Assim, consideramos que as novas identidades surgem nos espaços sociais, e apesar das resistências culturais e da memória coletiva que mantém o imaginário das crenças e culturas antepassadas, as questões relacionadas à alteridade e à diversidade podem ser apoiadas nas práticas e representações do “outro”. Esse entrelaçamento ocorre porque a memória é a operadora das representações e, consequentemente, as representações são construções sociais da memória coletiva. A tradição, entendida como o [...] conjunto de práticas culturais que são reproduzidas por indivíduos ou grupos sociais que através de representações e da memória coletiva se ocupa da manutenção das práticas culturais com intenção de preservá-las. [...]3. (PÁGINA 91)

A opção pela representação social está ligada ao surgimento das estratégias utilizadas pelos estrangeiros e foram fundamentais para motivar os novos habitantes a enfrentar as diversidades geográficas, climáticas e culturais da Bahia. As representações são avassaladoras sob o ponto de vista do significado que elas contêm. Destacam-se na religião, na moral, no espaço, e no tempo. Já as representações coletivas traduzem a maneira como o coletivo ou o grupo pensam suas relações e objetos que o afetam. Para compreender a sociedade que trabalhamos e como ela se representou a si mesma no espaço distinto e no mundo que a rodeava, consideramos primeiramente a natureza da sociedade e não a dos indivíduos. Os símbolos são mostras explícitas de como a sociedade pensa e como mudam de acordo com a sua natureza. Atingem a realidade que eles figuram e dão sua verdadeira significação para o qual foi construído. Constituem objeto de estudo tanto as estruturas modificadas quanto as instituições criadas para efetivar as maneiras de agir, pensar e sentir. O estudo das estratégias inseridas como forma de integração à sociedade brasileira, os indícios apontam que, apesar de participarem ativamente da

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vida da cidade, se mantiveram fiéis ao país de origem, no uso da língua, na preservação dos costumes e tradições, durante gerações. Pela capacidade de armazenar fatos e relembrar eventos passados com mais frequência, os sujeitos podem dar uma enorme contribuição à sociedade, uma vez que o registro das histórias de vida é um meio de contribuir com o entendimento das ressignificações culturais. O valor da lembrança no estabelecimento do vínculo do que se passou com o presente e com o que está por vir, o plano individual, tem um significado especial. A lembrança ou o esquecimento de que estão imbuídos os descendentes de imigrantes se torna um exercício de autoconhecimento, e ao mesmo tempo essa prática de lembrar ou esquecer fortalece e restitui o senso de identidade.

UMA HISTÓRIA SUCINTA DA TERRA DE SÃO SALVADOR No decorrer do século XIX, o Brasil entrou em uma fase acelerada de mudanças que determinaram as transformações sociais, políticas e econômicas. No campo econômico, começou a estruturar-se como nação moderna a partir da chegada de D. João VI em 1808, e abandonou o status de colônia na primeira metade do século. Aquele processo deveria libertar o Brasil da dependência europeia e impulsionar a economia que, durante séculos, se manteve estagnada em torno de propriedades fundiárias de grandes dimensões e cidadãos do reino português, que trabalhavam, sobretudo, com escravos trazidos da África. Finda a era do açúcar – que por três séculos consecutivos fizera do Nordeste, em especial a Bahia, o coração econômico do país uma complexa série de acontecimentos históricos impulsionou a destruição das maiores zonas açucareira baianas. O preço do produto na primeira metade do século XIX declinou vertiginosamente. Alguns estudiosos brasileiros afirmam que a Bahia viveu um longo século XIX, por causa do declínio econômico e da persistência de uma mentalidade ancorada nas glórias e mitos da grandeza de um passado. Mas, é verdade também que a Bahia continuava a ter um espaço profícuo para os negócios e para os comerciantes, em boa parte estrangeiro. Aqueles imigrantes exportavam açúcar, algodão, tabaco e cacau, conferindo à cidade de Salvador, no século XIX, certo ar cosmopolita. Outra parte dos estudiosos contesta integralmente a ideia de decadência de Salvador e do Estado da Bahia no mesmo período.4

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Desde a deliberação real espanhola em 1853, autorizando a imigração de seus compatriotas, a cidade de São Salvador recebe imigrantes galegos. A partir do movimento imigratório espanhol que se intensificou entre 1873 e 1965, as estratégias de ocupação dos espaços comerciais na cidade baixa onde fixaram seus trapiches, armazéns e padarias, foi o ponto de partida para grandes negociações. Com o crescimento do comércio na cidade baixa, a partir de 1878, os planos para a construção de um moderno centro de abastecimento na cidade e os projetos para a ampliação do porto, previam que os antigos cais e mercados perderiam o acesso marítimo motivando o deslocamento das firmas comerciais. Diante dos conceitos de modernização do espaço urbano e da higiene pública trazida pela República, a concentração de armazéns, trapiches e do comércio de gêneros alimentícios deveria concentrar as feiras livres, tidas como ameaças à higiene e à segurança da cidade em 1911, quando iniciouse a construção do Mercado Modelo. O Mercado Modelo construído próximo às docas de Salvador, abrigou vários estabelecimentos comerciais que negociavam gêneros alimentícios, entre outros produtos comerciais, onde os espanhóis colocavam em prática as teorias de sucesso e ascensão social trazidos no projeto idealizado durante a travessia do Atlântico para o Brasil. As estratégias de integração determinavam que os grupos se autodefendessem e concentrassem o comércio mercantil num único lugar como forma de proteção e união: as imediações do atual Mercado Modelo, próximo às docas, onde as mercadorias eram escoadas pelos navios provenientes de diversos lugares. [...] O Mercado Modelo é um mundo. Sua população não se confunde com nenhuma outra, seus interesses são próprios [..] dominados inteiramente pelas crenças dos negros, sua religião, suas histórias e lendas, suas lutas e suas festas. Aqui São Jorge chama-se Oxóssi e Senhor do Bonfim Oxolufâ. [...]. 5

No final do século XIX, o litoral do bairro do Comércio de Salvador, área do porto da cidade, era composto por um mosaico de cais e pontos de atracação, os cais do Pedroso, do Ramos, do Gaspar, de Santa Bárbara, do São João, do Ouro e do Bulcão, entre outros que além de uma infinidade de trapiches e armazéns, se misturavam ao embarque e desembarque de produtos de importação e exportação. O cenário do comércio de

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abastecimento era feito pelos mercados municipais de São João e Santa Barbara e o comércio informal nas feiras livres e tradicionais, mantidos por vendedores ambulantes. O desenvolvimento da Bahia naquele período foi marcado pela fundação do comércio, pelo desenvolvimento de firmas estrangeiras que se sobressaíam no mercado de gêneros alimentícios, e aglomerava na cidade baixa os negócios de atacado e varejo, gerados e extraídos. Com o passar dos anos os galegos prosperaram em outros setores de atividade econômica no estado da Bahia, mas, os produtos alimentícios superaram os de hospedagem, ourivesaria, sapataria, e alfaiataria. O Mercado Modelo possui comércio de produtos artesanais provenientes do recôncavo baiano e de várias cidades nordestinas, constituindo uma das principais atividades do mercado na atualidade. As rodas de capoeira, os cantadores, os cordelistas, a presença das figuras típicas, dos boêmios, dos poetas, fazem do Mercado, além de um ponto de venda de produtos típicos, um centro de cultura popular nordestina.

OS GALEGOS COMO AGENTES TRANSFORMADORES DO ESPAÇO COMERCIAL Um dos fatores que determinou o fluxo de imigrantes, a Lei nº 581 promulgada no ano de 1850, determinou a suspensão do tráfico de escravos africanos, gerando consideráveis dificuldades para a economia soteropolitana e do Recôncavo dependentes da mão-de-obra trazida da África. A situação motivou interesse do imperial brasileiro em promover a imigração estrangeira, em especial da Europa. Nesse período, a economia de base rural tornava Salvador a beneficiaria da riqueza agrícola açucareira produzida no recôncavo baiano e mantinha o atual estado no patamar de franca abundância. Em contraposto, o desenvolvimento industrial tardio da Espanha e os problemas econômicos decorrentes da manutenção de uma estrutura fundiária arcaica, imigraram aproximadamente 13 mil espanhóis para a cidade de Salvador. Os fatores que condicionaram a imigração em massa estão relacionados á superpopulação, ás crises agrícolas e às alterações observadas no regime de produção, responsáveis por uma desorganização na economia e no setor social, que implica num elevado número de desempregados e desocupados nas cidades e no campo dos países de origem.6 Os fatores multiculturais e a possibilidade de ocupação na cidade de São Salvador influenciaram os diversos grupos de imigrantes a ocuparem

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espaços da cidade baixa onde o comércio era promissor e facilitado pela situação geográfica local. Se considerarmos a cidade como espaço de integração, podemos afirmar que a aculturação dos imigrantes galegos incorporou ao elemento cultural do cotidiano baiano, práticas e representações europeias que transformaram as culturas originárias em outras, inclusive no trato com os processos econômicos. As citações de Afonso Costa no livro7 Estudos de economia nacional de 1911, o fenômeno da imigração têm papel fundamental tanto para a economia dos estados brasileiros durante o êxodo de milhares de imigrantes na segunda metade do século XIX, quanto para o crescimento das populações. Sobre o êxodo de imigrantes, o autor se refere em particular à análise sob o ponto de vista da ciência econômica, sem se ater a conceitos de economia, ou mesmo das leis que constituem essa ciência. Ratifica o valor sociológico da imigração na formação da economia social dos países receptores, e assinala o impulso das pesquisas nos aspectos da teoria da população. [...] Para nós a economia social é a ciência que estuda os fatos sociais relativos ao sustento e a reparação das sociedades humanas, formulando leis que regem ou devem reger a preparação, a circulação e o emprego das utilidades a isso destinado. Assim, todo oestudo da ciência econômica deve basear-se no conhecimento das sociedades humanas, não só na sua composição e desenvolvimento geral, mas principalmente nos seus movimentos intrínsecos e extrínsecos, isto é, na sua estática e na sua dinâmica. [...]. (COSTA, 1911, 196p)

Portanto, ao considerarmos a imigração como fenômeno significativo para as transformações humanas, a partir do deslocamento temporário ou permanente de homens que provêm de culturas distintas e origens diversas, os fins econômicos justificam as continuas renovações sociais, culturais, e políticas, ocorridas durante o movimento de construção das identidades nesses processos. Os imigrantes agentes de transformação social e econômico produziram marcas identitárias que foram impressas no espaço comercial e se converteram em símbolos representacionais de desenvolvimento e progresso, em sintonia com seus próprios projetos de vida. O grande sonho do imigrante significava a perspectiva de acesso à propriedade, às oportunidades de trabalho e ao negócio economicamente rentável.

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CONCLUSÃO Na segunda metade do século XIX, as crises político-econômicas e a superpopulação na Europa, aliada à demanda de povoamento e a mão-deobra necessária ao incremento das economias americanas, representaram marcos conjunturais do fenômeno imigratório que caracterizaram marcadamente os meados do século XIX e parte da primeira metade do XX. A memória utilizada como fonte, impulsionou o uso dos procedimentos da história oral possibilitou transformar a memória em análise, e revelou as estratégias de integração e assimilação utilizadas no processo. Os galegos se integraram aos soteropolitanos comercialmente, suas relações sociais foram estabelecidas pela formação de laços mercantis e incorporaram normas e valores que promoveram a construção de novas identidades sociais. Dizer que o Mercado Modelo é uma espécie de “monumento da baianidade” não seria exagero segundo alguns célebres admiradores daquele espaço eclético. Ele traz, em sua história, laços estreitos com um número expressivo de pessoas notáveis que fizeram parte da trajetória social e cultural da Bahia no século XIX, entre eles os imigrantes galegos que chegaram depois de 1873. Uma gama de escritores, artistas e políticos como Jorge Amado, Edison Carneiro, Pierre Verger, Glauber Rocha, Carybé, Mestre Bimba, Cuíca de Santo Amaro, Riachão, Maria de São Pedro, Glauber Rocha, Antônio Carlos Magalhães, Mário Cravo e tantos outros, que se inebriavam com aquele universo multicultural. Esse conjunto ilustre e diverso de personalidades inclui os galegos, importantes personagens do crescimento e desenvolvimento da área comercial no entorno do Mercado Modelo. O espaço guarda em si as essências do desenvolvimento social, cultural, e artístico da Bahia promovido pela capacidade de integração de povos distintos. A integração social como fator de coesão da colônia espanhola, e a integração com os soteropolitanos transformou os laços comerciais em uma rede social que determinou fatores de progresso, desenvolvimento, transformação econômica, e não econômica, como suportes imprescindíveis à análise, configuração e construção de novas identidades sociais.

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NOTAS 1

Doutora em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ, Mestre em Memória Social e Documento pela Universidade do Rio de Janeiro, Bibliotecária, Professora do Departamento de Ciências Humanas e Letras e Coordenadora do Centro de Documentação e Informação da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Pesquisadora dos Grupos de Pesquisa CNPq História, Memória e Relações Interculturais, e Núcleo de Estudos das Américas - UERJ.

2

ELIAS, Norbert e SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os Outsiders. Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro, Zahar 2000.

3

H OBSBAWN, E. & RANGER, T. A invenção das tradições. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. p.9.

4

MIGUEZ DE OLIVEIRA, Paulo César. A organização da cultura na Cidade da Bahia. Tese (Doutorado em Comunicação e Culturas Contemporâneas) – Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2002.p. 109-157.

5

Jorge Amado, escritor baiano consagrado pelos inúmeros romances que retratam a Bahia como centro de culturas e tradições, revela em algum desses escritos o fascício pelo Mercado Modelo como espaço de encontro e inspiração nas letras de sambas, poemas de cordel, músicas de capoeira, e na literatura, plenamente integrado à memória da cidade.

6

NOGUEIRA,A.R. A imigração japonesa para a lavoura cafeeira paulista (1908 -1922). São Paulo, Instituto de Estudos Brasileiros,1973.p.16

7

COSTA, Afonso. Estudos de economia nacional. Lisboa: Imprensa Nacional, 1911. 196p

REFERÊNCIAS AMADO, Jorge. (junho 1959). “A morte e a morte de Quincas Berro d’Água”. SR.: uma revista para o senhor: 50-66. AZEVEDO, Thales de. Italianos e gaúchos: os anos pioneiros da colonização italiana no Rio Grande do Sul. Pref. Guilermino César. Porto Alegre: A. Nação, 1975. 8 v. il. fac-sim. Brochura. (Biênio da Colonização e Imigração, v. 3). AZEVEDO, Thales de. Italianos na Bahia e outros temas. Pref. Vivaldo da Costa Lima. Salvador: Empresa Gráf. da Bahia, Secretaria da Cultura, 1989. 8 v. Brochura. (Terra Primaz). AZEVEDO, Thales de. Os italianos no Rio Grande do Sul: cadernos de pesquisa. Caxias do Sul: EDUCS, 1994. 8 v. Brochura. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; Lisboa: Difel, 1989. COSTA, Afonso. Estudos de economia nacional. Lisboa: Imprensa Nacional, 1911. HALBWACHS, Maurice. Memória coletiva e memória histórica. In: _______. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990. http://www.portalmercadomodelo.com.br/historia-do-mercado-modelo-desalvador/.

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Travessias e Cartas: Viagem e Mala do imigrante

Travessias e Cartas: Viagem e Mala do imigrante Maria Izilda Santos de Matos - PUC/SP RESUMO: Os deslocamentos incluíram uma diversidade de trajetórias e multiplicidade de experiências, processos diferentes e simultâneos que compõem a trama histórica. Incorporando a perspectiva cultural, esta investigação pretende discutir a presença dos imigrantes portugueses em São Paulo (1890 e 1950), recuperando as referências aos preparativos da viagem, travessia e mala do imigrante. A pesquisa baseia-se na análise das cartas e correspondências localizadas no Memorial do Imigrante de São Paulo (antiga Hospedaria dos Imigrantes) e em arquivos portugueses. Palavras chave: cartas, imigrantes portugueses, viagem, mala

Os deslocamentos incluíram uma diversidade de trajetórias e multiplicidade de experiências, processos diferentes e simultâneos que compõem a trama histórica. Incorporando a perspectiva cultural, esta investigação pretende discutir a presença dos imigrantes portugueses em São Paulo (1890-1950), recuperando as referências aos preparativos da viagem, travessia e mala do imigrante. A pesquisa baseia-se na análise das cartas e correspondências localizadas no Memorial do Imigrante de São Paulo (antiga Hospedaria dos Imigrantes) e em arquivos portugueses.

DESLOCAMENTOS: PRESENTE E PASSADO Os processos migratórios recentes vislumbram o estabelecimento de novas ordens demográficas, não se pode prever todo o seu desencadeamento e amplitude, contudo, se constituem outros pontos de partida e polos de atração. As facilidades e agilidades das viagens, somadas as múltiplas possibilidades comunicação dinamizam os deslocamentos, tornando-os um “fenômeno” perceptível e provocando tensões, hostilidades, rejeições, conflitos e xenofobia nas sociedades receptoras. Estas tensões atuais levam ao reconhecimento da importância da temática das mobilidades, ampliamse os estudos com diferenciadas perspectivas de análise, iluminando interpretações, enriquecendo abordagens e contribuindo para rever estereótipos. As análises sobre os deslocamentos precisam ser ampliadas além dos condicionamentos demográfico-econômico-sociais e do paradigma

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mecanicista da miserabilidade, assim, não podem ser visto apenas como resposta às condições excepcionais de pobreza1, fruto das pressões do crescimento da população (modelo malthusiano) ou de mecanismos impessoais do push-pull dos mercados internacionais. Estes processos superaram os limites das necessidades estritamente econômicas, sendo importante observar questões políticas (refugiados, perseguidos e expulsos), étnico-raciais, culturais, religiosas, geracionais e de gênero. Os deslocamentos aparecem como alternativas adotadas por uma gama abrangente de sujeitos históricos, alguns inseridos em fluxo de massa, grupos, familiares ou em percursos individuais; através de processos de migração engajada ou voluntária, abarcando diversos extratos sociais, levas e gerações; envolvendo agentes inspirados por estratégias e motivações diferenciadas, inclusive culturais e existenciais. Entre as múltiplas motivações que levaram às mobilidades encontra-se a procura da realização de sonhos, abertura de novas perspectivas, fugas das pressões cotidianas e a busca do “fazer a América”, em variadas representações construídas e vitalizadas neste universo. Cabe ressaltar nos mecanismos que viabilizaram estes processos a constituição de redes, com o estabelecimento de relações interpessoais e institucionais (agenciadores, aliciadores, aparatos de propaganda, meios de comunicação), além da organização do sistema de navegação comercial, que viabilizou o transporte transoceânico em massa. Assim, pretende-se discutir vínculos estabelecidos, circuitos de sustentação nas regiões de saída e de acolhimento, expectativas e sonhos construídos no processo, tensões e frustrações, possibilidades de reencontros e reconstituição familiar.

O SONHO AMERICANO: HISTÓRIAS E HISTORIOGRAFIA No Brasil, a temática da imigração vem sendo privilegiada pela historiografia, tendo produção ampla, diversificada e enriquecida por abo-rdagens que analisam aspectos diferenciados da questão. Os deslocamentos ibéricos só mais recentemente têm instigado aos pesquisadores, contudo, parte significativa dos trabalhos se volta para o Rio de Janeiro, aonde a presença portuguesa foi significativa e marcante. Os estudos sobre imigração em São Paulo privilegiou certos grupos, em particular, os italianos e japoneses. Só contemporaneamente que apareceram trabalhos que analisam os ibéricos e em particular os portugueses, sendo algumas destas investigações sobre a perspectiva cultural. A chegada dos trilhos da ferrovia Santos-Jundiaí (1863) conectou a cidade de São Paulo com o porto exportador-Santos e a com a zona

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produtora de café (no interior do Estado). Os trilhos não só transportavam rápida e eficientemente o café, também traziam de várias partes do mundo, particularmente, da Europa, uma ampla gama de imigrantes, além de toda uma variedade de produtos e influências, gerando e dinamizando um “vetor modernizador”. Neste período, a expansão urbana de São Paulo esteve vinculada diretamente aos sucessos e/ou dificuldades da economia cafeeira, a cidade consolidou-se como centro econômico e político, polo de desenvolvimento industrial, mercado distribuidor e receptor de produtos e serviços. No ano de 1872, a população de São Paulo era de 31.385 pessoas; segundo o censo de 1890, elevou-se para 64.934 habitantes; já em 1900, eram 239.820 moradores. Em 1920, a população da cidade mais do que dobrou, atingindo a cifra de 579.033 pessoas. O “sonho americano” e a atração exercida pela cidade prosseguiam, concentrando um significativo contingente de trabalhadores. Enquanto uns dirigiam-se para o comércio, outros ficavam nas atividades por conta própria ou foram impelidos para o trabalho assalariado em vários ramos: indústria, comércio, obras públicas e serviços. Entre 1920 e 1940, a população da cidade mais que duplicou, saltando para 1.326.261 habitantes. Em 1934, totalizavam 287.690 estrangeiros (destes 79.465 eram portugueses), que formavam um mosaico diversificado de grupos étnicos com seus descendentes, que juntamente com os migrantes constituíam-se numa multiplicidade de culturas, tradições e sotaques.

PORTUGUESES: MOBILIDADES, POLÍTICAS E AÇÕES A imigração portuguesa para o Brasil foi um processo contínuo, que envolveu experiências múltiplas e diversificadas, abarcando várias levas, de diferentes regiões do continente e das ilhas; alguns vieram subsidiados, outros por conta própria; alguns chegaram ao começo do processo (nos anos finais do século XIX e nos inícios do XX), outros após a Primeira Grande Guerra ou durante o período salazarista. Entre 1887 e 1900, os portugueses representaram 10% do total de entradas em São Paulo, proporção que entre 1900 e 1920 subiu para mais de 29%. Em termos de período, os anos de 1910 a 1914 marcaram a vinda do maior contingente luso (111.491), em função da crise econômico-social e das dificuldades políticas com o fim do regime monárquico português, também pela preferência dos imigrantistas paulistas por esse grupo.

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Os portugueses emigravam por vários motivos: dificuldades econômicas, sociais e familiares, fugas ao recrutamento militar, poucas oportunidade de traba-lho, baixos salários, tipo de propried-ade e sua exploração, tensões políticas, atraso tecnológico, além do desejo de “fazer a América”. Assim, as partidas foram contínuas e frequentes, vinculadas aos descontentamentos, estratégias de sobrevivência, buscas de outras possibilidades e realizações de sonhos. Para o recrutamento de imigrantes portugueses foi organizada toda uma rede regular de propaganda, divulgação de informações (notícias na imprensa, panfletos, cartas), agenciamento e transporte, com a participação de companhias e engajadores, alguns recebiam subsídios do governo brasileiro e/ou paulista ou trabalhavam para eles. Constituiu-se uma cadeia que tinha como elos moradores das aldeias e freguesias, religiosos, autoridades e empresários. Estas redes funcionaram entre Portugal continental, as Ilhas e o Brasil e foram intensificadas em destino ao porto de Santos, nos anos iniciais do século XX. Quanto à política portuguesa de emigração, em seu processo pode ser considerada ambígua, ora repressiva (especificamente em relação aos jovens, mulheres sós e saídas clandestinas) ora permis-siva. A emigração sofria a oposição dos grandes proprietários rurais, para os quais significava a evasão de braços, estes pressionavam o governo para conter as saídas; mas, o governo via na emigração uma possibilidade de limitar as tensões no campo, além de sustentar as remessas, que adquiriram importância nas finanças portuguesas, estimulando investimentos e sendo decisiva na balança de pagamentos. Os deslocamentos eram uma possibilidade frente aos problemas sociais no campo e nas cidades portuguesas. Os emigrantes eram majoritariamente do Norte de Portugal, áreas de predominância da pequena propriedade; os que vinham do Noroeste eram maior parte homens sozinhos (solteiros e casados); já entre os do Nordeste predominava a emigração familiar. No sul, o interesse nas saídas tornou-se mais expressivo a partir das crises advindas com a Primeira Grande Guerra. Uma análise sobre os emigrados permite observar tendências: numa primeira notam-se os que vinham por conta própria, destacando-se os jovens solteiros, alfabetizados, com algum capital, em busca de constituir uma trajetória profissional, geralmente possuíam contatos já estabelecidos no Brasil. Um segundo grupo de homens adultos, muitas vezes casados, artesãos de profissão, que se fixavam nas grandes cidades (preferencialmente

Travessias e Cartas: Viagem e Mala do imigrante

São Paulo e Rio de Janeiro), muitos destes buscavam retornar a Portugal, depois de juntar algum pecúlio. Outro grupo era dos que vinham subsidiados, embarcavam em família, motivados pelas dificuldades econômicas, sem entrever possibilidades efetivas de regresso. A emigração masculina continuamente ultrapassou a familiar. As saídas de família eram o centro das preocupações das autoridades portuguesas, pois além de provocar a desaceleração do crescimento demográfico (com o envelhecimento da população e a falta de perspectivas matrimoniais), afetava as remessas de recursos para Portugal. A prática dos homens saírem primeiro visava criar condições para chamar os familiares, podendo ser identificada como uma ação preventiva frente aos possíveis infortúnios. Contudo, estas saídas afetaram a estrutura familiar, ampliando a responsabilidade das mulheres que passaram a arcar com os cuidados e sustento dos filhos, a manutenção da propriedade e negócios, além das atividades domésticas. Se a emigração portuguesa foi a princípio prioritariamente masculina, o contingente feminino cresceu gradualmente, podendo-se verificar um aumento no número de mulheres casadas, ampliando a emigração familiar de acordo com os parâmetros da política imigrantista paulista. Na primeira década do século XX, a porcentagem de mulheres alcançava mais de 25% do total de entradas e no início da segunda oscilou entre 35% e 40%. Assim, a imigração lusa até então caracterizada como individual, masculina e temporária, tornouse, tendencialmente, familiar e permanente. Apesar dos estímulos a imigração, ações governamentais, particularmente, durante o Governo Vargas (1930-45) foram criadas medidas restritivas as entradas, ampliaram-se as preocupações em filtrar os imigrantes que melhor se adaptassem ao país. Apesar da política anti-imigratória, os deslocamentos portugueses foram defendidos por autoridades brasileiras e portuguesas que apregoavam a exclusão do sistema de cotas, concretizando-se nas leis que favoreceram os lusos em detrimento de outros estrangeiros. Cabe destacar que não houve um único padrão de deslocamento, muitos imigrantes eram chefes de família, vieram antes de seus familiares que ficaram aguardando as chamadas; outros chegaram crianças ou jovens, sem a família nuclear; em outros casos, a família veio junta, algumas delas não permaneceram unidas no novo contexto ou nunca se encontraram e/ou não voltaram a se constituir, gerando toda uma complexidade de situações vivenciadas.

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LAÇOS DE UNIÃO: DISCUTINDO A DOCUMENTAÇÃO Esta investigação se insere numa corrente que pretende estabelecer as articulações entre relações sociais, étnicas, de gêneros, gerações, práticas e modos de vida, numa perspectiva de incorporar os imigrantes portugueses (homens, mulheres e crianças) á história, cessando de considerá-los como objeto dado, para conhecê-los como sujeitos históricos que se constroem na e pela experiência cotidiana, procurando integrar as tensões sociais de um processo permeado de resistências, conflitos e confrontos. Reconhece-se a pesquisa empírica como elemento indispensável e neste sentido, valoriza-se o uso de uma diversidade de fontes, que constituem um mosaico de referências do passado, com destaque para as cartas. A dificuldade enfrentada pelo investigador está mais na fragmentação do que na ausência documental, requerendo uma paciente busca de indícios, sinais e sintomas, acrescida da análise detalhada para esmiuçar o implícito e oculto, atentando para os múltiplos significados da documentação. Os estudos das cartas e correspondências têm privilegiado as escrituras de figuras de destaque intelectual e político. Na atual pesquisa, as missivas endereçadas e recebidas envolveram sujeitos históricos populares e anônimos – e/imigrantes lusos-, tornando a análise mais complexa, porém com grande potencial para descobertas. As cartas dos e/imigrantes se caracterizam como um testemunho precioso de fragmentos de diálogos entre dois mundos, mas, ainda são fontes pouco exploradas nos estudos dos deslocamentos. Deve-se advertir que as missivas se constituem num corpo documental irregular, apesar de serem dirigidas a um destinatário (com o qual se deseja estabelecer uma prática interativa), muitas vezes não se obtinha respostas, foram extraviadas ou então não foram preservadas. Nestes acervos foram encontradas missivas variadas: cartas oficiais e de chamada, correspondência familiar e de negócios, algumas prestando contas, outras só informativas. Os escritos epistolares encontram-se marcados pelos desejos da manutenção dos vínculos com as origens, possibilitando perceber trocas de notícias. Elas privilegiaram questões da vida doméstica e do cotidiano, faziam referências às remessas e seus aplicativos; já outros escritos eram pessoais e até íntimos, relações e tensões de família e de gênero, expondo relações afetivas de amor, rancor, ruptura e saudades, desabafos e confidencias, possibilitando captar as sensibilidades.

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Nesta investigação, as cartas se destacam, não só pela sua quantidade, mas, pela riqueza de seus relatos, permitindo maior compreensão do processo de deslocamento dos portugueses para São Paulo-Brasil. As correspondências foram localizadas na Hospedaria do Imigrante de São Paulo e em arquivos portugueses.

CRUZANDO MARES: DEMOCRATIZAÇÃO DA ESCRITURA Apesar da sua ancestralidade, a escrita epistolar se alargou com a ampliação das comunicações e intensificação das mobilidades. Facilitados pelo desenvolvimento dos transportes a vapor (trens e navios), os deslocamentos se tornaram “fenômenos” de massa, o que se denomina de a grande e-imigração. Esta experiência histórica ampliou as distâncias entre pessoas, dilatando a sensação de ausência, suscitando sentimentos de saudades que geraram a necessidade de comunicação e esforços de aproximação. Como bálsamos á separação, a escrita de cartas foi difundida, incorporando os populares, num desafio para uma massa pouco letrada que com grande esforço procurava manter os vínculos. Assim, disseminaram-se novas experiências da prática epistolar, democratizando a escritura. Dessa forma, as cartas podem ser consideradas como paradigmas dos deslocamentos. Os vapores cruzavam os mares transportando pessoas, mercadorias, ideias e também carregavam a mala postal, repleta de mensagens. As missivas traziam boas e más notícias, comunicavam alegremente nascimentos e casamentos, também, doenças e mortes, enviavam declarações de amor e fidelidade, fotos de família, encaminhavam conselhos de velhos, pedidos de ajuda e de dinheiro, expediam cartas bancárias e de chamada. Pelos correios, múltiplas histórias escritas atravessavam o oceano buscando por notícias de filhos e pais, irmãos, maridos e esposas, noivos e noivas, estas correspondências encontrando-se plenamente marcadas por múltiplos sentimentos: saudades, esperanças, amor, ódio, rancor, sonhos e medos, ilusões e desilusões. Constituindo um movimento entre a ausência e a busca da presença, quem escrevia buscava manter contatos, laços afetivos, esperava por notícias e/ou comunicava novidades. Escrever cartas atenuava a solidão e as saudades, entretanto exigia tempo, dedicação e reflexão; porém, grande parte dos populares estava pouco familiarizada com o texto, que para eles era um desafio, um verdadeiro fardo escrever. Para enfrentar estes obstáculos criavam-

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se estratégias, quando não se sabia ou se escrevia mal, apelava-se para que outra pessoa o fizesse. A composição das cartas segue um protocolo estabelecido e difundido pelos manuais epistolares, que disseminavam os dispositivos que regulavam as práticas que passaram a ser reconhecidas e aprendidas. Instituiu-se uma estrutura, certa fórmula de uso continuado, caracterizada por elementos como: datação, tratamento, saudações, cumprimentos e abertura, desejos de saúde, despedidas, finalização, assinatura, envelope e identificação do destinatário, no caso das missivas analisadas as fortes marcas de religiosidade com bênçãos, graças e referências de proteção (graças a Deus, com as bênçãos de Deus, que Deus abençoe). Assim, as práticas de trocar cartas difundiram novos indicadores de comunicação e expressão, permitindo rediscutir as fronteiras entre a oralidade e o registro escrito. Apesar dos populares não dominarem estes códigos, passaram a exercitar certo “direito a escrita”, mesmo que fosse se utilizando de um escrevente. Na maioria das vezes, o papel escrevente/leitores foi assumido pelo mestre escola, pároco ou um letrado da aldeia, que podia fazer a leitura/escritura “a rogo”, em troca de um agrado ou por pagamento. Eles foram protagonistas estratégicos para preenchem as necessidades tanto da correspondência burocrática, como das cartas particulares. Em várias missivas justificam-se a demora em mandar notícias pela dificuldade em encontrar alguém que se dispusesse a escrever, merecendo menção aos esforços das mulheres, frente ao maior grau de analfabetismo feminino. Desta forma, foi criada toda uma comunidade de escreventes/leitores, destacando-se que muitas vezes essa leitura era compartilhada com outras pessoas, realizada em voz alta e em público. Na análise das correspondências, não se pode separar o conteúdo da forma da escritura. Cabe observar que as missivas pesquisadas apresentam um português fonético, marcado pela oralidade, uso aleatório das maiúsculas e minúsculas, problemas ou falta de pontuação, separação e/ou articulação indevida de palavras, troca de consoantes (v pelo b), expressões em desuso, o que dificulta a leitura e demonstra as dificuldades destes sujeitos históricos em manter a prática da escritura. Quanto à caligrafia, em algumas cartas se observa a letra bem desenhada e clara, sendo muito poucas as datilografadas; outras, devido ao baixo letramento, a letra é rústica e muito difícil de ser compreendida. Cabe também atentar para o tipo de papel utilizado. A escolha do papel foi mais ocasional do que proposital, quando havia falta escrevia-se nas

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margens e bordas da folha. Aparecem nas correspondências diversos tipos de papel como os de borda preta das missivas de luto. O uso de papel timbrado (em geral no ângulo superior esquerdo) era considerado prestigioso, podendo demonstrar vínculo profissional, prosperidade nos negócios. Em alguns poucos casos encontram-se timbres de hotéis ou companhias de navegação, que também demonstrava status - o de viajante.

TRAVESSIA: AÇÕES, CUIDADOS E RECOMENDAÇÕES As correspondências permitem recuperar diversas questões que envolvem os deslocamentos dos portugueses, cabendo destacar um sentido maior observado na documentação - o desejo de reunificação familiar, através das chamadas de esposas, filhos, parentes e conterrâneos. Nas missivas aparecem constantemente orientações sobre a viagem. O conhecimento contraído pelos imigrantes durante a travessia transatlântica, somado ás experiências adquiridas no Brasil, levam-nos a orientar seus parentes sobre procedimentos nos preparativos da partida, como: compras de passagem, providências com a documentação, embarque, cuidados e postura durante viagem, também, o que trazer e deixar. Algumas vezes as passagens eram remetidas do Brasil, para evitar oportunistas e falsos agentes que ludibriavam os poucos experientes. Em outros casos, era cuidadosamente explicitado aonde e como comprar os bilhetes, para tanto eram enviados os valores necessários. eu lhe remeto o dinheiro para as duas passage, e mais dispezas, é precizo tirar os passaporte ahi e apresentar-se e Lisboa no governo civil que é para poder tirar as passagens e vir para aqui, é nessesario ter muito cuidado com as compras das passages com os correctos costumam roubar de que não conhesse E nessesario deixar uma pessoa conhecida para tomar conta das ou vender ou arrendar ou deixar um procurador de confiança ahi as passages é para tirar ate Santos que eu vou lhe esperar lá peço mandar dizer mais ou menos quanto preciza para as dispezas todas e passages.2

Incluía-se, também, a indicação da companhia de navegação avaliada pela credibilidade e segurança, ou que pudesse possibilitar maior conforto. Conjuntamente, detalhavam-se os tramites para a solicitação e obtenção do passaporte.

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Vais nu padre tiras as assertidões i bens a Guimaraes na ademenistração corres folha i dipoes bens para Braga nu goberno sivil tiras u pasaporte. Cando sahir vapor du porto tu vens i la nu mesmo dia compras a paçagem não te e preçizo encommudar peço alguma. Eu quero que tu venhas na mala Real Egleza que e de muito respeito não temas de vir que nu Vapor tomas muito conheçimento com familias.3

Orientavam-se sobre vários outros preparativos, como os deslocamentos até o porto de embarque e cuidados antes de tomar o vapor. Mulheres, crianças e velhos deveriam vir acompanhados, com apoio de conhecidos, familiares, vizinhos, pessoas de confiança, honestas e respeitadoras; de preferência experientes e que soubessem ler; nesse sentido, eram feitas as indicações. Não venhas como a ovelha sem pastor. Fala com o filho do Meco das Porreiras, que eu já lhe escrevi, pedindo-lhe para tu vires na companhia dele e da senhora dele, porque ele parece que deve vir logo e eu faço gosto que tu venhas com ele.4

Eram frequentes as preocupações em regrar os comportamentos, normas de conduta e regras de sociabilidade durante a viagem, especialmente, para com as mulheres. As orientações eram expressas, para se ter cuidado com o comportamento, sendo conveniente evitar exposições, assédios e promiscuidades. ... fas por te dar ao respeito para nenguem meixer con tigo o mais podes enbarcar sen medo so som 12 dias de biaje. 5 No vapor porta-te bem, sempre séria com toda a gente. Quando eu vim, vim com a cabeça perdida com umas mulheres ...6

Acautelava-se sobre possíveis acidentes á bordo, apontando os cuidados a tomar com as crianças e os mais idosos. Emquanto a viagem peço te que tenhas todo cuidado principalmente no vapor principalmente com a mãe que não de algum tombo nas escadas do vapor so depois de estares dentro examina bem o cuidado que deves ter cuidado au pinchar da lancha para o vapor. 7

Nas cidades e aldeias circulavam relatos de viagem que alimentavam os medos de enfrentar a expedição transatlântica. Mesmo com o estabelecimento

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de linhas regulares de vapores que garantiam percursos mais seguros e rápidos, ainda persistiam as histórias de trajetórias difíceis e naufrágios. Nas missivas as palavras de alento e estimulo visavam tranquilizar o/a viajante para enfrentar a longa travessia, lembrava-se de ações de solidariedade e cooperação no percurso, com a possibilidade de se estabelecer vínculos de amizade. Tenha muita coragem para atravessar o mar: lembre-se que vem abraçar todos os seus filhos para ganhar mais animo. 8

Desde os meados do século XIX (1855), que devido as constantes denúncias sobre as condições de viagem, implementaram-se ações regulamentadoras do controle de excesso de passageiros e bagagens, medidas de proteção e assistência aos viajantes em situação de adoecimento a bordo (as naus necessitariam ter uma botica e apoio médico). O regulamento de 07 de Março de 1863 determinava que os vapores devessem garantir alojamentos salubres e higiênicos, alimentação de boa qualidade e em quantidade, além de água bem acondicionada. Contudo, apesar destes procedimentos legais persistiam os problemas, que eram constantemente denunciados pela imprensa, que apontava que os imigrantes, em sua maioria, marcados pela ignorância, pobreza e analfabetismo, encontravam-se numa situação subalternidade e de desamparo durante a travessia. As irregularidades tornavam a viagem precária, frente à falta de higiene, más acomodações, alimentação mal preparada e em pouca quantidade. Nas cartas aparecem várias recomendações, visando evitar privações e amenizar desconfortos, como levar alimentos para consumir durante a travessia, indicava-se ações para diminuir o mal-estar e enjoos (trazer limões e açúcar, frente às questões com água). Trás também um pouco de bacalhau, ia sim como também meia dúzia de chouriços para vosses comer em viaje ia sim como também comora um pouco de queijo que a sim te é perciso e o que mais te a petesser.9

Alertava-se para os cuidados com dinheiro e objetos de valor, precavendo-se de roubos, aconselhava-se que os bens deveriam ser guardados, disfarçadamente escondidos, tendo-se como alternativa: Méte no bolso que te fáz fáta na viajem o seu cordão e as argólas guarda elas com sigo de módo que lhe não sêja tirado.10

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Dever-se-ia prevenir perdas ou extravios de malas, sugeriam-se marcas de identificação na bagagem (faça três cruzes negras no baú). Indicava-se colocar numa mala de mão os acessórios e roupas para de uso á bordo ou no momento do desembarque. ... compra uma mala de mão para trazeres alguma roupa melhor para saltar em terra para não parsseres uma Patricia i não tragas lensso na cabessa que nesta terra não se uza i paresse Mal.11

A chegada era uma ocasião especial de reencontro, para tanto devia apresentar-se bem, com o que tivesse de melhor, roupa nova ou traje domingueiro. Nas correspondências aparecem as recomendações de vestirse “a brasileira” e não aparentar “costumes da aldeia”, buscando demonstrar conhecimento sobre a cultura no país de acolhimento. Algumas missivas apresentavam maiores preocupações frente ao desconhecimento dos hábitos na sociedade de acolhimento, arrolando detalhadamente todo vestuário a ser comprado e trazido. José Francisco sugeria á mulher que ... quando tu fores comprar a Refina que va contigo que maes ou menos ja save como se uza. (...) o Agustinho que escôlha o calçado tudo prêto para ti 2 pares de sapatos para a Maria Amelia 2 pares para a Carulina 1 par para o Joaquim 2 pares para o Jose 1 par. Manda fazer um vestido para a Maria Amelia e outro para a Carulina para o Joaquim um terno a marujo para o Jose na mesma...12

Sobre as vestimentas masculinas, nas missivas pedia-se que trouxessem paletós, ternos, casacos, camisas, ceroulas, meias, chinelos, sapatos, chapéus e guarda-chuvas; alguns recomendavam que as roupas fossem de qualidade nos tecidos e modelagem. Alguns imigrantes que conheciam os trâmites alfandegários aconselhavam cuidados com o porte de armas e com as próprias mercadorias, especificando para trazer os tecidos cortados e as solas dos sapatos sujas, evitando assim que fossem confiscados na entrada. Nas epístolas pedia-se a confirmação da data de chegada e nome do vapor, garantindo a presença no desembarque, mesmo que significasse enfrentar um longo deslocamento do interior até o porto. Porém, quando isso era inviável, cuidava-se para que no porto ou na estação ferroviária tivesse alguém para recepcionar o recém-chegado, ajuda-lo com as bagagens, tramites na alfândega e Inspetoria de Imigração.

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Se eu não estiber em Santos e a Snra. não puder tirar as caixas ou bagagem que troxer a Snra. bai na estação do caminho de terra e compra bilhete para Pirituba ali eu tenho dado probidençias leve o conhecimento de bagagem que no dia seguinte eu benho buscar as ditas. 13

A DESPEDIDA: O QUE TRAZER E DEIXAR Nas missivas analisadas, em sua maioria cartas de chamada, as referências ao regresso são praticamente inexistentes. Os remetentes eram imigrantes que encontraram possibilidades e se fixaram na sociedade receptora, possivelmente estas experiências contribuíram para o fim do projeto de retorno, o que aparece explicitado. Nas correspondências observam-se as preocupações com o cotidiano em Portugal, tanto nas lidas rurais como nos negócios. As cartas deixam testemunhos das orientações trocadas entre os familiares e cônjuges. Ressaltam-se as diversas estratégias femininas desenvolvidas diante da ausência dos homens que emigraram primeiro, as mulheres enfrentavam um cotidiano árduo e envolto em muito trabalho, trato da lavoura e dos animais, responsabilidades dos negócios, administração das remessas, somados aos cuidados com a casa e os filhos. ... mais senhoras de si, livres da gravidez não desejada. Muitas delas retornam a casa dos pais... a economia camponesa do Minho girava em torno da mulher. O governo da casa pertencia-lhes ...estava habituada a lidar com dinheiros e pequenos negócios... com a emigração masculina, e na ausência prolongada dos maridos, o seu papel de gestora dos assuntos familiares mais se evidencia. (Cunha, 1997)

Nas epistolas, juntamente com os planos para a reunificação familiar, nota-se as especificações da partida, com todas as orientações do que deveria ser deixado ou trazido, doado ou vendido, que objetos, utensílios, animais e propriedades se desfazer e como Minha querida mãe, venda tudo oque puder i o que não puder vender deia dismola aus pobres nada disso lhe ade fazer falta aqui se ganha para comer i para bestir i sempre se tem 50 ou sem milreis nalzibeira purisso querendo bir ista na sua bontade...14

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Os objetos que apresentavam possibilidade de uso no Brasil eram transportados, como ferramentas de ofícios (lápis de carpintar, esquadro, martelo, serrote, prima, lima, cinzel), utensílios para a prática agrícola (foice, pá, enxada, machado), incluindo instrumentos musicais (violão, violino, guitarra, pandeiro, adufe, castanholas, concertina, flauta e gaita). Eram vários os utensílios e maquinário considerados de serventia, por carta Antonio Fernandes pedia à esposa que trouxesse sua máquina de costura “bem encaixotada”, dessa forma, ela poderia trabalhar como costureira, contribuindo na renda familiar. Igualmente, aparecem referências a fusos, teares e materiais de costura. Olha se trazes um novelo de linho e agulhas para me consertares uma porção de coturnos que cá tenho. 15

Entre os objetos trazidos na mala do imigrante, encontravam-se vários apetrechos de uso doméstico, como: louças, talheres, roupas de cama e mesa, travesseiros, cobertores, mantas, colchões e móveis, o apego a estes componentes sugere a manutenção de hábitos da terra. Em várias mensagens aparecem pedidos para que se trouxessem objetos de valor, joias, cordões, medalhas, brincos, broches e anéis de ouro, além de relógios; todavia, se alertava para guardá-los com cuidados durante a viagem. Estes valores poderiam significar uma forma de transportar um capital, ou simples desejo de possuir o bem ou presentear. Eram constantes os pedidos de produtos alimentícios da terra como presunto, embutidos, amêndoas, noz, azeites, vinhos, salpicões, pinhões, entre outros. Era a oportunidade de matar a saudades dos sabores de além-mar; já que na experiência de deslocamento a alimentação é considerada o último costume abandonado, podendo ser considerado como um fator de resistência. Eu espero que a senhora venha antes do Natal para poder passalo comnosco, se a senhora me poder trazer um Presunto, não precisa que seja muito grande mas isto é conversa minha.16

A necessidade de se comunicar e manter vínculos foram impulsionadas pelos deslocamentos, que fomentaram a troca de cartas pelo Atlântico, possibilitando o estabelecimento de redes. Estas redes propagaram informações e possibilitaram chamadas, as cartas constituem registro e mote deste processo funcionando como veículos de divulgação da imigração ao favorecem as saídas, criando circuitos que envolviam parentes, amigos,

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conterrâneos, estabelecendo bases de apoio que ajudavam a enfrentar as dificuldades e agruras do cotidiano na sociedade de acolhimento. Para o pesquisador as correspondências provocam muitas inquietações sobre os desdobramentos destas trajetórias, se a reunificação familiar foi possível ou não... , infelizmente, é impraticável responder a estas inquietações. Se a missão do historiador é questionar o passado contando suas histórias, cabe encerrar esta narrativa, com uma adaptação do dito popular... “Entre uma carta e outra, quem quiser que conte outra...”

NOTAS 1

Não basta que existam dificuldades econômicas para que os deslocamentos ocorram, estas dificuldades têm que estar vinculadas a percepção de que a emigração é uma alternativa aceitável e os canais necessários têm que estar constituídos para viabilizar as saídas. (BAGANHA, 2009).

2

Carta de 10/08/1921. n.896. Fundo Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, APESP.

3

Carta de Jerónimo Fernandes á esposa Maria das Dores Fernandes, 03/1904, (CUNHA, 1997, p. 35).

4

Carta do Processo do Passaporte n. 715, 31/10/1896.

5

Carta de Chamada de Manuel Novais Rodrigues á Maria da Silva, (CUNHA, 1997, p. 35).

6

Carta do Processo do Passaporte n.516, 22/05/1893.

7

Carta de 03/06/1913, n. 205. Fundo Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, APESP.

8

Carta de 10/05/1919. n. 438. Fundo Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, APESP.

9

Carta de 01/08/1912. n. 255. Fundo Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, APESP.

10

Processo n.389, 10/08/1912. Arquivo Distrital do Porto.

11

Processo n.599, 09/04/1912. Arquivo Distrital do Porto.

12

Carta de José Francisco á mulher Maria Mendes, apud (CUNHA, 1997, p.33).

13

Carta de 22/07/1912, n. 126. Fundo Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, APESP.

14

Carta de 26/08/1915, n. 763. Fundo Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, APESP.

15

Carta do Processo do Passaporte n. 93, 19/07/1865.

16

Carta de 20/08/1919,

n. 439. Fundo Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, APESP.

BIBLIOGRAFIA - BAGANHA (2009), Maria Ioannis. Migração transatlântica: uma síntese histórica, in: Desenvolvimento econômico e mudança social. Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais. - CUNHA, (1997), Carmen Alice Aguiar de Morais Sarmento. Emigração familiar para o Brasil-Concelho de Guimarães 1890-1914, (Uma perspectiva microanalítica), Mestrado, ICS, Universidade do Minho. - MATOS, (2013), Maria Izilda Santos de. Portugueses: deslocamentos, cotidiano e luta, Bauru, EDUSC.

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- RODRIGUES, (2011), Henrique. Escrita de Emigrantes: Abordagem à Correspondência Oitocentista. In: Escritas das Mobilidades, Centro de Estudos de História do Atlântico. Funchal, Madeira.

ABSTRACT: The displacements included a diversity of trajectories and multiplicity of experiences, and different processes simultaneously. Incorporating cultural perspective, this research aims to discuss the presence of portuguese immigrants in São Paulo (1890-1950), retrieving references to preparations for the trip, crossing and the immigrant’s bag. The research is based on analysis of letters and correspondences located in Immigrant Memorial - São Paulo and the portuguese archives. Key words: letters, portuguese immigrants, travel, bag.

Imigração Boliviana no Rio de Janeiro - Cultura e identidade Profa. Maria Teresa Toribio B. Lemos UERJ

INTRODUÇÃO A presença de imigrantes rurais bolivianos no Brasil iniciou-se após a Guerra do Chaco1 em 1935. Após a Guerra, milhares de camponeses preferiram se fixar nas cidades em vez de voltar para o campo. Além da mudança na forma de viver, a maioria tinha perdido suas terras, confiscadas pelos grandes proprietários. O inchamento das cidades desestabilizou a sociedade, fragilizada pelos conflitos com os países vizinhos e ainda com dívidas acentuadas. As perdas humanas, financeiras e a crise agrícola provocada pelo abandono dos campos. Outros fatores também contribuíram para a imigração, como as crises sociais causadas pelo avanço capitalista no campo e os movimentos de sublevação política. A conjuntura socioeconômica da nação acentuou os movimentos revolucionários das décadas seguintes, culminando com a Revolução de 1952. A imigração para a Argentina, Chile e Brasil que se realizava lentamente desde o século XIX aumentou consideravelmente, acelerando a desestruturação da comunidade rural boliviana tradicionalmente assentada no “ayllu”, organizada por laços comunitários. Atraídos por melhores condições de vida e salários e pela ideia de progresso de outras cidades latinoamericanas , os bolivianos procuraram reorganizar suas vidas em países vizinhos. A modernização dos grandes centros, associada à forte propaganda de imigração, serviu de instrumentos para mobilizar expressivos contingentes rurais para a força de trabalho das nascentes indústrias. Dados oficiais do Serviço de Imigração2 dão conta de que cerca de 20 mil imigrantes bolivianos entraram legalmente no Brasil.

CONSTRUÇÃO DE NOVA IDENTIDADE A reestruturação dessas comunidades camponesas no Brasil , especialmente em São Paulo, se fez sob duras penas. A maioria, clandestinos e acostumados a uma vida comunitária, tiveram seus laços culturais

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desestruturados e tornaram-se presas fáceis da exploração dos grupos industriais 3, submetendo-se à uma vida de servidão. A crise social também acelerou o êxodo de técnicos e profissionais qualificados, não absorvidos pelos processos de modernização do país, além dos exilados e perseguidos políticos. Os governos brasileiro e boliviano manifestaram grande preocupação com esse problema social. No Brasil, a entrada ilegal de estrangeiros não lhes garantia direitos sociais e trabalhistas. A ilegalidade permitia que se tornassem vítimas da exploração industrial que prossegue até os dias atuais. Apesar das denúncias veiculadas pela imprensa, apenas em 1992 o governo brasileiro tentou coibir aquela exploração e impedir a imigração ilegal daqueles camponeses. Muitos deles, vinham para encontrar familiares que se encontravam em São Paulo e atraídos pelos anúncios dos jornais bolivianos que informavam a possibilidade de grandes salários em S. Paulo.

SINGULARIDADE DA IMIGRAÇÃO – PRESENÇA BOLIVIANA NO RIO DE JANEIRO No Rio de Janeiro a imigração foi diferente devido à especificidade da Cidade que manteve, apesar da mudança da capital, de centralidade administrativa do país e não possuir a estrutura industrial semelhante a paulista. Apesar do Rio de Janeiro receber maciçamente migrantes do Nordeste e Minas Gerais, não se notabilizou pela grande presença de estrangeiros. Assim, presença boliviana e de outros países sulamericanos foi singular. A cidade atraia por ter sido a capital federal e pelo prestígio sociocultural que permanece cultivado pelas universidades, além da expressiva rede educacional e de saúde que a capacitam oferecer melhor atendimento à população que outras cidades do pais. Na década de 1950, devido à instabilidade política em vários países da América do Sul, o governo brasileiro apoiou a vinda de imigrantes bolivianos em sua maioria composta de exilados, opositores da Revolução de 1952 e admiradores da Falange Socialista Boliviana (FSB), grupo conservador, considerado de direita em seu país. Eram políticos ou filhos de políticos, profissionais liberais e estudantes. Aqueles imigrantes se fixaram nos bairros da Zona Sul e Niterói onde instalaram consultórios médicos, odontológicos e clinicas em geral. Grande número deles possuía bens e propriedades na Bolívia e desfrutavam de uma situação social considerável. Outros procuraram os subúrbios e também se dedicaram à profissão liberal e burocrática.

Imigração Boliviana no Rio de Janeiro - Cultura e identidade

Diferiam dos camponeses e trabalhadores de áreas rurais, pobres e excluídos em seu pais que tiveram, por força das circunstâncias, se instalar em S. Paulo e se sujeitar à exploração nas oficinas de costura e indústrias, em sua maioria dominadas pelos coreanos. A partir das décadas de 1960/1970, também com apoio do governo brasileiro, chegou o segundo fluxo formado basicamente por estudantes, atraídos pelo Intercâmbio Cultural Brasil-Bolívia que oferecia condições para cursarem as Faculdades de Medicina, Odontologia e Engenharia, entre os demais cursos, dispensados das provas de Vestibular, exigidas para os estudantes brasileiros. Eles deveriam retornar ao seu país, após a conclusão dos cursos universitários, o que de fato não aconteceu. Grande número deles preferiu ficar no Rio de Janeiro, onde se casaram e constituíram famílias, recebendo a cidadania brasileira. O terceiro fluxo migratório, mais recente teve início na década de 1990 com o grande desenvolvimento econômico do país e continua até os dias atuais. Envolve profissionais liberais, técnicos e artistas à procura de melhores condições de vida. Muitos são especialistas e trabalham em refinarias, empresas de petróleo e são contratados pelos Programas de Pósgraduação para assumir cargos importantes nas empresas locais devido à especialização que possuem nas áreas de Engenharia. Trabalham nos gasodutos e empresas da Petrobras. Também chegaram outros imigrantes, sem formação acadêmica ou especialização, que foram para a periferia e subúrbios do Estado. Realizam trabalhos burocráticos e se inseriram no mercado de trabalho local. Essas características tornam a imigração para o Rio de Janeiro singular e diferem da imigração dos grupos de bolivianos saídos do Altiplano e de áreas rurais da Bolívia país que foram atraídos para São Paulo e outros estados do Brasil. Ao chegarem à cidade do Rio de Janeiro, nas décadas de 1950 a 1970, os bolivianos receberam o apoio do governo brasileiro e do Consulado Geral da Bolívia. Apesar de bem recebidos, sentiam-se estrangeiros. Não chegavam a ser tratados como outsiders, discutido por Norbert Elias, mas sentiam que eram tratados como estrangeiro e muitas vezes percebia-se o preconceito. Era como se houvesse uma parede virtual separando as duas culturas. Em 1969, famílias bolivianas se reuniram e criaram Círculo de Amigos Bolivianos, com a finalidade de organizarem eventos, homenagearam amigos, convidarem artistas dessa forma, lembravam da pátria longínqua, suas

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famílias e tradições. Durante os encontros convidavam amigos brasileiros e se confraternizavam. As reuniões eram realizadas nas casas dos amigos, que se alternavam com música, dança e comida. Juntos reviviam o passado e traçavam planos para maior integração no novo país. Dessa forma, mantinham os laços identitários e reproduziam as práticas culturais e representações de seu pais. Em 1974, foi criado por um grupo mulheres bolivianas, o Comitê Beneficente de Damas Bolivianas. Esse Comitê tinha dupla função. Havia grande preocupação dos imigrantes em manter os laços identitários vinculados à sua ancestralidade e , ao mesmo tempo, apoiar os demais bolivianos que não usufruíam de boa situação financeira ou mesmo que se encontrassem em situação desfavorável diante das leis brasileiras. Em sua maioria, as mulheres eram esposas de funcionários e de profissionais liberais que desfrutavam de prestígio junto à sociedade carioca. Esse grupo realizava, além das atividades culturais que remetessem às suas tradições, também ações beneficentes. Preocupavam-se com as famílias bolivianas pobres, com as mulheres presas acusadas de tráfico de drogas ( na maioria inocentes, serviam de mulas para os traficantes), com as pessoas idosas e doentes. Os bolivianos que chegavam para cursar universidade frequentavam o antigo restaurante universitário do Rio de Janeiro, conhecido como O Calabouço, localizado no Aterro, perto do Aeroporto Santos Dumont. Lá, todos os estudantes brasileiros ou estrangeiros se reuniam para discutir a situação política do país e organizarem manifestações sociais contra ou a favor dos governos. Nesse espaço pluricultural, em 14 de julho de 1975, os estudantes bolivianos resolveram fundar o Centro Cultural y Social Boliviano. O Centro Cultural tinha a finalidade de ampliar a integração entre os imigrados, organizar encontros, debates e realizar eventos como comemorações e festas típicas de seu país. Recebia apoio do Consulado da Bolívia e dos grupos de imigrantes. Realizava festas em homenagem à data da Independência do seu país, no início do mês de agosto que prosseguem até os dias atuais. Embora, sem sede fixa, os encontros se faziam inicialmente nos apartamentos da direção e, posteriormente, em uma das salas do Consulado da Bolívia, no bairro do Flamengo. Além dos encontros entre eles, também promovia conferências, debates , apresentações teatrais e musicais, envolvendo convidados brasileiros. Da direção fazem parte bolivianos e descendentes dos imigrantes, além de brasileiros de prestígio, com a responsabilidade de reproduzir a cultura boliviana-brasileira.

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Outro fator de difusão da cultura andina e integração daqueles imigrantes foi a Rádio Eldorado, do Grupo O Globo. Os bolivianos, usando a frequência da Bolívia difundiam a música de seu país. Criaram o programa O Mosaico Boliviano, dirigido por Antonio Martinez. Assim, tradição, símbolos e memória coletiva eram mantidos como resistência cultural e laços de identidade. Esse programa, em espanhol e português, era levado ao ar todos os domingos pela manhã. As festividades repetem os rituais celebrados na Bolívia. Há danças típicas como Morenada, Diablada e Tinkus, entre outras manifestações. Os dançarinos usam trajes coloridos de acordo com a representação simbólica da dança. Também a saltenha, pastel recheado faz parte das iguarias da festa. São feitos pelas mulheres bolivianas que repetem as receitas locais da culinária boliviana. Participam daquelas festividades as autoridades consulares, bolivianos imigrantes e todos os convidados do Rio de Janeiro e de outros estados do Brasil. O grupo de imigrante mais recente chegou após a década de 1990 e continua até os dias atuais. Envolve músicos, mecânicos e profissionais liberais à procura de melhores condições de vida. Muitos são especialistas e trabalham em refinarias, empresas de petróleo e programa de Pósgraduação. Essas características diferem da imigração dos grupos de bolivianos saídos do Altiplano e de áreas rurais da Bolívia país que foram atraídos para São Paulo e outros estados do Brasil.

NOTAS 1

A Guerra começou Buenos Aires.

em 1932,

e

somente em 1938

foi firmado o Tratado de Paz, em

2

Serviço de Imigração –S.P., 1992.

3

Os imigrantes bolivianos foram para a cidade de S.Paulo, grande pólo industrial brasileiro.

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La musa proletaria en Costa Rica 1900-1948 Mario Oliva Medina - Universidad Nacional de Costa Rica.

RESUMEN En este trabajo se pretende mostrar las características más sobresalientes de una literatura que no aparece en el canon, sobre todo por ser escrita en su mayoría por poetas no profesionales y cuando lo son estos escritos no son considerados como tales. El trabajo abarca el estudios de la poesía proletaria urbano producida durante la primera mitad del siglo XX. Se pone énfasis en la producción, circulación y recepción de esta literatura, junto a los soportes culturales que hicieron posible su sustento, fundamentalmente periódicos, revistas, y pequeños folletos o libros donde se publicaban junto a la oralidad que fue una forma muy extendida para difundir esta literatura. Palabras claves: poesía proletaria, ideología, soportes culturales.

Con este trabajo, pretendo aproximarme y mostrar las características más destacables de una literatura, hasta ahora, marginada por la crítica literaria e histórica en el país: la musa proletaria. En concreto, me referiré a la poesía proletaria costarricense, esencialmente urbana, de la primera mitad del siglo XX. Aunque el concepto de poesía proletaria podría parecer poco preciso, lo considero particularmente útil para signar un tipo de producción literaria singular que surgió en los primeros años del siglo XX. Dicha producción literaria, primero, estuvo ligada a un movimiento artesanal-obrero de carácter urbano que le imprimió su sello; más tarde, al iniciar el decenio de 1920, encontramos una serie de poemas entrelazados con el movimiento político del Partido Reformista, liderado por el general Jorge Volio Jiménez, y a partir de los años treinta, hasta el final del período de estudio, en 1948, se identificó un tercer momento con la poesía de orientación comunista que tuvo en Carlos Luis Sáenz a su más importante cultor. Se trata de una creación literaria que fue posible a partir de un campo literario escindido, diverso y contrapuesto; la cual se expresó en un mismo espacio histórico, se subordinó o no, o simplemente se entrecruzó para aparecer, en forma definitiva, como marginal en tanto eco del proceso real y social en el que se desenvuelven nuestras sociedades” (Gonzalo, 1984, p. 13).

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Tanto por su temática, como por sus productores, los cuales en su mayoría pueden calificarse como pertenecientes a la clase trabajadora, junto con algunos consagrados de las letras nacionales, como José María Zeledón, Carlos Luis Sáenz, Lisímaco Chavarría o Luis Flores, le conceden esa caracterización de proletaria. Mi pretensión se orienta a no esterilizar lo proletario-popular por cuanto el desprecio y la admiración, en dados acercamientos, paralizan, sino que procuro reconstruirlo en su dinamismo y en permitirle reunirse, libremente, con la cultura. En el 2008, la Editorial de la Universidad Estatal a Distancia publicó, en tres tomos, Cien años de poesía popular en Costa Rica: 1850-1950. El tomo segundo está dedicado a La musa proletaria. Dicha antología tiene el mérito de ser la primera sistematización acerca del tema aunque no está completa, nos proporciona una mirada a dichas producciones. Quiero ahora, a partir de esos textos y de otros más que he localizado, acercarme a los aspectos ideológicos y de sistema productivo que dicha literatura implica. En primer lugar, “la ciudad siempre se ha considerado como una torre de Babel con voces e intereses en conflicto” (Fritzsche, 2008, p. 17). Uno de los fenómenos más frecuentes en la ciudad de San José, durante los primeros cincuenta años del siglo XX, fue la creación de soportes culturales relacionados con la cultura urbana de los trabajadores: organizaciones, prensa, revistas, salones o lugares de reunión, incluidas las bibliotecas populares o la lectura en voz alta. Todos ellos se conformaron como instituciones de gran importancia para el desarrollo y la sociabilidad de los trabajadores y de intelectuales que se solidarizaron con dichas manifestaciones y procesos sociales. Uno de los mayores puntos de encuentro entre la poesía proletaria y la vida cultural se encuentra, ineludiblemente, construido alrededor del libro y del periodismo. El impacto de este último es, incluso, mucho mayor en relación con el primero. No es de extrañar: el gran medio de difusión de esta creación poética y de sus contenidos, ligados a proyectos políticos e idearios socialistas, fue, en general, el periódico junto con otros empeños editoriales que incluían revistas y venta de libros baratos con contenidos de carácter social. En uno de los periódicos más emblemáticos del período, Hoja Obrera, el 4 de marzo de 1913, quedó constancia del poder atribuido a esas manifestaciones culturales en un poema titulado La prensa obrera (1913, p.3), en el cual se lee en dos de sus estrofas:

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Voz potente del pueblo soberano que su ideal a conquistar se lanza con la pluma y la callosa mano que da fuerza al derecho y la esperanza Copie la pluma el pensamiento noble predicando contra todos la armonía sin desmayar jamás el fuerte roble los fulgores de viento desafían.

El hablante lírico reconoce en el periódico un espacio de representación del pueblo, independiente de los poderes políticos, construido con las manos y el esfuerzo de los trabajadores. Si bien se puede apreciar que no son versos abiertamente confrontativos, sí denotan una visión de mundo y la apropiación de ideas sociales o socialistas reelaboradas desde sus propias lecturas y por ellas. Comparto plenamente con Edward Said (2004, p.54) cuando establece que: “la cuestión es que los textos tienen modos de existencia que hasta en sus formas más sublimadas están siempre enredados con la circunstancia, el tiempo, el lugar y la sociedad; dicho brevemente, están en el mundo y de ahí que sean mundanos”. Si nos atenemos a los títulos de los poemas de la primera etapa, salta a la vista, de inmediato, la recurrencia a referentes de la temática obrera: El andamio, Canto del Hulero, El obrero, En la inauguración de los lavaderos Carit, El artesano, Trabajo y unión, Jesús, En sueño, Al amigo violinista, El carpintero, Junto al yunque, La proclama jornalera, Himno a los hambrientos (Quesada,2008).1

Muchos de estos versos están dedicados a un oficio, a las herramientas u objetos de trabajo y, asimismo, los mismos poemas se van contextualizando. También hay otros poemas más conceptuales con respecto al ideario emancipatorio de corte anarquista. Se debe tener presente lo que señala Lily Litvak (1981, p.XV): Es difícil delimitar sus contenidos, es decir dónde termina la obra ideológica y empieza la narración o el lirismo, donde acaba la propaganda y comienza la obra de arte. Las fronteras se pierden al plantear estos temas, ya que los anarquistas formularon sus obras y sus teorías estéticas como instrumentos de revolución social.

Los versos de agitación violenta, escritos por José López Doñes (1912, p.2 ¿), que aparecieron en Hoja Obrera, el 5 de noviembre de 1912, con el título

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¡Grito de redención!, son una marca de impacto hacia el lector que abrieron el canal de comunicación; asimismo, el título funciona como interrelación con el texto: Con las pupilas clavadas en la cima misteriosa de la redención obrera descubre guiñapos y tinieblas. Soy: el obrero soy el empuje de todas las riquezas. Al aliento de todos mis alientos debe el potentado la resolución violenta de cuantos problemas agitan a la Humanidad. Yo mismo soy la humanidad, No hay luchas sin las sacudidas de mi lucha. Yo soy el eslabón de la cadena universal. Vibro con ráfagas de luz en los cerebros de los sabios. Yo doy el alma a los talleres en que se materializa el intelecto humano. Soy el corazón del mundo. Nadie vive en el soplo de mi voluntad. Las voluntades supremamente hermosas, supremamente colosales seis divinas yo las engendro aun antes de la aparición del protoplasma. Soy el grito de redención de Adán. Soy el germen todopoderoso que se agita en la penumbra, en la luz y en la maravilla espléndida del progreso habido y por haber de todas las edades. Nadie vive sin mi vida: nadie alienta sin mi aliento. Yo caliento la pesadilla del imbécil, del idiota y del genuinamente miserable. En mi corazón está el santuario de la religión obrera; soy la aspiración del avaro. En los altares de mi patria jamás oficia el sacerdote explotador de la debilidad humana. Los míseros se revuelcan ante el golpe furioso de mi maza. Soy el pavor del holgazán. Soy el impulso vengador de la negligencia que se arrastra. Soy el fiat luz del progreso humano. Soy el obrero, soy la conciencia laboriosa siempre sublime, siempre dominadora y por los siglos de los siglos eternamente implacable…

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Muerto ya, miserable hundido bajo montones húmedos de tierra, mi silueta, mi esqueleto maldecido por déspotas, mi sombra tenebrosa, sigue como fantasma caprichudo [sic] la conciencia pecadora de los dioses terrenales del placer. Y es que mi poderío sobrevive al silencio del sepulcro. Yo fui el miedo de las generaciones pretéritas. Soy la amenaza de las edades que palpitan. Y, quiéralo o no, seré el pánico mortal de las omnipotencias futuras.

La voz poética construye una visión altruista y protagonista del sujeto obrero, fuente de todo lo que ocurre en el mundo: empuje de todas las riquezas/yo mismo soy la humanidad/yo soy el eslabón de la humanidad/ soy el corazón del mundo/soy la aspiración del avaro/en los altares de mi patria jamás oficia el sacerdote/explotador de la debilidad humana/soy la amenaza de las edades que palpitan/y, quiéranlo o no, seré el pánico mortal de las omnipotencias futuras/. Por su parte, el poeta herediano Luis Flores (1912. p.2) compuso un poema titulado El Nihilista, donde describió la mísera existencia del trabajador y su familia que cerró con estos versos, si acaso de solución: “Y al ver frente a tu hogar hambriento el hambre, contra el cielo y la tierra se sublevan y te salva una luz: la dinamita”.

Así podríamos continuar atisbando este ideario anarquista en la poesía de comienzos del siglo XX y en los himnos y cantos que se produjeron en aquellos años. Sin embargo, correspondería a José María Zeledón ser el exponente más importante de la musa libertaria costarricense. En la antología José María Zeledón, poesía y prosa preparada por Alfonso Chase (1979), se recoge la dimensión creativa de este autor, particularmente su poesía, la cual tiene rasgos propios de la estética anarquista. Dicha antología acopia la mayor parte de los poemas de Zeledón de los primeros años del siglo XX, pero tiene el inconveniente de que la datación está incompleta. La mayoría de las veces no se registran el lugar ni la fecha de producción, cuestión que resulta clave para nuestros propósitos partiendo de la advertencia de Francois Dusse: (2007.p.128-179) “la marcha de las ideas no solo debemos seguirla a través del gran sabio sino por todos los rincones donde se desplaza incluidos los actos de producción, circulación, lectura y lectores”. Es,

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precisamente, esta última exhortación la que renueva, desde hace unos veinte años, los estudios de historia cultural e intelectual. Por su parte, Roger Chartier( 2008, p.10) propone “asociar en un mismo análisis los papeles atribuidos a lo escrito, las formas y los soportes de la escritura y las maneras de leer”. Luego de hacer esta salvedad, vuelvo a Zeledón quien, entre 1911 y 1914, inició, junto con uno de los anarquistas de mayor reconocimiento internacional, el español, Anselmo Lorenzo, un emprendimiento editorial sin precedente en la historia literaria e intelectual costarricense: la fundación de la revista Renovación. El objetivo de la revista fue el de difundir el ideal emancipador del proletariado a ambos lados del océano. La revista Renovación se nos presenta como un lugar privilegiado de la vida intelectual de un grupo de jóvenes escritores y educadores costarricenses, atraídos por las teorías políticas y estéticas del anarquismo y articulados alrededor del poeta y escritor José María Billo Zeledón. Entre los jóvenes más representativos del grupo se encontraban: Elías Jiménez, José Fabio Garnier, Rubén Coto, José Albertazzi, Salomón Castro, Omar Dengo y Carmen Lyra. Las páginas de Renovación fueron un espacio de encuentro para los poemas y para la prosa anarquista que publicó el grupo y, de manera especial, para la obra poética de Billo Zeledón. El registro, hasta ahora localizado, incluye los siguientes poemas: Cartel, Los elefantes, El patrón, Diálogo, Humanidad nueva, La Patria, Hermanos, Dos de noviembre, Noche Buena, Salmo al nuevo año, Welcome! Aknox, La elegía de Gray, Primer amor, Homenaje al doctor Valeriano Fernández Ferraz, Fraternidad, En guardia, Nosotros saludos a Manuel Ugarte. Todos aparecieron entre 1911 y mediados de 1913, junto a una treintena de poemas de carácter anarquista de autores principalmente del Cono Sur y algunos otros de Centroamérica. Se destacan: Diego Uribe, Isaías Gamboa, colombianos; Alberto Ghiraldo, Manuel Ugarte, argentinos; Magallanes Moure, Antonio Bohórquez Solar, chilenos; Jorge Zepeda, hondureño y José Albertazzi, costarricense. En el primer número de Renovación, José María Zeledón, mediante la poesía, expresó los objetivos del impreso y delineó en su poema Cartel, su postura política concreta: Es esta una parcela que roturó un anhelo, y sembrarán de rosas y de espigas los brazos del esfuerzo.

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Sin dioses tutelares, sin guías, sin maestros, sin nada de lo que ata y esclaviza los humanos empeños; a pleno sol cantando al compás de las gaitas de los vientos, será nuestra labor libre y fecunda como es libre y fecundo el pensamiento que azota con sus alas los pórticos del cielo(Zeledón, 1911, p.1).

La poesía de Zeledón está empapada por su carácter social desde una perspectiva redentora ácrata. Aquí, la voz lírica nos habla del nuevo espacio que se abre para expresar las ideas, sin límites, sin tutelajes, sin ataduras para desplegar el pensamiento libre. Muchos de los poemas de este autor lograron vuelos sin mayor dificultad y alcanzaron la altura de las mejores composiciones anarquistas producidas internacionalmente, como con sus poemas Los elefantes, Musa nueva, “Manifiesto”, El patrón, Humanidad nueva y Hermanos, solo por señalar algunos. En Renovación publicó la mayoría de sus poemas “que tratan sobre el tema de la liberación del hombre mediante la destrucción de la sociedad imperante, del naciente industrialismo y del capitalismo clerical” (Zeledón, 1979, p.16). El segundo momento de la lira obrera costarricense se ubica entre los años 1923 y 1924, en estrecha relación con el movimiento político reformista liderado por Jorge Volio Jiménez y que surgió a la vida política a comienzos de 1923.Volio definió el ámbito ideológico del nuevo partido con estas palabras: aceptamos el principio de la propiedad privada, pero limitada por el bien común, y como precisamente el Estado tiene por finalidad proponer al Bien Común, tenemos por legítima y necesaria la intervención del Estado en los conflictos sociales del capital y del trabajo. Pedimos que el Estado intervenga a favor de los pobres y de los débiles con toda su fuerza, para evitar la explotación y la expoliación de que independientemente serían víctimas dejadas solas con el capital” (Acuña, 1979, p.63).

Esta prédica estaba imbuida de los principios cristianos y era frecuente que en sus intervenciones se encontrara la cita bíblica o la mención a las encíclicas papales que hablaban de la bienaventuranza de los pobres, al

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punto de que sus propuestas pueden ser calificadas como un socialismo cristiano, más conceptual que práctico. Las alocuciones de Volio atrajeron a una parte importante de la clase trabajadora costarricense, sobre todo aquella ligada a la Confederación General de Trabajadores y al grupo de intelectuales que participaban activamente en la fundación y el diseño de dicha agrupación política, entre ellos, estaba, por supuesto, José María Zeledón. Pero ¿cuáles son las características más relevantes de esta lira obrera reformista? ¿Acaso se diferencia de la anterior? El corpus de esta manifestación poética está conformado por dieciocho creaciones. Todos los poemas tienen títulos; algunos de ellos se compusieron como himnos reformistas de ciudades, tales como los de Limón, Heredia y San Ramón. En su mayoría fueron poesías dedicadas a Jorge Volio y a sus atributos como dirigente del nuevo movimiento político, como se demuestra en los epígrafes: “Al jefe del partido reformista”, “El general Jorge Volio”, “Adelante General”, “Al general Volio”, “Jorge Volio”. En cuanto a la temática, ciñéndonos a la distinción propuesta por Ángel Luis Luján Atienza quien advierte que “el tema es aquello de lo que habla el poema, y no exactamente lo que dice, ya que lo que dice es el significado global que surge de la colaboración de todos los elementos discursivos”(Luján,2000, p.41), se comprueba que esta es una serie de poemas en concordancia con una coyuntura histórica, social y cultural muy específica, cuyo tema es el Partido Reformista y su líder, Jorge Volio, con significados variados y complejos. En un largo poema titulado La aurora de redención, compuesto por Moisés Alpirez, la voz poética hace un recorrido alegórico de la figura política del general Volio en el que se entremezclan proposiciones del pensamiento cristiano y los derechos del hombre afincados en la tradición ilustrada y las batallas literarias y sociales de figuras como Máximo Gorki y León Tolstoi, de amplia difusión y recepción entre escritores y trabajadores urbanos costarricenses durante, al menos, los primeros treinta años del siglo XX. En la última parte, el hablante lírico se dirige a un destinatario muy particular y emplaza a la acción: Poetas, cantad la igualdad del hombre ante el imperio de todas las leyes, que al impío se le nombre; descienda de mendigos o reyes.

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Que el mérito legal del hombre sea la honradez de los actos de su vida, y no, el oro que eleve centellea sobre tanta conciencia corrompida y a la noche de trágicos vampiros termina su fatídica agonía, y una alborada de pujantes giros celebra al despuntar de un nuevo día (Alpirez,1923,p.4).

Una de las características más destacables de estos versos, es su apelación constante al sujeto pueblo, a la masa, como en este Himno reformista limonense: De las manos del pueblo un caudillo los anhelos hicieron surgir, y hoy su verbo de mágico brillo compañeros, marchemos a oír. Vamos pues al insigne guerrero, prueba demos de amor y lealtad; y el destello seguir de su acero, demandando justicia…igualdad. Vamos pues a sellar el folio donde está nuestro rojo ideal y a decir balas ¡viva Volio! y el trabajo triunfante, inmortal. De las masas del pueblo, los anhelos hicieron surgir y hoy su verbo de mágico brillo Compañeros, marchamos a oír (Villa, 1923, p.2).

Quiero enunciar aquí una posible hipótesis de trabajo para referirme a este momento reformista en la historia costarricense por la importancia de la categoría pueblo: “Es una manera de decir para hacer progresar a la sociedad, es necesario saber que la palabra ‘pueblo’ no es una palabra ordinaria y que hace falta pensarla, enunciarla como ‘síntesis viviente’”(Bolleme, 1990, p.149). Considero que ello es, precisamente, lo

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que hacen estos versos reformistas creados por un puñado de poetas, algunos ocasionales y otros en vías de consagración. En tercera instancia, la poesía comunista se desarrolló en estrecha relación con la presencia del Partido Comunista de Costa Rica, fundado en 1931, hasta el año 1948. Es probable que sea la expresión creativa mayoritaria de las muestras que hemos pretendido abordar. Ello se debe a varias razones. En primer término, el movimiento obrero costarricense, luego de 1931, adquirió características mucho más definidas. Desde el punto de vista clasista y político contaba con una institucionalidad y con soportes culturales cada vez más densos y extensos, con organización sindical y política y una cantidad de organizaciones culturales, como fue la existencia de una prensa estable, entre otras. De igual forma, contó con un poeta de oficio cuya creación dejó una profunda huella de carácter proletario: Carlos Luis Sáenz. En 1940, el Partido Comunista publicó su libro de poemas Raíces de esperanza, como una forma de hacer llegar la poesía de Carlos Luis Sáenz a los más amplios sectores ligados a la organización política. En su presentación, Carmen Lyra (1940, p.3), destacó varios aspectos de esta poesía: “…desde ese momento su verso deja de ser de luna y de brisa y se echa al campo a pelear por los derechos del pueblo…, su nueva poesía no pinta ya solamente la gracia del pájaro de la brizna de hierba y de la gota de rocío, sino que prefiere la actitud humana”.

Este libro, que puede ser considerado como el primero de literatura proletaria publicado por un costarricense, debía transformarse, según la presentadora, en un libro que llegaría a muchas manos e hiciera meditar a mucha gente: “Las ideas se meterán cantando en más de una conciencia, cantando con su son amargo; se alistarán de soldados para la gran batalla del lado del pueblo” (Lyra, 1940, p.4), y preveía un futuro halagador del espacio de lectura y de sus diversos lectores. Vale la pena revisar la cita completa: …me conmuevo desde ahora, al imaginar esta colección de versos de Carlos Luis Sáenz, ajada ya, entre las manos toscas y callosas de mis compañeros que trabajan, en los bananales del Pacífico, los que labran las tierras fértiles de Cartago, los marineros que hacen el servicio de cabotaje en el Golfo de Nicoya, los zapateros, los

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sastres y demás obreros del país y también los maestros que no tengan miedo a las ideas nuevas de redención social y nuestros intelectuales. Pasará las fronteras y llegará adonde nuestros hermanos los nicaragüenses, e irá más allá y será lazo de unión… (Lyra, 1940, p.4).

La descripción detallada del posible espacio de recepción, con sus posibles lectores, es uno de los aspectos que reclama nuestra investigación. Debemos poner atención, al mismo tiempo, a la materialidad de los textos y a la corporalidad de los lectores. El cambio en la poesía de Sáenz parece producirse desde temprano en la década de 1930, cuando hizo poemas dedicados al palero, al peón agrícola y al proletariado; cuando alzó su verso a favor de la República Española y produjo una decena de poemas sobre esta temática, entre ellos, uno de los más hermosos creados en Centroamérica, dedicado al poeta granadino, Federico García Lorca. En la otra vertiente temática, Carlos Luis Sáenz fue el poeta de las celebraciones de los Primeros de Mayo, en Costa Rica” (Oliva, 1989)2. Durante muchos años, sobre todo en los decenios del treinta y del cuarenta, escribió poemas relacionados con esos acontecimientos. Algunos eran leídos por él mismo; otros, declamados por algún aficionado o alguna aficionada. Compuso el que tituló, simplemente, “1· de Mayo”, en el cual destiló las hieles de la experiencia colectiva que la Segunda Guerra Mundial y estaba provocando en el espíritu de la época. Así lo testimonian las dos últimas estrofas que reproducimos, las cuales eran cantadas, a viva voz, por los manifestantes: Arriba todos los que trabajan, los holgazanes no pasarán somos el eje más vigoroso sobre el que pisa la humanidad! ¡Día del trabajo! Trabajadores vivamos todos la libertad! y en su nombre clamemos todos que el fascismo no pasará!(Oliva, 1989.p.31).

Eran los años de la política de alianza entre Gran Bretaña, Estados Unidos y la Unión Soviética, frente común contra el avance del fascismo

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en Europa, cuyo contexto parece ser de mayor importancia para que el poeta comunista escribiera un inflamado y largo poema, nada menos que, a la “bandera de las barras y las estrellas”, signo de libertad por aquellos días. Es una compleja, por no decir paradójica, muestra de una creación, donde el poeta está investido por las circunstancias políticas del Partido. Uno de los aspectos que se debe mencionar en esta expresión literaria, es la influencia del realismo socialista en Carlos Luis Sáenz y en algunos otros poetas esporádicos. Si bien es cierto que las fórmulas y propuestas sobre literatura proletaria de aquella época no circulaban en Costa Rica, más bien fueron bastante tardías. Hay que recordar que las primeras elaboraciones datan de 1913, cuando se fundó en Rusia el Círculo de Cultura Proletaria, por Anatoly V. Lunacharsky. Luego se multiplicaron estas experiencias a partir de la Revolución Bolchevique, de la institucionalización del problema, de la polémica y las discrepancias que tocaron a su fin en 1932, cuando el Partido Comunista Soviético emitió la resolución de su Comité Central sobre la reestructuración de las organizaciones literarias y artísticas, y puso el énfasis en una nueva tendencia: el realismo socialista. Prácticamente, todos los poemas escritos por Sáenz tienen la orientación del realismo socialista y la influencia de las tesis stalinistas, con respecto a la cultura que se hacía circular en estos lugares; es lo que hoy llamaríamos ideas fuera de lugar. Es por esta razón que encontramos esos pesados poemas escritos a El ejército rojo, ¡Oh llameante y heroica Stalingrado!, o Stalin, títulos a los que se unían otros de diversos poetas ocasionales: Manos proletarias, Amapolas soviéticas, Yo creo en ti (URSS) o Nikolai Lunin. Todos estos poemas, marcados por una glorificación, mistificación y dogmatismo ilimitado de la República Soviética, con el culto a la personalidad como emblema, elevaban a una persona hasta transformarla en superhombre, dotado de características sobrenaturales y al cual se le supone apto, poseedor de un conocimiento inagotable, de una visión extraordinaria, de un poder de pensamiento que le permite prever todo, y también de un comportamiento infalible. Considero oportuno cerrar con estas líneas, que en mi caso, es un modo de abrir mis aproximaciones: En el proceso, siempre activo y creativo, mediante el cual un cuerpo de ideas producidas en y para otros contextos es leído, traducido e interpretado, apropiado, usado y discutido, supone

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siempre un problema teórico, pero fundamentalmente críticopráctico (XXXX,2009.p.1).

Por el momento, deseo poner de relieve la problemática de la historicidad y renunciar a cualquier afán normativo que pretenda abordar los fenómenos de recepción en términos de traiciones, desvíos, lecturas malas o incorrectas. Como acertadamente propone Elías Palti, siguiendo al semiólogo rusoestonio Iuri Lotman: si bien todo código (una cultura nacional, una tradición disciplinar, una escuela artística o bien una ideología política) se encuentra en constante interacción con aquellos otros que forman su entorno, tiende siempre, sin embargo, a su propia clausura a fin de preservar su equilibrio interno u homeostasis. El mismo genera, así, una autodescripción o metalenguaje con el cual legitima su régimen de discursividad particular, recortando su esfera de acción y delimitando internamente los usos posibles del material simbólico disponible dentro de sus contornos. Y de este modo fija también las condiciones de apropiación de aquellos elementos simbólicos ‘extrasistémicos’: una ‘idea’ correspondiente a un código que le es extraño no puede introducirse en él, sin antes sufrir un proceso de asimilación al mismo (Palti, 2004. P.37-38).

NOTAS 1

Véase el libro de Mario Oliva y Rodrigo Quesada. La musa proletaria. EUNED, San José, 2008.

2

Véase Mario Oliva Medina. 1 de mayo en Costa Rica 1913-1986. Servicios Litográficos COMARFIL S.A. San José, 1989.

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Problemas e Abordagens às Questões Étnicas: Um Ensaio sobre as Motivações da Exclusão Social na Bolívia Mauro Marcos Farias da Conceição – Prof. Dr. IBC/RJ

RESUMO Terra e racismo – temas atinentes e reafirmados, sobretudo, quanto aos estudos dos povos originários – necessitam de exames e designações conceituais, que explicite particularidades – econômicas e políticas – e indicações quanto às causas e desdobramentos aos quais se referem ambos os termos. Pretende-se examinar as transformações observadas nos motivos explicativos e nas modalidades de enfrentamentos verificados, a partir da década de 1930, por esses povos originários. Palavras-Chave: Indígenas; Terra; Racismo.

RESUMEN Tierra y el racismo - temas involucrados y reafirmaron, especialmente en relación con el estudio de los pueblos indígenas - necesitan trabajos y exámenes conceptuales, que explica las particularidades - económicas y políticas - y las indicaciones con respecto a las causas y consecuencias que se refieren a ambos términos. Tiene como objetivo analizar los cambios observados en la exposición de motivos y de las modalidades de enfrentamientos controladas desde la década de 1930, por estos pueblos originarios. Palabras clave: Indígena; Tierra; Racismo.

Después del problema pedagógico, viene el problema étnico, de capital importancia en Bolivia. Por desgracia, las fatalidades de raza bien que se las niegue, parece ser un hecho, o, por lo menos, se imponen con carácter dominador en cierta clase de manifestaciones.1

PROBLEMAS E ABORDAGENS ÀS QUESTÕES ÉTNICAS: UM ENSAIO SOBRE AS MOTIVAÇÕES DA EXCLUSÃO SOCIAL NA BOLÍVIA Conhecer as razões e motivos dos conflitos envolvendo etnias, e fundamentalmente os indígenas, à ocorrência dos inúmeros e intermináveis

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conflitos étnicos e os desdobramentos que vem sendo realizados na Bolívia, apresenta-se como um procedimento preliminar à compreensão dos fatos sociais e/ou ainda, se for o caso, à contraposição das interpretações divulgadas, concebidas e aceitas, que envolvem esta temática. Questões que compreendem a população indígena, fundamentalmente a aceitação e convivência social destes com os não indígenas configuraram-se, no passado histórico, e ainda a se manifestar no presente – em todo continente –, um componente político repleto de confrontos, crises, violência e procedimentos de aculturação. Imprimindo e expondo arquétipos que se buscam viabilizar, em países e regiões onde esta presença é significativa, aos espaços políticos, culturais, sociais e étnicos. O continente americano, desde o momento que os europeus pisaram nestas terras, encontra-se imerso em litígios que envolvem os antagônicos interesses entre os índios e os indivíduos de culturas diversas à indígena. Para esta breve exposição, iremos apresentar uma sinalização sobre as relações e os procedimentos que manifestam ‘o estranhamento étnico’ que se estabelecem na Bolívia. Há por se estabelecer, inicialmente, o reconhecimento de que esta nação não é a única referência a indicar os níveis e formas que adquiriram o problema étnico. Fundamentalmente podemos indicar o envolvimento dos Estados, face às demandas que se constituem e a participação que se necessita, em razão dos interesses supostamente coletivos e sociais e a contraposição, que se concebe, aos interesses das comunidades indígenas. Esta menção a uma argüição, que se diria comum, ocorre em razão da composição populacional, dos referenciais culturais e sociais e das representações que, esta expressiva e concorrida parcela da população boliviana – os indígenas e descendentes – estabeleceram no país; “en toda la extensión de la Republica se vem rachos de indios diseminados por los campos, por los montes, por los valles y quebradas, em terrenos pertenecientes, em su mayor parte, a los señores propietarios.”2 Entretanto há que se observar que os procedimentos históricos, a forma e os objetivos como se descreviam e apresentava-se o passado, eram construções teóricas e ideológicas que então capacitavam e, de certa maneira, reforçavam as políticas e as orientações, conferidas a grupos e instituições, que efetivavam, na sociedade, os espaços de distinção e exclusão social do indígena. Há que se compreender, principalmente, as relações que os indígenas constituem com os espaços territoriais. O território não se configurava enquanto um objeto de especulação e comercialização para os povos índios.

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Esta perspectiva, em determinada ocasião histórica, não fazia parte das relações telúricas destes povos. A terra possibilita além do simples cultivo o meio de concepção e de cria aos indígenas; mesmos as mais conservadoras das teorias convergem quanto as tradicionais relações que os povos índios estabelecem com o solo; “de modo, entoces, que la vida del indio, sus hábitos, su carácter, su mismo atavismo le señalan el campo como el sitio de sus proezas, o sea la agricultura.”3 Esta conexão de impossível separação e distinção – índio/terra – tornouse a mais forte razão, e estabelecimento de motivos, aos confrontos e às agressões que sofreram, por séculos, os indígenas na Bolívia e em todo continente latino-americano. Indicar agressões não deve levar-nos a constituir a figura da vítima – com sua versão de passividade e ausência de reação. As resistências e as ações indígenas, que apinharam esta nação andina, porém não foram, inicialmente, capazes em reduzir as intensas e distintas marginalizações que o estado e a sociedade promoviam aos indígenas. Os comentários e alusões que apresentaremos neste texto abordam a questão étnica menos pelos problemas da pura e simples – embora sempre reforçada e teoricamente justificada – exclusão. Manifestamente, por séculos, presente em todo continente americano, aludimos à existência dos problemas étnicos fundamentalmente em razão dos interesses econômicos. Contudo, os atos realizados nesta direção, necessitavam compor-se com determinadas formas de explicação, modelos teóricos que concebiam aceite a toda sorte de ação. Assim tencionamos demonstrar – e reforçar um diálogo que se encontra em curso – que as origens dos interesses materiais, e dos conceitos a fundamentar comportamentos dos segmentos sociais não índios, residem na aquisição e na posse da terra e a conseqüente exclusão dos indivíduos – indígenas – que nela se localizam. Estes interesses, assim como as ações demandadas, tornaram-se basilar e garantidor à presença dos europeus no continente americano. Os povos índios, que habitavam as regiões retiravam e constituíam a sobrevivência da própria terra, desenvolveram uma peculiar modalidade, social e cultural, que se contrapunham, intensamente, aos interesses e objetivos manifestos nas movimentações européias. Todas as ordens de peculiaridades, intrínsecas às populações nativas, despertavam estranhamentos e, por conseqüência, a repulsa do forasteiro que, logo, transformou-se nos motivos aos confrontos que se realizaram. Por esta razão, e dos imediatos interesses, a presença européia, em busca de riquezas – nos metais e nos espaços territoriais – foi acompanhada de intensas e freqüentes ações violentas e

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excludentes; “os invasores espanhóis não eram soldados, mas aventureiros indisciplinados em busca de fortunas pessoais.”4 Portanto os métodos utilizados à ‘conquista’ foram estimulados pelas possibilidades de se obter ‘fortunas’ – terras e produtos exóticos. Entretanto essas perspectivas de aquisição, que necessitam ser compreendidas em face das possibilidades e das formas de ascensão – social, econômica e política – desta época, tangenciavam em preceitos morais e religiosos que demandavam, de certa forma, relativização dos limites à sua realização e, ainda, às considerações que venhamos desenvolver quanto às usuais práticas. Em Chasteen encontramos alguma indicação quanto aos motivos destas percepções; Eles vieram a América em busca de sucesso nos padrões impostos por sua sociedade: riquezas, o privilégio de ser servido por outros e uma pretensão à retidão religiosa. Não faz muito sentido julgarmos sua qualidade moral como seres humanos, porque eles simplesmente viviam a lógica do mundo conforme a compreendiam (...)5

O solo tornou-se, com a descoberta dos metais, de capital interesse e na principal razão aos procedimentos adotados pelos novos aventureiros que percorriam o extenso continente. A veemência de europeus, às riquezas que poderiam extrair do solo, colidiam às representações e relações que a terra manifestava aos indígenas, causa e razão dos inevitáveis e intermináveis confrontos; “por todo o continente a população extraía o sustento da terra e se considerava parte dela.”6 Estabelecer espaços que tornasse possível a realização de atividades – comerciais e econômicas – que originassem bens ao estado espanhol, e a particulares, tornou-se objetivo das expedições que se voltava a explorar o continente. Indubitavelmente, tais realizações e procedimentos contribuíram sobremaneira aos negócios e ao reforço econômico que foram propiciados ao Império espanhol. Esta nova e beligerante realidade – ações que impulsionaram a conquista na obtenção e extração de riqueza, e a posse dos espaços – confrontavase às sólidas percepções existentes entre indígenas e a natureza. Não somente lhes arrebatavam a terra, ainda na ausência de trabalhadores, as comunidades nativas eram escravizadas em beneficio, unicamente, dos interesses privados e do Estado Imperial. Portanto, desde a chegada das expedições marítimas, os interesses opostos confrontaram europeus e índios. Esta oposição de interesses não se

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manifestava no campo das disputas pelos espaços – pela caça, pela água, pelos produtos que a natureza oferece – como sempre ocorrera entre os povos indígenas; não houve uma disputa que considerasse, tão somente, a sobrevivência humana. Procurava-se, e projetavam-se, as riquezas que a posse da terra possibilitaria. Em razão desta possibilidade e das apreciações sociais que se realizava dos povos encontrados na América, as ações que se realizavam foram economicamente necessárias, moralmente justificadas e, em muitas ocasiões, religiosamente imprescindíveis; “o pecado original residia na lógica, justificada em termos religiosos, que pressupunha um direito de conquistar e colonizar”7 Portanto, aos europeus, todas as medidas – capazes de serem utilizadas – que afirmassem seu domínio e hegemonia sobre o espaço encontrado, foram aplicadas. A violência física não foi o único método empregado a possibilitar e justificar a presença e a autoridade espanhola. Para além da agressão realizada era necessário que seus pares a concebessem como própria e imprescindível à consumação da empreitada que tinham por desígnio realizar. Tornar – o índio e, posteriormente, o negro – distintos, destacados e indivíduos inferiores em sua condição e representação humana, configurouse uma eficaz tática aos objetivos táticos e estratégicos delineados pelas propostas de dominação. As funções sociais e atribuições que foram impressas, a estes segmentos étnicos, definiram o sentido e a determinação da presença europeia nas terras às quais se realizavam os procedimentos de ‘conquista’ e de subordinação. Ainda que em certas regiões do continente americano os índios tenham sido observados, por parte do cristianismo, de forma diferenciada, esta percepção não afastou ou mesmo restringiu os interesses dos europeus. O cristianismo foi, como se observa nas análises historiográficas, um eficaz instrumento à inclusão e imposição dos modelos de cultura e de sociabilidade ‘à europeia’. As regiões andinas apresentam-se, historicamente, como um espaço densamente povoado por comunidades indígenas. Comunidades que se fazem fortemente presentes, ainda hoje, nas nações que abrigam todo o espaço geográfico dos Andes. Esta densa presença na região estabeleceu uma peculiar característica em relação ao solo e ao amparo que então promoveu. As relações telúricas que os indígenas configuraram, dotava-os de peculiaridade distintas àquelas realizadas por diferentes povos nativos em outras áreas americanas. As associações que conceberam – ayllus, markas – por ensejo das formas de ocupação indígena8, tornaram-se barreiras a impedir a presença e uso do solo por não-indigenas.

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Esta breve perspectiva histórica possibilita-nos observar quais foram os fundamentos práticos, não únicos, constituidor de uma diversa modalidade de relação, no continente americano, entre indígenas e os povos europeus. A questão étnica, neste caso, absorve componentes que, inicialmente, não se configuram apenas em face das distintas peculiaridades. Ainda que essas diferenças saltem-se ao olhar do forasteiro europeu, possibilitarão, posteriormente, constituir-se em motivos aos procedimentos adotados. Em face das peculiaridades – segundo a região, ao tipo étnico e o quantitativo numérico – alguns desses descritos acontecimentos contribuíram à exclusão e ao afastamento do índio à sociedade. Certamente essas medidas confirmam-se como parte dos procedimentos a ancorar as ações desenvolvidas e os conceitos, de superioridade, estabelecidos pelos europeus; “...mais do que meramente um domínio estrangeiro, a colonização foi um processo social e cultural, até psicológico. Os padrões de dominação resultantes – intricados e onipresentes – constituem o produto mais triste do cadinho colonial.”9 Parcela territorial da região andina, a Bolívia foi, por essa razão, densamente povoada por indígenas. Neste espaço territorial havia, em seu subsolo – ainda hoje existente –, grande reserva de minérios. Fato este que desde o início da colonização despertara o interesse europeu por essas terras. Ao final do século XIX e inicio do XX, este interesse ampliou-se – por causas que todos conhecemos – despertando um grande interesse pelos metais que reforçavam as reservas bolivianas; o lítio, potássio, boro, magnésio além do estanho. -Os pleitos que violentamente se desenvolviam, entre indígenas e não indígenas, quanto aos interesses territoriais, acentuam-se consideravelmente diante dos nobres metais e produtos minerais que então foram encontrados. Por estas razões a terra passou a ser agressivamente disputada à população que nela vivia, e dela tiravam sua sobrevivência. Entretanto a presença do índio no campo, os significados e representações que a terra exercia para estes indivíduos configurou e consagrou, neste país, a forte resistência à presença e ocupação por aqueles personagens afastados das realidades indígenas. Portanto ao despertar interesses e objetivos opostos – de índios e não índios – o solo, diante da presença e/ou da ocupação observada, propiciou distintas reações. Aos indígenas coube prover-se dos meios que eram empregados, usualmente, nas conquistas e na defesa de seus espaços; enquanto aos não indígenas o raciocínio financeiro e econômico determinou os meios,

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mecanismos e instrumentos que foram utilizados nos litígios. Em razão dos interesses que estavam postos nessas contendas, a imparcialidade não foi um componente utilizado na intermediação desses acontecimentos. Neste contexto histórico o raciocínio econômico – fundamento dos procedimentos sociais e políticos predominantes – ao desconsiderar as peculiaridades das manifestações indígenas, incitou a ação e desempenho daqueles mecanismos capazes em dar solidez aos domínios e certificar a manutenção dos interesses que estavam postos. Por conseguinte a ideologia e o estado tomam parte deste arsenal de combate e de legitimação das ações que seriam propiciadas para afastar-se e excluir, da terra, as comunidades indígenas. Alcides Arguedas, no livro ‘Pueblo Enfermo’, assim analisou as relações entre indígenas e a modernidade capitalista; Esta idea de grandeza es común a todos los países indoamericanos y la difunden precisamente quienes por su educación, su cultura, su modo de ser y hasta de vivir, son los menos aptos para enunciarla (…) y, una de dos: o esos países de la América Latina no son tan prodigiosamente ricos como se pregona siempre, o la raza que los puebla es raza en decadencia e inhábil para aceptar el progreso moderno porque casi todos esos Nuestro países, unos más que otros, son pobres, carecen de grandes industrias, no disponen de capitales, ni hacen lujo de iniciativa y de espiritu emprendedor.10

Na passagem do século os interesses financeiros – pautados na posse do solo e das provenientes riquezas minerais – estimularam governos e o estado a atuar mais determinado em ações que impulsionassem a exclusão, social e política, desta significativa parcela humana que fortemente habitavam os campos – e durante o século XX as cidades. Os indígenas estabelecem – os processos históricos ajudam-nos a compreender este movimento – outro espaço de vivencia e de presença. Os componentes sociais de diferenciação que se observam, aos índios, nas cidades, agregam-se à intensificação das violentas agressões às comunidades indígenas. Estes procedimentos associam-se às ideologias e conceitos, propagavam e estimulavam a exclusão social e uma perspectiva que dotavam de atributos, com afastado apelo humano, que os assemelhavam a indivíduos desqualificados – irracionais - e impedidos de manifestar qualquer capacidade racional.

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(...) el rostro del indio es impasible y mudo, no revela todo lo que en el interior de su alma se agita (…) resignada víctima de toda suerte de fatalidades, lo es desde que nace, pues muchas veces, como las bestias, nace en el campo, porque el ser que lo lleva en sus entrañas labora las de la tierra dura (…)11

Para que possamos demonstrar a interpretação e a força de algumas dessas idéias optamos por Indicar dois destacados, e conhecidos, autores bolivianos e as apreciações que constituíram. Em suas teorias reduziam-se a capacidade humana, prática e racional, do indígena. Muitos dos intelectuais, deste período, encontravam-se a serviço do Estado, constituindo conceitos e teorias que fundamentassem ações a possibilitar o ‘progresso moderno’ e a afastar aqueles que, sobre esta corrente de pensamente, seriam sinônimo do atraso. Gabriel René Moreno e Alcides Arguedas foram os mais destacados teóricos desta geração. Moreno, afirma-nos Julio Chiavenato, foi ‘o primeiro intelectual importante a sofisticar, com pretensões “cientificas”, a tese da “inferioridade racial” do índio’12 Reforçou, Moreno, esta concepção desenvolvendo a seguinte análise quanto as atribuições racionais do índio; (...) o cérebro do índio e o cérebro do mestiço são celularmente incapazes de conferir a liberdade republicana (...) estes cérebros pesam entre cinco, sete e dez onças menos que o cérebro de um branco de raça pura. Na evolução da espécie humana tal massa corresponde, fisiologicamente, a um período psíquico de dita espécie hoje já decrépito, a um organismo mental raquítico para resistir ao confronto e choque das forças intelectuais, econômicas e políticas, com que a civilização moderna atua dentro da democracia. 13

Esta percepção jamais se afastou dos personagens e dos segmentos dominantes desta nação andina. Projetou-se este pensar sobre regiões e parcelas sociais, que assim como a geração de Moreno, também poderiam tomar parte desta relação – e, por conseguinte, desta rejeição – a se desenvolver com os povos originários da Bolívia. Por este motivo esta concepção voltou a se configurar em um seguidor de Moreno, Alcides Arguedas, que se nutria dos mesmos sentimentos e opinião a respeito dos indígenas. Entretanto, para este autor, a formação social, majoritária, de seu país foi, também, motivo e causa do pessimismo que sustentou. As razões deste sentimento pautavam-se nas percepções que se desenvolvera – e com as quais concordava – sobre uma determinada

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incapacidade laborativa e intelectual do indígena. Para indivíduos que partiam dos mesmos pressupostos e da mesma concepção excludente, os indígenas pouco poderiam acrescentar ao país. Esta a razão da seguinte afirmação; “su vida vegetativa los reduce a la pobre y lamentable condicion de brutos, empujados unicamente por necesidades orgânicas: comer, beber, moverse,engendrar.”14 As considerações até aqui expostas, resultado de alguns estudos e indagações, indica-nos que as estimuladas diferenciações sociais não se desenvolveram tão somente em face das diferenças culturais, sociais, étnicas. Ainda que consideremos que em toda aparição preconceituosa tais elementos encontram-se presentes; a despeito destes componentes, na Bolívia – assim como em toda região densamente povoada por indígenas –, questões que demandam perspectivas econômicas, às quais atribuímos razão aos procedimentos excludentes, fornecem uma consistente explicação aos acontecimentos litigiosos que se verificam. Em tais contendas ao se privilegiar a propriedade da terra e as formas, conseqüentes, de uso e o devido enquadramento nas esferas econômicas, deste bem, reforçam, sobremaneira, esta perspectiva; Por mucho tiempo se ha considerado al norte del departamento de Potosí (antes provincia de Chayanta), como una de las regiones más ‘tradicionales’ de la Bolivia cordillerana, subsistiendo, presumiblemente, al márgen tanto del mercado como de un control efectivo por parte del Estado. Esta aparente marginalidad de la economía campesina regional contrasta con los grandes complejos mineros que se han desarrollado en el seno de la región: Colquechaca y Aullugas en la era de la plata del período colonial (en el siglo diecinueve), y más recientemente el gigantesco centro estannífero de Catavi-Siglo XX-Uncía.15

Nas indicações supracitadas podemos verificar que às concepções racistas agregavam-se, em certa medida, às percepções econômicas dominante nos respectivos períodos. E estas concepções induziam uma modalidade em se apreender à existência e presença indígena. As exclusões sociais e política destes personagens e os intermináveis confrontos deu mostras das inferências deste pensar. Portanto, as abordagens realizadas reforçam que esta forma de se conceber, e de se abordar, estes indivíduos não surgiu, tão somente, em decorrência ou em associação às idéias – racistas e excludentes – em curso neste período.

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Esta afirmação, entretanto, não tem por objetivo ofuscar os negativos desdobramentos patrocinados por tais formas de pensar. Procuramos avigorar o fato de que, tais movimentos raciais, pautavam-se não somente em influencias teóricas – com pujantes defensores e teóricos na Bolívia – , mas, sobretudo, nas imperiosas necessidades do capital, em suas etapas de expansão. Buscou-se projetar teorias que fundamentavam procedimentos – a partir das percepções conceituais – que já vinham sendo realizados em algumas outras regiões do planeta. Justificar a busca pelo domínio e pelo controle das áreas que poderiam propiciar riqueza tornou-se a razão, ao que nos parece, da motivação e do reforço teórico nas ações que a muito já se realizavam; (...) nos anos de 1870 (...) a elite fundiária foi estimulada economicamente a empreender um ataque em escala total. Justificaram esses ataques com os clássicos argumentos liberais do século XIX, segundo os quais as comunidades eram um sistema anacrônico de propriedade de terra e constituíam um empecilho à integração social.16

Confirmam-se, em muitos dos autores que estudaram a formação social e econômica da Bolívia, as resistências e representações políticas desenvolvidas pela majoritária população rural desta nação andina. Esta configuração populacional, e as conformações que estabeleciam com a terra, solicitaram, dos não índios, modalidades de atuação que afastasse a presença física deste significativo espaço de realização, plena, de sua condição indígena. Estas seriam as formas em assegurar a realização dos interesses e objetivos econômicos do não indígena sobre a terra. Conhece-se, na Bolívia, a composição étnica de sua população e quais perfis, social, político e cultural, definiram-se em face desta peculiar composição. A iniciativa em afastar este povo da terra, em destituir-lhes dos significados – culturalmente manifestados – e dos objetivos – que a posse do solo lhes proporciona – encontrou em muitas ocasiões argumentos que reforçassem e fundamentassem as ações empregadas. Inicialmente a colonização apropriou-se das questões religiosas a justificar o confronto que se estabeleceu. Nesta ocasião este foi o principal argumento a dar contornos teóricos que viessem a sustentar as ações tomadas. Objetivavase, então, afastar o índio daquele espaço – e deixa-lo vago às aspirações européias;

Problemas e Abordagens às Questões Étnicas: Um Ensaio sobre as Motivações da Exclusão Social na Bolívia

Os europeus do século XVI acreditavam nos ensinamentos de sua religião como algo natural (...) mas, em suma, a grande maioria da população tinha motivações mundanas, com a busca do sucesso terreno constantemente se evidenciando em seus atos. A idéia de disseminar o cristianismo era, acima de tudo, uma justificativa convincente para reivindicar enormes porções do mundo “não descoberto”. Assim, as idéias religiosas, tornaram-se particularmente influentes no nível da racionalização formal. 1717 Op. Cit. nota 2 p.35/36

Diante desta breve leitura, e análise, que desenvolvemos quanto à questão étnica na Bolívia, inclinamo-nos em afirmar no muito que há por se pesquisar a este respeito. Desta forma defendemos que se amplie o campo de observação deste aspecto. Não tivemos por meta reduzir os reforços – e as imprescindíveis contribuições das idéias – que as diversas visões sobre o mundo – transformadas em conceitos e teorias – possam ter fornecido. Mas dotá-las, também, de substancia que elucide sua essência e que propicie debate quanto aos problemas étnicos na Bolívia, ponderando outras e novas bases conceituais e materiais. Neste trabalho destacamos que essas modalidades de abordagens requisitadas, em seu tempo histórico – há por se observar com mais perspicácia o presente –, adquirem materialidade e reagem frente ao elemento estimulador dos confrontos; a terra. Deparam-se então dois propósitos extremamente diferenciados e antagônicos – indígenas e não indígenas – possuidores de manifestações sócio-culturais e objetivos a se atingir do solo e, para o qual, disponibilizase das ‘armas’ e mecanismos capazes em lhes dar a garantia e a posse deste bem. Além da violência, europeus, municiam-se de concepções que torne factível convencer-se e à sua população da propriedade dos atos que cometem; já aos indígenas restavam as formas mais comuns de defender-se, atacando, para proteger e restituir os espaços que lhes pertenciam. Assim entendemos que estes problemas étnicos, ainda hoje presente na Bolívia, manifestam-se não somente em razão do outro ser ou não um indígena, das diferenças ou dos distintos procedimentos – que efetivamente se estabelecem –, mas, em razão dos interesses que se apresentam. E neste ponto as idéias propiciam amparo às necessidades objetivas. Há também, ainda por se considerar, as atribuições e desígnios que as elites políticas e econômicas – à frente do Estado ou das grandes corporações – tomam para si diante dos confrontos que se desenvolvem e dos interesses e disputas que foram postos.

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NOTAS 1

ARGUEDAS, Alcides. La Danza de las Sombras. Barcelona. 1934, p. 344.

2

ARGUEDAS, Alcides. Pueblo Enfermo .La Paz/Bolívia. Ediciones Isla. 1979. p. 43.

3

Op. Cit. nota 1, p. 345;

4

CHASTEEN, J.C. América Latina: Uma história de sangue e fogo. Rio de Janeiro. Campus. 2001. pág. 43.

5

Op. Cit. p.27

6

Op. Cit. p.27

7

Op. cit. p. 27

8

Op. Cit. p. 28 a 30.

9

Op. Cit. p. 55

10

Op. Cit. nota 02 . p. 136/137

11

Op. Nota 02 p. 42/43.

12

CHIAVENATO, J. ‘Bolívia – com a pólvora na boca’. São Paulo. Brasiliense. 1981. p. 158.

13

Op. Cit. p. 158.

14

ARGUEDAS, A. La Danza de las sombras’. Barcelona. Espanha. Ed. Sobrinos de Lopez Robert. 1934. p.347.

15

PLATT, Tristan Identidades andinas y lógicas del campesinado. In. PLATT,Tristan & autores. “El rol del ayllu andino em la reproducción del regimen mercantil simple en el norte de Potosí. Genebra/Suíça. Mosca Azul editores.1982. p.25/26.

16

KLEIN, H. A Bolívia da Guerra do Pacífico à guerra do Chaco, 1880-1930. In. BETHELL, Leslie. História da América Latina: de 1870 a 1930. Volume V..São Paulo. Edusp 2002. p. 381.

17

Op. Cit. nota 2 p.35/36.

BIBLIOGRAFIA ARGUEDAS, A. La Danza de las sombras’. Barcelona. Espanha. Ed. Sobrinos de Lopez Robert. 1934 ____________ Pueblo Enfermo .La Paz/Bolívia. Ediciones Isla. 1979. p. 43. BOBBIO, Noberto, MATTEUCCI, N. e PASQUINO,G. Dicionário de Política. Brasília. Ed. Universidade de Brasília. 2007. p. 1060. CHASTEEN, J.C. América Latina: Uma história de sangue e fogo. Rio de Janeiro. Campus. 2001. CHIAVENATO, J. ‘Bolívia – com a pólvora na boca’. São Paulo. Brasiliense. 1981. p. 158. KLEIN, H. A Bolívia da Guerra do Pacífico à guerra do Chaco, 1880-1930. In. BETHELL, Leslie. História da América Latina: de 1870 a 1930. Volume V..São Paulo. Edusp 2002. PLATT, Tristan. Identidades andinas y lógicas del campesinado. In. PLATT,Tristan & autores. “El rol del ayllu andino em la reproducción del regimen mercantil simple en el norte de Potosí. Genebra / Suíça. Mosca Azul Editores.1982.

Problemas e Abordagens às Questões Étnicas: Um Ensaio sobre as Motivações da Exclusão Social na Bolívia

PRADO, M.L. A formação das nações latino-americana. Campinas. São Paulo. Atual Editora. 1986. MERCADO, R.Z. Considerações gerais sobre a história da Bolívia (1932-1971). In CASANOVA, P.G.(org.) América Latina – História de Meio século. Vol. 2. Brasília. Editora UnB. 1988.

ABSTRACT: Earth and racism - issues involved and reaffirmed, especially regarding the study of indigenous peoples - need to assignments and exams conceptual, that explains particularities - economic and political - and indications regarding the causes and consequences which refer to both terms. The perspective that will be held in this research plan, enjoy these requests printed, the Indians and whites, controversial and violent forms of manifestation. It is intended, from this theoretical methodology, examine and elucidate the changes, as the method employed, the observed explanatory reasons and modalities of clashes checked, from the 1930s, by these native peoples. Keywords: Indigenous, Land, Racism.

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As Mortes de Deus, do Autor e do Sujeito Raimundo Lopes Matos*

RESUMO Uma leitura sobre as três mortes em epígrafe que causaram fissuras conceituais no Ocidente. O tema é importante porque retoma as mortes que contribuíram para a desconstrução de conceitos em diversas áreas do saber, influenciando até o processo de construção de identidade. O trabalho objetiva relacionar Nietzsche, Barthes e Foucault quanto às mortes referidas; ressuscitar esses mortos com uma nova roupagem. Palavras-chave: Deus; Autor; Sujeito.

INTRODUÇÃO Considerando-se que o mundo ocidental é fortemente afetado e, por que não dizer, norteado pela visão e crenças judaica e cristã, é inegável que as três “mortes” - de Deus, nos termos de Friedrich Nietzsche; do Autor, segundo Roland Barthes; e do Sujeito, na concepção de Michel Foucault -, causaram fissuras em muitos domínios conceituais no Ocidente. Essas três “mortes” reunidas numa mesma abordagem, por conseguinte, constituem o objeto deste texto. O tema se pretende relevante e se reveste de importância porque retoma uma discussão - as “mortes” supramencionadas - que contribuiu para a desconstrução de conceitos cristalizados em diversas áreas do saber, influenciando maneiras de pensar, de agir e de ser, de modo, tão acentuadamente marcante, que motivaram, fortaleceram e/ou enfraqueceram processos identitários nos mais distintos domínios. O trabalho vem motivado pelos seguintes objetivos: relacionar Nietzsche, Barthes e Foucault numa linha de influência histórica e cronologicamente descendente – Deus, Barthes, Foucault -, além disso, ressuscitar esses “mortos” com novos formatos e modos de agir. Quanto ao embasamento teórico, são utilizados textos sobre a “morte” de Deus (Nietzsche); a morte do Autor (Barthes); e a função-autor (Foucault); partir-se-á também de textos da nova versão, revista e ampliada, da Bíblia de Jerusalém, da PAULUS Editora. Concernente à metodologia, parte-se, primeiro: do conceito nietzschiano da “morte” de Deus pelos vieses judaico e cristão, ventilando a influência

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cultural oriunda da figura de um Deus vivo, para muitos, e da figura de um Deus “morto”, (inexistente) para outros tantos. Segundo: do conceito barthesiano da “morte” do Autor; e, terceiro: do conceito foucaultiano da “morte” do Sujeito. Utiliza-se o raciocínio dedutivo com uma leitura geral sobre os autores em estudo no tocante ao assunto e, finalmente, as abordagens convergirão para o tema supra. Este estudo, ainda que não tenha toda a amplitude e profundidade reclamadas pelo tema, pretende ser um oportuno contributo a diversas áreas do saber humano e, especialmente, ao processo criativo nas artes no que se relacionado diretamente com a questão da Autoria.

O DEUS MORTO DE FRIEDRICH NIETZSCHE E SEUS MOTIVOS (OS TEXTOS DE NIETZSCHE E O NIETZSCHE DOS TEXTOS) Nietzsche, em A Gaia Ciência, escreve: “Para onde foi Deus? (...) Nós o matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? (...) Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos! (...) “O que, são ainda essas igrejas, se não os mausoléus e túmulos de Deus?”1. Por que uma abordagem do homem Nietzsche e seus textos? Por que não somente abordar sua escritura como um sendo imune às influências externas, comunicando uma filosofia personificada? O filósofo insinua isso quando escreve: “Eu sou uma coisa; outra é minha obra2. Com isso ele que dizer, salvo melhor juízo, que sua obra pode e deve ser estudada independentemente dele. Neste caso, seria prescindível mencionar qualquer contribuição extratextual que tenha buscado e aplicado ao seu discurso filosófico; só interessaria o que escrevera, e não o que fora, como fora e com quem interagira. Porém, isso só seria possível e menos prejudicial em domínios outros como, por exemplo, na área de teoria literária e literatura, onde um texto pode ser lido e trabalhado com múltiplos enfoques sem as particularidades biográficas relevantes da vida de seu autor. Em se tratando dos textos filosóficos de Nietzsche, no tocante à “morte” de Deus, não deve, salvo melhor juízo, haver separação entre ele e sua obra; é mister que se faça uma leitura relacional, a fim de que se obtenha uma visão ampla do autor/escritor e de seus escritos. Não é sem razão que Pierre Lévy, ao falar de texto e hipertexto, registra: “Nós somos o texto”.3 Nietzsche, ao se projetar com sua tese, a “morte de Deus”4, vê-se sem limite, solto para agir, pensar e voar, defende o advento de um “homem

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novo”5; de “espírito livre”6; que seja “forte”7; esteja “além do bem e do mal”8; que seja um “super homem”9. Esses postulados norteadores do discurso de Nietzsche motivam a busca das diversas vozes que lhes foram influenciadoras. Aqui, mais desperta interesse a influência que o levou a esse “assassinato” do Deus cristão. Nietzsche é sobremodo influenciado por Sidarta Gautama, conhecido quer no Oriente, quer no Ocidente, pelo título de Buda. Mantinha contato e diálogo com a Grécia, com a Índia e com a Alemanha dos séculos XVI a XIX. Assim, com essas influências – “deglutição” e “devoração” – procedimentos metafórica e culturalmente antropofágico, constrói um discurso que é, ao mesmo tempo, artístico, cultural, educacional, metafísico, filosófico, multidisciplinar, interdisciplinar, transversal, polifônico e revolucionário. Mais voltando às influências, salienta-se que, dos expoentes que influenciam o discurso de Nietzsche, Buda é o mais cintilante. Dele é absorvida a maior contribuição no que tange ao seu ensino. Vale ressaltar que Schopenhauer e Wagner são norteados, também, pelos ensinos de Buda; e Nietzsche foi grande admirador de ambos, morou, inclusive, na casa de Wagner, espaço chamado, por ele, de paraíso. Ressalte-se que muitos filósofos europeus, motivados pelas grandes navegações ao Oriente, no século XVI, passam a dialogar com a Índia, sua religião, sua cultura e sua filosofia, além de manterem o acervo grego que não era indiferente à cultura e à filosofia do Antigo Oriente. Com isso se processa a antropofagia cultural, demonstrada nas várias maneiras de pensar e agir, em uma clara demonstração dos interrelacionamentos culturais e dos saberes humanos. São oportunos alguns exemplos que provam a grande simpatia nutrida pelos acervos religioso e filosófico do Oriente e pelo budismo. Isso não causa espanto, pois como diz Challaye, tomando dois exemplos, budismo e confucionismo: “... filosofia e religião se aproximam singularmente. Grandes religiões começaram por ser a concepção filosófica de uma alta personalidade ...”10. É relevante lembrar-se de que Nietzsche foi filho e neto de pastores protestantes e por isso lhe é ensinada, desde a sua mais tenra infância, a doutrina do cristianismo. Este foi abandonado por ele depois da morte prematura do pai e de suas mais amplas leituras de textos gregos e indianos. Com isso, opõe-se, radicalmente, aos ensinos cristãos e se apega a ensinos pré-socráticos e budistas. Demonstra isso ao escrever sobe as consequências drásticas da ira, ressentimento, desejo e sede de vingança:

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“Aquele profundo filósofo que foi Buda, bem o compreendeu. A sua “religião”, que se poderia melhor chamar de higiene (para não confundir com coisas compadecedoras do Cristianismo), fazia depender a sua eficácia da vitória sobe o ressentimento: libertar a alma disto, era o primeiro passo para a cura”11.

E continua citando Buda, ao registrar que “Não é pela inimizade que acaba a inimizade; pela amizade termina a inimizade”: estas palavras se encontram logo no começo da doutrina de Buda12. Ora, quem conhece os ensinamentos cristãos, percebe que o teólogo/ filósofo está falando sem isenção, pois o faz do lugar de um admirador de Gautama. Afinal, qualquer catecúmeno de religião cristã sabe que o Rabi, Cristo ensinou: “... amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; desse modo vos torneis filho do vosso Pai que está nos céus...”13. Esse filósofo aprendera, certamente, com seu pai e seu avô, rudimentos teológicos e conhecera, seguramente, esse texto elementar da Bíblia. Mas não o mencionou por quê? Porque abdicara do cristianismo e se aproximara do budismo, ainda que somente por matizes de simpatia filosófica. Diz Nietzsche não ter nenhum desejo: “Querer alguma coisa, aspirar qualquer coisa, ter um escopo ou um desejo são coisas que eu não conheço praticamente (...) Nunca tive nenhum desejo”14. E com ar de vanglória, escreve: “Quem que aos quarenta e quatro anos feitos pode dizer que nunca se preocupou com honrarias, mulheres, dinheiro!”15. No seu Aurora – Pensamento sobre a moral como preconceito – usa a epígrafe: “Há tantas auroras que ainda não resplandeceram”. Esta inscrição indiana se encontra no umbral do meu livro”16. Buda ensina que a ignorância leva ao desejo e este ao sofrimento. Por isso deve-se romper com a ignorância e, desse modo, acabar-se-á com o sofrimento. Em sua segunda nobre verdade afirma “que o sofrimento é causado pelo desejo do ser humano”17. No seu trabalho, Interpretação do budismo em Nietzsche, Guillermo Goicochea afirma: “O interesse de Nietzsche pela filosofia oriental, em especial, pelo budismo, tem sua origem, como é sabido, na herança deixada por seu “mestre” Schopenhauer, por seu amigo Paul Deussen (tradutor para o Alemão dos Sutras do Vedanta), e pelas leituras de várias obras especializadas, entre as quais figura Buda, sua vida e sua obra, sua comunidade, de H. Oldemberg”18.

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E ainda diz: “Em quase todas as obras de Nietzsche há referências aos Vedas e ao budismo, com uma profundidade e um poder de síntese surpreendente”19. Mais demonstração da preferência nietzschiana pelo Budismo ao Cristianismo está nos capítulos 20, 21, 22 e 23 de seu livro O Anticristo20, onde o filósofo deixa patente seu acatamento à doutrina de Buda. Não se pode esquecer de que a Grécia e a Índia se intercomunicavam e seus ensinamentos mitológico, metafísico e filosófico têm seus pontos de contato. E Nietzsche tem, com as duas, efetivo diálogo filosófico. Como exemplos, podem ser citados: o fluxo perpétuo de Heráclito – “Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque as águas nunca são as mesmas e nós nunca somos os mesmos”21; a metempsicose – comum na Magna Grécia e na Índia -: “uma mesma alma pode animar vários corpos diferentes passando sucessivamente de um para o outro”22; e o eterno retorno – tema caro a Heráclito, Zenão e Nietzsche – “O mundo passa e repassará pelas mesmas fases: e cada homem, então, recomeçará exatamente a mesma existência”23. Como pode perceber-se, estão claras as contribuições que Nietzsche buscou e as plataformas de onde lançou os seus torpedos. Por isso, pode afirmar-se que a “morte” de Deus não é meramente filosófica e/ou conceitual, mas é, acima de tudo, passional.

O AUTOR MORTO DE ROLAND BARTHES Depois do teocídio (matar deus ou deuses), nietzschiano, torna-se relativamente fácil a tarefa de Barthes de matar-se o Autor. Na sua obra, O rumor da língua, o capítulo que se inicia na página 57, traz o seguinte título: A Morte do Autor. Ao concluir o capítulo, afirma: “o nascimento do leitor deve pagar-se com a morte do Autor”24. Como Nietzsche é o ‘assassino’ de Deus, o ilustre sociólogo, semiólogo, filósofo crítico literário e escritor francês, Roland Barthes, é o ‘assassino’ do Autor. Para Barthes, o Autor, assim mesmo com o “A” maiúsculo, não existe. Segundo ele, “O autor é uma personagem moderna, produzida sem dúvida por nossa sociedade na medida em que, ao sair da Idade Média, com o empirismo inglês, o racionalismo francês e a fé pessoal da Reforma, ela descobriu o prestígio do indivíduo ou como se diz mais nobremente, da ‘pessoa humana’”25.

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Continuando a sua saga contra a importância dada ao Autor, o semiólogo francês, declara: “Então é lógico que, em matéria de literatura, seja o positivismo, resumo e ponto de chegada da ideologia capitalista, que tenha concedido a maior importância à “pessoa” do autor”. Caso esse Autor esteja em voga, ele é colocado no mesmo patamar da obra, mas a obra dependendo dele. Ele é sempre anterior à obra. Barthes escreve: “considera-se que o autor ‘nutre’ o livro, quer dizer quer existe antes dele, pensa, sofre, vive por ele”26. Se o Autor estiver em evidência, a obra vai depender tanto dele em termos de anterioridade, que o mesmo teórico afirma que o Autor “está para a sua obra na mesma relação de antecedência que um pai para com um filho”27. Assim, o ‘pai’ da obra estará sempre em destaque histórico, em relação a ela, pelo fato de ser-lhe anterior. Barthes, ao eliminar o Autor, põe em seu lugar o escritor. Para ele, o escritor moderno não tem origem, não tem passado, por isso não tem história, nem identidade cristalizada. Ele afirma: “o escriptor moderno nasce ao mesmo tempo que seu texto; não é de forma alguma, dotado de um ser que precedesse ou excedesse a sua escritura...”28. Com a morte do Autor, o escritor francês põe em destaque a figura do escritor, já referido. “Sabemos agora que um texto não é feito de uma linha de palavras a produzir um sentido único, de certa maneira teológico (que seria a ‘mensagem” do Autor-Deus), mas um espaço de dimensões múltiplas, onde se casam e se contestam escrituras variadas, das quais nenhuma é original: um texto é um tecido de citações, oriunda dos mil focos da cultura”29.

Depois de pôr em destaque o escritor em substituição ao Autor, Barthes vai, agora, evidenciar a escritura e o leitor. Esses, a depreender-se das ideias barthesianas, não mais dependem do Autor. A propósito, Barthes escreve: Assim se desvenda o ser total da escritura: um texto é feito de escrituras múltiplas, oriundas de várias culturas e que entram umas com as outras em diálogo, em paródia, em contestação; mas há um lugar onde essa multiplicidade se reúne, e esse lugar não é o autor, como se disse até o presente, é o leitor: o leitor é o espaço mesmo onde se inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que é feita uma escritura; a unidade do texto não está na sua origem, mas no seu destino, mas esse destino já não pode ser pessoal: o leitor é um homem sem história. sem biografia, sem psicologia; ele é apenas esse alguém que mantém que reunidos em um mesmo campo todos os traços de que é constituído o escrito30.

As Mortes de Deus, do Autor e do Sujeito

O SUJEITO MORTO DE MICHEL FOUCAULT A discussão sobre sujeito não vem da antiguidade ocidental. É sabido que, na Antiga Grécia, não havia preocupação em estudar o sujeito. Os gregos estavam interessados nos estudos sobre o universo, a physis, isto é, a natureza. Assim como o Autor, nos termos de Barthes - já citado -, é criado, depois da Idade Média, pelo empirismo inglês, racionalismo francês e fé da Reforma Protestante, o Sujeito também. Desse modo, ambos Autor e Sujeito - são contemporâneos e criação da modernidade. Esse Sujeito, como bem asseverou Stuart Hall: “... estava baseado numa concepção da pessoa humana como um indivíduo centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo – contínuo ou “idêntico” a ele - ao longo da existência do indivíduo”31.

No artigo “O nascimento e a morte do sujeito moderno”, Michel Aires de Souza afirma: É a partir do mundo moderno que o sujeito ganha certas capacidades humanas fixas e um sentimento estável de seu próprio eu. Ele ganha consciência que é uma identidade racional, moral e psicológica. Ele torna-se um ser soberano, autônomo, fixo, estável, compreendendo que é um ser que pensa, sente, reflete e age e interage com o mundo objetivo. É a partir da modernidade que ele ganha consciência de sua vida interior como transparente a si mesmo, como ator de suas idéias e de seus atos. Esse contato do homem consigo mesmo só foi possível graças aos movimentos modernos, como renascimento, protestantismo e iluminismo, que libertaram a consciência individual das instituições religiosas medievais32.

No livro, Foucault e a autoria, Maria Marta Furlanetto e Osmar de Souza afirmam, respondendo os questionamentos: Por que escrever sobre autoria? Por que a partir de Foucault? “A filosofia moderna tem o sujeito como o centro do conhecimento...”33. As citações confirmam que o Sujeito ocidental não nasceu na Macedônia, nem em Éfeso, muito menos em Atenas; é, porém, consequência e produto

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da modernidade iluminista. E, como essa modernidade marcha nos trilhos das mudanças, das transformações, do movimento, da velocidade, esse Sujeito enfrentará, em sua trajetória, contextos diversos, os quais vão fragilizálo e levá-lo à aterosclerose e à “morte”. Fulanetto e Souza, anterior e imediatamente citados, escrevem: “Ao problematizar este conceito, desde logo Foucault declarou “a morte do sujeito...”34. Aires de Souza, na mesma linha de raciocínio, escreve: ... esta noção de um sujeito fixo, estável, soberano não durou muito. Com o avanço do progresso do pensamento e do desenvolvimento técnico e científico, noções como verdade, justiça, razão, bem, mal, virtude, Deus, foram relativizados. O progresso do conhecimento colocou em dúvida e levou à perda de consistência dos valores absolutos da modernidade. Em conseqüência disso, o sujeito racional e autônomo foi problematizado, uma vez que se colocava como uma entidade metafísica dada a priori, como algo absoluto35.

Agora, o Sujeito iluminista se encontra numa realidade em que o fixo se torna flexível; o rígido se torna elástico; o restrito se amplia; o imutável se desloca; o todo se fragmenta; o linear passa a cíclico; os gêneros se confundem; o absoluto se relativiza; o futuro se torna presente e o eterno passa a provisório. Assim, esse sujeito é desnudado, asfixiado e morto.

CONSIDERAÇÕES Tendo em mente as culturas religiosas, judaica e cristã, pode concluirse que essas três “mortes”: de Deus, do Autor e ao Sujeito são sequenciais e as duas últimas derivadas. Por essas culturas, o mundo e todas as coisas nele existentes foram criados por Deus. O Gênesis, livro das origens (Antigo Testamento) começa com a seguinte afirmação: “No princípio, criou Deus o céu e a terra”36. O evangelho de João (Novo Testamento) começa também com esse princípio, do grego arkhê (arquê): “No princípio era o Verbo e o verbo era Deus. No princípio ele estava com Deus. Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito”37. Para os cristãos, em princípio, Deus é o Todo-Poderoso Autor da criação. É ele o Autor do mundo como criação poética. É o Arquiteto que tudo construiu. Enfim, nessa linha, Deus é o grande Autor desse universo que pode ser chamado de livro de páginas infinitas. Todos os demais autores, em todas e quaisquer áreas, são simplesmente autores derivados,

As Mortes de Deus, do Autor e do Sujeito

secundários, acessórios. Só existem por que existe o Autor principal. Eles são apenas coadjuvantes e minimamente participantes da onipresença, onipotência e onisciência divinas. Ocorre que Nietzsche atinge exatamente a figura primordial da adoração cristã: esse Deus onipresente, onipotente e onisciente. Se esse Deus, Autor de todos e de todas as coisas, morreu, então não mais existem autor e sujeito. Autores e sujeitos morreram à sombra da “morte” daquEle que um dia fora imortal. Por isso, Autor e Sujeito morreram em termos barthesianos, foucaultianos e dos que seguem nesse mesmo diapasão. Todavia, há de se entender que essas “mortes” foram conceituais e fazem parte de um discurso. Desse modo, os três podem ser ressuscitados. Se não são ressurreições definitivas, são, pelo menos, possibilidades de ressurgirem no instante em que forem necessárias e exigidas as suas realizações. Portanto, na fé o no imaginário da cristandade, mormente em se tratando de cristãos praticantes que têm a vida cristã como estilo de vida, Deus continua vivo e autor e sujeito atuando em todas as esferas de seus domínios. Porém, os ressurretos são contextualizados. O Deus que fora visto como intolerante e cruel, passa ser visto como um Deus Ágape, que ama, chama e acolhe. O Autor ressuscitado não se agasta se for chamada de função-autor38, pois entende e compreende que é tão importante sua presença que, foi em vão tentarem eliminá-lo. Criaram a função mas, unido a ela, o autor: função-autor39. Admite-se ser intertextual porque, para construir seu texto, depende de muitos outros textos por não ser detentor de conhecimentos e saberes originais. Percebe-se não ser um autor teologizado e divinizado, cuja inspiração jorra de um oásis do cume do Olimpo. E o Sujeito ressurreto é consciente de sua efemeridade, fragmentação, desterritorialização; descentramento e desunificação; de que perdeu sua estabilidade, sua perenidade e vive a inconstância no hiato entre a saudade da permanência e a insignificância do ser ad hoc.

NOTAS *

Professor Pleno de Literatura Brasileira – Departamento de Ciências Humanas e Letras da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (DCHL/UESB); Doutor em Comunicação e Semiótica.

1

Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência, p. 147-148.

2

Friedrich Nietzsche, Ecce Homo, Martin Claret, p. 67.

3

http://caosmose.net/pierrelevy/nossomos.html acessado em 16 jan. 2014.

4

Friedrich Nietzsche, Ecce Homo, Martin Claret, p. 50.

5

Idem, ibidem, p. 27.

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6

Idem, ibidem, p. 85.

7

Idem, ibidem, p. 85.

8

Idem, ibidem, p. 20, 27-28 e 106.

9

Idem, ibidem, p. 17.

10

Félicien Robert Challaye, Pequena História das Grandes Filosofias, Cia. Editora Nacional, p. 07.

11

Friedrich Nietzsche, Ecce Homo, Martin Claret, p. 45.

12

Idem, ibidem.

13

Bíblia de Jerusalém, Evangelho de Mateus, p. 1712.

14

Friedrich Nietzsche, Ecce Homo, Martin Claret, p. 64.

15

Idem, ibidem, p. 64.

16

Idem, ibidem, p. 91.

17

Victor Hellern, Henry Notaker, JosteinGaarder, O Livro das Religiões, Cia. das Letras, p. 56.

18

Guillermo Goicochea, http://www.iespana.es/konvergencias/nietzschebud.htm acessado em 5 ago. 2004.

19

Idem, Ibidem.

20

Friedrich Nietzsche, The Antichrist, cap. 20-23 (texto integral, em espanhol e inglês, capturado pela internet).

21

Heráclito, apud Marilena Chaui, Convite à Filosofia, Ática, p. 110.

22

Gérard Durozoi e André Roussel, Dicionário de Filosofia, Papirus, p. 324.

23

Nietezsche, apud Félicien Robert Challaye, Pequena História das Grandes Filosofias, Cia. Editora Nacional, p. 222.

24

Roland Barthes, O rumor da língua, p. 64.

25

Idem, ibidem, p. 58.

26

Idem, ibidem, p. 61.

27

Idem, ibidem, p. 61.

28

Idem, ibidem, p. 61.

29

Idem, ibidem, p. 62.

30

Idem, ibidem, p. 64.

31

Stuart Hall, A identidade cultural na pós-modernidade, p. 10-11.

32

http://filosofonet.wordpress.com/2010/11/01/o-nascimento-e-a-morte-do-sujeito-moderno/ acessado em 16 Jan. 2014.

33

Maria Marta Furlanetto e Osmar de Souza, Foucault e a Autoria, p. 10.

34

Idem, ibidem, p. 10.

35

http://filosofonet.wordpress.com/2010/11/01/o-nascimento-e-a-morte-do-sujeito-moderno/ acessado em 16 Jan. 2014.

36

Bíblia de Jerusalém, Evangelho de Mateus, p. 33.

37

Bíblia de Jerusalém, Evangelho de Mateus, p. 1842.

38

Maria Marta Furlanetto e Osmar de Souza, Foucault e a Autoria, pp. 15/26.

39

Maria Marta Furlanetto e Osmar de Souza, Foucault e a Autoria, p. 53/62.

As Mortes de Deus, do Autor e do Sujeito

REFERÊNCIAS BARTHES, Roland. O rumos da língua. 3ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 2012 (Coleção Roland Barthes) (Trad. Mário Laranjeira). Bíblia de Jerusalém (Nova edição, revista e ampliada), 7ª impressão,São Paulo, PAULUS, 2011. CHALLAY, Félicien Robert. Pequena História das Grandes Filosofias. São Paulo: Nacional, 1967. (Trad. Luiz D. Penha e J. B. D. Penha). CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1995. DUROZOI, Gerard e ROUSSEL, André. Dicionário de Filosofia. Campinas (SP), Papirus, 1993. (Trad. Marina Appenzeller). GOICOCHEA, Guillermo. La interpretacióndel Budismo en Nietzsche. http://www.iespana.es/konvergencias/nietzschebud.htm acesso em 5 ago. 2004. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª ed. reimp., Rio de Janeiro, DP & A, 2011. (Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro). HELLERN, Victor, NOTAKER, Henry e GAARDER, Jostein. O livro das Religiões. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. (Trad. Isa Maria Lando). NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo. São Paulo: Martin Claret, 2003. (Trad. Pietro Nasseti). NIETZSCHE, Friedrich, The Antichrist, cap. 20-23. Acessado em 05 Ago. 2004. NIETZSCHE, Friedrich, A Gaia Ciência, São Paulo, Cia. das Letras, 2001. (Trad., notas e prefácio Paulo César de Souza).

RESUMEN Una lectura sobre las tres muertes en epígrafe que causaron fisuras conceptuales en Occidente. El tema es importante porque retoma las muertes que contribuyeron para la desconstrucción de conceptos en diversas áreas del saber, influenciando hasta el proceso de construcción de identidad. El trabajo objetiva relacionar Nietzsche, Barthes y Foucault cuanto a las muertes referidas; resucitar esas muertas con nuevo ropaje. Palabras clave: Dios; Autor; Sujeto.

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Identidades y culturas en procesos migratorios – el caso de ‘la polonia’ brasileña en el siglo XXI Renata Siuda-Ambroziak - CESLA – Centro de Estudios Latinoamericanos. Universidad de Varsovia, Polonia

RESUMEN: No cabe la menor duda de que la comunidad de ascendencia polaca en el Brasil contemporáneo (llamada por mi adelante ‘la polonia’ brasileña’)1, es un tema muy interesante para los estudios de carácter cultural, particularmente por lo que respecta a sus relaciones con Polonia, a sus ideas sobre el país de los antepasados o a su identidad polaca, real o imaginada. A base de las experiencias vividas durante sus trabajos de investigación en las comunidades de ascendencia polaca en el Brasil, y de las conversaciones mantenidas con los miembros de ‘la polonia’ brasileña que visitaron Varsóvia, la autora presenta sus reflexiones acerca de lo que significa y comporta para un brasileño actual el tener raíces polacas, acerca de la forma en que es interpretada la identidad polaca por los representante de comunidades polonicas, cómo está considerada Polonia y los polacos entre las mismas y, por fin, cuáles son, deberían y pueden ser las relaciones de ‘la polonia’ con Polonia, visto todo ello desde la perspectiva polaca y brasileña. Palabras clave – migración, identidad, comunidades de origen polaco, transformaciones culturales

Hace pocos años me visitó con la familia una brasileña de origen polaco. Había venido en búsqueda de sus raíces, que tan solo conocía a través de los relatos de su padre, sin saber una palabra de polaco, sin estar siquiera segura de la corrección, en su forma escrita u oral, de los apellidos de los miembros de su familia por parte polaca, ni del lugar de su procedencia. Contaba que su padre, al morir, hablaba solo de Polonia y en polaco, a pesar de que nadie era capaz de comprenderle, pues con su esposa brasileña e hijos siempre se entendía en portugués. Juntas encontramos el cementerio, donde se había conservado milagrosamente, a despecho de todas las conmociones bélicas, la tumba familiar de hacía más de 100 años. La brasileña se postró de rodillas frente a la misma, sacudida por el llanto. Pues, pese a todo, para ella la tierra polaca alberga todavía una fuerza especial. Ese pedazo de „corazón polaco”, esos retazos de recuerdo, heredados del padre, que siempre añoró Polonia, de la que siempre hablaba

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con voz temblorosa, se había en aquel viaje materializado en el trozo de tierra polaca conservado cuidadosamente y llevado de vuelta a Brasil. Sin embargo, para sus hijos, traídos casi a la fuerza, Polonia ya no resultaba tan interesante, no la anhelaban como la anhelaba su madre. Para ellos el viaje no significaba más que la posibilidad de conseguir la ciudadanía polaca y, por ende, un pasaporte comunitario que les abriría de algun modo „una otra ventana al mundo”. ¿Con qué se les asocia Polonia? Por ejemplo, como me explicaban, con un país donde las películas extranjeras no son subtituladas, sino que llevan „un lector cuya voz sirve tanto para los actores masculinos como femeninos.” ¿Quiénes forman entonces ‘la polonia’ brasileña - los que mantienen contactos con el país de origen o los que no lo conocen y, a veces, ni siquiera sienten la necesidad de conocerlo? ¿Los que conservan sus raíces, se reúnen, fundan asociaciones polacas, crean grupos folclóricos, promueven las tradiciones polacas o también aquellos a quienes les resulta todo esto indiferente? ¿Qué pensar de los que ya se han asimilado por completo, hasta tal punto que su ‘identidad polaca’ se limita solamente a un apellido que suena a polaco? ¿Son los hijos de la dicha brasileña ‘la polonia’, aunque no se interesen por sus raíces y el pasaporte polaco solo sea importante por motivos prácticos? Además: ¿qué puede significar para esas gentes Polonia y ser polaco?¿Qué puede significar ser polaco-brasileño (o brasileño de origen polaco)? ¿Qué hay de práctico y útil en esa herencia polaca y qué es lo que nunca lo será? A decir verdad, tan solo un mínimo porcentaje conoce Polonia; la mayoría procede de, al menos, la tercera generación de inmigrantes, porque, tal y como afirma el consenso de historiadores, la mayor parte de la población de origen polaco (las estadísticas de la polonia brasileña son desgraciadamente altamente imprecisas) llegó a Brasil procedente todavía del territorio polaco repartido, cuando, no sin motivo, se hablaba a los finales del siglo XIX de la „fiebre brasileña”. En consecuencia, teniendo en cuenta todo ello, la identidad y cultura polacas, el conocimiento de su lengua, la curiosidad por el país de sus antepasados y la actividad cultural de esta comunidad deberían ser, después de más de cien años, prácticamente nulas, y el interés por Polonia y los polacos por parte de ‘la polonia’ brasileña - un fenómeno marginal en extremo. Pero pese a todo, no siempre es así. ¿Por qué? La identidad2 de los núcleos de ‘la polonia’ brasileña es un tema excepcionalmente interesante por lo que concierne a los estudios culturales.

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Las conversaciones con los descendientes de polacos en su tercera o cuarta generación, que siguen hablando en polaco y que mantienen hacia la patria de sus antepasados el interés y los lazos de unión, constituyen no solo un material empírico de excepción, pero también ofrecen unas vivencias inolvidables. Es como retroceder en ‘el túnel del tiempo’ hacia un fenómeno de aislamiento étnico, provocado por el hecho de que los polacos emigraron de un país, donde su identidad se había visto largamente reprimida y amenazada, lo cual les provocó, que conservaran con celo las costumbres, la lengua (incluso, en la actualidad, las personas mayores hablan más fluentamente en polaco que en portugués, a pesar de que esa generación debía, según los Estatutos Nacionalistas del presidente Vargas, ya ser la primera generación de inmigrantes „brasilizada” por completo), la fe de sus antepasados y los ritos con ella relacionados, así como que evitaran los matrimonios mixtos durante muchos años (la única etnia, aceptada relativamente pronto en las relaciones familiares, fue la italiana), sin llegar a identificarse mucho con el nuevo país y su población. Encerrados a lo largo de varias generaciones en una fortaleza étnica erigida sobre los familiares, vecinos y amigos, que a menudo procedían de las mismas o cercanas localidades de Polonia, crearon de esta manera un sucedáneo de la patria y una ‘normalidad’ particular. Ser descendiente de polacos significaba en principio y de modo unívoco ser católico; hasta ahora, la conversión a otra fe es para muchos representantes de la vieja ‘polonia’ una ‘traición’ de las raíces y siguen habiendo personas que afirman que „Dios solo entiende en polaco” (lo que refuerza la concepción de la lengua polaca como ‘lengua litúrgica’). Es seguro que, en este aislamiento en el que vivieron los inmigrantes y sus descendientes, radica la causa del mantenimiento de la lengua y las costumbres traídas de Polonia a lo largo de varias generaciones, de su fuerte sentimiento de unión e identidad étnica, que fue considerada como una especie de obligación patriótica con respecto a la patria perdida. No obstante, como es obvio, cada miembro de esta ‘polonia’ constituye un caso aparte, con una historia distinta, unas experiencias diferentes, una visión diversa en cuanto a su origen y a los valores asociados al mismo, una imagen diferente no solo de sí mismo, sino de Polonia y de la identidad polaca, muy alejada de la que tienen los polacos actuales sobre Polonia, sobre sí mismos y sobre su cultura. Sin embargo, puesto que el concepto de ‘cultura’ se utiliza en las ciencias humanas para determinar los caracteres simbólicos de una forma de vida y puesto que los estudios acerca de la cultura son ante todo estudios

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acerca del significado de los símbolos empleados en ella y de las estructuras significativas establecidas socialmente, la existencia de ‘la polonia’ implica la existencia también de una cultura polónica, de esta ‘polonidad’ que se remitiría a sus propios símbolos conocidos y valorados, tanto patrióticos como religiosos. Por lo tanto, la imagen de Polonia entre ‘la polonia’ brasileña se limitará con frecuencia a símbolos como la bandera rojiblanca, el águila blanca, la imagen de la Virgen de Jasna Góra o el retrato y el monumento a Juan Pablo II. Asimismo, esa ‘polonidad’ se identificará con la miseria y el sufrimiento padecidos por los antepasados, no solo en Polonia, sino también por los que llegaron a Brasil, huyendo de la pobreza y del hambre y, no pocas veces, caindo ‘del hoyo al arroyo’. La percepción de Polonia por ‘la polonia’ brasileña arroja entonces una imagen de gran complejidad; por una parte, nos encontramos con un vínculo emocional hacia el país, asociado al destino de los, ya distantes, familiares; por otra parte, con una indiferencia natural creciente entre los miembros de las generaciones más jóvenes. Por una parte, notamos la falta de ideas acerca de lo que hacer con las emociones vinculadas a esa ‘polonidad’; por otra, asistimos a manifestaciones de actividad de esa misma ‘polonidad’ y lo que de ello resulta a menudo, es decir, a una política de reclamaciones ante la necesidad de que Polonia apoye las iniciativas más o menos logradas de resucitar esas señas de identidad polacas. Pero, ¿es acaso algo sensato y adecuado que esa ‘polonia’ brasileña espere algún tipo de ayuda financiera de Polonia? Resultan cuestiones enormemente delicadas si el presupuesto polaco, procedente de los impuestos, debería ser destinado a las sedes de las organizaciones polonicas creadas ahora en Brasil y por los brasileños, aunque sean del origen polaco. En suma, ¿cómo evaluar y estimar si de verdad y en qué y en cuánto está Polonia en deuda con sus emigrantes del siglo XIX y sus descendientes? Y, de ser la respuesta afirmativa, como debería ser saldada esa deuda? No nos olvidemos que el objetivo de los inmigrantes polacos del siglo XIX era buscar el pan en otras tierras, „una mejor vida para ellos y sus hijos, y no comprobar cuánto tiempo se mantiene la cultura viva en el extranjero”3 y a quién y cuánto puede costar tal experiencia. ¿Debería el ‘sentimiento de ser descendiente polaco’ en Brasil prevalecer sobre la identidad brasileña, sensatez y el cálculo económico común y corriente? En esta versión, de las Casas de Polonia, del folclore, de los huevos pintados, de los conjuntos folclóricos o de la arquitectura (a veces, no se sabe por qué considerada como típicamente polaca), la imagen de Polonia

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entre la polonia brasileña será por lo general una imagen tradicional, ya muy ficticia y bien alejada de la auténtica realidad polaca de nuestros días. Por otra parte, ¿por qué no habría de alejarse o de limitarse precisamente a esos símbolos antiguos? Al fin y al cabo, la cultura de ‘la polonia’ brasileña no es la cultura polaca, sino una cultura sincrética, e incluso si deseara serlo, lo sería de una manera diferente, comprensible y aceptada solamente en Brasil. Me permito aquí la libertad de recordar un acontecimiento: en una de las poblaciones paranaenses, donde además, como soy polaca, me sirvieron una sopa tradicional, en Polonia llamada „czarnina”, por estar elaborada con sangre de pato (para desesperación mía, por otra parte), me presentaron también al maestro local de lengua y cultura polacas. Cuál fue mi asombro al comprobar que apenas podía entenderme con el en el polaco, que habla mi generación... Cuando, tras intercambiar unas frases, decidimos pasarnos al portugués y hablar de cultura polaca, de lo que enseñaba y lo que sabía, sentí sorpresa y vergüenza al mismo tiempo, al darme cuenta de lo poco que yo conocía de muchas tradiciones culturales de mi país. Cuando fui invitada a hacer unos recortes de papel para los niños, a la manera de £owicz, y un deseño de traje popular (como modelo) de Kaszuby para el grupo de canto y baile local, me rendí, embargada en la más atroz de las vergüenzas... Asimismo fui derrotada por el Grupo de Amas de Casa Polaca del lugar, ya que me pidieron que preparara tres platos típicos polacos y resultó que ellas lo hicieron mucho mejor que yo. Al mismo tiempo, me resultó fácil observar en ese mismo lugar rastros fuertes de Polonia y de ‘lo polaco’: una farmacia brasileña llamandose así como el hino nacional polaco „Jeszcze Polska nie zginê³a” (hasta hoy guardo la pegatina-anuncio en casa para mostrarla a los dubitantes contumaces), el ‘baluarte’ de los Hamerski en Nova Prata consistiente en una cabaña típicamente montañesa de Polonia, ubicada entre los pinos, en cuya veranda ondea la bandera rojiblanca; o el lema de bienvenida al municipio de Áurea4 en polaco - „Wszystko Dobrze!”/”Todo bien!” (etiqueta-recuerdo también para los incrédulos). Con todo, la cultura no estriba solo en las experiencias humanas reunidas y aprendidas, acuñadas a través de la socialización y la referencia social5, sino que también se compone de los „modelos de pensamiento, experimentación y reacción adquiridos y transmitidos mediante símbolos, que constituyen junto a su inserción en las elaboraciones humanas logros significativos de determinados grupos de personas; el núcleo básico de la cultura está formado por las llamadas excrecencias históricas y por ideas tradicionales

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seleccionadas, así como por los valores vinculados especialmente a ellas”6. En relación a las afirmaciones acerca de la teoría de la cultura realizadas por Herskovits, podría también añadirse que, como el ser humano aprende la cultura, esta constituye asimismo un potente instrumento de adaptación al medio.7 Y precisamente de ser así, esa imagen de Polonia y de los polacos entre la mayoría de ‘la polonia’ brasileña, no tiene por qué guardar relación alguna con la Polonia actual, que esas gentes desconocen y que incluso a veces no necesitan. Recurren a fuentes de fácil acceso para ellos, es decir, al mundo propio, en apariencia fragmentario de la cultura de su propia ‘polonia’, escogiendo lo que les es necesario y uniendo, a veces en combinaciones sorprendentemente eclécticas, lo que es conocido e imprescindible en territorio brasileño. Los elementos de la cultura polaca suelen servirles para moverse en el ambiente, en el medio de la comunidad local; son fuertes valores integradores, que empujan a la creación de organizaciones de ‘la polonia’ para reavivar en este marco todo lo polaco. Pero, como conseguirlo? Acaso una identidad polaca que sea polaca al máximo es para la ‘polonia’ del Brasil un estado deseable? Se la puede conservar en esta forma? Pues al fin y al cabo, como escribe Malinowski, „en un país multicultural, no se puede mantener una cultura étnica original en una forma invariable durante tantas generaciones. No se puede llevar a engaño, afirmando que la lengua polaca se mantendrá a la misma escala en que fue traída. Naturalmente, la desaparición de lo polaco y la fusión de sus propias filas van unidas para ‘la polonia’ brasileña a un sentimiento de pérdida, pero eso no cambia el hecho de que se trata de fenómenos inevitables. (…) El ideal de ghetto étnico no constituye un paradigma coherente para las sociedades actuales de Argentina o Brasil. El rasgo permanente de una sociedad multicultural es la infiltración mutua de modelos, la creación de nuevos, la desaparición de otros. Tales fenómenos son del todo naturales”.8 Sin embargo, la cultura, de acorde con las definiciones ya citadas, no son solo excrecencias históricas, sino también ideas seleccionadas, sometidas, como es natural, a cierta parcialidad y subjetivismo. Esta clase de selección es realizada por ‘la polonia’ brasileña desde hace ya varias generaciones, a lo que tiene pleno derecho, pues esa es su cultura, no la nuestra. Un polonobrasileño, que no goce de la perspectiva de un viaje a Polonia o de una estancia en ella más o menos larga, vive lo polaco y Polonia mas bien como algo surgido de las leyendas y los encantamientos que de la realidad; algo así como una “Alicia en el País de las Maravillas”, al otro lado del espejo.

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Pero, ¿hay algo de malo en ello? A veces, podendo confrontarlos con la realidad, como ocurre en el caso de los que viajan a Polonia, ellos se marchan con una mezcla de sentimientos, no siempre enamorados de la Polonia actual, pero siempre amantes de aquella otra ya inexistente, la de las fábulas de su niñez. Cuando regresan a Brasil, vuelven a sentirse seguros en ese „al otro lado del espejo”. Las personas mayores, algunas veces, suelen también tener miedo de ver la Polonia real, presintiendo, tal vez de un modo inconsciente, el fin de los mitos y sus consecuencias, de modo que prefieren quedarse con sus viejos esquemas, que conservaron transmitidos oralmente, y no decepcionarse con la visión de un país que no reconocen y no entienden. No pocas veces, las excursiones a Polonia terminan con un shock cultural, dado que este ya no es el mismo país de sus ancestros, es difícil entenderse en el viejo polaco del siglo XIX y Polonia no les recibe siempre con los brazos abiertos, a despecho de lo que ellos habían imaginado. En Brasil, su idea de Polonia ha sido idealizada hasta lo fantástico, de igual modo que la imagen de Brasil también fue idealizada en la mente de sus padres y abuelos, que se decidieron a emprender un viaje océano adentro. Para los representantes más ancianos de ‘la polonia”, Polonia es entonces a menudo un sinónimo de paraíso, al que se vuelve después de la muerte. Las cosas pintan muy diferentes entre los jóvenes: para ellos Polonia suele ser una ventana al mundo, un pasaporte comunitario, la posibilidad de iniciar unos estudios, que les garantizarán un trabajo bien remunerado a su regreso al Brasil en sectores profesionales prestigiosos y solicitados. Esta imagen de Polonia parece del todo pragmática: la ciudadanía polaca es algo de lo que hay que sacar provecho. El conocimiento del polaco puede convertirse en un pase para una mañana mejor. Pero es normal que la visión de Polonia se transforme con el cambio generacional, dado que los modelos de significados sociales y culturales creados sufren metamorphosis - así, conceptos como ‘patria’ o ‘identidad’, no son construcciones que gozan de perennidad, más al contrario cobran diversas formas y son sometidas a modificaciones. E.Ha³as explica los fenómenos relacionados con los cambios culturales como algo natural, ya que „la identidad no es una estructura en un individuo. Tiene carácter interpersonal, negociable y variable (…) los cambios de identidad son cambios en la manera de definirse a sí mismo, a su grupo de referencia y a su propio sistema de roles”9. Son estos cambios excepcionalmente importantes y que tienen sus consecuencias, pero, por regla general, ocurren en la vida del individuo en varias ocasiones.

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Por otra parte, la propia cultura, en todos sus aspectos, también se modifica constantemente de forma intensa; quizás, se debería hablar de ella siempre en plural, pues una buena muestra de ella son las hibridaciones a nivel local, la superposición de fenómenos y de prácticas culturales que dan como resultado un „mélange” intercultural.10 Precisamente un bello ejemplo de esta hibridación cultural lo constituye la cultura de ‘la polonia’ brasileña, que refleja la compleja interinfluencia de lo ajeno y lo local, lo nacional y lo étnico, vinculando los dos países y dos culturas diferentes y traendo consigo unas preguntas aún sin respuesta. A saber: qué es en ella polaco, qué brasileño, qué es propio y qué hibrido, o si es tal vez todo una fabricación polaco-brasileña. E igualmente, qué clase de opción tomará en un futuro próximo ‘la polonia’ brasileña: la liberal, identificada con la preformulación de actitudes y normas tradicionales, con el fin de lograr una mejor adaptación a las exigencias del mundo actual, o la tradicional, que entiende el ser polaco según unas normas tradicionales, e incluso algo folclóricas. Pero siempre se ofrece de un modo más fiel la relación existente entre las culturas, si hablamos de ellas como de algo que se cruza y que se influye mutuamente – así, la fuerza de la cultura polonica puede residir, sobre todo, precisamente en su apertura, en su capacidad de transformación y en su elasticidad, con el objetivo de ayudar a cultivar la visión brasileña del ser polaco y al mismo tiempo ayudar a los brasileños de origen polaca a adaptarse sin mayores problemas a la evolución de dicha visión. Es verdad, que en el seno de la sociedad brasileña, funcionan diversas y numerosas culturas inmigratorias en contacto entre sí de un modo directo, lo cual siempre provoca cambios en sus determinados elementos, la eliminación de unos y su sustitución por otros que han sido tomados en préstamo de otras culturas en procesos de interculturización (aquí: incorporación de elementos de la cultura a la otra y, al mismo tiempo, la prestación de elementos de esta última que no entren en contradicción con los valores, normas y modelos propios) o amalgamiento (uniformización de muchos factores de una cultura y creación de una totalidad única con los mismos, la brasileña). Sin lugar a dudas, es una situación a la que se está enfrentando ‘la polonia’ actual en Brasil, que ya por mucho tiempo no se considera a sí misma como un grupo endogámico y no pone obstáculos a los procesos profundos de ‘brasilianización’, de lo cual es buen testimonio el fuerte e incesante mestizaje étnico-cultural que va surgiendo en las comunidades de ascendencia polaca cada vez más, caracterizado por un visible consenso cultural. Este potente sentimiento de ser, ante todo, ‘brasileño’

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influye, e influirá sin duda en un futuro próximo, no solo en la situación de ‘la polonia’ brasileña, en el número y actividad de sus organizaciones también lo hará en el cambio de la visión que se tiene de Polonia y de lo polaco en el seno de la misma.

NOTAS 1

Las ciencias sociales y humanas siguen tropezando con obstáculos a la hora de definir conceptos que sirvan para describir la compleja situación de las sociedades inmigratorias y sus culturas – es también el caso del Brasil contemporáneo. Incluso el intento de precisar el significado del término ‘la polonia’ termina con la presentación de las ambigüedades polisémicas existentes en su definición, ya que cada cultura y cada sociedad se manifiestan de un modo particular, relacionado con el contexto histórico, la religión, las costumbres y las leyes que, de forma notable, forman los valores de la cultura. Sin embargo, como escribe H. Blumer, (Interakcjonizm symboliczny. Perspektywa i metoda. Kraków 2007, p.133), „resulta ya banal señalar que los conceptos nebulosos, poco claros, constituyen un serio obstáculo en los estudios”, y que resultan ser „destructivos tanto para la teoría abstracta, como para los análisis empíricos”. Por otra parte, el autor advierte de que el intento de elaborar unos conceptos, que puedan elucidar unívocamente la compleja naturaleza de la cultura, está condenado al fracaso, y por lo tanto postula el sustituirlos por los llamados ‘conceptos sensibilizadores’, los cuales en situaciones problemáticas muestran no tanto lo que podemos mirar, como la dirección en la que hay que mirar (Blumer, H. Interakcjonizm symboliczny. Perspektywa i metoda. Kraków 2007, p.7). Al parecer, el término ‘la polonia’ constituye precisamente un ‘concepto sensibilizador’, que es susceptible de perder alguno de sus elementos esenciales en el caso de ser sometido a una precisión excesiva. No obstante, está estrechamente unido al concepto de etnicidad, en el cual están contenidos, por regla general, componentes imprescindibles, como son: el origen, la conservación de elementos de un estilo de vida, de la tradición y las costumbres de los antepasados, a veces también el conocimiento de la lengua y la tradición religiosa dominante (en este caso, el catolicismo). Asimismo resulta esencial la conciencia misma del origen, el sentimiento de lealtad, los nexos sociales con otras personas que tengan las mismas raíces y el reconocimiento de valores comunes.

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„La identidad significa la concepción en sí que cada individuo tiene de sí mismo”, es decir, lo que el individuo piensa de sí mismo, de qué forma se percibe. En el caso de los ambientes de inmigrantes antes mencionados, se trata sobre todo de quién cree ser el descendiente de inmigrantes y de qué forma se define (Bokszañski, Z. To¿samoœæ, interakcja, grupa, £ódŸ 1989, s. 12)

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Malinowski, M. Ruch polonijny w Argentynie i Brazylii w latach 1989-2000. Warszawa 2005, p.300

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Áurea es un municipio no muy grande en el sur del Brasil, en el estado de Rio Grande do Sul, en la región del Alto Uruguai, que destaca entre el resto de las poblaciones vecinas por el alto pocentaje de población de origen polaco, donde sin dificultad alguna se puede uno entender en la calle en polaco, los nombres de las tiendas resultan familiares y donde la mayoría de los habitantes llevan apellidos que suenan a polaco. En efecto, como indican las estadísticas municipales, más de un 90% de la población de Áurea (exactamente un 92%) es de origen polaco, lo que hace que sea una de las localidades mas homogéneas, desde el punto de vista del origen étnico, de Rio Grande do Sul. En relación a ello, a fin de promocionar turísticamente el municipio, en 1997, Áurea recibió el título oficial de ‘Capital Polonesa dos Brasileiros’.

5

Keesing, F.M. Cultural Anthropology: a

6

Kluckhohn, C. „Badanie kultury” en: Elementy teorii socjologicznych. Derczyñski W., JasiñskaKania A., J. Szacki. Warszawa: PWN, 1975, p. 31-45, p. 32.

Contemporary Perspective. New York, 1976, p. 26

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7

Herskovits, M. Men and His Works. The Science of Cultural Anthropology. A. Knopf: New York, 1948.

8

Malinowski, M. Ruch polonijny w Argentynie i Brazylii w latach 1989-2000. Warszawa, CESLA: 2005, p. 296.

9

Ha³as, E., Konwersja. Perspektywa socjologiczna, Lublin 1992, p.86

10

Kempny, M. „Globalizacja” w: Encyklopedia socjologii. T.1, Warszawa: 1998, s. 243

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ABSTRACT: There are no doubts that the community of Polish descendants in contemporary Brazil (called below Brazilian ‘polonia’), constitutes an interesting topic for cultural studies, especially in what deals with their relations with Poland, their ideas about the country of their ancestors or with their, genuine or imagined, Polish identity. Basing on the experiences coming from field studies in the communities of Polish descendance conducted in the south of Brazil and conversations with members of those communities visiting Warsaw, the author presents her reflections on the meaning and impact of Polish roots in Brazil, on the ways Polish identity is interpreted by representatives of Polish communities, on the way Poland is viewed among them and on what are and perhaps what should be like relations between Brazilian ‘polonia’ and Poland seen from both Brazilian and Polish perspectives. Key words – migration, identity, communities of Polish origins, cultural tranformations

Políticas de saúde para o desenvolvimento do Interior da Bahia: as relações entre o mundo rural e urbano, pistas para o futuro Tiago Landim d´Avila1

RESUMO Este artigo trata sobre as questões socioeconômicas do mundo rural e urbano num município do interior da Bahia e tem como objetivo propor medidas que minimizem os efeitos devastadores das epidemias que se disseminam pelo interior do Estado. Localizada na região Sudoeste, a cidade tem uma população que vive essencialmente da lavoura, distante da região urbana e próxima de povoados que tem modos de vida, valores e comportamentos simples, próprios do seu afastamento. A chegada do vírus HIV nessas áreas consideradas endêmicas para outras doenças como a leishmaniose, esquistossomose, e hanseníase têm provocado desequilíbrio no meio ambiente e na qualidade de vida da população, outrora considerada imune aos apelos midiáticos. A ideia de que o mundo rural se encontra num processo estrutural de marginalização econômica, social e simbólica, ainda persiste. A mercantilização da produção agrícola em massa tem deslocado para outras fronteiras as grandes oposições, mas, os problemas sociais se agigantam no Nordeste do Brasil. Os processos de agonia do “velho” mundo tradicional sempre recobram os sentidos e atemorizam os locais ainda inexplorados pela globalização. Palavras-chave: Políticas de saúde-Bahia, epidemias – urbanas & rurais, questões sociais.

INTRODUÇÃO A ideia que o mundo rural se encontra num processo estrutural de marginalização econômica, social e simbólica, ainda persiste. A mercantilização da produção agrícola desloca, para outras fronteiras, as grandes oposições, fazendo com que os problemas sociais se agravem no Nordeste do Brasil. Os processos de decadência da ruralização¹ intimidam as hierarquias políticosociais e chamam atenção para os locais ainda inexplorados pela globalização. Dentre os problemas enfrentados pela população rural, a disseminação de doenças sexualmente transmissíveis, em especial o vírus da imunodeficiência humana do inglês, Humanimmunodeficiencyvirus - HIV causador da AIDS, sigla que denomina a Acquiredimmunodeficiencysyndrome – é motivo de preocupação na saúde pública.

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Outras enfermidades sexualmente transmissíveis como as hepatites virais e canceres também estão associados a vírus que são negligenciados nas populações rurais se consideramos os índices de subnotificações, má conduta no diagnóstico e/ou tratamento, ou mesmo a falta de conhecimento da população. Dessa forma, as iniciativas que tenham como objetivo mapear as zonas rurais e estabelecer padrões de conduta que minimizem os efeitos dessas epidemias se torna referencial importante na quantificação e qualificação dos serviços e acesso aos meios de saúde. Localizada na região Sudoeste do Estado, a cidade tem uma população que vive essencialmente da lavoura, está relativamente distante da região urbana, e próxima a povoados que têm valores, comportamentos e modos de vida de extrema simplicidade, próprios do afastamento com as grandes cidades. Por ser uma região voltada para preparação da terra e cultivo de plantas, os habitantes tem contato direto com a natureza, fato que criou a acepção do termo Ruralização2. Ao contrair doenças pelo contato direto com a terra, sem o uso de equipamentos de proteção individual (EPI), doenças simples, podem se transformar em graves, a exemplo das parasitoses intestinais, a amebíase, giardíase, ascaridíase, conhecida vulgarmente na região como “lombriga”, a esquistossomose, ancilostomíase (“amarelão”), enterobíase, (verme “caseira”) e teníase, causando transformações orgânicas prejudiciais à qualidade de vida. Outro fato importante é a cidade está localizada numa região de vale e hidrograficamente favorecida, cujo clima torna propícia à disseminação de epidemias, a dengue e as endemias, as leishmanioses. Na maioria dos municípios do interior do estado da Bahia já houve pelo menos um caso notificado por HIV (CREAIDS-Bahia, 2006), e demonstra que mesmo os municípios de origem rural não estão livres de infecções. Porém, o fato mais agravante é a tendência estatística que tem os indivíduos em contrair doenças endêmicas unidas a alta proliferação de doenças sexualmente transmissíveis gerando um risco mais alto de coinfecções3. O efeito da coinfecção HIV/Leishmania na leishmaniose visceral tem sido estudado em estados brasileiros onde foram notificados 61 casos de coinfecção, dentre os quais alguns reportados no estado da Bahia (MS, BRASIL, 2004). Também foi incluída a coinfecção ao vírus linfotrópico das células T humano tipo I (HTLV-I), e em estudo experimental, as amostras do banco de sangue apontam a Bahia, como uma das maiores prevalências

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de infecção no Brasil, segundo Catalan-Soares, Carneiro-Proietti et al.,(2005). O único estudo de base populacional mostra também, a alta prevalência na cidade de Salvador, sendo a taxa de 1,78%(Dourado, Alcantara et al., 2003), mas não existem dados referentes a outras cidades do estado, onde já foram reportados casos de doenças associadas ao HTLV-1 (Gomes, Melo et al., 1999; Oliveira Mde, Brites et al., 2005). O mapeamento da situação destas coinfecções e seus efeitos, assim como o conhecimento dos fatores comportamentais e socioeconômicos da população afetada permite delinear com maior precisão as medidas de prevenção e controle, na conduta do diagnóstico e da terapêutica a serem empregadas. Este trabalho relata a interseção entre as questões socioeconômicas e culturais dos mundos rural e urbano em um município da Bahia e objetiva também esclarecer as causas e consequências da contaminação por doenças sexualmente transmissíveis em uma cidade do interior do estado.

A RURALIZAÇÃO DAS DOENÇAS Durante os séculos XVI e XVII o Brasil se tornou o maior produtor de açúcar no mundo. As principais regiões açucareiras brasileiras estavam nos estados de Pernambuco, parte do Rio de Janeiro, São Paulo (São Vicente) e Bahia. A economia era sustentada pela tríade, monocultura, latifúndio e mão de obra escrava, e assim permaneceu até o século XIX com a gradativa mudança da economia açucareira para cafeeira e pecuarista, que passou a ser sustentada pela mão de obra imigrante. Com a implementação da mão de obra assalariada do imigrante surgiu a necessidade de criar um sistema de atendimento à saúde para atender as demandas da população trabalhista. Os primórdios dos sistemas de saúde, inicialmente privados com o avanço da industrialização e urbanização da população nos séculos seguintes, ampliaram o atendimento a toda população. A urbanização disseminou doenças sexualmente transmissíveis, o HIV, as hepatites e mais recentemente o HLTV. A erradicação ou mesmo a diminuição dos agravantes que causam as doenças devem ser conhecidos com a finalidade de combater as enfermidades que atingem os fluxos migratórios da zona urbana para a zona urbana. Se compararmos a introdução de uma nova espécie, em um ecossistema em clímax, essa relação pode causar completo desequilíbrio ambiental, onde surgem novos seres ou indivíduos partindo da interação com o novo meio ambiente e do compartilhamento de informações genéticas. A completa

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reorganização da cadeia alimentar aumenta ou diminui o número de habitantes e/ou seres de determinadas espécies presentes acima ou abaixo da cadeia alimentar. Finalmente se usarmos o processo de seleção natural, o mais resistente supera o mais vulnerável, e pode ocorrer a extinção dessas espécies. Essa analogia pode se assemelhar ao que aconteceu na colonização do Brasil, quando grande parcela da população indígena foi dizimada por doenças transmitida pela população europeia. No entanto, a interiorização do vírus HIV em áreas consideradas endêmicas para outras doenças como a leishmaniose, esquistossomose, e a hanseníase tem provocado um total desequilíbrio no meio ambiente. A qualidade de vida da população rural tornou-se vulnerável e a integração com populações urbanas tem causado queda na produtividade pelo fato das pessoas adquirirem com mais frequência doenças infecciosas.

PROBLEMATIZAÇÃO: URBANO VERSUS RURAL Até a década de 1930, a Bahia viveu uma inércia econômica e nem os processos de industrialização e urbanização característicos do período impulsionaram a sócio economia de Salvador, que viveu em decadente patamar nesse período. (RUBIM, 2000, p.2). No sul da Bahia nem a próspera lavoura de cacau foi capaz de promover a movimentação necessária para o crescimento da economia do estado. (OLIVEIRA, 2000, p.140). Esse fenômeno promoveu a formação de centros metropolitanos que refletiam mudanças significativas nos meios de subsistência e culturais das populações rurais. Se analisarmos, entretanto, o crescimento populacional entre as décadas de 1940 a 1980 verificamos uma inversão na distribuição de habitantes das áreas rurais para as urbanas, provocada pelo fluxo desordenado para as grandes cidades consideradas urbanas. Os comportamentos sociais provenientes da modernização a partir de 1965, no entanto, provocaram mudanças nas culturas locais que se perderam ou assumiram outras formas. O homem rural procurava outros tipos de trabalho nas zonas urbanas. O processo de modernização urbana vivenciado pela cidade de Salvador, naquele momento, quando são construídas as famosas avenidas de vale, o novo polo comercial deslocaram a administração pública e a cidade passou a crescer na direção norte e prescindir de quantidade maior de mão de obra. A constituição de novos padrões e formas de trabalho se torna o conjunto de práticas e representações sociais, cujos fatores passam a

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responder pelas mudanças globais e pelos papéis diversificados de modernidade e modernização. Nestes termos, Canclini (2000) assinala que a modernidade sugere uma etapa de desenvolvimento, que apesar de histórica permanece na sociedade, mas, para a modernização cujos processos sociais, econômicos, e politicoculturais constroem os programas de renovação, experimentação e crítica de práticas simbólicas continuam disponíveis nas sociedades.

CONCLUSÃO A situação atual das capitais brasileiras e os problemas relacionados com a qualidade de vida, a violência, os elevados tributos e impostos e os custos onerosos de vida nas grandes cidades, estão revertendo o êxodo rural ocorrido no início do século XIX com a industrialização face à procura por melhores condições de vida disponibilizadas nas cidades interioranas. Essa inversão da migração urbana-rural provoca a instauração de novas doenças em populações desfavorecidas, visto que o contato com as novas enfermidades desequilibra o sistema imunológico. Além da falta de conhecimento outro agravante prejudica a prevenção. Os fatores mais agravantes são o atendimento médico-hospitalar deficiente na zona rural onde faltam médicos, enfermeiros, farmacêuticos, biomédicos, e biólogos. A inexistência de incentivos financeiros para que estes profissionais deixem os centros urbanos e vivam no interior, na maioria das vezes sem condições de trabalho adequadas provocadas pela escassez de recursos, materiais básicos de limpeza e higiene, reagentes laboratoriais e/ou cirúrgicos, dentre outros. Com a introdução de atividades diversas das produções urbanas a população rural passou a ocupar funções que nada tem com os trabalhos praticados anteriormente, e aponta para um novo paradigma sociocultural. Adaptados aos espaços de origem e sem preparo adequado para exercer novas habilidades, os desafios são constantes. A falta de escolarização é um deles. A maioria das regiões rurais do Nordeste ainda padece com a falta de recursos primários que dificultam a permanência dos alunos na escola. Até então, o HIV tratado como uma enfermidade de centros urbanos surge em todas as cidades da Bahia onde já foi notificado pelo menos um caso. A necessidade de aprofundar estes estudos nos setores rurais e confrontar as notificações com os centros urbanos responsáveis em grande parte pela disseminação do vírus em especial em áreas remotas e com carência de assistência em saúde.

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A pesquisa em localidades afastadas dos centros urbanos tem outro aspecto relevante para o levantamento sobre a contaminação por HIV e amplia seu raio de ação, devido ao deslocamento de pessoas que procuram melhor qualidade de vida nos grandes centros, onde os episódios de infecção têm aumentado. As informações pelo senso comum são distorcidas e minimizam as formas de se contraírem as doenças. O deslocamento populacional de massa nas áreas rurais para as urbanas por fatores naturais como a seca, e a falta de oportunidade de trabalho, estimulam o jovem a rumar para outros lugares. Em contrapartida, as mudanças radicais provocam a incorporação de hábitos citadinos prejudiciais à saúde, como o tabagismo, alcoolismo e outros. Esses hábitos cotidianos juntamente com o aumento do relacionamento com as redes sociais implicam na participação e inclusão em grupos dispersos que estão mais propensos a perigos e epidemias urbanas. Um estudo sobre as culturas regionais e locais tem como finalidade entender as categorias de pensamento da população local no que se refere à contaminação pelos vírus oportunistas, de forma que a informação fidedigna chegue às zonas rurais para prevenir e controla as doenças. O mapeamento das situações descritas e suas consequências, bem como os fatores comportamentais e socioeconômicos da população rural/urbana permitem delinear as medidas de prevenção e controle, que podem minimizar problemas de saúde pública e considerar a conduta adequada no diagnóstico e na terapêutica.

NOTAS 1

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde – UFBA / FIOCRUZ, BAHIA, Mestrado em Medicina Investigativa e Bioteconologia FIOCRUZ-Bahia, Professor Titular da Universidade Jorge Amado – UNIJORGE.

2

Por Ruralização, entende-se como a forma de transferência de elementos culturais característicos de sociedades urbanas, para o meio rural; Incorporação de características e costumes rurais, nas zonas e interiores dos locais agrícolas.

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Coinfecção – reinfestação ou ação exercida no organismo por agentes patogênicos: bactérias, vírus, fungos e protozoários.

REFERÊNCIAS ANDRADE, B. B., SANTOS, C. J., et al. Hepatitis B infection is associated with asymptomatic malaria in the Brazilian Amazon. PLoS One, v.6, n.5, p.e19841. CATALAN-SOARES, B., CARNEIRO-PROIETTI, A. B., et al. Heterogeneous geographic distribution of human T-cell lymphotropic viruses I and II (HTLV-

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I/II): serological screening prevalence rates in blood donors from large urban areas in Brazil. Cad Saude Publica, v.21, n.3, May-Jun, p.926-31. 2005. DOURADO, I., ALCANTARA, L. C., et al. HTLV-I in the general population of Salvador, Brazil: a city with African ethnic and sociodemographic characteristics. J Acquir Immune Defic Syndr, v.34, n.5, Dec 15, p.527-31. 2003. GOMES, I., MELO, A., et al. Human T lymphotropic virus type I (HTLV-I) infection in neurological patients in Salvador, Bahia, Brazil. J Neurol Sci, v.165, n.1, May 1, p.84-9. 1999. MOLINA, R., GRADONI, L., et al. HIV and the transmission of Leishmania. Ann Trop Med Parasitol, v.97 Suppl 1, Oct, p.29-45. 2003. OLIVEIRA MDE, F., BRITES, C., et al. Infective dermatitis associated with the human T cell lymphotropic virus type I in Salvador, Bahia, Brazil. Clin Infect Dis, v.40, n.11, Jun 1, p.e90-6. 2005. MIGUEZ DE OLIVEIRA, Paulo César. Periodizando a cultura baiana no novecentos: uma tentativa preliminar. Salvador: UNIFACS, 2000. v.1, n.8. RUBIM, Antonio Albino Canelas. Comunicação, mídia e cultura na Bahia contemporânea. Bahia Análise e Dados – Revista da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia, Salvador, v.9, n.4, p. 74-89, mar. 2000.

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Normas

Normas Editorias O autor do trabalho deve indicar seu nome completo, título acadêmico e vinculação institucional, bem como endereço completo para correspondência. Os trabalhos devem ser enviados em disquete, CD, Pendrive, acompanhado de cópia impressa em papel. O resumo e o abstract devem ter no máximo 10 linhas e vir acompanhados de 3 palavras=chaves/keywords. Os artigos devem ter extensão máxima de 65 mil caracteres, digitados na fonte Times New Roman 12, com espaço 1,5 e margens de 2,5 cm. Os destaques feitas no corpo do texto deverão ser feitos com aspas simples. As palavras e expressões escritas em língua diferente daquela escolhida pelo autor deverão aparecer em itálico, bem como os títulos de livros, revistas, jornais, instituições, etc. As citações até três (3) linhas deverão ser feitas no corpo do texto, com aspas duplas. As citações que ultrapassarem três (3) linhas deverão ser transcritas com recuo no texto, sem aspas. Os destaques feitos pelo autor nas citações deverão ser indicados em negrito. Os artigos devem ser acompanhados de resumos (em português e inglês), com, aproximadamente, dez linhas e de cinco (5) palavras-chave( em português e inglês). Os originais podem ser remetidos em português, inglês, francês, espanhol ou italiano. As resenhas críticas devem ter extensão máxima de 10 mil caracteres, digitados na fonte Times New Roman 12, com espaço 1,5 e margens de 2,5 cm. As notas devem ser colocadas ao final da resenha. Todas as notas devem ser colocadas ao final do texto antes da bibliografia.

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A bibliografia deve ter a seguinte apresentação: Nome e SOBRENOME. Título do livro em itálico:subtítulo. Tradução, edição, cidade: Editora, ano, p.ou pp. Nome e SOBRENOME. Título do capítulo ou parte do livro. In: Título do livro em itálico. Tradução, edição, cidade: Editora, ano, p.ou pp. Nome e SOBRENOME. Título do Artigo entre aspas. Título do Periódico em itálico. Cidade: Editora, vol., fascículo, ano, p.ou pp. Admitem-se as referências Id.ibidem e Op. cit., segundo as normas em utilização. Todos os trabalhos serão submetidos a dois pareceristas. Os autores serão notificados da aceitação ou não dos respectivos trabalhos. O material remetido não será devolvido pela revista. Os trabalhos não aceitos estarão à disposição dos autores pelo prazo de seis meses, a contar da emissão do parecer. Todos os artigos encaminhados fora destas normas serão enviados ao autor para as adaptações necessárias. São automaticamente cedidos à revista os direitos autorais sobre os originais e traduções por ela publicados. Os dados e conceitos abordados nos artigos e resenhas são da exclusiva responsabilidade do autor Cada autor receberá gratuitamente cinco exemplares do número da revista que contenha seu artigo.

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