Revista Via Legal (Ano 2, n. 6, Dez. 2009): Respeito à mulher brasileira

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sociedade Foto: Erika Vettorazzo

Respeito à mulher brasileira

No Rio de Janeiro, a publicação de um guia turístico que apresenta a mulher brasileira como objeto sexual foi questionada na Justiça e os exemplares acabaram fora de circulação Viviane Rosa – Rio de Janeiro (RJ)

O

autor da publicação jura que não teve a intenção de ofender a mulher brasileira. A afirmação, no entanto, não diminui a polêmica envolvendo a 7ª edição do guia de turismo Rio for Partiers (Rio para Festeiros). A reação se deve à inclusão de um capítulo, no mínimo questionável, que traz orientações sobre como o estrangeiro deve agir para seduzir as brasileiras, principal-mente as cariocas. Em um dos trechos, a publicação chega a aconselhar o turista a “beijar o mais rápido possível”. Além disso, classifica as mulheres em quatro tipos: “filhinhas de papai”, “balzaquianas”, “alternativas” e “popozudas”. Por causa do teor, a publicação foi alvo de uma ação judicial. Publicado e atualizado anualmente desde 2003, o guia tem formato reduzido, de fácil transporte, e vinha sendo vendido em livrarias, bancas de jornal e também pela internet. Foi escrito em inglês pelo brasileiro Cristiano Nogueira e, como o título sugere, é destinado a estrangeiros que vêm ao Rio de Janeiro em busca de festas. Promete ser a primeira revista da capital fluminense escrita “por jovens e para jovens”. A propaganda é ousada: diz que, ao ler o guia, a pessoa tem a sensação de estar acompanhada por um carioca nas visitas a restaurantes, espaços culturais, pontos turísticos famosos e, claro, às melhores festas e casas noturnas da cidade. No entanto, o que poderia ser um guia de viagem inovador e bem humorado, revelou-se uma representação estereotipada das brasileiras. O capítulo que ensina como um

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Leonardo Name: “O guia é uma grande piada de mau gosto”

estrangeiro deve paquerar uma brasileira, por exemplo, faz uma descrição minuciosa dos tipos femininos que seriam encontrados no país. A polêmica veio à tona depois que o professor de Geografia da PUC-Rio, Leonardo Name, escreveu um artigo em que define a publicação como uma grande “piada de mau gosto”. Para o professor, ao tentar ser engraçado, Cristiano errou a mão. “Ele exagera, diz que a única interação que um estrangeiro pode ter com uma brasileira é por meio do sexo”, critica o professor. A pedido da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), a Procuradoria Regional Federal questionou judicialmente a editora SolCat, responsável pela publicação. “O guia é desrespeitoso. Será que toda brasileira tem que se encaixar numa dessas categorias?”, indaga o procurador federal Marcos Couto. O caso foi analisado no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que determinou a retirada de circulação do livreto. Para a desembargadora Salete Maccalóz, relatora do processo, mais que um insulto, o guia rebaixa a mulher brasileira. “É vulgarizado. Não tem outros predicados. Não há nada que disfarce o intuito dessa propaganda”, argumenta. O autor, Cristiano Nogueira, se defende afirmando que pretendia mostrar ao leitor as singularidades do “jogo da conquista” no Brasil e, ao contrário do que entendeu a Embratur, a intenção nunca foi promover o turismo sexual. “A azaração nos Estados Unidos e na Europa tem ritmos diferentes. A ideia foi mostrar essas diferenças culturais para evitar atritos e fazer com que o

estrangeiro tenha um relacionamento não pago com uma brasileira”, explica. Outra reclamação de Cristiano é que o livro não teria sido traduzido da forma correta. Ele admite que o conteúdo, principalmente a descrição das chamadas “popozudas”, tem conotação sexual, mas tenta justificar. “Ninguém considera desrespeitoso ser chamado de bom de cama. As popuzudas querem ser chamadas de gostosas. Isso é um título, não um insulto”, argumenta. Sobre a punição imposta pela Justiça, ele diz que houve “censura”, e que o problema poderia ter sido solucionado sem ter chegado aos tribunais. Apesar de criticar o conteúdo, o professor Leonardo Name também discorda da proibição da revista. Para ele, a publicação apenas evidenciou um conceito que o próprio brasileiro ajuda a disseminar e que, de fato, precisa mudar. “Proibir remonta a um autoritarismo que nunca deu certo. A gente tem que parar de ficar ofendido quando uma representação incomoda e parar para pensar qual é a nossa contribuição para que esses estereótipos permaneçam”, explica. Já para a desembargadora, num caso como esse, é punindo que se educa. “Não é porque não se tem mais censura ou porque a Lei de Imprensa foi revogada que as pessoas podem dizer ou fazer o que querem”, pondera Salete Maccalóz. E o procurador Marcos Couto completa: “A liberdade de expressão, que sempre deve ser respeitada, deve também respeitar alguns limites éticos”. n

sociedade

Escândalo como arma de propaganda No início deste ano, outra discussão semelhante ocupou espaço na mídia nacional e internacional depois de revoltar as autoridades do Rio de Janeiro. Uma campanha publicitária da Relish, uma rede de roupas femininas italiana, espalhou em outdoors pelas cidades de Milão, Bolonha e Nápoles imagens feitas em Ipanema que mostram modelos aparentemente italianas sendo abordadas e revistadas de forma abusiva e agressiva por modelos fantasiados de policiais militares fardados, após o carro em que elas viajam enguiçar na orla. Em uma das fotos, um dos militares coloca a mão por baixo da saia da modelo. As fotos também ilustram o site da Relish. O fato, que chegou perto de se transformar num incidente diplomático entre Brasil e Itália, provocou reações de vários segmentos da sociedade: governo, polícia militar, deputados fluminenses e a própria Prefeitura de Nápoles emitiram notas de reprovação à campanha, que foi analisada também pela socióloga da Fundação Getúlio Vargas, Bianca FreireMedeiros. “A campanha é de mau gosto sob vários aspectos. É machista e reforça a associação perversa entre sexo e violência. Mas não é nem a primeira nem a última campanha publicitária a se valer desses elementos. Somos um paraíso tropical,

Foto: Divulgação

mas também somos o lugar do risco e da violência. Gostemos ou não, precisamos admitir nosso quinhão de responsabilidade na produção e circulação dessa imagem de um Rio corrupto e violento”, afirmou Bianca, autora do livro “O Rio de Janeiro que Hollywood inventou”. A rede de lojas italiana tentou se desculpar alegando que o objetivo da campanha era justamente atenuar a carga dramática das situações representadas, tratando-as de maneira irônica. A empresa afirmou ainda que “a mídia vem fazendo muito barulho por nada” e que “transformar a campanha em um

incidente diplomático entre Brasil e Itália só pode ser interpretado como um desejo de desviar atenção dos problemas mais graves do país”. A nota da Relish destaca que em nenhum momento houve o propósito de dizer que o Brasil é um país violento e que a escolha do Rio para a realização das fotos foi motivada pela época do ano (primavera/verão), condições meteorológicas e cenário. O fato é que, no meio dessa discussão toda, a Relish saiu das ruas italianas para virar notícia no mundo inteiro, ganhando mais publicidade do que poderia ter imaginado.

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