Ribeiro, P. C. (2016). A evolução do conhecimento e das universidades. In P. C. Ribeiro (Ed.), A Comunicação Interorganizacional em Rede na Transferência de Conhecimento: A abertura das universidades às empresas (pp. 15-61). Tese de Doutoramento, Braga: Universidade do Minho.

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A Comunicação Interorganizacional em Rede na Transferência de Conhecimento: A abertura das universidades às empresas

CAPÍTULO I: A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E DAS UNIVERSIDADES

Sumário

O primeiro capítulo é dedicado no ponto (1) à compreensão das dinâmicas da sociedade, incluindo a análise da importância estratégica do conhecimento, da herança filosófica das organizaçõesuniversidades (unidades de análise desta investigação) e do seu papel no desenvolvimento do conhecimento e das sociedades, nos períodos clássico e moderno; no ponto (2), procederemos à análise das mudanças das universidades no período pós-moderno e à emergência da universidade empreendedora; no ponto (3), evidenciaremos a centralidade das universidades na inovação das sociedades; promovemos um debate concetual do termo transferência de conhecimento; e desenvolvemos um novo modelo concetual de abordagem às populações de inovação.

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1. O conhecimento, as sociedades e as universidades

A emergência da chamada “Sociedade do Conhecimento” (ou “da Informação”), na segunda metade do século XX, trouxera consigo extraordinárias oportunidades, mas também enormes exigências para a responsabilidade pública destas instituições. Referimo-nos a uma sociedade baseada na informação e dominada pela revolução tecnológica, que se tornaram eixos do desenvolvimento sustentável e da competitividade das nações. (Ruão, 2008, p. 156)

Iniciamos esta discussão com algumas teorias de sociólogos - como Richard Scott e John Meyer (Scott & Meyer, 1994) e Manuel Castells (2000) -, de cientistas da comunicação, tais como Jan van Dijk (Van Dijk, 1991, 1999, 2006) e James Taylor (2001) -, e de teóricos organizacionais - como Mary Jo Hach (1998) -, que puseram em evidência a ligação entre a estrutura das organizações e a estrutura da sociedade. De facto, a primeira constatação a reter na análise da comunicação nas organizações é a de que existe uma forte correlação entre as características da sociedade e as dinâmicas organizacionais, colocando-se as organizações na dependência e contingência social, donde se justifica analisar, a priori, as características sociais, começando por alguns dos paradigmas dominantes atuais, conscientes de que o estado atual resulta, por sua via, de processos evolucionários, de mudança e de transformação. Mais ainda, outros estudos, como é o caso de Ruão (2008), colocaram em evidência outra correlação, a da implicação das estruturas organizacionais nos estilos de comunicação, e, mais especificamente, das universidades e dos processos de comunicação, mostrando que estes últimos são evolutivos e passíveis de identificação, conforme foi investigado pela autora: Tal significou uma grande mudança, pois estas instituições evoluíram de formatos de comunicação de elite (característicos das organizações de princípios do século XX) para modelos de comunicação de massa (desenvolvidos nos anos 80 e 90) e sistemas de comunicação estratégica (já no novo século), desenvolvendo pressupostos de articulação política e táctica de todas as mensagens, meios e públicos. (Ruão, 2008, p. 8)

Face ao tema em investigação, resolvemos começar com a análise dos textos de Manuel Castells (Castells, 2000; 2007/1996; Castells, 2013/2009; Castells & Himanen, 2002). Estes permitem-nos desenvolver um enquadramento sociológico, uma reflexão introdutória sobre alguns conceitos de análise da sociedade, e que emolduram este trabalho na linha de investigação da Sociologia da Comunicação (uma das correntes seguida pelo grupo de investigação no qual estamos inseridos): Grupo de

Comunicação, Organizações e Dinâmicas Sociais do CECS (Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade), da Universidade do Minho.

1.1 O predomínio do conhecimento nas sociedades Vivia-se já, nestes momentos tardios do séc. XX e dos inícios do séc. XXI, em sociedades assentes

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nas atividades do conhecimento e da inovação. A expressão não é nossa, muitos têm sido os autores a trabalharem estes conceitos. O termo sociedade do conhecimento - expressão magistralmente usada pelo sociólogo espanhol Manuel Castells (inspirador de uma corrente de autores que se debruçaram sobre a sociedade e a economia baseada no conhecimento) – emerge de uma evolução do conceito inicial de

sociedade da informação, pelo que iniciamos a discussão com uma abordagem a estas duas noções. Parece haver um consenso alargado quanto à utilização do termo sociedade do conhecimento como a forma de descrever uma tendência das sociedades do período pós-industrial, que emergiram em finais do séc. XX. Assim, a primeira definição da sociedade do conhecimento, proposta por Peter Drucker e por Daniel Bell, no início dos anos 70, correspondia à noção de sociedade da informação. Embora seja inegável que a propagação mundial de tecnologias de informação e de comunicação criou novas condições para a emergência de sociedades do conhecimento, esta noção não pode ser reduzida ao conceito de sociedade da informação (Mattelart, 2003). A emergência da sociedade do conhecimento depende da sociedade da informação para sua infraestrutura, mas primeiro, abrange e reflete a crença nas capacidades de produzir, processar e disseminar o conhecimento com vista ao desenvolvimento social e económico, uma ideia bem explicada na afirmação seguinte: “o conhecimento é a força que conduz a economia” (Acauley, Duberley, & Johnson, 2007, p. 2). Esta é uma das características-chave destas sociedades, a convicção de que o conhecimento e os serviços baseados no conhecimento devem ser entendidos como os agentes principais de toda a atividade económica, pelo que tenha sido designada por

economia baseada-no-conhecimento (Leydesdorff, 2006). Ora, este modelo de desenvolvimento económico e social encontra-se patente nas políticas Europeias (Simão, Santos, & Costa, 2002) (como teremos oportunidade de ver em detalhe na segunda parte da tese), nas sociedades desenvolvidas e em vias de desenvolvimento. Esta é, de resto, uma estratégia internacional que promove o desenvolvimento económico e a coesão social dos países da Europa, segundo Maria João Rodrigues (2002). 2

No contexto das sociedades baseadas no conhecimento (Conrad & Poole, 2011), inserem-se as organizações intensivas de conhecimento, os colaboradores baseados no conhecimento (Canary & Mcphee, 2009, 2011; Deetz, 1997; Grant, 1996) e as equipas de conhecimento intensivo (Chung & Jackson, 2011). As ideias de trabalho do conhecimento, de trabalhador do conhecimento e de empresas

intensivas de conhecimento são relativamente recentes, e nascem da reconhecida importância do conhecimento na sociedade e nas organizações. As empresas intensivas de conhecimento distinguem-se de outros tipos de empresas, porque, para além de produzirem produtos e/ou serviços qualificados, criam conhecimento novo e único, o que lhes confere qualidades singulares de originalidade. Estas empresas não estão vinculadas a campos específicos. São organizações tão diversas como empresas de consultoria,

Em 2002, à data da edição do livro, foi professora da Universidade de Lisboa, conselheira do Primeiro-Ministro de Portugal e presidente do grupo de aconselhamento de Ciências Sociais no Programa de Enquadramento Europeu da União Europeia.

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gestão, engenharia ou informática, agências de publicidade, unidades de investigação e desenvolvimento, empresas farmacêuticas e de alta tecnologia e universidades (Kärreman, 2008). Desde os últimos 15 anos, tem havido uma transição entre a produção económica baseada na produção física de bens em fábricas, para uma sociedade em rede, na qual muito valor é adicionado através atividades de informação e conhecimento. A sociedade do conhecimento faz nascer tipos diferentes de organizações (…) e novos tipos de trabalhadores, trabalhadores do conhecimento e trabalhadores da informação. (Conrad & Poole, 2011, p. 188)

Associada à produção e criação de conhecimento estão os docentes/investigadores, um tipo de profissionais que trabalham e criam o conhecimento (e que, nessa medida, diferem do tipo clássico de trabalhadores). Deetz (1997) identifica algumas dimensões para os grupos de trabalho de conhecimento intensivo, como os académicos. E, a primeira, é o seu elevado nível de autonomia e gestão individual, onde prevalece a capacidade de controlo e de coordenação de tarefas. A segunda indica-nos que as empresas baseadas no conhecimento-intensivo estão dependentes de complexos processos de comunicação. Estas organizações e sociedades rompem com a conceção tradicional de organizações do período industrial e são a marca de um período de pós-modernidade, expressão utilizada amplamente na 3

literatura. Neste contexto social, vamos olhar em particular para as Universidades. Estas são as organizações, por excelência, produtoras/criadoras de conhecimento e de inovação. Diz-se, por excelência, no sentido em que as universidades têm sido, por tradição histórica, organizações ligadas ao saber e à investigação, o que confere legitimidade ao conhecimento e à ciência produzida. Estas organizações sempre foram tomadas como "centros de conhecimento" ou "construtoras de conhecimento" (M. Huberman & Levision, 1984, p. 18), ou ainda, apelidadas de "fóruns de humanismo e de vanguarda de pensamento" (Simão, et al., 2002, p. 26). São estabelecimentos de ensino universitário (a par dos institutos universitários e das escolas não integradas) e diferem do ensino politécnico (institutos politécnicos e escolas não integradas), sendo que cada um segue um ensino adequado à sua natureza (para uma distinção das tipologias de estabelecimentos, cf. Simão, et al., 2002). As universidades são instituições pluri e interdisciplinares que, assumindo-se como consciência crítica e promotoras de transformação da sociedade, se constituem em espaços de vanguarda do pensamento, promovendo o aprofundamento e convergência dos diversos ramos do saber correspondentes a áreas do conhecimento, mediante a prática da investigação, a realização de cursos de graduação e pós-graduação e a prestação de serviços altamente especializados. (Simão et al., 2002, p. 268-269)

Pedro Conceição e Manuel Heitor (2003) advogam, acerca das universidades portuguesas, que as exigências das economias baseadas no conhecimento trazem algumas exigências no que concerne à sua 3 Os anos 70, 80 e início dos anos 90, foram décadas de abertura das sociedades. Por exemplo, em Portugal, com o 25 de Abril em 74, tendencialmente as políticas promoveram a cooperação internacional. Alguns países europeus nesta altura já se tinham aliado em Comunidades Internacionais. Portugal entra em 1986 na União Europeia. Mas o mundo mudou em 22 de abril de 93, com a abertura da rede da Internet à população. Primeiramente nos EUA, tendo tido como grande mentor, o vice-presidente Al Gore. Este movimento de abertura deu origem a um fenómeno de globalização da informação, do conhecimento, da inovação, das organizações e das sociedades, no qual vivemos conectados, em meados da segunda década do século XXI.

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"capacidade de criar e difundir conhecimento". Desta forma, se explica o tema deste trabalho de pesquisa, centrado no estudo das sociedades baseadas no conhecimento e dos desafios colocados às universidades contemporâneas.

1.2 O ato de cognoscere Fala-se tanto de conhecimento, mas o que é o conhecimento? A palavra conhecimento deriva do termo em latim cognoscere e significa o ato ou efeito de conhecer. Por sua vez, em termos gerais,

conhecer significa ter uma ideia, ou noção, acerca de algo. Logo, ter uma noção acerca de algo pode ser por via popular (proveniente das vivências das pessoas), ou pode ser de forma científica, académica, teórica e prática (proveniente do estudo metódico da realidade). Deste modo, pode-se considerar que o termo conhecimento tem uma conotação lata e que engloba diversos significados. Recorrendo à origem etimológica das palavras, originariamente, o termo grego gnose significava o conhecimento teórico, e a gnosiologia - a teoria geral do conhecimento. Por seu turno, a epistéme é o termo filosófico grego utilizado para designar o conhecimento ou ciência, e a epistemologia, o ramo da filosofia que estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento científico (daí também poder ser designada por filosofia do conhecimento) (Peters, 1983/1967). Todavia, a epistéme distingue-se da téchne, termo que significa o conhecimento técnico e prático, e a palavra tecnologia surge da ligação dos termos téchne e

logia (estudo), ou seja, diz respeito à aplicação de técnicas e práticas mediante a transformação no uso de ferramentas, de processos, de materiais, criados e/ou utilizados a partir de tal conhecimento. Em suma, da etimologia das palavras podem, então, ser identificados os géneros de conhecimento: teórico, científico e técnico-prático ou tecnológico. Neste contexto, convém ainda distinguir o conhecimento de outros termos com os quais surge, por vezes, associado. Estamos a falar das noções de informação e de dados. Assim, segundo Zack (1999, p. 46) “os dados representam observações ou modismos fora de contexto; [e} as informações resultam da colocação dos dados dentro de algum contexto significativo, muitas vezes sob a forma de uma mensagem”. Enquanto o conhecimento resulta do que passamos a acreditar e a valorizar com base na acumulação significativa de informação organizada (mensagens), através da experiência, da comunicação ou da inferência, logo, como refere James Taylor (2001, p. 26), "o conhecimento não é transportável: o conhecimento tem de ser assimilado, entendido e desenvolvido com base na experiência. Informação, por contraste, pode-se desprender do contexto: pode ser transmitida, armazenada e processada. Pode ser reutilizada por qualquer pessoa, em qualquer contexto". Concomitantemente, o processo de criação de conhecimento está sujeito a um diálogo contínuo entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito (nomenclatura utilizada por Michael Polanyi (1966)), o que significa que conhecemos mais do que

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conseguimos exprimir (Nonaka, 1994; Nonaka, Von Krogh, & Voelpel, 2006). Assim, o conhecimento resulta da acumulação de informação ao longo dos tempos, e deste fundamento surge à tona apenas uma pequena parte de um iceberg, revelado em palavras, números, especificações, manuais, e partilhado entre indivíduos, sociedades e organizações. Donde o conhecimento explícito resulta da transferência do conhecimento implícito e perpassa todas as dimensões da realidade: social, organizacional, grupal e individual. Aplicando, agora, este entendimento ao campo das organizações, Nonaka, Toyama e Konno (2000) apresentam uma explicação para o que apelidam de conhecimento organizacional, e que resulta da interação intra e interorganizacional, e da partilha de contextos organizacionais, num modelo de espiral do conhecimento. Logo, o conhecimento para além de ser explícito e implícito, também resulta de interações sociais entre indivíduos e organizações. Existe, igualmente, uma outra área dos estudos organizacionais sobre a gestão do conhecimento nas organizações que também analisa a transferência de conhecimento nas empresas. A gestão do conhecimento engloba um conjunto de estratégias explícitas, ferramentas e práticas que buscam tornar o conhecimento num recurso para a organização, incluindo a propriedade intelectual, os ativos intangíveis contabilizáveis, isto é, uma série de diferentes vertentes da atividade de gestão que buscam melhorar a exploração do conhecimento das empresas. Para desenvolvimento do tema da gestão do conhecimento, referenciámos os seguintes autores e trabalhos, entre outros: Zack, 1999; Brown & Duguid, 2001; Iverson & McPhee, 2002 e Gervais & Cossette, 2007. Porém, desde sempre, este tema do conhecimento foi preocupação para filósofos e para cientistas, pois, ambos procuraram explicar a realidade por métodos distintos. Assim, já nos períodos clássico e moderno, os detentores do conhecimento faziam uso e desenvolvimento do conhecimento através da ligação a organizações específicas de cada época. (ex: Brown & Duguid, 2001; Gervais & Cossette, 2007; Iverson & Mcphee, 2002; Zack, 1999)

1.3 A epistemologia antiga e moderna Passando, agora, do conceito de cognoscere para os intervenientes do processo de criação e transmissão dos conhecimentos (e concentrando-nos, apenas, na história do pensamento ocidental, de onde derivou a cultura dos países Europeus e no contexto da qual as sociedades ocidentais se desenvolveram). Já desde os tempos da Antiguidade Clássica, os filósofos gregos procuravam o conhecimento do mundo e das coisas. Fizeram-no através de métodos empíricos, racionais e intelectuais, com o objetivo último de alcançar a verdade absoluta, as leis universais e imutáveis. Durante toda a história antiga ocidental, os criadores de conhecimento foram sendo os filósofos, os cientistas de outrora, incessantes pesquisadores da verdade, amantes da sabedoria, baluartes da Filosofia, inovadores do conhecimento por excelência. A título de exemplo, refira-se que, no período pré-socrático, Tales, Heraclito,

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Pitágoras e Parménides, respetivamente, procuraram os princípios da vida nos elementos, como a água, o fogo, o número ou na abstração como método para conhecimento da realidade das coisas, criticando o conhecimento proveniente da sensação. Na filosofia antiga, destacamos o pensamento de Sócrates que exalta a importância do diálogo e da lógica racional para atingir o conhecimento verdadeiro, distinto da doxa (opinião); Platão, por sua vez, reconhece no conhecimento a crença verdadeira, e na inteligência e no raciocínio a via para atingir as ideias; e Aristóteles, cujo legado de conhecimentos deu origem a inúmeras ciências, foi o fundador da lógica formal como método para o conhecimento. Mais tarde, no período medieval o conhecimento clássico foi aliado às crenças religiosas, como no caso de S. Tomás de Aquino ou Sto. Agostinho, numa época marcada pela herança Judaico-Cristã e pelo conhecimento ligado ao sentido teológico da vida. Séculos e séculos, de “trevas” ou de "luz", ligaram o conhecimento ao sentido religioso. Posteriormente, os filósofos modernos, como por exemplo: Galileu, Copérnico, Newton, Descartes, Hume, Kant, Hegel, Shopenhauer, entre outros, marcaram o conhecimento com uma forte dimensão empírica e, sobretudo, racional, estando a epistemologia moderna preocupada com questões dos métodos empíricos e racionais para alcançar o conhecimento verdadeiro e a ciência capaz de descobrir as leis imutáveis que explicassem a regularidade e a previsibilidade dos fenómenos naturais e sociais. E neste contexto, dá-se a emergência das "ciências". Estas tornam-se distintas da Filosofia – integradora de pensadores ou sábios que conjugavam trabalhos científicos, técnicos, metafísicos, políticos, morais, éticos ou estéticos. Tal período moderno marcou a história dos séculos XVI a XX e alguns dos pensadores e cientistas foram sacrificados com a sua própria vida por colocarem em causa os dogmas instituídos pela Igreja, sobretudo, na transição do período medieval para o período moderno. O pensamento lógico e matemático de René Descartes terá sido “o primeiro a romper com o determinismo astrológico e religioso e a lançar as bases do determinismo científico e técnico” (Costa, 2001, p. 14), explicitado nas palavras de Jürgen Habermas (2006/1968, pp. 66-67), a propósito da ciência moderna: "diferentemente das ciências filosóficas de tipo antigo, as ciências experimentais desenvolvem-se desde a era de Galileu, num marco metodológico de referência que reflete o ponto de vista transcendental da possível disposição técnica. (…) Um saber tecnicamente utilizável, embora as oportunidades de aplicação, em geral, só tenham surgido posteriormente". E, associado à lógica da modernidade está ligada a ideia de progresso, um ideal intimamente relacionado com a noção de superação contínua e a “ideia da história, como história da salvação, articulada entre criação, pecado, redenção e espera do juízo final – dimensão ontológica da história” (Vattimo, 1987, p. 9). Fazendo uma resenha, durante muito tempo, o conhecimento foi apanágio da Filosofia e da Teologia, e ao longo de séculos esteve na posse de uma elite, dominada, ora por pensadores, ora

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circunscrita e fechada à esfera religiosa, ora efervescente nas grandes escolas de pensamento associadas às universidades clássicas. O conhecimento sempre foi considerado um bem e um recurso valioso, e quem o detinha ocupava os lugares mais importantes na sociedade, até ao ponto de determinados conhecimentos serem secretos, acessíveis apenas aos “iluminados” de determinadas ordens (inicialmente, ordens religiosas e, posteriormente, civis ou de homens livres), o que ainda persiste, embora, aparentemente, em muito menor escala na sociedade atual. Contudo, a transferência de conhecimento dos conhecedores para aprendizes, num processo de sábios para discípulos, era proporcionado a uma escala pequena e ainda muito circunscrita a uma elite pensante. É neste ambiente que a crítica à modernidade surge entre filósofos que estão, ainda hoje, tão presentes na crítica à sociedade ocidental, como Nietzsche ou Heidegger, e que marcaram também o fim das grandes narrativas da história, com o vaticínio do final do conhecimento moderno, do homem “sem Deus”, imerso num mundo em que a técnica e a tecnologia assumiram um lugar de suprema importância. Para uns, este movimento foi visto como uma catástrofe e, para outros, como um começo. A par, novas teorias científicas vieram colocar em causa as modernas conceções de absolutismo e certeza, no início do séc. XX, como a “teoria da relatividade” de Albert Einstein, em 1905, ou a “teoria da incerteza” de Werner Heisenberg, em 1927, e que marcaram o fim da modernidade e o prenúncio de algo diferente que viria a ser designado por período Pós-Moderno ou Pós-Modernidade. Em termos científicos, os métodos positivistas dominaram este período histórico.

2. A evolução das universidades Regressando ao passado, relembramos que foi num ambiente de elite que “as universidades nasceram na Idade Média, em ambientes de mosteiro, com o objetivo de criar e legitimar a procura pública do conhecimento” (Ruão, 2008, p. 156). Isto é, as universidades surgiram no seio das ordens religiosas detentoras dos diferentes géneros de conhecimento. Em Portugal, a Universidade nasce no século XIII em Lisboa, e nos finais do séc. XIV passa para Coimbra. Em 1290, reza a história assim: Criação do Estudo Geral Português, com a assinatura do documento “Scientiae thesaurus mirabilis”, por D. Dinis (1 de Março), confirmado pela bula “De statu regni Portugaliae” do papa Nicolau IV (9 de Agosto), com as Faculdades de Artes, Direito Canónico (Cânones), Direito Civil (Leis) e Medicina. A Universidade começa a funcionar em Lisboa. (…) O documento dá origem ao Estudo Geral, que é reconhecido no mesmo ano pelo papa Nicolau IV. Um século depois do nascimento da nação, germinava a Universidade de Coimbra. Começa a funcionar em Lisboa e em 1308 é transferida para Coimbra, alternando entre as duas cidades até 1537, quando se instala definitivamente na cidade do Mondego. 4

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(Universidade de Coimbra. (2014). Marcos históricos, séculos XIII a XVI. Acedido a 31 de agosto de 2015, de http://www.uc.pt/sobrenos/historia, §1). Universidade de Coimbra. (2014). História da Universidade: UC: Uma marca com história. Acedido a 31 de agosto de 2015, de http://www.uc.pt/sobrenos/historia, §1. 4 5

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Em Portugal a separação do poder religioso das universidades dá-se, então, com a República, no início do séc. XX. Mas a ideia de universidade moderna (por contraposição à universidade da Idade Média onde eram ensinados os conhecimentos relacionados com a religião, teologia, filosofia e idiomas - surge 6

na Europa no séc. XVIII. Foi aí que emergiu um modelo de universidade científica, criada em Berlim por Von Humboldt, e também em França com o modelo de universidade napoleónica, esta última, "de tipo profissional (…) conjugava a conceção iluminista emanada da revolução francesa, com a vontade política do estado de tomar a seu cargo, em forma absoluta e exclusiva, a responsabilidade pela educação superior e pela regulação das profissões" (Albornoz, 2014, p. 51), onde "nessa conceção a universidade é vista como ferramenta de planejamento da sociedade" (Rubião, 2013, p. 60). Este modelo moderno 7

distanciava-se da tradição secular do poder religioso sobre estas instâncias e os Estados passaram a tutelar estas instituições. E a mudança de estatutos e de localização do poder marca uma revolução nas universidades, na medida em que o conhecimento científico e prático passou a estar ligado às universidades e as cátedras a serem orientadas também por cientistas que nela trabalham, como explica Ruão (2008): Com a reforma das Luzes e ao longo do século XIX, as universidades tornaram-se uma responsabilidade dos Estados, que assumiram a tarefa da formação mental e profissional dos cidadãos (…), um modelo de organização laica, aberta a todos e defensora de novos princípios, como a técnica ou ciência aplicada às tecnologias. (Ruão, 2008, p. 156)

A universidade prosseguia, então, com a sua vocação nuclear da educação/ensino, que sempre a acompanhou ao longo dos tempos, mas que surge agora ligada ao poder político e ao serviço dos regimes. Pode caracterizar-se, na generalidade, como um modelo de instituição produtora de conhecimentos e vocacionada para o ensino, tal como explicou um ex-reitor da Universidade do Minho, Joaquim Romero (1988, p. 127) quando enunciou: uma "instituição responsável pela geração de conhecimentos e pela transmissão dos conhecimentos adquiridos". Na Europa, nos séculos XVIII e XIX, um novo debate se iniciava no seio da Universidade de Berlim onde nasceu o modelo universitário humboldtiano, marcado pelo desenvolvimento e pela separação entre a ciência e a tecnologia, a saber: como conciliar a "pesquisa ou conhecimento puro" e a "pesquisa ou conhecimento aplicado" (Rubião, 2013, p. 63). Assim, já no decorrer do séc. XIX, a Universidade Moderna

"Englobando as humanidades, a matemática e as ciências naturais. O termo "Humanidades" vem da expressão latina studia humanitatis e começou a ser utilizado no século XV. Ele se refere, então, ao estudo da língua e da literatura grega e latina" (Rubião, 2013, p. 68 e 84). "Após Bolonha e Paris, várias universidades foram sendo criadas na Europa. Cada uma delas tinha suas características próprias, inseridas num contexto local. Isso não impede a existência de vários pontos em comum, o que acabou constituindo um modelo de organização institucional. Dentre esses fatores, o principal talvez seja a criação de faculdades (o termo faculdade, na época, significava conhecimento ou ciência). Nem todas as universidades possuíam as quatro existentes na época (Artes, Direito, Medicina e Teologia), mas essa divisão em ramos de conhecimento acabou sendo uma característica comum a todas as instituições" (Rubião, 2013, p. 36). 7 Sugerimos mais desenvolvimentos, a propósito da universidade na Idade Média e na Modernidade, na obra resultante da tese de doutoramento sobre a História da universidade: Genealogia para um "modelo participativo, de André Rubião (2013), o livro Towards the third generation university (2009), de Wissema; e os volumes I e II da obra Uma história da universidade na Europa (1996), coordenados por Rüegg, e que comportam o estudo aprofundado sobre a universidade na idade média e moderna. (W. Rüegg, 2002; W. Rüegg, Water, 1996) 6

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evolui para uma outra área – fruto da evolução científica e das ciências que vinha a acontecer, e considerada, por alguns autores, como a primeira revolução académica – com a introdução da segunda

missão: a investigação de ciência e com a separação entre o conhecimento científico e a tecnologia, dado que "até ao fim do século XIX, não existiu uma interdependência de ciências e técnicas" (Habermas, 2006/1968, p. 67). O modelo humboldtiano de universidade visava "conservar o saber puro (a busca da verdade), mas ao contrário de inserir a perspetiva prática na aquisição de uma técnica sectorial qualquer (de um savoir faire), ele vai defender a praticidade da universidade defendendo a 'formação pelo saber'" (Rubião, 2013, p. 65). A tecnologia envolvia já o conhecimento técnico e prático, e a aplicação deste conhecimento a materiais, ferramentas, produtos, entre outros, mas a Universidade não podia ser, neste entendimento, uma instituição exclusivamente técnica, mas tinha de ser "pura autónoma e desinteressada (…) [e] local de reorganização do saber (prático, conjugado, totalizante) " (Rubião, p. 65). Por seu turno, o questionamento entre "ciência ou conhecimento puro" e "ciência ou conhecimento aplicado" deixava de ser pertinente, dando-se, então, o ligamento entre a ciência e a tecnologia. Reitera-se que na base da vocação nuclear e missão original das universidades está o ensino, onde prevalece o modelo de comunicação de uma via (unilateral). E, portanto, à primeira missão veio associar-se outra vocação - a investigação -, desenvolvida de acordo com os interesses e perceções dos investigadores/cientistas, num processo natural de ciência pura e aplicada, de busca de conhecimento das parcelas da realidade, e contribuindo para fazer o avanço da humanidade. Contudo, uma parte das 8

descobertas resultantes da investigação nunca chegou ao mercado, ficando-se pelos compêndios das ciências, enquanto outras chegaram às empresas, sobretudo, contribuindo mais visivelmente para o bemestar das sociedades. Segundo os documentos históricos, as primeiras ligações entre os investigadores e as empresas aconteceram no séc. XIX com o desenvolvimento da indústria química (Geuna & Muscio, 2009). Dessa realidade é exemplo (carismático, ilustrativo e paradigmático da segunda missão das universidades), o trabalho pioneiro de investigação realizado por Fleming, já nos inícios do séc. XX, que levou à descoberta do organismo biológico comumente conhecido por penicilina: A descoberta da penicilina por Alexander Fleming, em 1928, é um dos acontecimentos mais marcantes da história da ciência, da medicina e da farmácia do século XX. Se conjugarmos a inovação científica com os benefícios ao nível da saúde pública e, consequentemente, os ganhos no plano da economia civilizacional, podemos afirmar que a descoberta da penicilina foi a conquista mais relevante da história da ciência novecentista. (A. L. Pereira & Pita, 2005, p. 129)

Refira-se, ainda, que Fleming e os seus colegas da Universidade de Oxford, em Inglaterra, nunca chegaram a patentear os resultados e nunca retiraram dividendos das suas investigações. Para além deste

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Para um conhecimento em profundidade das invenções científicas, sugere-se a da literatura sobre a história da ciência moderna, como por exemplo, do livro A

breve história da ciência, de William Bynum (2013).

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facto, também tiveram dificuldade de aceitação no mercado (embora tenham sido laureados com um Prémio Nobel da Medicina), obrigando-os a procurar fora do país empresas interessadas em financiar e comercializar a sua descoberta (um apoio que acabaram por conseguir nos EUA). Assim, só em meados dos anos 1940 é que as injeções de penicilina foram disponibilizadas no mercado, e como consequência milhões de vidas foram salvas por todo o mundo, conforme é relatado por Pereira e Pita (2005, pp. 136137): A produção e os ensaios da penicilina em seres humanos continuaram nos Estados Unidos da América, tendo o exército dos E.U.A. funcionado como um enorme balão de ensaio. (…) O Laboratório de Investigação da Região Norte do Departamento de Agricultura tinha um forte sector dedicado à fermentação que foi de capital importância para a produção da penicilina em larga escala. No segundo semestre de 1943, a penicilina começou a ser produzida em larga escala. Inicialmente foi administrada sob a forma injectável. As indústrias farmacêuticas pioneiras nos Estados Unidos foram: Abbott Laboratories; Hoffmann-La Roche; Lederle Laboratories; Lilly and Company; Merck and Company; Davis and Company; Schenley Laboratories; E. R. Squibb and Sons; Upjohn Company; Winthrop Chemical Company; Reichel Laboratories. (Pereira & Pita, (2005, pp. 136-137)

Este caso revela-se ilustrativo de um modelo do trabalho desenvolvido pelas universidades, ou pelos laboratórios de investigação, que vieram contribuir para a resolução de problemas sociais, sendo ainda paradigmático do surgimento de empresas no contexto da investigação académica e da comunicação com essas indústrias e com o mercado. Desta forma, os cientistas iniciaram os contactos comerciais com as empresas, obrigando a comunicação a crescer para lá da dimensão interna, atingindo novos públicos externos, como grandes empresas multinacionais. Este foi, de resto, o modelo tradicional de gestão das atividades de transferência de tecnologia, caracterizado pelas relações pessoais entre os investigadores e a indústria. Um modelo transversal a diversos países e presente em Portugal, onde os investigadores confirmam que os primeiros contactos partiram da sua rede personalizada de conhecimentos na indústria e nas empresas. Isto vai ao encontro dos resultados de um estudo sobre as relações entre empresas, em que "Baker (1987b) mostrou como as relações pré-existentes entre empresas e os laços pessoais dos empregados da companhia influenciam subsequentes relações cooperativas" (Mizruchi & Galaskiewicz, 1993, p. 54). Na Universidade portuguesa, com a instauração da República em 1910, logo se deu a refundação das Universidades Públicas Portuguesas. A Universidade de Lisboa com um cariz humanística; e a formação tecnológica ficou ligada a escolas e institutos que em 1930 deram origem à Universidade Técnica de Lisboa. E, quanto à Universidade do Porto, esta "teve sempre uma tendência mais técnica e artística - tornou-se desde há muito famosa a sua escola de engenheiros e arquitectos - só se abrindo às Ciências Sociais e Humanas a partir dos anos sessenta" (Universia Portugal, 2015, para. 3). Nos anos 70

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CAPÍTULO I: A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E DAS UNIVERSIDADES

surgiam as chamadas universidades novas, do Minho, de Aveiro, de Évora e a Nova de Lisboa , 9

universidades generalistas congregando os diversos campos científicos. Nas primeiras décadas do séc. XX, viviam-se momentos de grande instabilidade económica e social, provocados por períodos de guerra (Primeira Guerra Mundial – 1914/1918); pela crise financeira iniciada após a queda da bolsa de Wall Street em 1929, o que levou à falência de grandes empresas, ao aumento exponencial do desemprego e demais problemas sociais; saliente-se a devastação provocada pela Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945) que gerou uma forte depressão social e económica. A reconstrução acaba por acontecer durante os anos 50, um período marcado pela reorganização de algumas fronteiras e pelo surgimento de novos Estados, alguns deles com regimes políticos fechados e com pouca comunicação com o exterior. Neste contexto, e à semelhança do que acontecia nos países, também as organizações dessa época se caraterizaram por modelos fechados de funcionamento. Apesar de tudo isto, assistia-se, ao nascimento de alianças estratégicas internacionais entre países, como foi o caso da NATO, em 1949; da OCDE, em 1948; e dos países europeus com os acordos de cooperação económica da CECA (Comunidade Económica do Carvão e do Aço), em 1951; da CEE (Comunidade Económica Europeia), em 1957 (com os países do Benelux); e, posteriormente, com o primeiro alargamento a novos países, em 1973. Portugal viria a integrar a CEE em 1986. Estas alianças entre países surgiram da definição de estratégias destinadas a fazer face às dificuldades económicas da Europa e a criar mecanismos de manutenção da paz. Estas alterações sociais são emblemáticas de um novo período histórico, designado de pós-moderno.

2.1 A pós-modernidade e os desafios para as sociedades e universidades Apesar de existirem divergências consideráveis em relação ao verdadeiro significado do conceito de Pós-Modernidade (Clegg, 1998), há autores que alegam tratar-se, sobretudo, de um período histórico 10

que sucede ao período moderno (B. C. Taylor, 2005), enquanto outros, argumentam que, mais do que isso, integra uma visão diferente da sociedade e das organizações. Assim, seguindo a interpretação da

9 A Universidade Nova de Lisboa, a Universidade do Minho (no norte do país), a Universidade de Aveiro (no centro litoral) e a Universidade de Évora (no sul interior). Já depois do 25 de Abril de 1974 surgiu a Universidade dos Açores, no arquipélago com o mesmo nome e distribuída por três ilhas e três cidades (Ponta Delgada na ilha de São Miguel, Angra do Heroísmo na ilha Terceira e Horta na ilha do Faial). Foi criada em 1976 como "instituto universitário", só sendo intitulada "Universidade" em 1980. O mesmo sucedeu com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, distribuída por três cidades do interior norte (Vila Real, Chaves e Miranda do Douro) - foi fundada em 1979, mas só convertida em "Universidade" em 1986. Também em 1979 foi fundada Universidade do Algarve, em Faro, no litoral sul. Em 1986 surgiu a Universidade da Beira Interior, situada na Covilhã, cidade de tradições industriais, no centro interior. Finalmente, em 1988 foram estabelecidas a Universidade Aberta, sediada em Lisboa, vocacionada para o ensino à distância, e a Universidade da Madeira, na ilha do mesmo nome (Universia Portugal. (2015). História das Universidades Acedido a 31 de agosto de 2015, de http://www.universia.pt, para. 4). 10 O debate modernismo/pós-modernismo encontramo-lo disperso por muitos autores – como filósofos e teóricos organizacionais ou da comunicação - e diferentes áreas - desde a arte à cultura. Destacamos aqui apenas alguns dos autores de referência que debateram esta problemática e os quais passámos em revista. Na filosofia – Lyotard (1989 [1979]), Vattimo (1987), Derrida, Foucault, Deleuze, Guattari, Rorty; na ciência organizacional - Cooper e Burrell (1988), Mary Jo Hatch (1997), Boje, Gephart e Thatchenkery (1996), Montuori e Purser (1996), (Clegg, 1998, 2011; Clegg, Hardy, Lawrence, & Nord, 2006; Clegg, Hardy, & Nord, 2003 / 1996); e nos estudos da Comunicação Organizacional – Manning (1992), Mumby (1997), Mumby e Stohl (2007), (Eisenberg, Goodall, & Trethewey, 2004), J. R. Taylor (2001), B. C. Taylor (2005), Alvesson e Deetz (2006), entre outros. Teremos oportunidade, mais a frente, de vermos em pormenor a pós-modernidade na Comunicação Organizacional.

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pós-modernidade como uma evolução temporal, os autores consideram que o período pós-moderno se inicia, sensivelmente, nos anos 1970 e prolonga-se pelos anos 80 e 90. Segundo um estudo, feito na obra “As Origens da Pós-Modernidade”, a utilização do termo terá surgido já nos anos 30, no interior da escola de pensamento espanhol. Consta que um amigo dos filósofos Miguel de Unamuno e Ortega y Gasset, Frederico de Onis, terá utilizado este termo pela primeira vez, embora ainda não desligado da corrente moderna. Mas, em 1979, o filósofo francês Jean-François Lyotard publicou a obra A condição pós-

moderna, onde dissecou a nova condição humana marcada pelo declínio das grandes narrativas, marcando definitivamente o uso da expressão. E, mais tarde, a obra do filósofo italiano Gianni Vattimo em 1985 - O fim da modernidade: Niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna,- fez, no nosso entender, a ponte entre o pensamento moderno e o pensamento pós-moderno, vaticinando que o relativismo é somente uma outra parte do fim da metafísica, marcando uma fase pós-moderna, pós-metafísica e póshistórica (Vattimo, 1987). O conhecimento na perspetiva pós-moderna segue as premissas da inexistência de uma verdade absoluta ou de uma perspetiva dominante, mas a apologia de uma pluralidade, diversidade, multiplicidade, fragmentação, complexidade de conhecimento, igualmente legítimo, contingente e ambíguo. O conhecimento fragmentou-se, relativizou-se, contingenciou-se, subjetivou-se, complexificou-se, individualizou-se, e, atualmente, este parece assumir configurações bem diferentes. As dinâmicas organizacionais transformaram-se de estruturas rígidas verticais para ambientes colaborativos horizontais e além-fronteiras. É certo, também, que estas mudanças organizacionais acontecem rapidamente, obrigando as organizações de desenvolver uma inteligência e uma capacidade de aprendizagem rápidas, para fazerem face às oportunidades (Clegg, 2011), o que aconteceu também no âmbito das instituições de ensino superior. O mundo pós-moderno é, por natureza instável e fragmentado. E, para James Taylor (2001) esta instabilidade e fragmentação deve-se ao seguinte desmembramento: Erosão progressiva da autoridade na sociedade pós-moderna. (…) As «vozes» são múltiplas e muitas vezes contraditórias. (…) Pode-se perceber atualmente uma forte tendência para a fragmentação e a criação desordenada de novas empresas («start-ups») e em seguida as fusões, as aquisições e as tomadas de controlo frequentes: todos os indícios de uma paisagem organizacional em transição. (Taylor, 2001, pp. 29-30)

As sociedades abriram-se ao global, bem como as empresas, dissipando-se as fronteiras e os limites organizacionais, dando origem a novas configurações, que Taylor (2001) classifica como "instáveis". E, à semelhança das alianças estratégicas entre países, verifica-se a abertura ao exterior e, gradualmente, as organizações passam a funcionar também numa lógica de cooperação, o que vem significando uma evolução e uma mudança nas formas de relacionamentos, deixando de lado as conceções fechadas, tradicionais, individualistas. Estas "marcas" da sociedade pós-industrial (B. C. Taylor, 2005) ficam pautada pela proliferação de um mundo de trabalhadores do conhecimento e surge

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CAPÍTULO I: A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E DAS UNIVERSIDADES

favorecida pela "autoridade descentralizada, relacionamentos laterais dentro e entre unidades, e autonomia localizada na tomada de decisão do funcionário. As redes substituem as pirâmides como o ícone dominante da estrutura da organização. A dinâmica e o tempo de conversa colaborativa (Donnellon, 1996) tomam o lugar do drone cibernético, comando autoritário e controle" (B. C. Taylor, 2005, p. 118).

2.2 Mudanças nos conhecimentos das universidades em período pós-moderno Do mesmo modo, o conhecimento produzido nas universidades foi sendo diversificado. De um conhecimento fundamentalmente teórico, as universidades passam a ser locais de desenvolvimento de tecnologia, logo, de conhecimento aplicado às necessidades da sociedade e das empresas e, mais ainda, desenvolvido pela articulação de atividades conjuntas, inexistentes noutros tempos. Tal como refere Romero (1988, p. 133), "num modelo sequencial que parte desde a investigação pura até à valorização do conhecimento proposto, segundo as seguintes etapas: "investigação básica – investigação básica dirigida – investigação aplicada – inovação – produto ou processo – comercialização". Como percebemos, já na década de 80 reitores de Universidades portuguesas (neste caso da Universidade do Minho) tinham uma visão contemporânea de produção e transferência da investigação para a sua comercialização. Não se pode dizer, portanto, que estes temas sejam recentes. E, neste contexto, Boaventura Sousa Santos (2008) distingue dois tipos de conhecimento produzidos na universidade: o conhecimento universitário e conhecimento pluriversitário, sendo que, o primeiro, se refere ao conhecimento científico produzido nas universidades até à fase da mudança de paradigma, e o conhecimento pluriversitário, posterior, como conhecimento aplicado, que pode ser distinguido da forma apresentada na Tabela 1. Dizia que, “o conhecimento pluriversitário substitui a unilateralidade pela interatividade, uma interatividade fortemente potenciada pela revolução nas tecnologias de informação e de comunicação” (Santos, 2008, p. 36). O autor segue ainda argumentando que o novo modo de conhecimento tem estado mais evidente nas parcerias universidade-indústria, ou seja, enquanto conhecimento mercantil, mas que não se deve esgotar nesta dimensão e alcançar outras que envolvam a solidariedade e a partilha entre outros públicos.

Conhecimento Universitário

Conhecimento Pluriversitário

Conhecimento científico Disciplinar

Conhecimento contextual O princípio organizador da sua produção é a aplicação fora dos muros da universidade Partilha entre pesquisadores e utilizadores O conhecimento transdisciplinar está sujeito ao diálogo com outro tipo de conhecimento universitário Heterogéneo e mais adaptado a ser produzido em sistemas abertos, menos rígidos e menos hierárquicos Concretização mais consistente nas parcerias

Autónomo Processo de produção relativamente descontextualizado das necessidades do quotidiano das sociedades Os investigadores determinam os problemas científicos, as metodologias e os ritmos da investigação Distinção entre pesquisa científica e desenvolvimento

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Conhecimento Universitário

Conhecimento Pluriversitário

tecnológico O conhecimento aplica-se ou não se aplica à sociedade

universidade-indústria Predominantemente, conhecimento mercantil, contudo pode ser aplicado em contexto de solidariedade e grupos sociais

Tabela 1: Conhecimento universitário versus conhecimento pluriversitário Fonte: Elaboração própria. Adaptado de Boaventura de Sousa Santos (2008, pp. 34-35).

Os desenvolvimentos de Santos advêm já de uma nova forma de produção do conhecimento, proposta por Gibbons e os seus colegas (2000; Gibbons et al., 1994), e que aponta para a um novo modo de produção do conhecimento – designado de Modo 2, cujos rasgos lapidares apontam para uma agenda de trabalho determinada pela interação e negociação com outras entidades, em geral não académicas, o que significa um modelo de investigação participativa envolvendo os cidadãos no processo científico. Esta conceção de desenvolvimento do conhecimento leva Gibbons a propor a extended university (Gibbons, 1998, p. 72 citado em Rubião, 2013, p. 173). Tal significa uma transformação no modelo de investigação científica clássico, pela necessidade de resposta às empresas e a criação de parcerias com estas e com outras organizações, "visando produzir uma série de consensos" (Rubião, 2013, p. 173), em que o lema

publish or perish (publicar ou perecer) passa para partnership or perish (partenariado ou perecer) 11

(Gibbons, 1998, p. 62 citado em Rubião, 2013, p. 173). Essa resposta pode mesmo ser feita à medida, dando lugar a relações bilaterais ou biunívocas de cooperação (Simão et al., 2002), colaboração, parcerias, ou outras formas de envolvimento, num estreito comprometimento com a missão da transferência de conhecimento para o universo empresarial e social, conforme definido na terceira

dimensão das universidades, e por via de um modelo de comunicação, aparentemente, simétrico e dialógico. Edgar Morin (2000) viria a conceber essa universidade e sociedade complexa e incerta onde o conhecimento nasce da religação das partes e do diálogo entre a ordem, a desordem e a organização. Dito isto, este tópico de diferenciação do conhecimento criado nas universidades evoca também a mudança de paradigma destas organizações, e a emergência da segunda revolução académica e a afirmação da terceira missão das universidades – a da extensão universitária ou de abertura à sociedade. Assim, desde finais do séc. XX (e particularmente desde os anos 70), a Universidade tem vindo a ser alvo de mudanças profundas, consideradas por alguns como originadoras de uma mudança de paradigma (Mano, et al., 2009), sobretudo em países como os EUA, o Reino Unido, alguns estados da Europa do Norte e a Austrália. Na verdade, na Europa este movimento acentuou-se nos anos 80 no Reino Unido, e logo se estendeu à Holanda e Países Escandinavos, e mais recentemente, aos países da Europa Ocidental (Geuna & Muscio, 2009). Contudo, os desenvolvimentos não são iguais em todos os países e

Partenariado in Dicionário da Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2016. [consulta. 2016-01-11 09:03:26]. Disponível na Internet: http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/partenariado

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CAPÍTULO I: A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E DAS UNIVERSIDADES

variam consoante as culturas universitárias, o funcionamento do sistema de ensino superior e a cultura empresarial. Tais diferenças podem ser compreendidas, de uma forma mais aprofundada, nos trabalhos de investigação de Weber e Duderstadt (2014), Rubião (2013), e, no caso português, em Simão, et al. (2002) e Veloso, et al. (2003), entre outros. Neste contexto, há uma década a esta parte que as organizações de investigação e desenvolvimento científico e tecnológico, pertencentes às universidades públicas ou com participação das universidades, vêm a proliferar e a ganhar relevância, assim como as organizações e as atividades de transferência de conhecimento (Simão, 2013; Simão, et al., 2002). E novos agentes criam realidades novas, sendo que esta dimensão acabou por gerar renovadas redes organizacionais e levantar outros desafios comunicacionais às Universidades. Em simultâneo, a mudança gradual dos modelos de gestão das universidades contemporâneas conduziu a novas reflexões. Sob o ponto de vista da análise organizacional, pode afirmar-se, então, que as universidades sempre estiveram sujeitas a processos de mudança. Vimo-lo já com a apresentação do percurso histórico. O conceito de mudança organizacional, enquanto fenómeno social, surgiu nas preocupações de académicos de diferentes campos científicos, e já nos anos 30 do séc. XX encontramo-lo presente na Escola de pensamento das Relações Humanas (S. G. Harris & Mossholder, 1933). Entretanto, esta questão tornou-se transversal a diversas ciências, entre as quais se destacam os trabalhos (para a construção da teoria da mudança) da Sociologia das Organizações (ex: Collins, 1998), da Comunicação Organizacional (ex: Van De Ven & Poole, 1995; Van De Ven & Poole, 2005), da Psicologia das Organizações (ex: Weick & Quinn, 1999), da Teoria Organizacional (ex: Jones, 2010) ou da Administração e Gestão das organizações (ex: Beitler, 2003). Em sentido lato, todos estes trabalhos concordam que a organização sofre necessariamente transformações ao longo do tempo, que podem acontecer quer ao nível da estratégia, quer da estrutura, bem como na forma de pensar das pessoas, na cultura ou na identidade organizacional (entre outras), tal como se verifica com a alteração dos processos, nos quais incluímos os processos de comunicação. Neste sentido, também as organizações-universidade estão sujeitas à mudança organizacional, já que ao longo da sua existência têm evoluído, adotando diferentes modelos de governação (Stensaker, et al., 2012) e de comunicação (Ruão, 2008). Logo, as mudanças resultam de um processo de evolução, possível de ser observado através do estudo longitudinal destas organizações. Sendo esta uma investigação no campo da Comunicação Organizacional, interessa, pois, perceber como a mudança do modelo das universidades afetou a forma como comunicam. Como evoluiu, então, a missão das universidades e como os novos modelos correspondem também outros públicos de interesse, parceiros e estratégias de comunicação inovadoras? Tomando a argumentação de Santos (2008, p. 36): “a universidade foi criada segundo um modelo de relações unilaterais com a sociedade e é esse modelo

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que subjaz à sua institucionalidade atual”. Mas, a missão da universidade em contexto contemporâneo, segundo Veiga Simão (2013, p. 60): "a Universidade em 2013 para ser fiel às origens é chamada à liderança não só da criação e transmissão de saberes mas também da transformação do conhecimento

em bens económicos, sociais ou culturais".

2.3 A universidade empreendedora Assistia-se, pois, a uma dinâmica diferente nestas organizações, pela intensificação dos relacionamentos com o exterior, quer com organizações nacionais, quer com instituições internacionais, aumentando o número de contactos com novos parceiros, como era o caso da indústria e das empresas que absorviam as descobertas científicas e as tornavam operacionais para serem comercializadas no mercado. Assim, verifica-se que, de uma dinâmica voltada para si própria, a Universidade se abriu ao exterior, parecendo adotar dinâmicas promotoras de desenvolvimento social, forjando novos relacionamentos com o tecido produtivo. Neste contexto, emergem os conceitos de universidades

inovadoras e empreendedoras (Etzkowitz, 1983) ou universidades adaptativas (Sporn, 1991), entre outros termos, ilustrativos de um novo modelo das organizações do conhecimento. Na verdade, em resultado do desenvolvimento da segunda dimensão das universidades, criaramse os centros, polos ou laboratórios de investigação, onde para além do staff administrativo, trabalham docentes-investigadores e bolseiros de investigação, que para além das atividades próprias da investigação académica (preparação de artigos, participação em congressos, publicação dos resultados nas revistas científicas, ligação em rede com os pares, trabalhos conjuntos, parcerias nacionais e estrangeiras, etc.), orientam, também, os seus trabalhos para necessidades concretas da indústria/mercado, desenvolvendo quatro vertentes: (1) prestação de serviços às empresas; (2) desenvolvimento de produtos inovadores,

altamente tecnológicos para empresas já existentes; e (3) comercialização dos resultados da investigação, através da propriedade intelectual e do registo de patentes, e participação em empresas start-ups e spinoff (e faremos desenvolvimentos aprofundados sobre estes tópicos, mais à frente). Neste contexto nasce também a profissionalização das atividades de transferência de conhecimento. Em termos históricos, crê-se que o primeiro gabinete de licenciamento de tecnologia fora criado em Stanford nos EUA, em 1970; e, na Europa isso aconteceu, provavelmente, na Universidade Católica Belga, em 1973 (Geuna & Muscio, 2009); já em Portugal, a primeira interface universidadeempresa surgiu na Universidade do Minho – TecMinho -, fundada em 1990. Esta realidade conduziu a uma certa profissionalização das atividades de transferência de conhecimento e ao surgimento de instituições de ligação entre os cientistas e as empresas, não excluindo a anterior forma de comunicação direta. Assim, "os anos 1980 e 1990 viram a criação em todos os países europeus (em anos diferentes)

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CAPÍTULO I: A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E DAS UNIVERSIDADES

de um largo número de Organizações de Transferência de Conhecimento, parques de ciência e incubadoras, sediadas, em universidades, destinadas a facilitar a transferência do conhecimento académico para a economia" (Geuna & Muscio, 2009, p. 96). Em conjunto, os centros de investigação e as interfaces reuniram-se, então, em torno das principais atividades de valorização do conhecimento, o que levou à constatação de que a "comercialização do conhecimento científico é o lado mais visível das mudanças nas universidades" (Santos, 2008, p. 34). Repensemos, agora, os fatores que contribuíram para a emergência do atual paradigma/cultura

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das universidades e que conduziram à adoção de modelos empresariais de governação. A esse propósito a literatura tem destacado dois fatores externos potenciadores do desenvolvimento empresarial das universidades, ao conduzirem estas organizações seculares ao exercício de novos papéis sociais, e que exigem uma maior interação com as empresas e com o mercado. Referimo-nos, por um lado, ao surgimento de novas políticas públicas para o ensino superior e à progressiva diminuição dos fundos transferidos pelos orçamentos dos Estados para as universidades (suscitando a diversificação das fontes de receita). Neste contexto, emergiram as universidades da nova era (geridas segundo modelos implementados desde os anos 1980 em universidades americanas e europeias) ou, utilizando a expressão de Etzkowitz (1983), universidades empreendedoras. Com esta mudança, por exemplo, introduziu-se o ensino e a promoção das competências empreendedoras (aos alunos e investigadores) e criaram-se estruturas internas capazes de suportar e desenvolver ideias de negócios. Assim, para além da vertente de ensino e de investigação, a universidade torna-se empreendedora também por via dos alunos empreendedores ou dos investigadores, que criam projetos empresariais que podem estar, ou não, em incubadoras de empresas pertencentes ao ambiente de inovação. Estes exemplos ajudam a ilustrar e exemplificar o conceito de mudança organizacional nas universidades. Várias são, portanto, as razões que conduziram às mudanças nas Universidades. Em primeiro lugar, e como Ruão (2008) sugere, "as universidades tinham-se tornado em máquinas extremamente caras e difíceis de sustentar pelos Estados, que as encaminhavam para a responsabilização financeira" (p. 493). Na verdade, em Portugal (como em muitos outros países) as instituições de ensino superior públicas eram tradicionalmente financiadas pelo Estado. De acordo com a informação obtida no website do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, o financiamento das universidades públicas portuguesas provém, maioritariamente, das transferências de verbas inscritas anualmente no Orçamento Geral do Estado e tal é regulado pela Lei n.º 37/2003 de 22 de Agosto (alterada pela Lei n.º 49/2005 de

12 Referimos, pela primeira vez, o termo cultura, não despiciendo, dado ser uma das áreas nucleares da disciplina da Comunicação Organizacional. Poder-se-ia questionar porque não seguimos neste trabalho a análise da cultura organizacional e a relação com a transferência de conhecimento? Poderíamos tê-lo feito, mas argumentamos que, à partida, não foi a opção tomada, porque preferimos desenvolver outro género de estudos mais indicados à análise do diálogo nos relacionamentos interorganizacionais. Contudo, a literatura evidencia a correlação entre a cultura organizacional e a adoção de estratégias empresariais. Ou seja, culturas tradicionais geram universidades menos inovadoras, enquanto culturas inovadoras conduzem à adoção de modelos de universidades do séc. XXI.

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30 de Agosto e pela Lei n.º 62/2007 de 10 de Setembro). Contudo, e apesar do papel primordial que o Estado deve assumir na gestão destas instituições, para dar cumprimento aos princípios gerais da Constituição da República Portuguesa, nos últimos anos, as universidades públicas têm visto diminuir fortemente a dotação real que recebem do Orçamento de Estado (OE), para suportar o seu funcionamento. Uma diminuição que se acentuou a partir do ano 2000 (Cabrito, 2004), mantendo-se anualmente a mesma tendência decrescente. Porém, noutros países, nomeadamente nos Estados Unidos, esta era uma realidade que já se verificava desde a década de 1980 (Ruão, 2008). No decorrer desta conjuntura, pode, então, afirmar-se que uma das razões da mudança dos modelos de gestão das universidades prende-se com alterações na conjuntura política e setorial, que conduziram ao ajustamento destas organizações. E a esse propósito, Boaventura de Sousa Santos (2008, p. 21) esclarece os dois processos marcantes da década – “o desinvestimento do estado na universidade pública e a globalização mercantil da universidade". Portanto, a evolução para o modelo da universidade

empresarial acabou por ser uma consequência, sobretudo, dos cortes orçamentais, da alteração das políticas públicas e das condições de financiamento das instituições de ensino superior público, que geraram transformações difíceis nas universidades em Portugal (sobretudo a partir dos anos 1990), e que alguns autores se referem como a “crise das universidades”. No momento, porém, em que o Estado, ao contrário do que se passou com a justiça, decidiu reduzir o seu compromisso político com as universidades e com a educação em geral, convertendo esta num bem que, sendo público, não tem de ser exclusivamente assegurado pelo Estado, a universidade pública entrou automaticamente em crise institucional. (B. S. Santos, 2008, p. 17)

Todavia, a crise de financiamento das universidades não se pode atribuir exclusivamente à motivação para a valorização do conhecimento e comercialização da ciência, já que as teorias económicas referidas por Schumpeter, e emergidas no início do séc. XX, também chamaram à atenção para a inovação como o motor de desenvolvimento dos países, do que resultou uma maior exigência às universidades. "Numerosos estudos já realizados sobre a influência do esforço da investigação e desenvolvimento de um país e o seu desenvolvimento económico mostram iniludivelmente que a correlação é fortemente positiva, isto é, quanto mais se investe naquele, maior é o progresso económico" (1986, p. 128), referia um dos fundadores da Universidade do Minho, Joaquim Barbosa Romero. Também Veiga Simão (2013) faz referência à tendência para o cruzamento entre os poderes políticos, académico e económico e as suas vantagens sociais: Perante a continuidade e a complexidade da vida dos cidadãos nos tempos de hoje, em que o hiato temporal ente a criação do conhecimento e o seu uso derivado da criação de riqueza é cada vez menor, emerge a urgência em que o poder político, o poder académico e o poder económico ou seja GovernoUniversidade-Empresa (económica e social) constituírem "Helices Triplas" cooperativas. Elas são impulsionadoras da inovação aberta, da inovação em ação e bases de um modelo de desenvolvimento, que se orienta para objetivos bem definidos. (Simão, 2013, p. 63)

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CAPÍTULO I: A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E DAS UNIVERSIDADES

E, apesar dos constrangimentos referidos anteriormente, tem existido uma forte responsabilidade das universidades na transposição de todas as dificuldades e condicionalismos que a atual conjuntura económica e política lhe tem imposto. Encontra-se esta realidade manifestamente patente nos atuais discursos públicos dos reitores e diretores de unidades de investigação e ensino das universidades públicas portuguesas. A título de exemplo, destacamos partes do discurso do atual reitor da Universidade do Minho, António Cunha, por ocasião da cerimónia de investidura do seu segundo mandato: As circunstâncias da Universidade alteram-se profundamente. Enfrentamos nestes anos recentes um quadro de enorme adversidade. A crise do nosso quotidiano afeta de modo iniludível a Universidade portuguesa, colocando em causa os seus princípios e objetivos fundamentais (…). Aos sacrifícios que nos vêm sendo exigidos, temos respondido com grande sentido de responsabilidade. (…) Apesar das circunstâncias adversas cumprimos o nosso projeto, protagonizando 4 anos de afirmação e crescimento. 13

E esta problemática pode acompanhada pelos órgãos de comunicação social, como é o caso dos excertos das notícias seguintes: Segundo o relatório da OCDE, o peso da despesa pública no conjunto das IES nos países da UE tem caído nos últimos anos, cifrando-se em 77% em 2010. Em Portugal, esse valor caiu de 92,5% em 2000 para 69% em 2010. Isto significa que as IES necessitam de lançar mão de instrumentos variados para garantir a sua sustentabilidade e, portanto, realizar a sua missão, mantendo os níveis de qualidade. Para além das transferências do OE, as IES captam receitas através de propinas, de projetos de I&D (com financiamento público ou privado) e da gestão do património e exploração de ativos. Ao invés de simplesmente cortar no financiamento, gostaria de ver o Governo criar condições para que estes instrumentos pudessem ser exercidos com eficácia e autonomia. 14

Noutra notícia, o reitor Fontainha Fernandes vai ao encontro das mesmas preocupações. Refletindo sob a forma como as universidades superam a mudança e de como devem reorganizar as suas atividades na procura de novas fontes de financiamento, diz o seguinte: A encruzilhada que se vive no ensino superior exige uma nova ambição na forma de atuação da UTAD, que se traduza no pleno aproveitamento das suas capacidades, no reforço da integração em redes nacionais e internacionais de ensino, de investigação e de transferência de conhecimento, no estímulo de novos formatos de interligação com as empresas, instituições e comunidade, visando garantir a sua sustentabilidade e autonomia. 15

Ora, as despesas das universidades, em 2011, segundo o CRUP, foram suportadas em 62.1% pelo Estado e entidades públicas, e em 37.9% por privados (onde se englobam as famílias). E, de acordo 16

com o reitor da Universidade de Lisboa, Cruz Serra, "começámos a ter uma descida significativa do orçamento das universidades em 2006 e desde aí até hoje perdemos 50% do financiamento público".

17

António Cunha, reitor da Universidade do Minho, 2013, Discurso de Investidura, 18 de novembro. José Mendes, vice-reitor para a Inovação da Universidade do Minho (2013, 30 de junho). Superior à Espera de Milagres, Jornal de Notícias. 15 Fontaínha Fernandes, reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2013, Local.pt, 1 de julho. 16 Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas [CRUP]. (2011). Ensino Universitário: Financiamento. Acedido de www.crup.pt/pt/ensinouniversitario/financiamento 17 Cruz Serra (16 de março de 2015). Nova fórmula para financiar universidades mantém o status quo [Entrevista concedida a Rosário Lira e António Costa]. Semanário Económico. Acedido em http://economico.sapo.pt/noticias/nova-formula-para-financiar-universidades-mantem-o-status-quo_214017.html, em 27 de agosto de 2015.(Conselho De Reitores Das Universidades Portuguesas [Crup], 2011) 13 14

A Comunicação Interorganizacional em Rede na Transferência de Conhecimento: A abertura das universidades às empresas

Gradualmente, o peso das receitas próprias das universidades vem ganhando volume. E a questão das universidades poderem gerar proveitos da sua atividade tornou-se central. Na universidade do Minho, por exemplo, a percentagem de receitas próprias representaram, em 2012, 46% do orçamento anual e, em 18

2014, eram já de 51%, o que denota uma clara tendência para diminuição do financiamento público, o aumento das receitas próprias e a procura da diversificação das fontes de receitas. A resposta da Universidade a estas exigências supranacionais vem apontando em diversas direções, uma vez que têm atuado quer por via da redução da despesa (num esforço de racionalização e otimização dos recursos internos), quer através da diminuição dos recursos humanos (pessoal docente e não-docente), mas também pela economia na utilização de recursos (como, por exemplo, numa melhoria da sustentabilidade energética das universidades), ou ainda, pela procura de fontes alternativas de receitas. Estas medidas visam reduzir as despesas das universidades, inclusive também pela suspensão de serviços, adiamento na manutenção de edifícios, desinvestimento na criação de novos laboratórios, entre outros. Por outro lado, as restrições ao financiamento público das universidades têm constituído estímulos fortes de busca de soluções, como por exemplo, o estabelecimento de parcerias com o setor privado para a comercialização dos resultados de investigação, e o aumento da relação e da cooperação entre a Universidade e a indústria. E assiste-se, de uma forma gradual, ao desenvolvimento de programas de colaboração académica internacionais. Há medida que as dotações orçamentais do Estado foram diminuindo e se previu a tendência continuada de diminuição das transferências de verbas do OE, as universidades sentiram necessidade de, para além da redução das despesas, gerarem criativamente receitas através de outras fontes e outros públicos (que se enquadram no conjunto das formas legais de financiamento do ensino superior), diversificando-se, assim, a origem e o peso relativo de cada uma das fontes de proveitos financeiros. Sugere Santos, “os cortes no financiamento público da universidade são vistos como ‘incentivos’ que a universidade procure investimentos privados, entre em parcerias com a indústria, patenteie os seus resultados e desenvolva atividades de comercialização incluindo a comercialização da sua própria marca” (2008, p. 59). Este fenómeno é uma tendência não só das universidades portuguesas, mas europeias, australianas, americanas, entre outros países por todo o mundo, onde as mudanças começaram até mais cedo. Assim, para além do valor das transferências do Orçamento de Estado, as universidades públicas financiam a sua atividade através do recurso a receitas próprias, provenientes de propinas, verbas de projetos de investigação, fundos comunitários, serviços prestados à comunidade, entre outros (Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, 2011). Ou 19

ainda, como afirmava Santos (2008, p. 21), o "primeiro nível de mercadorização consiste em induzir a 18 19

António M. Cunha e de Jorge Batista, co-CEO da empresa Primavera (27 de agosto 2013).[Entrevista concedida à TVI]. Jornal das 8. CRUP. (2011). Ensino Universitário: Financiamento. Acedido de www.crup.pt/pt/ensino-universitario/financiamento, em 3 de dezembro de 2012.

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CAPÍTULO I: A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E DAS UNIVERSIDADES

universidade pública a ultrapassar a crise financeira mediante a geração de receitas próprias, nomeadamente através de parcerias com o capital, sobretudo industrial”. Em suma, o papel da universidade tem sido reconfigurado no sentido do contributo do conhecimento para a competitividade económica, sendo as políticas de investigação orientadas para as áreas que perspetivam maior capacidade de serem absorvidas pelas empresas e transformadas em novos produtos e processos. A dimensão económica tem, pois, um peso fundamental para as universidades, na linha da empresarialização destas organizações seculares e dela depende também a sua sustentabilidade. Esta orientação, defendida por Santos, refere o seguinte: 20i

Não se exclui a utilidade para a própria universidade de uma interação com o meio empresarial em termos de identificação de novos temas de pesquisa e de aplicação tecnológica e de análises de impacto. O importante é que a universidade esteja em condições de explorar e para isso não pode ser posta numa posição de dependência e muito menos de dependência ao nível da sobrevivência em relação aos contratos comerciais. (Santos, 2008, p. 61)

Ou seja, com os dados atuais, compreende-se que a sustentabilidade das universidades dependa cada vez mais das receitas próprias geradas, mas Rubião (2013) é da opinião que o financiamento público deve ser superior ao financiamento dos privados. Enquanto investigadores da comunicação nas organizações não nos cabe analisar a crise das universidades, mas perceber como a mudança do modelo das universidades afeta a forma como comunicam. E a este propósito se invoca o conceito de desenvolvimento organizacional (oriundo dos Estudos Organizacionais), cujo significado remete, precisamente, para a instrumentalização das alterações, pelo que diríamos que, depois da explicitação do processo de mudança, há que olhar para a forma como esta está a afetar a comunicação das universidades. Diríamos que a dinâmica atual parece conduzir a uma intensificação dos relacionamentos interorganizacionais, e esta é uma realidade latente e decorrente do novo modelo de universidades. Ao mesmo tempo assistimos a uma reorganização dos públicos de interesse (stakeholders) destas instituições, ganhando as empresas uma outra importância para as Universidades. Como sugere Romero (1990, p. 130): "a responsabilidade do desenvolvimento científico recai primordialmente sobre as Universidades, e no indispensável diálogo com o meio exterior, nomeadamente a indústria, deve-se ter este facto em conta". Um outro dado novo, ainda não aflorado e que começa a ser destaque nos discursos e nas notícias, são as parcerias interuniversitárias, fazendo com que os consórcios de universidades, por exemplo, passem, também, a fazer parte dos públicos de interesse das universidades. Estas reconfigurações vêm diluindo, assim, as fronteiras organizacionais e a ligar os intervenientes em redes de

20 Optamos pelo conceito de sustentabilidade em vez de sobrevivência, dado que o segundo termo remete para um universo orgânico, próprio de uma linguagem mais adequada às organizações modernas.

A Comunicação Interorganizacional em Rede na Transferência de Conhecimento: A abertura das universidades às empresas

Comunicação Interorganizacional, ao que Santos (2008) advoga, a expansão do trabalho universitário em rede que quebra o isolamento tradicional, sugerindo mesmo a ligação de todas as universidades públicas numa rede de universidades públicas portuguesas, deixando de estar fechadas em si próprias e, neste contexto, sugere a criação da ligação de todas a universidades públicas numa rede de universidades públicas portuguesas, mais do que um conselho de universidades. Por seu turno, as conclusões do trabalho de Chaves (2009) indicam que o trabalho em rede facilita uma aprendizagem crescente e uma lógica de atuação colaborativa. De resto, Powell, Koput e Smith-Doerr (1996) já tinham estudado a colaboração interorganizacional como uma série de relações sociais, conteúdos e objetivos específicos, em que os participantes da rede começam a ser encarados como parceiros e não mais como concorrentes. As dinâmicas de cooperação envolvem relações de parceiras em que a participação das partes sociais acontece mediante o diálogo. Neste contexto, autores como Rubião (2013) defende a tese do modelo de "universidade participativa" em que a formação dos alunos concilia o individual com o colectivo que pode ser observado em diferentes "comunidades de diálogo", uma expressão habermesiana citada por Almeida Filho (2009, p. 237 citado em Rubião (2013), p. 233). Em suma, neste processo de evolução das universidades, à preocupação com a comunicação interna, que marcara durante séculos as universidades, juntou-se, agora, a atenção à comunicação externa com outros públicos, entre estes, os relacionados com o setor empresarial. Neste contexto, as atividades destas instituições surgem arrumadas em três dimensões: o ensino, a investigação e a extensão para a sociedade. Concomitantemente, a terceira dimensão das universidades – onde se insere o processo de transferência de conhecimento para as empresas -, coexiste com a dimensão originária - a da transmissão do conhecimento para os alunos - e com a segunda missão - a vertente da investigação científica.

Supostos medos e os benefícios das transformações

Esta mudança de paradigma, apelidada por muitos de mercantilização do ensino superior, conduziu também a alguns medos, obstáculos e críticas. Existe, no interior das universidades, em alguns circuitos, o receio da perda da autonomia do pensamento livre, e de uma ideia de Universidade baseada na liberdade, essa é uma das principais críticas a esta mudança. Porém, como analisa Boaventura Sousa Santos (2008, p. 45), a propósito da "reforma" das universidades, "as mudanças são irreversíveis” e, neste contexto organizacional, há que “reconquistar a legitimidade”, a qual passa, também, pela responsabilização social, pela “relação entre a universidade e o sector capitalista privado enquanto

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CAPÍTULO I: A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E DAS UNIVERSIDADES

consumidor ou destinatário de serviços prestados pela universidade”. Ou, como adverte Veiga Simão (2013, p. 63), parafraseando Einstein: "quem não faz as coisas a tempo está perdido". Todavia, esta última ideia tem conduzido a uma outra crítica sobre estas mudanças a acontecer nas universidades: a de que a necessidade de financiamento autónomo possa abrir caminho ao exercício da pressão da indústria sob estas organizações para que produzam pesquisa aplicada, ao invés de ser a Universidade a conduzir aquilo que considera ser a pesquisa fundamental. Disso pode resultar, segundo algumas correntes, a perda de autonomia universitária ou a perda da sua soberania, conforme nos explica Jacques Derrida (2003, p. 17), expressando que a universidade se encontra em "plena decomposição", e vai apelando para que "a desconstrução necessária não comprometa, ou não faça em demasia, a reivindicação da universidade à independência, ou seja, a uma certa e muito particular forma de soberania". O financiamento privado da investigação e, por conseguinte, das universidades, tem trazido a lume alguns casos em que a pesquisa aplicada, financiada por fundos privados empresariais, por exemplo, da indústria farmacêutica, conduziu a algumas situações de enviesamento e controle dos resultados (Rubião, 2013, p. 190-191). Estes casos foram relatados aos Estados Unidos, desconhecendose outras situações. Ora, o controle da investigação pelas empresas ou outras organizações pode levar ao questionamento sobre a credibilidade e a isenção das unidades de investigação, sendo, portanto, responsabilizadas pela salvaguarda e garantia de independência, ética e idoneidade. Estas e outras razões levam a outras posições, como a de Freitag (1995 citado em Rubião, 2013, p. 206), ao considerar que a pesquisa de questões de natureza específica devia ficar a cargo de unidades de investigação independentes da universidade e ao defender um "modelo autonomista", crítico ao "Modo 2", seguidor ainda de uma ideia moderna de universidade (Rubião, 2013). Outros autores, como Derrida, sugerem que pode vir a ser o mercado a ditar o avanço do conhecimento, sobretudo, no que diz respeito à investigação, em vez de ser a Universidade a fazê-lo, conforme cultura destas organizações seculares. Este assunto tem produzido um aceso debate na academia há já algumas décadas, na procura de uma ética da praxis (aplicação do conhecimento), na defesa do princípio da soberania na governação das universidades e na apologia de uma universidade sem

condições, logo, incondicional e soberana, tomando as palavras de Derrida (2003). Esta discussão suscita outros debates, então, como se podem conjugar os interesses dos stakeholders com os princípios das 21

universidades, mantendo, assim, a sua soberania? A estas e outras questões encontraremos uma compreensão mais aprofundada na discussão dos resultados desta investigação. Para lá do debate, a nossa posição nesta matéria reside na convicção de

21

Na aceção geral stakeholders indicam os públicos que influenciam ou podem ser influenciados pela organização.

A Comunicação Interorganizacional em Rede na Transferência de Conhecimento: A abertura das universidades às empresas

que as questões têm condições para serem conciliáveis, sem que tal se traduza numa perda da autonomia universitária, já que acreditamos que não há condições para um regresso ao passado e que o processo de transformação neste setor é irreversível. Pelo que tomamos posição por uma estratégia de convergência das três missões das universidades, sem que tal coloque em causa a sua soberania institucional, posição também já presente no discurso de um ex-reitor da UMinho, Joaquim Romero, a propósito da visão sobre as Universidades e da sua interação com a indústria, dizia: Admito que em certas situações conjunturais, de ordem regional ou sectorial, seja admissível as Universidades assumirem, por razões pragmáticas, a prestação de serviços mais ou menos rotineira para a satisfação das necessidades imediatas, que devem ser claramente identificadas e não interferir ou interferir minimamente com as suas outras funções. Como tal, tais prestações de serviços deveriam ser financeiramente autossuficientes – ou então não satisfazem em boa verdade necessidades reais – e consequentemente pagas pelo seu real valor pelos clientes, estes por sua vez ajudados ou não pelo Estado. (Romero, 1988, p. 29)

Mas nem todos os intervenientes parecem confortáveis com o caminho tomado pelas universidades, manifestando os seus medos e apelando à liberdade académica, num esforço de resistência que muitos consideram como obstáculos ao desenvolvimento das instituições. E Boaventura Sousa Santos retrata bem este ambiente: “a liberdade académica é vista como um obstáculo à empresarialização da universidade e à responsabilização da universidade ante as empresas que pretendem os seus serviços. O poder na universidade deve deslocar-se dos docentes para os administradores treinados para promover parcerias com agentes privados” (Santos, 2008, p. 29). Ora, tal questão vai ao encontro de uma linha de governação das universidades que propõe um modelo no qual a "governação é partilhada entre um corpo de académicos e de administradores e coordenado por um executivo universitário, segundo o qual a universidade é vista como uma organização profissional de serviço (…) uma discussão colocada largamente no contexto da evolução da universidade britânica, mas também deriva da evidência e da experiência dos Estados Unidos da América" (M. Taylor, 2013). Esta corrente de pensamento, defensora da terceira geração de universidades, é defendida por Wissema (2009), Britaldo Rodrigues (2002), entre outros. Segundo Rodrigues (2002b, p. 35), "a função de 22

interação com a Sociedade é, pois, uma das que urge considerar e desenvolver na 'Universidade III". Outros há, contudo, que defendem que a mudança de paradigma também pode trazer benefícios sociais (sendo esta a nossa tomada de posição). Neste contexto, argumenta-se que, (a) a inovação e a investigação desenvolvida podem ser conduzidas para o bem da sociedade e das organizações, respondendo às críticas de que as universidades tendem a produzir um conhecimento desfasado da realidade e longe dos interesses sociais; (b) estas instituições podem colocar os recursos humanos e tecnológicos ao serviço do bem-estar da humanidade; (c) esta nova forma de atuar permite a criação de 22 Vice-reitor da Universidade Moderna, em "Oração de Sapiência apresentada em sessão solene do dia da Universidade Moderna de Lisboa. 15 de janeiro de 2002.

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CAPÍTULO I: A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E DAS UNIVERSIDADES

novos empregos e empresas, contribuindo para a sustentabilidade económica das regiões e das próprias universidades; (d) as universidades assumem assim uma dimensão internacional, aproximando os países do modelo de desenvolvimento económico dominante. Aliás, o que parece ligar as universidades europeias são as sinergias entre o ensino, a investigação e o compromisso societal, que admite a convivência entre a sua missão clássica e a cultura empresarial, onde emerge a criatividade, a inovação e o sentido de negócios start-up, como é, aliás, também o entendimento da Rede de Inovação Universidade-Empresa.

23

Assiste-se, pois, a uma mudança organizacional do “atual paradigma institucional da universidade que tem de ser substituído por um paradigma empresarial” (Santos, 2008, p. 28). E esta intensificação de relacionamentos entre as empresas e as universidades, foi gerando relacionamentos interorganizacionais, levando Dearing e Kee (2012) a adiantar que os desafios da investigação passam, agora, pelas parcerias colaborativas, como se pode ver a seguir.

3. A inovação e a transferência para a sociedade Para além do contexto de conhecimento que caracteriza as sociedades e as organizações contemporâneas, existe uma outra dimensão impulsionadora de uma transformação social e organizacional. Falamos do conceito de inovação. Taylor (2001, p. 23) considerava, até, que a “transição entre [a sociedade] tradicional e moderna, moderna e pós-moderna se explica pelo fenómeno da inovação”. Trata-se de uma leitura pertinente que reforça a relevância do estudo da inovação enquanto dimensão

de

análise

do

período

e

das

sociedades

pós-modernas

ou

contemporâneas.

Concomitantemente, o número de estudos e publicações de Ciências Sociais focando-se em questões relacionadas com a inovação tem aumentado nos últimos anos (Fagerberg, 2005). De acordo com o The

European Scoreboard,24 Portugal ocupava em 2013 o 11º lugar no ranking dos países inovadores, estando integrado no grupo considerado como "inovadores moderados", atrás dos "inovadores seguidores" e dos "líderes de inovação". Este posicionamento, relativamente moderado em inovação, resulta de um conjunto de fatores, dos quais se destacam a baixa taxa de investimento das empresas em I&D&I (Investigação, Desenvolvimento e Inovação) e a necessidade de promoção das competências de inovação. O conceito de inovação nasceu nos anos 1930 e, desde então, evoluiu muito. A primeira definição centrava-se numa visão económica, apresentada na teoria de Schumpeter e que entendia a inovação como um processo de mudança para algo novo ou melhorado, como por exemplo, produtos, métodos, mercados, empresas ou processos. Atualmente, o conceito incorpora a complexidade e a diversidade de University Industry Innovation Network [UIIN]. (2014). Good practice finder, Acedido de www.uiin.org (Lira & Costa, 2015, 16 de março; University Industry Innovation Network [Uiin], 2014) 24 Comissão Europeia. (2013). Innovation Union Scoreboard., Acedido de http://ec.europa.eu/enterprise/policies/innovation/files/ius-2013_en.pdf, em 11 de novembro de 2014. (Comissão Europeia, 2013) 23

A Comunicação Interorganizacional em Rede na Transferência de Conhecimento: A abertura das universidades às empresas

intervenientes e de dimensões (Oecd/Eurostat, 2005). Jane Marceau (2008, p. S/P) associa a inovação à criação de novos produtos, serviços ou processos de produção, bem como às mudanças organizacionais associadas (nas quais inclui o estabelecimento de novas práticas e especificidades de trabalho). Trata-se de ideias que vinham já da conceção schumpeteriana de inovação, mas às quais acrescenta "a criação de novidade com valor económico". Por outro lado, outros autores chamam a atenção para o facto de a inovação ser crescentemente vista como um processo evolucionário e que envolve diferentes esferas institucionais ou sectores na sociedade (Rasmussen, 2008, 2011; Rasmussen, Moen, & Gulbrandsen, 2006). Nesta dimensão evolutiva, o próprio processo de inovação transformou-se. O modelo dominante de atuação parecer ser ainda de orientação unidirecional, no contexto do qual o conhecimento é transferido de um local para outro ou, dito de outra forma, os resultados da investigação são transferidos para potenciais interessados. Este é designado por modelo linear de inovação. Na verdade, "até hoje, muitos pesquisadores e profissionais assumem que as inovações se desenvolvem em uma progressão linear a partir de pesquisa básica e ciência aplicada da fase experimental e prototipagem, seguida de introdução e penetração no mercado" (Zerfass & Huck, 2007, p. 109). No entanto, este modelo de inovação tradicional deu lugar a um modelo discursivo de

participação, onde as atividades de inovação são entendidas como um processo de aprendizagem aberta entre organizações, comumente designado por inovação aberta (Chesbrough, 2003; Frieß, Groh, Reinhardt, Forster, & Schlichter, 2012; Habicht, Möslein, & Reichwald, 2012; Lundvall, 1992; Schattke, Seeliger, Schiepe-Tiska, & Kehr, 2012). Dito de uma outra forma, evoluiu de um modelo de conceção da

inovação fechada para um paradigma de inovação aberta que, segundo a proposta de Henry Chesbrough (2003), explica a passagem de um período da inovação entre portas (em sistemas organizacionais verticais e fechados), para o modelo participativo, de colaboração interorganizacional, onde as ideias podem emergir de dentro ou de fora da organização. Neste sentido, quer a experiência prática, quer a pesquisa empírica em gestão da inovação, mostraram que a cooperação e o networking eficiente são fatores importantes de sucesso em (quase) todos os processos de inovação (Fichter, 2012). Ou, nas palavras de Zerfass e Huck (2007, p. 110) "na era da globalização, os processos de inovação não são mais lineares. A gestão da inovação deve, antes, ser entendida como um sistema integrado, cooperativo, e processo interativo que deve ser estrategicamente planeado e controlado, e apoiado por meio da comunicação, de um modo muito fundamental". Ora, esta mudança de paradigma de desenvolvimento da ciência parece corresponder a um estreitamento dos relacionamentos e das novas estratégias entre as universidades e as empresas. Neste sentido, o modelo de inovação é descrito por Ramstad (2009), enquanto estratégia de participação, coconfiguração e de conhecimento dialógico, da forma seguinte:

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CAPÍTULO I: A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E DAS UNIVERSIDADES

O desafio de co-configuração é criar produtos ou serviços inteligentes para o cliente num relacionamento contínuo entre o cliente, vários produtores e outros atores, como unidades de I&D externos (…) e que uma pré-condição para o trabalho de co-configuração bem-sucedida é o diálogo em que os atores participantes dependem de informações de feedback em tempo real sobre a sua atividade. Os atores podem formar vários tipos de parcerias, tais como alianças estratégicas, redes de fornecedores e redes holísticas. (Ramstad, 2009, pp. 181-183)

Desta abordagem, salientam-se os aspetos adaptativos, o diálogo, os relacionamentos interorganizacionais, o envolvimento, a variedade e a aprendizagem mútua a partir de interações entre as partes envolvidas, dando lugar a relações bilaterais de colaboração, de cooperação, de parcerias ou a outros formatos híbridos organizacionais. Mas deste texto extraímos, aquilo que nos parece mais pertinente para as Ciências da Comunicação Organizacional em termos de inovação aberta, que a coconfiguração envolvendo diversos parceiros pressupõe como condição o diálogo e, ainda, que a dimensão dialógica num estreito comprometimento com a transferência de conhecimento para as empresas inserese na terceira missão das universidades. Porquanto, consideramos que todo este processo de cooperação universidade-indústria se caracteriza por um paradigma evolutivo, cocriativo, dialógico e em rede, colocando em evidência a dimensão interorganizacional e comunicacional do fenómeno. Zerfass e Huck (2007), reforçando a tendência da inovação aberta, salientavam a importância da comunicação entre os diversos stakeholders e dão ênfase à questão estratégica de gestão da comunicação da inovação. Os seus trabalhos vêm mostrando "que a gestão da inovação está largamente dependente da comunicação estratégica" (2007, p. 110). A maioria das invenções de hoje e as patentes são já não são geradas dentro de uma única empresa. Software de fonte aberta e tecnologia móvel de comunicação são apenas dois exemplos que indicam que a inovação em redes entre empresas, seus clientes e parceiros ganha em importância. Neste contexto, a cooperação sistemática e a comunicação com vários stakeholders envolvidos se torna essencial. (Zerfass & Huck, 2007, p. 110)

Contudo, no que concerne à realidade científica Portuguesa, este processo de inovação aberta denota, na generalidade, ainda pouco envolvimento dos professores/investigadores em Portugal, como ficou demonstrado no estudo publicado no Higher Educational Quartely (Santiago, Carvalho, & Ferreira, 2014), que revelou que a maioria dos académicos portugueses não estava envolvida em atividades de transferência de conhecimento e tecnologia e consideravam que as suas atividades de pesquisa não eram influenciadas pelos patrocinadores externos ou clientes. No entanto, reconheceram existir fortes pressões externas no sentido da mudança dos pressupostos mediante os quais o conhecimento é produzido.

3.1 As universidades enquanto vetores de inovação e de desenvolvimento social Como já compreendemos, nos últimos 30 anos surgiu um consenso alargado acerca da importância da inovação (Fagerberg, Mowery, & Nelson, 2005). E o crescimento social, produtividade e

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competitividade da economia parecem assentar na criação, difusão e aplicação do novo conhecimento científico e técnico, um conhecimento baseado na pesquisa; e as políticas económicas para a ciência e tecnologia/inovação são orientadas para o desenvolvimento das regiões, sendo as universidades drivers de inovação (National Research Council (Us) Committee on Competing in the 21st Century, 2013). Já em 2003, a Comissão Europeia se tinha referido às universidades como o setor mais ligado à produção e à transferência de conhecimento e que, por conseguinte, deveriam assumir uma função enquanto nós das redes científicas e tecnológicas globais. É, aliás, comum encontrarmos na literatura a expressão "universidades como inovadores". Nessa altura, a estratégia de crescimento encontrada nos textos assentava no vetor do conhecimento, embora, atualmente, o discurso europeu se concentre em torno da inovação. Foi nesta altura que autores como Lundvall (2003) desenvolveram os seus trabalhos em torno da nova economia do conhecimento na Europa, em prol de um entendimento acerca do crescimento económico das sociedades baseado na inovação. Assim, estamos perante sociedades que acreditam num modelo de desenvolvimento assente na ciência, no conhecimento científico (designação semanticamente coincidente) e em clusters de inovação, com políticas industriais orientadas neste sentido (Warwick, 2013). Também encontramos no conceito "inovar para a sustentabilidade" a mesma filosofia de gestão e de administração das organizações. As empresas não inovam sozinhas, mas interagindo com outras organizações, num sistema de inovação. Tal tem levado muitos autores a refletir sobre como as diferentes sociedades organizam a complexa tarefa de ligar a pesquisa científica ao produto e ao processo de inovação, mais concretamente, o debate tem-se centrado na análise dos sistemas de inovação nacional (Lundvall, 1992). Muitos investigadores defendem o relacionamento entre a inovação - especialmente a inovação tecnológica - e o crescimento/desenvolvimento económico, resultando na promoção de um paradigma tecno-económico, onde a universidade empreendedora detém um lugar destacado na rede de inovação (Bercovitz & Feldman, 2006). Na verdade, tal como refere Marceau, "muitos economistas agora vêm a inovação tecnológica enquanto factor exógeno do crescimento económico e vêm a trajetória de crescimento das empresas crescentemente afectada pelas actividades e estratégias de inovação organizacional, (…) dependendo da inovação contínua para manter o crescimento" (2008, p. S/P). Tomando o ponto de vista das Ciências da Comunicação, identificamo-nos com a posição de James Taylor (2001, p. 21), ao afirmar que assistimos a "uma economia da inovação na sociedade de inovação, onde o conhecimento tem uma importância mil vezes maior do que tinha no passado". Refira-se que vários fatores têm indicado a possibilidade desta “emergência de um novo paradigma, centrado na valorização da criatividade, na valorização do capital humano e, por isso, num reencantamento da organização (…). E a um novo modelo de desenvolvimento, que está emergindo, corresponderá um novo modelo de organização” (Costa, 2001, p. 9 e 15); “uma organização cuja função

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CAPÍTULO I: A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E DAS UNIVERSIDADES

primária é a inovação e que favorece o desenvolvimento e a exploração de conhecimento. É uma organização pós-moderna (…) a organização da inovação” (J. R. Taylor, 2001, p. 21). Atendendo a alguns dos princípios da organização pós-moderna, “o espírito de inovação e a economia do imaterial, aliados à qualidade na produção e na gestão, são as «máquinas a vapor» da nova era” (Villemeur & Williane, 1999, citado em Costa, 2001, p. 17), valorizando-se o trabalho criativo, a capacidade de inovação e a criação. Ainda assim, este é um panorama recente, como teremos oportunidade de ver mais à frente. Refira-se que, em termos de políticas públicas, a inovação ganha importância estratégica no último programa Europeu - Horizonte 2020 -, passando as políticas europeias a serem pautadas pela ideologia estratégica da União da Inovação, que depôs o estandarte da Europa do Conhecimento. E grande parte desta inovação cria-se nas universidades para depois ser transferida para o mercado. As universidades, enquanto produtoras/criadoras de conhecimento, são igualmente produtoras/criadoras de inovação. Neste âmbito, um estudo de Seppo, Rõigas, & Varblane (2014) que teve por objetivo comparar as medidas de apoio governamental para reforçar a cooperação universidade-indústria, em 23 países, concluiu que a intensidade e o alcance da cooperação universidade-indústria varia fortemente consoante as medidas de apoio prestadas por diferentes países na Europa. Neste sentido, os sistemas de apoio finlandeses, austríacos, belgas, dinamarqueses e suecos são os mais equilibrados e fornecem alta intensidade da cooperação universidade-indústria. Por outro lado, a Estónia, juntamente com a Bulgária e Itália estão no outro extremo da escala, tendo um pequeno número de cooperação, bem como do lado das empresas as medidas de cooperação são mais fracas. A experiência dos países com a maior cooperação universidade-indústria revela que a grande diferença está na quantidade e no balanço das medidas de apoio, no sentido de mais financiamento do setor privado e menos dependência dos fundos estruturais da União Europeia. E, em relação aos domínios de investigação específicos, este estudo conclui que é importante manter o equilíbrio entre as medidas voltadas para a resolução de problemas de pesquisa básica, trabalho em rede e investigação aplicada (Seppo, et al., 2014). Estamos, pois, perante uma rede de criação de conhecimento , e a importância, cada vez maior, 25

do conhecimento na sociedade contemporânea exige uma mudança no pensamento a respeito de inovação em grandes organizações empresariais, seja ela a inovação técnica, a inovação de produtos, inovação estratégica ou organizacional (Nonaka, 1994).

3.2 A transferência do saber universitário Apresentamos, agora, um amplo e aprofundado debate concetual em torno das noções de Preferimos o termo "criação" em vez de "produção", porque consideramos que ao falarmos de produção mantemos no imaginário um ambiente/período industrial desajustado do período pós-industrial da sociedade do conhecimento e da inovação. Caricaturando, muito do imaginário da produção ainda anda ao jeito dos "Tempos Modernos" de Charlie Chaplin ou das linhas de montagem estandardizadas e repetitivas do Modelo T da Ford. Doravante, intencionalmente, utilizaremos o termo criação por ser um conceito que traduz muito fielmente o ímpeto inovativo da sociedade e das organizações da inovação.

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A Comunicação Interorganizacional em Rede na Transferência de Conhecimento: A abertura das universidades às empresas

difusão, disseminação, transferência de conhecimento e de tecnologia, valorização do conhecimento e da comunicação da inovação. Concetualmente, uma breve resenha permitir-nos-á tomar contacto com um conjunto de termos que são usados, mais ou menos indiscriminadamente, remetendo para significados idênticos, consoante os autores ou as correntes de pensamento, tratando-se do mesmo fenómeno social. Todavia, também encontramos diferentes concetualizações dos termos. Assim, consoante a disciplina de pesquisa e o propósito de investigação, os autores concebem o termo sob uma variedade de aceções (Bozeman, 2000). A par da diversidade de concetualizações, o tratamento deste tema tem crescido bastante nas últimas décadas, sobretudo na área da Gestão, que discute fatores de transferência, avaliação do conhecimento transferido (Hamid, Juhana, & Abdullah, 2013; Rossi & Rosli, 2015), otimização dos processos, entre outros tópicos, em inúmeros contextos. Contudo, existe um gap no que se refere às pesquisas no campo da comunicação neste âmbito, ou seja, pouco se sabe sobre os processos, as estratégias e os meios de comunicação aplicados à transferência de conhecimento. Um conceito frequentemente utilizado é o de difusão do conhecimento ou de difusão da inovação. Assim, fomos dissecar o termo difusão com o intuito de perceber a sua natureza profunda. O conceito de

difusão remete para a interpenetração gradual de elementos. Inicialmente os elementos existem em separado, e pelo processo de difusão vão sendo incorporados, diluídos, misturados, dando lugar a novos elementos ou novas formas. Estes elementos podem ser físicos, moleculares, culturais, entre outros. Nessa medida, podem incluir-se aqui o conhecimento e a tecnologia. Por isso, embora encontremos o conceito de difusão em várias ciências, descobrimo-lo também nas Ciências Sociais e nas Ciências da Comunicação. Por exemplo, o conceito de difusão cultural é um fenómeno associado à transmissão da cultura por diversas camadas sociais, funcionando pela interpenetração de status; enquanto o ato de difusão também está associado à ação de difundir, propagar, como é o caso da difusão radiofónica. Estamos, portanto, perante a ação comunicativa mais "primitiva". A difusão denota a propagação ao longo do tempo e do espaço de itens, ideias ou práticas. São ainda significados da ação de difundir: espalhar, derramar, propagar e divulgar. E podemos associar, ainda, à palavra difundir, sinónimos de alastrar, espalhar, lavrar, propagar e transfundir. Ora, transpondo o conceito de difusão para a difusão do conhecimento e da inovação, estaríamos a falar da ação de transmitir, difundir, propagar ou alastrar conhecimento. Este termo parece gozar de grande amplitude de significado para explicar o fenómeno em estudo, podendo até considerar-se que é um termo essencial, isto é, contém em si a essência do fenómeno, mas não é único nem exclusivo, e não encerra em si toda a riqueza significativa e especificidades. Observe-se que o conceito de difusão surge no enquadramento do conceito de transferência de conhecimento (tecnologia e inovação). Rogers (1995) associou a difusão à inovação e evoca que a difusão é o processo através do qual uma inovação é comunicada através de certos canais, ao longo do tempo,

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entre os membros de um sistema social; sendo uma inovação, como já vimos anteriormente, uma ideia, processo, técnica, ou tecnologia que é percebida como nova pelos potenciais utilizadores. Ora, esta definição associa diretamente a difusão da inovação à comunicação. Daqui, percebe-se porque é da máxima pertinência trazer os temas da difusão do conhecimento, da inovação e da tecnologia para os estudos da comunicação, concretamente, para o campo académico da Comunicação Organizacional, porque a difusão interorganizacional na transferência de conhecimento é também um fenómeno de Comunicação Interorganizacional. Dearing (1997, p. 262) corrobora esta ideia quando define a "transferência de tecnologia enquanto tipo especializado de difusão entre laboratórios, universidades e os negócios comerciais". Esta é, portanto, uma definição particularmente interessante e sucinta que nos serve de ponto de ancoragem para a explicitação geral do fenómeno, e que o associa, por um lado, indiretamente a um ato "primitivo" de comunicação – a difusão -, e por outro, à difusão entre organizações, logo, interorganizacional. Mais ainda, sugere que pode ser um fenómeno de comunicação entre universidades (onde se incluem laboratórios, centros de investigação, entre outros) e as empresas. Ora, transpondo o conceito de difusão para o campo da Comunicação Interorganizacional, este poderia significar a propagação de mensagens de uma organização para outra, ou outras, e vice-versa. E esta definição poderia ir inteiramente ao encontro dos objetivos deste trabalho, ou seja, uma investigação que visa estudar a comunicação entre universidades e empresas no processo de transferência de conhecimento. Dearing, et al. (1994) fizeram um estudo exploratório da forma segundo a qual os académicos comunicam as suas investigações aos constituintes externos, mediante a análise dos diálogos e das perceções, medindo o alcance da transferência de tecnologia e a difusão da inovação. James Dearing (2009) advoga que poucas teorias das Ciências Sociais têm um histórico de estudo concetual e empírico destes temas, e argumenta que a robustez desta teoria deriva das várias disciplinas e campos de estudo em que a difusão foi estudada, pela sua natureza internacional e pela variedade de novas ideias, práticas, programas e tecnologias encontrados. Na verdade, já em 1950, os investigadores de difusão tinham começado a estudar de que forma o conhecimento coletivo foi influenciado pela inovação, através de intervenções ao nível do processo de afetação da propagação de inovações. O objetivo dos investigadores de transferência de tecnologia, enquanto um tipo especializado de inovação, é perceber porque uma inovação é adotada e quando (J. W. Dearing, 1997). Isso levou algumas das pesquisas a debruçarem-se sobre os atributos e características a que os públicos dão mais importância na adoção de uma inovação. Por exemplo, as conclusões do estudo de Dearing e Meyer (1994) levaram à categorização da perceção em cinco atributos, designados por

atributos da perceção: (1) vantagem relativa; (2) compatibilidade; (3) complexidade; (4) ser testável; (5) ser observável – observabilidade. Possuir vantagem relativa significa que a inovação tem um benefício sobre outros produtos existentes. E o custo aparece entre as vantagens relativas mais importantes, entre

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outros atributos, tais como: o estilo, design ou status. Do atributo compatibilidade os investigadores concluíram que uma inovação tem poder de difusão quanto maior for o seu grau de compatibilidade com o já existente. Quanto maior for o grau de diferença e de "rutura" com o já instituído, também o processo de difusão se torna mais lento. O terceiro maior atributo da inovação é a complexidade. Logo, quanto menos complexa, mais rápida é a difusão, assim como, o contrário também se verifica. Portanto, uma das tarefas é simplificar, tornar a novidade mais acessível e fácil de compreender pelos utilizadores ou adotantes. Precisamente, a redução da complexidade é uma das razões para a criação de grupos de foco com potenciais clientes/utilizadores. Ser testável é outros dos atributos importantes. A possibilidade dos clientes testarem as inovações confere garantia e credibilidade para a melhor difusão da inovação. E a

observabilidade é outros dos atributos para a difusão da inovação. A possibilidade da inovação ser observada e dos seus resultados serem passíveis de verificação é outros dos atributos mencionados. Da conjugação dos cinco atributos de perceção descritos acima, está, portanto, dependente a difusão de uma inovação. A conjugação de todos os atributos conduz a uma maior rapidez na difusão da inovação. Mas a questão inicial é saber se estamos perante uma boa ideia para reduzir os riscos de incerteza. Para tal, a estratégia parece ser obter mais informação para ganhos de confiança no processo de tomada de decisão (J. W. Dearing, 1997). Isto significa, cumulativa e estrategicamente, incluir a pressão social como forma de envolver as pessoas, o que revela ser mais eficaz na difusão da inovação do que uma estratégia que não a inclua. Como a difusão da inovação é um processo social, e as organizações são sistemas sociais, feitos de relacionamentos entre pessoas, não é necessário convencer cada pessoa numa organização a adotar uma inovação para que ocorra uma difusão completa. Se as pessoas influentes adotarem uma inovação como sendo sua, os outros membros da organização irão "automaticamente" adotar a visão como parte do efeito de difusão (J. W. Dearing, 1997, p. 264). Dentro de estudos organizacionais, a pesquisa foi olhando para a difusão de inovações administrativas e tecnológicas dentro e entre populações, campos organizacionais e organizações individuais (Rüling, 2008). Na tabela 2 faz-se a descrição de cada termo chave do processo de difusão interorganizacional.

Termos

Descrição

Adotante

Uma pessoa ou unidade de decisão que decide implementar e usar uma inovação.

Difusão

O processo pelo qual uma inovação é comunicada, através de certos canais ao longo do tempo entre os membros do sistema social.

Efeito de difusão

Uma mudança nas normas do sistema social para com a inovação.

Atributo inovação

de

As características de uma inovação; como é percebida por um potencial utilizador ou adotante.

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Termos

Descrição

Demonstração integrada

Um display colaborativo, com um conjunto articulado de tecnologias, encenado por um advogado, com a finalidade de demonstrar a utilidade a adotantes potenciais, investidores e reguladores.

Pressão social

Uma perceção cada vez mais forte por um adotante potencial que a não adoção levará à desaprovação dos pares.

Transferência tecnologia

de

Um tipo especializado de difusão na qual as inovações são comunicadas a apenas um ou a alguns potenciais adotantes.

Tabela 2: Descrição dos termos-chave no processo de difusão interorganizacional da inovação Fonte: Adaptado de Dearing (1997, pp. 275-276).

Pelo exposto, depreende-se que a difusão interorganizacional da inovação pode ser uma das técnicas de Comunicação Interorganizacional aplicadas à transferência de conhecimento das universidades para as empresas. James W. Dearing (2009) na teorização acerca da teoria da difusão acrescenta sete conceitos-chave: grupos de intervenção, projetos de demonstração, setores da sociedade, condições contextuais, liderança, opinião e adaptação. Todos eles parecem ter potencial para acelerar a disseminação de práticas baseadas em evidências, programas e intervenções políticas. Todavia, adotaremos neste trabalho uma linha de investigação mais consonante com as Teorias da Comunicação - ou seja, que parte do conceito de diálogo - pelo que não se segue o caminho proposto pela literatura da difusão da inovação e do conhecimento, nem da comunicação da inovação. Aliás, este é um outro conceito próximo da ideia de difusão da inovação (Rogers & Allbritton, 1997; Rogers & Shoemaker, 1971; Singhal & Dearing, 2006). A importância da comunicação nos sistemas de inovação (Luoma-Aho & Halonen, 2010; Nordfors, 2006; Pfeffermann, 2011) é, de resto um tema de fronteira com a Comunicação Interorganizacional entre as Universidades e a transferência de conhecimento. O conceito de sistema de comunicação da inovação em Nordfors (2006) significa os fluxos da comunicação e os atores-chave são os jornalistas e as relações públicas. E o tema dos sistemas de comunicação da inovação é um tema relativamente recente na pesquisa. Contributos para a investigação neste tema estão ainda patentes, por exemplo, nos trabalhos de(Luoma-Aho & Halonen, 2010; Mast, Huck, & Zerfass, 2005; Nordfors, 2006; Pfeffermann, 2011; Zerfass & Huck, 2007). Ora, uma das técnicas para apresentação e divulgação das inovações, desenvolvida nos Estados Unidos, tem sido a demonstração integrada. Trata-se de uma mostra ou displays onde as inovações estão acessíveis aos públicos, tais como, líderes de opinião, potenciais adotantes e reguladores. Estes são aqui convidados a conhecer, tomar contacto, percecionar, avaliar o produto inovador. O objetivo final das demonstrações integradas é, na verdade, levar ao maior número de adotantes e a uma difusão rápida da inovação. As demonstrações integradas representam o primeiro momento de aplicação de um novo sistema tecnológico (Dearing, 1997). Estas demonstrações envolvem colaboradores dos laboratórios e

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centros tecnológicos, de agências do estudo, universidades e indústria privada. "A colaboração é requerida porque as demonstrações integradas são complexas. (…) Centenas de indivíduos podem estar envolvidos em orquestrar uma simples demonstração integrada. A colaboração requerida é entre indivíduos, assim como entre as suas organizações", refere Dearing (1997, p. 268). Acrescenta-se ainda, que muito próximo da difusão da inovação pode ainda surgir o termo de

disseminação do conhecimento. Todavia, dado estarem associadas ao verbo disseminar as conotações de divulgar, difundir, dispersar, propagar, semear, publicar, até derramar conhecimento, a sua aplicação tende a ser mais abrangente, podendo albergar múltiplas dimensões da passagem de conhecimento, por exemplo, aquela que está ligada à disseminação do saber entre académicos, alunos e sociedade. Porém, dada a sua amplitude significante, o conceito de disseminação não se mostrou relevante para este estudo. Assim, damos preferência à noção de transferência de conhecimento, apesar da expressão originalmente utilizada por muitos autores remeter para transferência de tecnologia, já que o primeiro conceito engloba dimensões plurais e que parecem mais adaptadas à dificuldade de separar os mundos da ciência, da tecnologia e da inovação (Latour, 1987).26 Na verdade, o que significa transferir e em que medida a transferência difere da difusão, disseminação ou comunicação? O significado corrente para o termo transferência refere-se à ação ou ao efeito de transferir (-se), ou seja, um ato pelo qual um direito é passado de uma pessoa a outra. Mas o termo transferência remete também para transmissão, passagem de um ponto para outro, como por exemplo, a transferência de propriedade. Esta expressão mostra-se inteiramente correta quando se trata de comercialização de tecnologia e cedência de direitos de propriedade intelectual, que são transferidos da posse das universidades ou centros tecnológicos para as empresas que os adquirem e ficam seus proprietários ou gozam de direito de exploração (licenciamento). Concetualmente, certas definições do conceito de transferência de conhecimento referem este processo enquanto passagem ou aprendizagem do conhecimento. As definições de Hansen (1999) e Argote e Ingram (2000) podem trazer alguma reflexão útil neste sentido, quando se referem ao processo através do qual uma organização ou unidade aprende com o conhecimento específico que reside noutra organização ou unidade, e aplica o conhecimento noutro contexto (Hansen, 1999) ou "o processo através do qual uma unidade é afetada pela experiência de outra" (Argote & Ingram, 2000, p. 151). Trata-se de definições de cariz amplo, que remetem para a fusão de conhecimentos entre organizações, aquilo que poderíamos chamar de aculturação do conhecimento de uma organização por outras, processo de aprendizagem, ou, também, transferência interna desse conhecimento, o que conduz a diferentes unidades e níveis de análise da transferência de conhecimento, desde o nível individual às redes intra e interorganizacionais. Bozeman (2000) pareceu-nos mais preciso, definindo-a, de uma forma geral,

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Bruno Latour - Filósofo de ciência; Um dos fundadores dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia e da Teoria Ator-Rede.

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enquanto passagem de tecnologia e conhecimento de uma organização para outra. E já anteriormente Stewart, et al. (1990) se referiam ao processo interativo entre fornecedores de tecnologia e utilizadores de tecnologia. No entanto, e ainda assim, preferimos a definição de Stevens, Toneguzzo e Bostrom (2005, p. s.p.), por termos encontrado nela os elementos que permitem pensar o fenómeno da Comunicação Interorganizacional aplicado ao "conjunto de etapas que descrevem a transferência formal de invenções resultantes das pesquisas científicas realizadas pelas universidades e institutos de pesquisa para o setor produtivo". Segundo a Comissão Europeia (2007): A transferência de conhecimento consiste no conjunto de atividades que visam captar e transmitir o conhecimento (explícito, como patentes, ou tácito, como o know-how), habilidades e competências daqueles que os geram para aqueles que vão transformá-los em resultados económico. Inclui atividades comerciais e não-comerciais, como colaboração em pesquisa, consultoria, licenciamento, criação de spinoff, a mobilidade dos investigadores e publicação. (Comissão Europeia, 2007, p. s. p.)

Noutra vertente, a associação americana AUTM (2007), Association of University Technology

Manager, define a transferência de tecnologia do seguinte modo: O processo de transferência de pesquisas científicas de uma organização para outra com o objetivo de maior desenvolvimento e comercialização. O processo geralmente inclui: identificação de novas tecnologias; Proteção de tecnologias através de patentes e direitos autorais; Formação desenvolvimento e comercialização de estratégias como o marketing e licenciamento de novas empresas iniciantes empresas do setor privado existente ou criar baseado na tecnologia. (Association of University Technology Managers, 2014, p. S/P)

Pelo exposto, a transferência de conhecimento em análise é aquela que se efetua da universidade para as empresas, encarada enquanto criadora e protetora dos conhecimentos que resultam da investigação científica, em particular, para as empresas que absorvem este conhecimento e o levam para o mercado (Grant, 1996). Apesar de limitada, esta noção capta muitos dos elementos que centram na academia a criação de conhecimento científico e na empresa a sua aplicação e concretização de potencial económico. Associado ao conceito de transferência de conhecimento, há uma outra expressão que surge com frequência nos discursos e na literatura das organizações - a valorização do conhecimento. Tal conceito introduz a ligação do conhecimento à dimensão económica desse mesmo conhecimento, e estas "atividades operacionais de transferência de conhecimento são definidas como a implementação de atividades envolvendo a interação direta entre as empresas compradoras e vendedoras" (Modi & Mabert, 2007, p. 44). Na literatura os autores chamam, contudo, atenção para a necessidade de distinguir os conceitos de valor e de preço, dado que podem ser confundidos quando, na verdade, não significam o mesmo. O preço refere-se a uma quantificação monetária de um bem ou serviço, e o valor pode ir para além dessa unidade de medida, porque este último apela para o benefício desse bem ou serviço. Desta

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forma, quando se fala em valorização do conhecimento resultante da investigação das universidades, pressupõe-se que os resultados tenham valor para as empresas ou para a sociedade (adotantes), e que seja reconhecida mais-valia à componente inovadora introduzida no produto ou serviço. A criação de valor é uma vantagem sustentada e um fator crítico identificado pela Gestão Estratégica das Organizações. Assim, a atribuição de um preço estará diretamente relacionada com a valorização esperada. Em termos terminológicos poder-se-ia dizer que, no contexto desta investigação, a transferência e a valorização de conhecimento ou tecnologia são conceitos sinónimos, pelo que podem ser utilizados indiferentemente. Quanto aos formatos de transferência de tecnologia, na generalidade, a literatura considera três tipologias nucleares: os contratos de prestação de serviços, o licenciamento de patentes e a criação de

empresas de base tecnológica (Bercovitz & Feldman, 2006). E estas podem ser desdobradas e até ampliadas, conforme a proposta de Geuna e Muscio (2009), em contratos de pesquisa podem ser considerados um tipo de acordo de prestação de serviços; os direitos de propriedade intelectual estão associados à proteção do conhecimento através de patentes, marcas, etc.; os spin-off académicos são empresas de base tecnológica e com um estatuto próprio. Segundo a Universidade do Minho (s.d.) a definição de spin-off corresponde a "empresas inovadoras de base tecnológica ou de conhecimento intensivo criada por (antigos) alunos, bolseiros ou docentes da Universidade do Minho que, fundamentando as suas actividades em know-how desenvolvido no seio académico, desejam criar e manter uma ligação privilegiada a centros de I&D da Universidade", a prestação de serviços, a consultoria, e ainda, a mobilidade de estudantes, a presença em conferências e a criação de redes eletrónicas. A criação de novas empresas de base universitária é um tópico relacionado com a inovação e com a transferência de conhecimento e diz respeito às atividades de empreendedorismo académico, quer de base tecnológica, quer de outra natureza mais tradicional. Já em 1985, Peter Drucker havia lançado os fundamentos para a ligação do conceito de inovação e de empreendedorismo. Assim, da mesma forma que o modelo de desenvolvimento económico da sociedade contemporânea assenta na inovação, também o empreendedorismo é uma das estratégias de transferência da inovação para a sociedade. E embora a inovação e o empreendedorismo possam andar de "mãos dadas", também podem ser conceitos perfeitamente distintos. Nos anos transatos, e neste contexto de criação de novas empresas inovadoras, assistimos ao fenómeno do empreendedorismo universitário, vocacionado para promover a criação de empresas start-ups e spin-offs académicas, através da formação dos alunos em assuntos de gestão de novas empresas, do apoio na preparação e no aconselhamento do plano de negócios, na disponibilização de espaços físicos para sediar estes projetos, entre outras medidas estratégicas. Na generalidade, estes novos projetos de empreendedorismo universitário resultaram de tecnologia e de conhecimento desenvolvido por alunos e professores nos centros de investigação das universidades, ideias e inovações que revelaram ter potencial de negócio, ou seja, possibilidade de conversão em valor para o mercado.

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Assim, as universidades parecem estar a ter um papel fundamental na formação de empreendedores, através da transmissão de conhecimento, num processo que assume diversas formas, desde a criação de

spin-offs de base universitária, aos processos de licenciamento de patentes, à criação de parques tecnológicos e gabinetes de transferência de tecnologia (Audretsch, 2013), entre outras estratégias de transferência de tecnologia. Donde que, o empreendedorismo académico surge enquanto formato de transferência de conhecimento para as empresas e mercado, e ao qual, alguns autores, como Wissema (2009), reclamam tratar-se da área que marca a terceira geração de universidades. Mas, para além destas empresas e dos projetos de negócios autónomos desenvolvidos em contexto universitário, encontramos também outro modelo de empreendedorismo e de inovação académica, envolvendo projetos que ligam as universidades, as empresas já existentes e o Estado. Outros autores preferem analisar esta realidade na óptica da cooperação entre a universidade e as empresas. Estamos a falar de outras formas organizacionais de empreendedorismo académico e de parcerias académicas com a indústria, cujo formato mais citado na literatura é o Modelo de Triple Helix. As suas três hélices, descritas por Loet Leydesdorlff e Etzkowitz (1998), correspondem aos intervenientes no processo: as universidades, as empresas e o Estado (governo central e local). E estas são a base geradora de um modelo de produção e transferência de conhecimento desenvolvido por estes académicos (Etzkowitz, 2003, 2011; Etzkowitz & Viale, 2010; Fujigaki & Leydesdorff, 2000; Kim, 2012; Metcalfe, 2010; Shinn, 2002; Viale & Pozzali, 2010; Wagner & Leydesdorff, 2005; Yokakul & Zawdie, 2009). A Triple Helix suporta, por conseguinte, a ideia da universidade empreendedora (Etzkowitz, 2003; Etzkowitz et al., 2000), envolvida na terceira missão. Considerada, por alguns autores, enquanto terceira revolução académica (Etzkowitz & Viale, 2010), esta engloba uma série de atividades empreendedoras: promover o desenvolvimento económico regional, encorajar e recompensar os membros das faculdades que forneçam assistência técnica ou de gestão a empresas na região, comercializar a investigação, fornecer assistência à criação de empresas de bases tecnológica e participar nos investimentos das novas empresas resultantes do conhecimento gerado na academia. Estas configurações interorganizacionais universitárias apontam para a emergência de um sistema de comunicação (Leydesdorff, 1996) que conduz à diminuição das fronteiras organizacionais e à enfatização estratégica da cooperação, das parcerias e da interação entre organizações, como é o caso, também, das parcerias interuniversitárias para a oferta conjunta de produtos, portanto, em redes de universidades. Estes consórcios de universidades constituem uma das configurações de relacionamentos interorganizacionais possíveis ou um novo formato de organização de ensino superior. Este tipo de modelo de relações interorganizacionais de triple helix constitui uma proposta transversal e presente em todo o mundo desenvolvido, e que pode ser vista em inúmeros trabalhos, dos quais selecionámos exemplos de investigação acerca desta realidade um pouco por todo o mundo, ou

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seja, na América Latina, o exemplo do Brasil (Okano & Santos, 2014); na América do Norte - no Canadá (Rasmussen, 2008, 2011; Rasmussen, et al., 2006)27 e Estados Unidos (Audretsch, 2013); nos países emergentes da Ásia - na Indonésia (Dhewanto et al., 2014) e na China (Chen, Wu, & Yang, 2014); e na Europa - em Itália (Barbieri, Rubini, & Micozz, 2013) e em Portugal (Marques, Caraça, & Diz, 2006). Aquilo que diferencia esta estratégia das anteriores, concretamente, dos modelos de criação de novas empresas de base universitária, reside no financiamento público destes projetos, o qual representa uma parte do triângulo que une o mundo académico, empresarial e público, uma estratégia que se tem julgado decisiva e fundamental para o desenvolvimento dos países. Este modelo de financiamento público das atividades de investigação tem sido uma das estratégias aplicadas e pode acontecer em contexto dos projetos Triple Helix ou pelo financiamento direto dos centros e das atividades de investigação Esta diversidade de tipologias mostra porque a estratégia de transferência conhecimento e tecnologia não é linear, revelando-se, portanto, complexa, multiorganizacional e multifacetada, assim 28

como, os indicadores de avaliação dessa mesma transferência podem diferir em alguns aspetos particulares ou terminológicos. Por exemplo, o projeto E3M – European Indicators and Ranking

Methodology for University Third Mission definiu cinco áreas e indicadores chave, explanados por Alfredo 29

Soeiro (2011), a saber: o primeiro indicador diz respeito aos recursos humanos e pode ser medido segundo o número e percentagem de doutorados a trabalhar na indústria e nos serviços públicos; o segundo, a propriedade intelectual, pode ser aferido através das patentes pertencentes à universidade, através da quantidade de licenças ou pelos valores de royalties recebidos; o terceiro, spin-offs, cuja medição pode ser obtida através da contagem dos relacionamentos entre laboratórios e empresas, número de pessoas envolvidas, contratos de investigação e as licenças concedidas; no quarto lugar, os

contratos com a indústria podem ser avaliados através do número de contratos, dos montantes envolvidos, do tipo de parceiros (institucionais, grandes e pequenas e médias empresas - PME) e também conforme o tipo de contrato, se for de investigação, consultoria ou serviços; e, para finalizar, o quinto indicador, refere-se aos contratos públicos, que difere dos anteriores, quando estes têm em vista a coinvestigação e os serviços com dimensão social e cultural. Por outro lado, os formatos de transferência de conhecimento podem requerer, ou não, as interfaces universidade-empresa que ligam os investigadores (trabalhadores dos centros de investigação e 27 Einar Rasmussem é um investigador pós-doutorado na Bodo Graduate School of Business. Também trabalhou como investigador na NTNU Entrepreneurship Center e é académico convidado da Nottingham University Business School e da University of Strathclyde Business School. A sua principal área de pesquisa é o

empreendedorismo académico, no qual tem estado envolvido em diversas investigações e projetos de desenvolvimento, tais como, estudos sobre os processos de formação das parcerias dos spin-offs universitárias, entre outros. 28 Um dos indicadores de avaliação das atividades de transferência de tecnologia desenvolvidas nas universidades é pelo número de pedido de patentes registadas e pedidas. Um estudo recente no Brasil chegou à conclusão que dos pedidos de patentes somente uma parte (cerca de 70&) estava em nome da IES onde fora desenvolvido o conhecimento, enquanto cerca de 30% dos pedidos estavam em nome de particulares, académicos com vínculo à instituição. Esta realidade levou à separação entre "patentes universitárias" (propriedade das IES) e "patentes académicas" (propriedade individual). Esta realidade coloca a questão da evasão da propriedade e de que forma a legislação de cada país rege esta matéria. O enquadramento legislativo americano (Bay Dole Ac). 29 A informação sobre o projeto E3M pode ser obtida através do endereço eletrónico: www.e3mproject.eu, assim como os oito parceiros envolvidos, entre eles, a Universidade do Porto.

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tecnologia das universidades) ao mercado. E, no caso de haver a ligação por meio da interface, estas organizações possuem recursos humanos com conhecimentos sobre a elaboração de contratos, licenciamentos, proteção da propriedade intelectual, comercialização de tecnologia, apoio aos spin-offs, entre outras competências. O envolvimento dos profissionais de transferência de tecnologia tem vantagens, nomeadamente, pelo conhecimento que têm do mercado, dos processos e dos investigadores, assim como, pela capacidade de promoverem a ligação entre universos com agendas diferentes. Noutras situações as unidades de investigação lidam diretamente com as empresas, prestando serviços ou desenvolvendo investigação aplicada e dialogando diretamente com a sociedade.

3.3 Ambientes de inovação: Sistemas, ecossistemas, comunidades e populações Pegando nas conclusões da discussão anterior em torno da transferência de conhecimento das universidades para as empresas – complexa, multiorganizacional e multifacetada, iniciamos, agora, uma discussão acerca do conjunto de organizações que podem ser designadas por públicos estratégicos,

stakeholders ou parceiros (consoante a perspetiva adotada pelo investigador), com as quais as universidades comunicam para valorizar o saber/ciência. O ponto de partida deste debate é a análise do conjunto de organizações que fazem parte do ambiente de inovação, usualmente designado, por académicos e profissionais, por ecossistema de

inovação, nos quais as universidades participam, comunicam e estabelecem relacionamentos e parcerias interorganizacionais. Este é um conceito que emergiu com certa hegemonia na literatura anglo-saxónica, pese embora outros autores prefiram utilizar outras expressões, tais como: sistemas de inovação,

ecossistema de inovação aberta, comunidades ou populações de inovação, ou ainda, clusters de inovação. Ao rever o conceito de ecossistema de inovação fomos, mais além, num ensaio concetual que não encontráramos nas mais prestigiadas bases de dados de artigos científicos e que veremos mais à frente. Independentemente da opção linguística, em todos os casos se sugere o reconhecimento do ambiente organizacional das universidades – o que em nosso entender implica a identificação dos públicos, parceiros ou stakeholders envolvidos na terceira missão do ensino superior. De resto, já Fagerberg (2005) apontava o processo sistémico da inovação enquanto espaço de colaboração e inter-relacionamento entre diversas organizações. Muito provavelmente a designação de sistema de inovação terá sido a primeira expressão utilizada para caracterizar as complexas relações do processo de inovação. Este conceito é, aliás, amplamente utilizado para incluir todas as organizações que participam na inovação, tais como: as universidades, centros de investigação e demais instituições de investigação.

A Comunicação Interorganizacional em Rede na Transferência de Conhecimento: A abertura das universidades às empresas

Um SNI pode ser definido como um conjunto de organizações e instituições que contribuem para gerar, desenvolver, absorver, utilizar e partilhar conhecimentos economicamente úteis num determinado território nacional. Consequentemente, um SNI é muito mais que um sistema de I&D. As suas características não resultam apenas das organizações que o compõem, mas também das características e intensidade das inter-ligações estabelecidas. Segundo Charles Edquist, um SNI tem duas componentes principais: (1) organizações, isto é, estruturas formais que foram criadas com objetivos definidos, sendo que o elemento central de qualquer SNI em economia de mercado são as empresas e (2) instituições, correspondentes a conjuntos de hábitos, normas, rotinas, práticas estabelecidas, regras e leis que regulam as relações e inter-acções entre indivíduos, grupos e organizações. (Godinho & Simões, 2005, p. 9)

De acordo com Vítor Corado Simões (2003, p. 57), o Sistema Nacional de Inovação em Portugal envolve os seguintes atores: Diversas tipologias de actores … [pelo que] pensamos ser lícito considerar grupos principais de elementos: empresas; entidades de ensino e investigação; organizações de interface e apoio tecnológico; sistema financeiro; instituições públicas". Contudo, "as empresas, tanto de capital nacional como estrangeiro, são os principais actores do SNI, na medida em que são essenciais para os processos de criação de valor, de empreendedorismo e de inovação tecnológica e não tecnológica. (Godinho & Simões, 2005, p. 11)

Em Portugal no início do séc. XXI, no entanto, e segundo os mesmos autores, os sistemas de inovação ainda sofriam de constrangimentos. Segundo estes, "as organizações de educação, formação e I&D incluem um leque variado de actores, nomeadamente Universidades, organizações universitárias de

interface com as empresas, escolas tecnológicas e profissionais e laboratórios públicos" (Godinho & Simões, 2005, p. 11). Apesar disso, consideraram que a Universidade Portuguesa esteve durante muito tempo fechada ao exterior, sem integrar uma cultura de relação com outras organizações e com a sociedade. Até porque, "importará reconhecer (…) que a principal função da Universidade é a formação graduada e pós-graduada – e não a prestação de serviços ou a venda de tecnologia às empresas" (idem, p. 11), no contexto do que a transferência do conhecimento da Universidade para o tecido económico se traduzia na colocação dos alunos nas empresas. Dissecando as expressões - sistema ou ecossistema - à luz teoria organizacional apresenta uma conotação marcadamente sistémica, o que parece traduzir também a hegemonia do paradigma dos sistemas, e um certo modismo de leitura da realidade à luz de uma estrutura de pensamento baseada na lógica do pensamento sistémico. Já quando ao sistema se associa o prefixo eco, à visão sistémica parece associar-se a perspetiva da ecologia. Assim, esta designação de ecossistema de inovação pode remeter para uma certa ecologia organizacional, na linha da teoria de Hannan e Freeman (1977, 1993), ou para uma "biologia organizacional" em que uns sistemas dependem de outros para sobreviverem. Daft e Armstrong (2009, p. 597) definem ecossistema organizacional enquanto "sistema formado pela interação de uma comunidade de organizações e o seu ambiente", associando o conceito às comunidades organizacionais. E, Luoma-aho e Halonen (2010) vão mais longe, aliando os ecossistemas à ação coletiva, à inovação e à comunicação. Segundo estes autores,

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CAPÍTULO I: A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E DAS UNIVERSIDADES

A metáfora do ecossistema consiste na interconexão dos jogadores; [e] um ecossistema é um ambiente onde os jogadores individuais não são bem-sucedidos. Definimos ecossistema de inovação como um sistema permanente ou temporário de interação e intercâmbio entre uma ecologia de vários atores que permite a polinização cruzada de ideias e facilita a inovação. A inovação é dependente de conexões (Jansen et al., 2006) e muitas das virtudes que permitem a inovação são intangíveis por natureza (Kaplan & Norton, 2004). A circulação de informação e comunicação são vitais para o crescimento do ecossistema. (Luoma-Aho & Halonen, 2010, p. 4)

Apesar do conceito de ecossistema de inovação ser preferido por muitos autores, alguns académicos tecem algumas críticas e manifestos em desacordo com a utilização do mesmo. Por exemplo, Manuel Mota, investigador de Biotecnologia da Universidade do Minho, dizia numa conferência , que, em 30

rigor, não se pode falar em ecossistema porque, para tal teria de existir um elemento de reciclagem, o que não se verifica na realidade. Portanto, consoante a perspetiva e a visão, outros entendimentos são propostos, e que nos pareceram bastante oportunos para o entendimento da natureza dos relacionamentos interorganizacionais colaborativos que emergem nestes contextos. Quanto à designação de comunidades de inovação, esta surge na literatura com menos frequência, e também mais recentemente. A expressão pareceu-nos adequada às Ciências Sociais, pela ligação com o estudo das comunidades humanas. Na verdade, o conceito de comunidade vem já desde o séc. XIX e significa grupos de indivíduos. A sua aplicação observa-se no campo da Antropologia, por exemplo, mas também entre os autores das Ciências Naturais, como a Biologia. E vários podem ser os ângulos de abordagem, um dos quais, defendido por Baum e Rao (2004), salienta que a comunidade surge enquanto busca de segurança no mundo atual e para diminuir riscos. Neste contexto, criam-se alianças e procuram-se comunidades para diminuição das incertezas. Estes desígnios de segurança acontecem pela cooperação (co-operação ou prática conjunta) e colaboração (co-laborar ou trabalho conjunto) entre membros da comunidade, e são somente possíveis porque entre eles existem "vínculos de comunicação" (Monge, Heiss, & Margolin, 2008). Extrapolando, agora, esta visão de comunidade para as organizações, deduz-se, então, que uma

comunidade organizacional pode significar um grupo de organizações, entre as quais se desenvolvem vínculos de comunicação no contexto de práticas de cooperação e de colaboração, na busca de segurança. E essa garantia pode advir do reforço dos recursos e das competências partilhadas, do resultado do trabalho sinérgico, da sustentabilidade económica e social expectável no modelo de comunidade suportada por uma diversidade de alianças cooperativas. O trabalho comunitário envolve, por natureza, o coletivo em detrimento do individual. O estudo das comunidades organizacionais tem tradição

Conferência intitulada "A Engenharia Química e Biológica no futuro sustentável da humanidade", inserida no Seminário "Biotecnologia e Bioengenharia: Tecnologias de Largo Espectro para a especialização inteligente e transferência de valor para a economia", 19 de Maio de 2014, Universidade do Minho, Braga. Disponível em http://www.ceb.uminho.pt/old/Events/CEB_Evento_2014.pdf, acedido a 05 de setembro de 2014.

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A Comunicação Interorganizacional em Rede na Transferência de Conhecimento: A abertura das universidades às empresas

na corrente da Teoria Evolucionária , e decorre da noção de populações organizacionais. As populações 31

organizacionais significam "conjuntos delimitados de organizações com uma forma comum. As populações são delimitadas por algum tipo de limite-sistema social (escolhido para refletir as barreiras para as operações de processos sociais relevantes, tais como o fluxo de informações, a concorrência e a regulação) " (Carroll & Hannan, 2000, p. 74). Assim, quer a população organizacional, quer a comunidade ecológica organizacional correspondem a formatos organizacionais. Houve, portanto, uma evolução do conceito de comunidades para o conceito de populações organizacionais. De acordo com Monge e Poole (2008, p. 679), "as organizações que tenham características similares podem ser agrupadas em formas organizacionais ou populações, como as instituições educacionais". Temos, por exemplo, a população das universidades, a população dos gabinetes de transferência de conhecimento, a população dos parques tecnológicos, entre outras formas organizacionais, tomando a ótica das populações organizacionais. As conceções iniciais sobre as comunidades organizacionais surgiram limitadas às relações com o ambiente assentes na ideia de comunidade fechada. Assim, Astley (1985) concebe as comunidades organizacionais do ponto de vista funcional, como: Sistemas integrados de interação das populações; são entidades emergentes que, ao longo do tempo, ganham um grau de autonomia de seus ambientes (…). E quanto mais as comunidades elaboram esta estrutura interna de interdependências funcionais, mais elas se fecham às influências externas. Ao bloquear os seus membros para um dado conjunto de relações, as comunidades aproximam-se de sistemas fechados que contêm um número limitado de possíveis nichos dentro de seus limites. (Astley, (1985, p. 234)

Esta visão funcionalista e fechada das comunidades organizacionais, dos anos 80, emergia da teoria da ecologia organizacional (W Graham Astley & Fombrun, 1987). Uma proposta que evoluiu uma década mais tarde, quando Hunt e Aldrich (1998) propuseram uma "segunda ecologia", introduzindo as preocupações emergentes da época: (1) a importância da inovação tecnológica como o maior catalisador para a criação de novos formatos organizacionais e novas populações; (2) o papel central das atividades de empreendedorismo na promoção e sustentabilidade de crescimento das populações e comunidades; e (3) a dependência do desenvolvimento da comunidade em níveis múltiplos. A mudança dos sistemas fechados para os sistemas abertos trouxe também uma alteração à própria visão das comunidades, e para além das ideias de sustentabilidade, de cooperação, de inovação, empreendedorismo, pode-se ainda acrescentar a reflexão em torno da ontologia comunicacional das comunidades organizacionais e a introdução das redes de comunicação na análise das comunidades organizacionais, durante a primeira década do séc. XXI. É, aliás, nesta linha de raciocínio que Monge, Heiss e Margolin (2008) definem as comunidades organizacionais enquanto populações de organizações

Darwin foi o percursor da Teoria da evolução das espécies de seres vivos, dando lugar ao campo da Ecologia, uma perspetiva orgânica e moderna. Campbell, Hannan, Freeman, entre outros, propuseram a Ecologia social e organizacional assente nas populações de seres vivos. A Nova Ecologia para além das populações acrescenta as comunidades e Monge, et al. (2008, 2011), propuseram as redes de comunicação nas comunidades. 31

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CAPÍTULO I: A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E DAS UNIVERSIDADES

unidas por redes de comunicação ou outras relações, onde a sobrevivência comunitária está também dependente dos vínculos de comunicação com os quais se conectam e estudam estas redes no âmbito destas comunidades. Estão, assim, reunidos os pressupostos que ligam a sustentabilidade das comunidades organizacionais à variável comunicação, abrindo caminho para os primeiros estudos de Comunicação Organizacional que se interessam por estes formatos organizacionais (S. Lee & Monge, 2011; Monge, et al., 2008). Tendo em conta o que foi dito, uma circunstância em que um conjunto de organizações estabelece redes de comunicação e coopera para obter recursos e sustentabilidade acontece ao nível da inovação científica, formando, nesses casos, as designadas comunidades de inovação ou comunidades de

inovação aberta (Bansemir, Neyer, & Möslein, 2012; Fichter, 2012; Fleming & Waguespack, 2007; Schattke, et al., 2012; Schwarz & Bodendorf, 2012). No nosso entendimento, o que diferencia umas das outras é o modelo de criação de conhecimento que está na base destas comunidades, assim, quando este resulta da ligação com colaboradores externos significa que as comunidades são abertas. E, neste contexto, defenderíamos que o uso do conceito de comunidade organizacional de inovação aberta se revela muito adequado à caracterização das universidades no contexto de inovação. Ainda subordinadas às comunidades organizacionais, encontramos as comunidades de prática, que correspondem a redes de relações que ligam as pessoas, com foco em projetos particulares ou interesses profissionais. As organizações que valorizam a inovação e a transferência de conhecimento são particularmente predispostas ao florescimento de comunidades de prática (Cheney, Christensen, Zorn, & Ganesh, 2011). Contudo, o que não é tão frequente é o estudo destas comunidades pelos académicos das Ciências da Comunicação. Continuando em torno de um aprofundamento concetual, surge ainda na literatura um outro conceito, proveniente das áreas da Economia e da Gestão: o de clusters de inovação. Este significa, no entendimento de Engel (2014, p. xviii), "concentrações de empresas interconectadas que tanto competem como colaboram". Mas para além das empresas nos clusters de inovação também se encontram outras organizações (tais como: universidades, unidades de investigação, interfaces tecnológicos, etc.). O estudo deste conceito acontece já nos anos de 1980, e Silicon Valley, a Boston Area ou o Triângulo Industrial da

Carolina do Norte, nos Estados Unidos, são alguns exemplos de clusters de inovação mais desenvolvidos, e aos quais correspondem também os primeiros fenómenos eruptivos.

A Comunicação Interorganizacional em Rede na Transferência de Conhecimento: A abertura das universidades às empresas

Considerações finais do capítulo

Este capítulo introdutório abordou vários entendimentos sociais, filosóficos, teóricos, concetuais, úteis ao estudo das universidades, da transferência e da valorização do conhecimento, e da inovação científica aberta. Neste contexto assentamos este trabalho, no pressuposto de que as universidades estão inseridas numa sociedade baseada no conhecimento, na inovação e no funcionamento em rede, padrões de sociedades e de organizações contemporâneas. Com estes entendimentos ficou explícita a pertinência, a atualidade e o interesse científico em estudar a Comunicação Interorganizacional em rede aplicada à transferência de conhecimento das universidades para as empresas. E apesar de nem todas as sociedades ainda se estruturem desta forma (pois nem todas ainda têm acesso à Internet ou possuem, sequer, telefone), a sociedade em rede é a estrutura social de transição da sociedade de massas, e o conhecimento e a inovação são características dominantes da sociedade e das organizações contemporâneas. Neste contexto, as universidades surgem como nós centrais nesta rede de transferência da inovação e de valorização do conhecimento. Verificámos que os contributos sociológicos não tinham trazido um entendimento cabal satisfatório, porque, embora abrissem o caminho para a caracterização da sociedade e das organizações, deixavam em suspenso as questões específicas da comunicação entre organizações. Pelo que sentimos a necessidade de ir mais longe e percorrer os contributos de teóricos organizacionais e da comunicação nas organizações que nos trariam entendimentos acerca da evolução das estruturas organizacionais e do surgimento de novas formas de 'organizar as organizações'.

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