Riscos naturais urbanos na cidade da Praia (Cabo Verde). Análise de riscos e Ordenamento do Território Natural urban risks in Praia (Cape Verde). Risk analysis and Territorial Planning

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Riscos naturais urbanos na cidade da Praia (Cabo Verde). Análise de riscos e Ordenamento do Território Natural urban risks in Praia (Cape Verde). Risk analysis and Territorial Planning Sílvia MONTEIRO1, Lúcio CUNHA2, George Satander FREIRE3 1

Universidade de Cabo Verde e doutoranda do PRODEMA (UFC), [email protected] 2 CEGOT, Universidade de Coimbra, [email protected] 3 Universidade Federal do Ceará, [email protected]

Resumo: Pela sua origem vulcânica e pela sua posição geográfica na faixa saheliana, o território arquipelágico de Cabo Verde está sujeito a um conjunto diversificado de processos perigosos, entre os quais se contam o vulcanismo, os sismos, as secas, as inundações e os movimentos em massa nas vertentes. Um crescimento urbano rápido e desordenado, particularmente o que acontece na capital do país, a cidade da Praia, onde a população cresceu cerca de 85% nos vinte anos que separam os dois últimos censos (1990 e 2010), crescimento que nem sempre foi acompanhado das necessárias políticas e práticas de ordenamento do território, veio acentuar os problemas ligados à manifestação de riscos naturais. A expansão urbana e, sobretudo, a proliferação de bairros espontâneos (ou informais) na cidade da Praia, que ocupam em regra vertentes declivosas ou mesmo o fundo dos vales percorridos pela água de forma efémera, mas quase sempre torrencial, trouxe um conjunto de modificações no funcionamento dos processos que marcam os riscos naturais urbanos, com destaque para: 1)Um incremento da perigosidade a movimentos em massa e inundações rápidas pela modificação da topografia e pela fragilização das vertentes devido, sobretudo, aos múltiplos aterros; 2) Um claro aumento da exposição da população (e dos seus bens) a processos perigosos, em função da ocupação de vertentes e, sobretudo, dos fundos de vale; e 3) uma maior diferenciação social da cidade, com os bairros informais de criação recente marcados por uma forte vulnerabilidade social decorrente, quer do fraco poder económico das suas populações, quer da sua condição perante o trabalho, a educação e a saúde, quer, finalmente da fragilidade do edificado e das condições infra-estruturais gerais (abastecimento de água e electricidade; recolha de lixo). Com a presente comunicação, pretende-se contribuir para a análise dos riscos naturais na cidade da Praia, envolvendo a avaliação dos diferentes processos perigosos (perigosidade e vulnerabilidade), e dando, sobretudo, conta da percepção da população sobre os riscos, base para medidas tendentes à sua gestão (prevenção, socorro e recuperação), que contribua para uma cidade da Praia mais resiliente e sustentável. Palavras-chave: Praia; Cabo Verde; Bairros informais; Riscos Naturais; Vulnerabilidade. Abstract: For its volcanic origins and its geographical position in the Sahel, the archipelagic territory of Cape Verde presents a diverse range of hazards, among which we include volcanoes, earthquakes, droughts, floods and landslides. A rapid and unplanned urban growth, particularly in the capital city of Praia, where the population grew about 85% between 1990 and 2010, was not accompanied by territorial planning policies and practices, increasing the problems related to natural hazards. Urban sprawl and the proliferation of spontaneous neighborhoods in Praia, occupying generally steep slopes or even the bottom of the valleys, brought some changes in the processes that mark the urban natural risks, especially: 1) An increase of hazard of landslides and flash floods, by modifying the topography and the weakening of slopes due to multiple landfills; 2) A increase in the exposure of the population (and their property) to hazards, due to the occupation of slopes and especially the valley 1

bottoms; and 3) a greater social differentiation of the city, with the recent slums marked by a strong social vulnerability resulting from either weak economic power of their populations or their employment, education and health status, either, finally, the fragility of buildings and general infrastructure conditions (water, electricity, garbage). With this paper we intend to contribute to the analysis of natural risks in Praia, involving an evaluation of the different processes (hazard and vulnerability), taking in account the perception of the population about the risks, fundamental for some measures for its management (prevention, emergency, recovery), which will contribute to a city more resilient and sustainable. Keywords: Praia; Cape Verde; Slums; Natural Risks; Vulnerability. 1. Introdução Os desequilíbrios nas relações do Ser Humano com a Natureza levam a que aquele seja cada vez mais vítima do ambiente, e particularmente da manifestação de riscos naturais, sendo que na maioria das vezes, as sociedades não se encontram preparadas para uma resposta eficaz. A nível mundial, assiste-se a uma crescente concentração da população em áreas urbanas, especialmente nos países em desenvolvimento, o que acarreta diversos problemas ambientais, particularmente através da ocupação de áreas de risco. A crescente densidade populacional nas áreas urbanas aumenta a exposição de pessoas e dos seus bens. Santos (2011), citando Brandão (2001), refere que o ambiente urbano é um sistema altamente interrelacionado, em que os elementos antrópicos e os naturais interagem com resultados que podem ser bons ou ruins. Segundo Veyret (2007), o sistema urbano suscita fatores de vulnerabilidade pelos efeitos da concentração e da densidade urbanas, logo da exposição, pela desigual mobilidade dos indivíduos (mais acentuada nas cidades dos países em desenvolvimento) e pelo impacto das más práticas de urbanismo, entre outros fatores. Deste modo, é necessário pensar na rede e na morfologia urbanas, uma vez que esta pode ser mais ou menos propícia para o desencadeamento de processos perigosos, uma vez que a cidade se torna mais heterogénea à medida que a área do seu sítio inicial é transposta. Normalmente não é no sítio inicial que os problemas residem, mas sim nas áreas de expansão e segmentação do perímetro urbano, com ocupação de áreas perigosas. Guerra (2011), refletindo sobre a ocupação e uso do solo em áreas urbanas, considera que as modificações exercidas na paisagem para a implementação de cidades afetam diretamente a dinâmica hidrológica, propiciando o aumento de fenómenos hidrológicos extremos. Por outro lado, assiste-se a um aumento da vulnerabilidade das populações e territórios com a ocupação de áreas de elevada perigosidade, sobretudo quando se trata d populações de fracos rendimentos e com fraca capacidade de resistência/resposta e resiliência face a manifestação dos riscos (Dauphiné, 2005). A cidade da Praia não foge a este cenário geral e cada vez mais se assiste à proliferação de bairros de ocupação espontânea (ou informais) em áreas de risco, com construções que surgem da noite para o dia, sem obedecer a qualquer tipo de planeamento e também não dotados de infra-estruturas básicas, com as de abastecimento de água, electricidade e saneamento. O crescimento muito rápido da cidade inviabiliza o devido acompanhamento pelas autoridades municipais que deem respostas a esta dinâmica ocupacional. A cidade da Praia albergava em 2010, 131602 habitantes, cerca de 27% da população nacional. Tem sofrido um rápido crescimento, fomentado pelos fluxos migratórios, tanto internos (êxodo rural e migração das restantes ilhas) como externos, provenientes dos países vizinhos da África Ocidental. 2. Localização e caracterização do território O arquipélago de Cabo Verde localiza-se no setor oriental do Atlântico Norte, a cerca de 450 km da costa ocidental africana, entre os paralelos 17º 13´ e 14º 48´ N e os meridianos de 22º 42´ e 25º 22´ W. Possui uma superfície de 4033 km2 e dispõe de um espaço marítimo exclusivo que excede 600 000 km2, sendo formado por dez ilhas e cinco ilhéus principais (Figura 1). De acordo com Amaral (2007), em função dos ventos alísios, o arquipélago é dividido em dois grupos: Barlavento (constituído pelas ilhas de Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia, S. Nicolau, Sal, Boa Vista) e o de Sotavento (Maio, Santiago, Fogo e Brava). A

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maior ilha de Cabo Verde é a Ilha de Santiago, situada no sul do país, onde se localiza a cidade capital do país, a cidade da Praia, no litoral sudeste da ilha.

Figura 1- Enquadramento geográfico do Arquipélago de Cabo Verde e da Praia

Uma geologia de origem vulcânica, com destaque para as formações rochosas do Complexo Antigo, onde se podem encontrar rochas granulares, brechas intravulcânicas e filões, a Formação de Flamengos e a Formação do Complexo Eruptivo do Pico da Antónia, onde se nota a presença de conglomerados e de mantos vulcânicos submarinos. Afloram também rochas mais recentes como as da Formação de Monte das Vacas (cones de piroclastos), depósitos de vertentes e aluviões nos fundos dos vales (Serralheiro, 1976). Relativamente à Geomorfologia, de acordo com Gomes (2004, citado por Carvalho, 2009), o relevo do município e da cidade da Praia apresenta uma grande diversidade, onde se incluem as achadas, que correspondem a pequenos planaltos estruturais, que se unem através de vertentes quase sempre muito declivosas (Figura 2) às superfícies planas do fundo dos vales. As características geológicas aliadas às características geomorfológicas e climático-hidrológicas, potenciam a ocorrência de fenómenos perigosos como os movimentos em massa, nomeadamente as quedas de blocos (Figura 3). Para além disso, a existência de depósitos de vertente em áreas com algum declive, favorece a ocorrência de outros tipos de movimentos de massa, especialmente dos chamados fluxos de detritos. O regime climático-hidrológico apresenta uma grande variabilidade interanual das precipitações normalmente muito intensas e concentradas, o que proporciona condições ainda mais favoráveis aos referidos fenómenos, assim como a manifestação do risco de cheias rápidas (Figura 4), muito problemáticas na cidade da Praia (Monteiro et al. 2012). 3. Percepção da população acerca dos riscos naturais Lima (2005) define percepção do risco como a forma como os não especialistas (conhecidos com frequência como “leigos” ou “público”) pensam sobre os riscos e como fazem a avaliação subjetiva do grau de ameaça potencial de um determinado acontecimento ou atividade. Essa percepção vai para além dos aspectos individuais, sendo todo um mundo social e cultural que constrói as percepções, os valores e a ideologia. Souza e Romualdo (2009) consideram que a percepção dos riscos é uma abordagem alternativa que nos revela algumas respostas para uma melhor compreensão da relação entre o Ser Humano e o Ambiente, uma vez que essa relação não se estabelece simplesmente a partir de aspectos objetivos, pelo contrário, é

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profundamente influenciada por questões subjetivas. Neste sentido, é necessária a compreensão da percepção dos riscos para se poder chegar a conclusões válidas e para poder interferir nessa relação.

Figura 2 - Carta de declives do município da Praia

Figura 3 – Queda de blocos (Achada Grande)

Figura 4 – Cheias (Safende)

Por seu turno, Veyret (2007) considera que o risco nasce de um processo perigoso ou de uma ameaça potencial que pode ter diversas origens e que é sentida pelos indivíduos, podendo provocar durante a sua manifestação, prejuízos às pessoas, aos bens e à organização do território. O comportamento das pessoas perante o risco e as suas manifestações é baseado na interpretação que cada uma faz da realidade, sendo diferente de pessoa para pessoa. As diversas leituras da realidade encontram-se ligadas ao local, à idade, à história de vida, às vivências, à formação, entre outros fatores, e daí que, mesmo vivendo em comunidade, cada indivíduo percebe e interpreta os factos de acordo com a sua bagagem geográfica, cultural, social, intelectual ou económica (Souza e Romualdo, 2009). Estes estudos podem fornecer importantes subsídios ao planeamento e à gestão urbana, uma vez que procuram responder à questão das relações estabelecidas entre os residentes e os locais de risco, não tratados pelos métodos convencionais utilizados pelas ciências naturais. Daí que Lyncg (1999, citado por Souza e Zanella, 2010) entenda que esse conhecimento permite uma avaliação mais fácil, uma vez que os locais são fundamentalmente aquilo que são e a percepção que deles temos. O estudo da percepção dos riscos de cheias/inundações e de movimentos em massa nos bairros informais da cidade da Praia, foi baseado num inquérito por questionário, aplicado às populações residentes em alguns destes bairros, localizadas em vertentes declivosas e fundos de vale (zonas de ribeiras). O mesmo tem como objetivo compreender a percepção destas populações acerca dos referidos fenómenos. A Riscos naturais urbanos na cidade da Praia (Cabo Verde)

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amostra é constituída por 436 chefes de agregados familiares, 233 indivíduos do sexo feminino e 203 indivíduos do masculino, distribuídas por vários bairros (cerca de 14) da cidade da Praia. 4. Caracterização da amostra – condições de habitação Começando por analisar o tempo de residência da população inquirida nestas áreas, destaca-se um número significativo (34,4%) que vive no local há menos de 5 anos, o que significa uma ocupação em bairros recentes e poderá evidenciar pouca experiência com situações de risco. Predomina o tipo de habitação individual (80%), seguido de habitação em parte de casa (14,9), ou seja habitações inacabadas, podendo ter apenas 1 ou 2 quartos. Poucos são os que vivem em apartamentos ou vivendas, 3% e 1,8 %, respectivamente. Quanto ao regime de ocupação, a casa própria prevalece (74,8%), sendo uma das razões que levam este grupo de pessoas a residir nestas áreas. Seguidamente aparece a casa arrendada, com 18,8%, e, finalmente, a casa cedida, com uma percentagem inferior (6,4%). Relativamente ao número de pisos da habitação nota-se que a maioria das casas é térrea (1 piso; 75%), apesar de existirem habitações com 2 pisos ou mais. No que se refere aos tipos de materiais de construção e de cobertura das habitações da população inquirida, a maioria é construída com blocos de cimento e coberto com betão armado (92,7% e 87,6%, respectivamente), apesar de se verificar também a utilização de materiais precários como chapa, madeira, papelão, lona, etc. É necessário frisar que apesar da utilização de materiais que, à partida, se considerem com alguma qualidade (blocos de cimento e betão armado), a segurança das habitações nem sempre é garantida, uma vez que estas são quase sempre construídas de dia para noite, não seguindo nenhuma regra técnica especial de construção. Relativamente às condições relacionadas com o saneamento básico e com os serviços que a habitação usufrui verificámos que nem todas as habitações possuem casa de banho (32,8%) e que a maioria não está ligada à rede de esgoto (84,4%), o que explica o escoamento dos resíduos líquidos ser feito essencialmente para a rua/natureza (88,5%), contribuindo para a degradação do ambiente nestes locais. Quanto aos serviços de acesso a água canalizada, a maioria das habitações (86%) não tem água canalizada, sendo que o abastecimento é feito, normalmente, através de chafarizes móveis providenciados pela Câmara Municipal, mas que não garantem sempre o abastecimento para as necessidades correntes das populações (Figura 5).

Figura 5 – Modo de abastecimento de água através de chafariz (Bairro de Safende)

Figura 6 – Ribeira de Safende utilizada para o escoamento de resíduos sólidos

No que se refere ao acesso a energia eléctrica, uma grande percentagem dos inquiridos (82,3%) afirma ter acesso a eletricidade, muitas vezes de forma clandestina, a partir de ligações aos postos públicos próximos, até pelo facto de a empresa que faz a distribuição da água e energia no município da Praia (Electra) não disponibilizar estes serviços à população destes bairros. Finalmente, no que diz respeito ao escoamento dos resíduos sólidos, apesar de serem usados contentores e carros de lixo para a sua recolha e encaminhamento, ainda existe uma percentagem significativa (16,5%) que usa a rua/natureza para escoar os seus lixos, normalmente no leito das ribeiras, o que contribui para degradar a paisagem e o ambiente (Figura 6). O uso da rua/natureza para escoamento dos resíduos é mais significativo, quando se trata dos resíduos líquidos – esgotos.

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Quanto à legalização das habitações, verificamos que cerca de 36% da população inquirida não legalizou ainda a sua casa. De entre vários motivos, destacam-se a espera do despacho da Câmara Municipal (44,2%), a elevada burocracia (20,2%) e a falta de condições financeiras (11,6%) para preencher os requisitos exigidos, entre outros. Quando se procura compreender as razões que levaram a população inquirida a escolher bairros em áreas consideradas de risco para residir, destacam-se sobretudo os laços de parentescos (38,5%), que facilitam a aquisição da habitação e a disponibilização de terrenos mais baratos (28,8%). Questionados sobre a intenção de mudar de área de residência, 55,3% demostra não ter essa intenção pelo fato de já terem realizado o sonho da construção casa própria nesse local (40,4%), bem como o gosto pela localização (24,8%) que evidencia também o sentimento de pertença, bem como a falta de opções, entre outras. 5. Percepção sobre os riscos Ao compararmos diversas tipologias de riscos, usando uma escala de 1 a 5 (de não se preocupa a preocupase muito; Figura 7), os riscos naturais de cheias/inundações e movimentos em massa, bem como a falta de água, destacam-se por relação a outros riscos de caracter social ou tecnológico.

Figura 7 - Pontuação média sobre o grau de preocupação com diferentes tipos de risco.

Figura 8 - Razões pelas quais se considera o local como área de risco de cheias/inundações

Analisando a percepção do risco de cheia/inundações, a maioria da população (90%), tem consciência que o Bairro de residência é uma área de risco. Entre as razões que explicam o local de residência como área de risco de cheias/inundações (Figura 8), destacam-se a localização no leito da ribeira (39,1%) e a existência de construções nas ribeiras (24,4%) como razões principais. A população demonstra uma boa percepção quanto aos riscos de cheias e inundações. Quanto aos movimentos em massa, a maior parte da população também parece deter uma boa consciência do risco, uma vez que 79% considera viver num bairro com esse risco. Como razões, as duas principais apontam a existência de construções nas vertentes (40%) e existência de áreas muito declivosas (32,9%), entre outras (Figura 9).

Figura 9 - Razões pelas quais se considera o bairro como área de risco de movimentos em massa

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Figura 10 - Risco mais preocupante no bairro

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Cerca de 49,8% da população inquirida mostra uma preocupação semelhante em relação aos riscos de cheias/inundações e movimentos de massa (Figura 10), apesar daquelas serem consideradas riscos mais preocupantes por alguns inquiridos (40%). Isto poderá ser explicado pela maior frequência das cheias/inundações, que criam muitos constrangimentos à população. Quando se levanta uma questão hipotética sobre o tempo de recuperação que seria necessário, caso da família perdesse seus bens materiais devido algum acontecimento perigoso (Figura 11), cerca de 63,9 % consideram que seriam necessários muitos anos, o que demonstra uma fraca capacidade de resiliência por parte desta população.

Figura 11 - Tempo de recuperação após perda dos bens devido algum acontecimento danoso

Finalmente, a avaliação institucional, por exemplo acerca do papel desempenhado pela autarquia local no socorro e recuperação de manifestações de risco (Figura 12), é avaliada pelos inquiridos negativamente, o que revela muita insatisfação com as autoridades locais, a que não será alheio o facto de se tratar de bairros periféricos, informais e, de certo modo, ilegais.

Muito Negativo

Figura 12 – Avaliação da Câmara Municipal nos vários domínios da gestão dos riscos

6. Conclusão A cidade da Praia, com áreas de planaltos, fundos de vale e vertentes declivosas, bem como com condições climáticas que originam por vezes chuvas de carácter torrencial, corresponde a um área de elevada perigosidade a cheias/inundações e movimentos em massa. A cidade tem crescido desordenada e rapidamente, levando à ocupação de áreas suscetíveis a manifestações de riscos, para além de serem áreas com elevado défice infra-estrutural (água, electricidade e sobretudo o saneamento), o que contribui para degradação do ambiente nestes locais. Essa ocupação é feita por populações económica e socialmente vulneráveis, que não veem outras opções para resolver o problema da habitação. Pelos dados já analisados sobre a percepção do risco, pode considerar-se que se trata de uma população com níveis razoáveis de instrução, apesar de haver ainda pessoas com níveis muito baixos. Um número significativo de pessoas ocupou recentemente algumas destas áreas o que poderá evidenciar pouco Riscos naturais urbanos na cidade da Praia (Cabo Verde)

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experiência com situações de riscos. Os inquiridos têm profissões pouco valorizadas socialmente e economicamente, daí o fraco rendimento destes grupos sociais. O grande número de população dependente, as famílias numerosas, acaba por agravar ainda mais as condições das famílias. As condições de habitabilidade não são as mais desejáveis, verificando o uso de materiais precários em algumas habitações. Os principais fatores que levam as pessoas a procurar as áreas de riscos para viver têm a ver com a disponibilização de terrenos mais baratos e os laços familiares aí presentes, onde podem realizar o sonho da casa própria. Apesar da população residente nas áreas de risco demonstrar uma forte consciência dos riscos a que está sujeita, os fatores económicos parecem ter mais peso na decisão de ocupação e manutenção da morada, o que leva uma maior aceitação do risco por parte da população. As populações revelam-se preocupadas com as situações de risco a que estão sujeitas, e essa preocupação é maior quando se tem em conta os riscos naturais (cheias/inundações e movimentos de massa), quando comparando com outros tipos de riscos. Esta preocupação traduz um sentimento de insegurança pela população. Agradecimentos A primeira autora agradece à Fundação Calouste Gulbenkian a bolsa de estudos para realização do trabalho de campo. Referências bibliográficas Amaral, I. (2007). Santiago de Cabo Verde, a Terra e os Homens. Lisboa, Associação das Universidades Portuguesas, Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, UniCV, Universidade do Algarve, IICT. Carvalho, I. (2009). Monitoramento Ambiental da estrada de São Domingos – Assomada, ilha de Santiago, Cabo Verde, com enfâse na compartimentação geomorfológica. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Pernambuco. Dauphiné, A. (2005). Risques et catastrophes. Armand Colin, Paris. Guerra, A. (2011). Geomorfologia Urbana. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro. Monteiro, S. (2007). Riscos naturais e vulnerabilidades no concelho de Ribeira Grande, ilha de santo Antão (Cabo Verde). Dissertação de Mestrado. Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra. Monteiro, S., Fernandes, E., Veiga, E., Fernandes, H., Rodrigues, J., Cunha, L. (2012). Crescimento urbano espontâneo e riscos naturais na cidade da Praia (Cabo Verde). Cadernos de Geografia, Coimbra, 30. Monteiro, S., Cunha, L. (2011). Cheias rápidas em Cabo Verde. Um breve apontamento acerca das tempestades de Setembro de 2009 na Ilha de S. Nicolau. In Iberografias, Interioridade / Insularidade, Despovoamento / Desertificação. Paisagem, Riscos Naturais e Educação Ambiental em Portugal e Cabo Verde. Centro de Estudos Ibéricos. Guarda, pp. 177-190. Santos, J. (2011). Fragilidade e riscos socioambientais em Fortaleza – CE: Contribuições ao ordenamento do territorial. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo. Serralheiro, A. (1976). A geologia da ilha de Santiago (Cabo Verde). Tese de Doutoramento. Universidade de Lisboa, 218 p. Souza, G.; Romualdo, S. (2009). Inundações urbanas: A percepção sobre a problemática sócio ambiental pela comunidade do bairro Jardim Natal – Juiz de Fora (MG), UFF. Simpósio de Geografia, Brasil. Disponível em: http://www.geo.ufv.br/simposio/simposio/trabalhos/trabalhos_completos/eixo11/038.pdf; acesso em 01 de setembro de 2014. Souza, L.; Zanella, M. (2010). Percepção de riscos ambientais: Teoria e prática. Edições UFC.2ª Edição. Tavares, C. (2011). Praia Urbana: os assentamentos espontâneos. In Iberografias, Interioridade / Insularidade. Despovoamento / Desertificação. Paisagem, Riscos Naturais e Educação Ambiental em Portugal e Cabo Verde. Centro de Estudos Ibéricos, Guarda, p. 223-233 Veyret, Y. (2007). Os riscos. O Homem como agressor e vítima do meio ambiente. Editora contexto.

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