RITUAIS JURÍDICOS E PRODUÇÃO DE VERDADES: MALLET-PR, 1913-1945

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RITUAIS JURÍDICOS E PRODUÇÃO DE VERDADES: MALLET-PR, 1913-1945 Julio Cesar Franco – UNICENTRO [email protected] Hélio Sochodolak – UNICENTRO [email protected]

Resumo O trabalho aqui desenvolvido faz parte de uma pesquisa de iniciação científica, acerca da produção da verdade em processos de crimes contra a vida, como homicídios, lesões corporais, da Comarca de Mallet-PR. O problema proposto aqui é perceber alguns rituais jurídicos que estão presentes na confecção de um processo crime e como o discurso jurídico se manifesta em crimes diferentes para a obtenção da verdade. Será proposta uma compreensão sobre o inquérito e como ele interage no processo para a formação da culpa e do criminoso. Aqui serão trabalhados dois processos sendo estes de homicídio e de lesão corporal e com as teorias acerca do discurso jurídico e produção da verdade, serão analisadas e problematizadas. Palavras-Chave: Discurso Jurídico; Processos Criminais; Rituais; Verdade. Introdução

Esta comunicação é parte de uma pesquisa de iniciação científica, que tem como objetivo principal a compreensão da produção de verdades em processos criminais de violência contra a vida – homicídio, lesão corporal, estupro, etc. – em Mallet no período de 1913-1945. Os processos criminais não são apenas papéis que condenam ou absolvem, são muito mais que isso. Celeste Zenha ao trabalhar com os processos de Capivary do século XIX, definiu-os como uma construção de fábulas, onde:

A Fábula é a verdade final produzida no processo. Nada mais é que uma historieta, tida como verdadeira, resultante do conjunto de versões apresentadas por todos aqueles que falaram durante o processo: queixoso, autoridade, ofendido, peritos, testemunhas (ZENHA, 1985, p. 126).

Como o proposto por Zenha, há a construção de uma fábula. A verdade produzida pelo discurso jurídico está vinculada a uma serie de rituais que circundam até atingir essa ultima versão, e também as produções de verdades produzidas pelas outras partes todas seguem um número de regras para que sejam validadas e aceitas. Os rituais jurídicos conduzirão os processos para a formação da culpa e a produção de verdades. Nestes rituais o mais importante é a inquirição – o inquérito policial −, pois nele aparecerão todas as partes para que se forme a culpa ou o criminoso, mas isso só será efetivado quando o poder judiciário julgar a última versão da história.

Desenvolvimento

O inquérito é um dos rituais da prática judiciária, que, segundo Foucault,

data da

metade da Idade Média como uma forma de pesquisa da verdade (FOUCAULT, 2013, p. 21), e certamente é esse o objetivo. Contudo, os discursos produzidos pelos sujeitos são subjetivados por influências e circunstancias de coação. Depois o processo jurídico usa o inquérito como instrumento para provar a culpa e produzir o criminoso. Isso faz parte da produção da verdade. O inquérito é como um jogo de metades onde surgem questionamentos que vão completando as dúvidas sobre o ocorrido, uma vez que não se pode ter a certeza do que aconteceu. Em A verdade e as formas jurídicas, Foucault trabalha com esses jogos de metades fazendo uma análise de Édipo Rei, de Sófocles (FOUCAULT, 2013, p. 37-57). Ele mostra todo um processo de inquirição para descobrir quem matou o Rei Laio e o porquê da peste, e através dos questionamentos mostra a primeira metade para a verdade, e depois vêm os depoimentos que estão fragmentados, mas aos poucos remontam o acontecido e respondem os questionamentos, aí está à segunda metade que pedaço por pedaço remontam o que aconteceu e o porquê aconteceu. Trabalharei com dois processos para o desenvolvimento do texto, estes processos fazem parte do Fundo do Poder Judiciário de Mallet-PR do Centro de Documentação e Memória da Unicentro/Irati. Um dos processos é o Processo n.º 28/1930 de Mallet, que é um caso de homicídio com arma de fogo em um prostíbulo envolvendo um militar que é o réu e dois frequentadores do local sendo um deles a vítima. O réu foi condenado a quinze anos de detenção pelos artigos 294 § 2º com agravantes do artigo 39 § 5º todos do Código Penal da

Republica. O outro processo é o Processo n.º 26/1929 de Mallet, sendo um caso de lesão corporal com arma de fogo, envolvendo o delegado de polícia, um comerciante que foi a vítima, e o réu o qual não foi definido a profissão, que foi condenado pelo artigo 303 com agravante no artigo 39 § 5º, neste processo o que pode ser observado que o crime foi motivado por vingança. Com base nas fontes analisadas o inquérito é a primeira parte do processo criminal e a denúncia, queixa ou portaria constitui o primeiro documento do processo onde está a denúncia, como o processo será tramitado, de acordo com o Código do Processo Penal e o pedido de intimação de peritos e testemunhas. Após a portaria é feito o “Auto de exame cadavérico” ou “Auto de corpo de delito” que são feitos pelos peritos. No processo de homicídio, são dois peritos, um é farmacêutico e o outro não define profissão tendo apenas a referência que é um coronel. Com isso aparece um problema muito interessante, mas que não será trabalhado aqui que é como e por que um coronel e um farmacêutico são capacitados para fazer um exame cadavérico. No caso de lesão corporal como no processo Mallet-PR, n.º 26/1929 possui apenas um Auto de corpo de delito devido a agressão partir de uma pessoa somente, mas em casos de agressão mútua é feito o exame de corpo de delito nos dois envolvidos. Os exames definem a causa da morte ou a natureza da lesão. No processo de homicídio, após o Auto de exame cadavérico, são intimadas as testemunhas mesmo sem ouvir o depoimento do réu, já no de lesão corporal temos o depoimento do ofendido. Deduzimos então que o primeiro a ser ouvido é a vítima e como no caso de homicídio não seria possível ouvir a vítima, portanto é passadas direto ás testemunhas. Cada inquérito dispõe de um número de testemunha que serão questionadas sobre o acontecido. Com as testemunhas o discurso se manifesta produzindo verdades e neste ponto os valores da sociedade – Mallet, 1913-1930 − podem ser observados pelo modo como condenam ou defendem em seus depoimentos, pois são moldados por outros discursos. É o que Foucault chamou de “vontade de verdade” quando analisou o discurso pensando a sociedade francesa “[...] essa vontade de verdade assim apoiada sobre um suporte e uma distribuição institucional, tende a exercer sobre os outros discursos... uma pressão e como que um poder de coerção” (FOUCAULT, 2014, p. 17). Mas o foco deste trabalho não é analisar os discursos nos depoimentos, mas serve para entender como os discursos são moldados por outros e que no caso das testemunhas é observável tais coerções e no próprio discurso jurídico é possível compreender os valores

morais de uma sociedade. O ponto é que as fontes das produções de verdades e dos jogos de verdades estão nas testemunhas. Após ouvir o ofendido, quando é possível, testemunhas e feito um relatório do inquérito formando a “verdade” que será aceita e será mandada para ao poder judiciário que aceitará e julgará o réu de acordo com as acusações. No processo criminal há vários outros procedimentos mais burocráticos, no entanto foi possível observar que no processo de homicídio houve júri popular que também é uma prática judiciária. Porém, no processo de lesão corporal não foi a júri popular. Todo o julgamento foi decidido pelo Juiz de Direito. O júri popular não tem todo o direito de julgar, pois a decisão final ainda é do Juiz de Direito.

Conclusão

Com essas análises das práticas e rituais jurídicos percebemos toda uma tramitação para a formação da culpa e do criminoso. Nos crimes que hoje consideramos de natureza mais grave onde ocorre a morte, percebemos que o julgamento precisa da aprovação da sociedade. Talvez por isso a necessidade de um júri popular. São vários os rituais jurídicos dentro de um processo criminal, não tendo mencionado todos neste trabalho, mas, de forma geral, tentamos mostrar os que envolvem diretamente a produção da verdade, no caso as partes do processo onde são ouvidas as testemunhas, informantes, partes envolvidas que formam uma última verdade: a que determinará a condenação ou absolvição do réu. Referências BRASIL. Código Penal da República: Decreto n. 847 de 11 de outubro de 1890. Ministério dos Negócios da Justiça, 1890. Disponível em: http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049 FOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 2014. FOUCAULT, M. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: NAU, 2013. ZENHA, C. A prática da Justiça no cotidiano da pobreza. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 5, n. 10, p. 123-146, 1985.

Fontes MALLET. Processo n.º 26/1929. Mallet-PR: Vara Criminal, 1929. Lesão Corporal. Disponível: Centro de Documentação e Memória da Unicentro/Irati. Fundo público. Poder Judiciário de Mallet. PB003.1/13.2. MALLET. Processo n.º 28/1930. Mallet-PR: Vara Criminal, 1930. Homicídio. Disponível: Centro de Documentação e Memória da Unicentro/Irati. Fundo público. Poder Judiciário de Mallet. PB003.1/17.2.

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