Rock de Nerd : Produção e circulação de música em tempos de web 2.0 a partir do estudo de caso da Telerama

May 23, 2017 | Autor: Bruno Vasconcelos | Categoria: Cultural Participation, Indie Rock, Industria Musical
Share Embed


Descrição do Produto

Rock de Nerd : Produção e circulação de música em tempos de web 2.0 a partir do estudo de caso da Telerama. Bruno Vasconcelos1 Resumo O presente artigo aborda a produção e circulação de música na sociedade contemporânea a partir do surgimento da internet e do início da cultura de rede, através da qual os indivíduos passam a utilizar seus computadores para a comunicação entre si e também para produzir, consumir e trocar diversos produtos culturais, tendo conseguido certa autonomia e independência dos conteúdos que são veiculados e oferecidos pela grande mídia. O estudo apresenta o caso da banda cearense Telerama para ilustrar o alcance que a rede proporciona aos artistas independentes. A banda, a partir do uso do computador pessoal para gravação de suas canções e divulgação desse material pela internet, se utilizando principalmente das redes sociais; conseguiu participações em festivais, indicações a prêmios de música independente, reportagem em sites especializados, entre outros. Palavras-chave: Indústria Fonográfica, internet, música independente, produção e circulação de música 1. Os primeiros passos para crescer As novas tecnologias permitiram que para ouvir música não fosse mais necessário estar presente em um mesmo espaço que um conjunto musical ou um instrumentista. O advento das tecnologias de reprodução fez com que peças musicas fossem executadas no interior dos domicílios, na privacidade da família, onde as pessoas tinham liberdade para ouvir aquelas que mais gostavam, em gravações feitas por seus artistas preferidos. Os primeiros passos para gravação de sons surgiram em 1887, com a criação do fonógrafo por Tomas Edson. A intenção do inventor era a de que o aparelho permitisse gravações de conversas por telefone: Inicialmente, sua finalidade era desenvolver um engenho que permitisse o registro material e concreto de conversas gravadas ao telefone. Seria algo semelhante a secretária eletrônica de hoje: um aparelho de uso doméstico que, acoplado ao telefone, registrasse as conversas feitas por seu intermédio, podendo este registro sonoro ser recuperado à vontade do usuário. (SANTINI, 2006, pág. 29)

A partir do fonógrafo, que apresentava limitações como o rápido desgaste das folhas de estanho onde ocorriam as gravações e a fragilidade dos cilindros, se sucederam outros mecanismos de gravação sonora, dentre eles o gramofone, que além de gravar e reproduzir, também possibilitava a duplicação do material. Essa inovação representou o 1

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected]

início de uma indústria fonográfica que se especializou na gravação e distribuição das cópias que continham as canções, e não em material para gravações domiciliares (DE MARCHI, 2005). Com o desenvolvimento dos meios de comunicação massivos como o rádio, após a Primeira Guerra Mundial, os gramofones ganharam concorrência no mercado, além de terem sua tecnologia superada, pois o novo aparelho utilizava como recursos o microfone para captação sonora e caixas amplificadas para sua audição, o que aumentou a qualidade de gravação e reprodução. Entre as inovações que mudaram os rumos da indústria fonográfica, sobre a produção de discos, De Marchi (2005) diz que: A mais importante seria a adoção da gravação elétrica, por volta da segunda metade da década de 1920. Surgia, então, o formato de 78 r.p.m. (rotações por minuto), que se tornou padrão da indústria, com duração aproximada de quatro minutos em cada um de seus dois lados. (pág. 8 e 9)

Com o crescimento das transmissões, as grandes empresas radiofônicas como a RCA, NBC e CBS, notaram que o mercado da venda de discos também estava em ascensão dentre os produtos de entretenimento e sentiram a necessidade de estender seu controle para além da difusão, adquirindo as empresas produtoras de discos, que não conseguiam competir com as novas tecnologias; administrando também, dessa maneira, as gravações musicais e os direitos sobre elas. A década de 1950 trouxe mais modificações para esse mercado no qual o cenário mundial, no pós-guerra, passou por uma reconfiguração a partir da qual os Estados Unidos despontaram como uma grande potência militar, econômica e cultural, através da exportação de seus filmes, músicas e lanchonetes fast food; e onde houve desenvolvimento de tecnologias e pesquisas científicas nas mais diversas áreas, desde cibernética à medicina; engenharia civil aos meios de transporte. Esses avanços propiciaram uma maior interação entre as culturas internacionais, na qual os grandes conglomerados comerciais, dentre eles as gravadoras, expandiram seus escritórios ao redor do mundo, fazendo com que seus produtos atravessassem as fronteiras e chegassem a novos países, gerando um novo mercado consumidor, independente da língua. Neste período, a popularização dos aparelhos de televisão altera a maneira de se ouvir música, pois os artistas podem apresentar sua performance à vista de milhares de pessoas, mesmo que em cidades e países distantes. As vozes do rádio ganham rosto, corpo e dançam; influenciam comportamentos e modos de se vestir. O público jovem, com um grande potencial de consumo, ganha a atenção da indústria fonográfica que acaba por

lançar no mercado um gênero musical específico para esse segmento, o rock’n’roll, com raízes na música negra, que se torna bastante popular ao redor do mundo e garante a venda de muitos discos, que agora podiam ser ouvidos em toca-discos portáteis, que os jovens levavam para seu quarto, evidenciando a diferença de gosto das músicas ouvidas por seus pais na sala de estar. Os meios de comunicação criaram os ídolos. Artistas da música, da televisão e do cinema, dentre os quais podemos citar Elvis Presley, The Beatles, James Dean, Clark Gable e Marylin Monroe que passaram a ser reconhecidos pelo mundo, vendendo milhões, influenciando mais pessoas a seguirem o seu caminho, seja aprendendo a tocar instrumentos e formando novas bandas ou nos cursos de teatros. Na música, os milhões de discos vendidos por artistas deste tipo ajudaram a aumentar os lucros da indústria fonográfica, que acabavam financiando novas tecnologias para gravação com mais qualidade, como a captação por oito canais, que foi bem explorada nos anos 60 e que no rock foi responsável pelos efeitos das músicas contidas no álbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band 2, dos Beatles. Os altos custos de gravação, divulgação e distribuição de discos levaram as gravadoras a investir naqueles grupos que poderiam trazer algum retorno financeiro, trabalhando no lançamento de algumas dezenas de artistas, que em seu conjunto dominavam grande parte da limitada programação dos veículos de comunicação. Com mais exposição frente ao público, esses artistas lideravam as listas dos discos mais vendidos, e assim tinham seu lugar garantido nas prateleiras das lojas espalhadas nos mais diversos lugares do globo, gerando, dessa forma, uma concentração de mercado, que não deixavam muitos espaços para novos artistas mostrarem seu trabalho. Esse esquema excludente de circulação não se limitou ao meio musical, sendo aplicado ao cinema, com poucos estúdios dominando a produção e as salas exibição; assim como nos programas de televisão e rádio, onde não há espaço para divulgar tudo o que é produzido, privilegiando a apresentação daquilo que gera audiência. Segundo Anderson (2006): Com essa mentalidade movida a hits, a história do entretenimento é escrita pelos arrasa-quarteirões e o melhor teste de qualidade é a receita das bilheterias. E tais paradigmas não se limitam a Hollywood. Esse também é o critério para distribuir espaço nas prateleiras das lojas, definir os programas que entram no horário nobre da televisão e elaborar as playlists das emissoras de rádio. Tudo se resume em alocar

2

Este álbum, que se tornou um dos mais influentes da história desse gênero musical, também ficou conhecido pela inviabilidade de suas canções serem executadas em um show ao vivo, pelo menos na época.

recursos escassos aos mais "merecedores", o que significa dizer os mais populares. (pág. 38)

Esse modelo foi o que dominou o mercado de entretenimento até a alguns anos atrás, quando houve a popularização da internet, que modificou não apenas as formas de circulação de produtos culturais na sociedade, mas também formas de sociabilidade através de comunidades virtuais que propiciam o surgimento de nichos específicos de consumo, que dificilmente encontrariam espaço na cultura massiva.

2. Os primeiros abalos A internet foi criada em meados do Século XX e tinha fins estritamente militares. Foi desenvolvida, durante a Guerra Fria, pelo departamento de defesa do exército NorteAmericano para a troca de informações entre suas bases militares, nos mais diversos locais do mundo. Durante os anos 80 esse sistema deixou seus objetivos e propósitos iniciais com a criação de computadores pessoais, quando passou a ser utilizada por usuários comuns.3 Nos anos 90, aliada aos avanços da microinformática, que ajudou a baratear os custos do computador pessoal, tornando-o mais acessível, a internet virou uma febre mundial, conectando milhões de pessoas nos quatro cantos do mundo, possibilitando trocas de informação e arquivos digitais, como fotos, músicas, textos, vídeos e etc. A rede mundial de computadores reconfigurou o modelo de circulação de informação, que antes se concentrava nos meios massivos, como rádio e televisão, que se baseavam em um pólo emissor atingindo um grande público. Com a internet e a conversão de conteúdos analógicos para o meio digital, no qual se podem transformar sons, imagens, vídeos, entre outros, em bits; o usuário do computador que tem acesso a rede também se torna um potencial emissor e produtor de conteúdos e informação, bastando para isso possuir as ferramentas necessárias para navegar e publicar no mundo virtual. Para Lemos: Os novos media permitem a comunicação individualizada, personalizada e bidirecional, em tempo real. Isto vem causando mudanças estruturais na produção e distribuição da informação, tanto em jornais, televisões, rádios e revistas quanto ao setor de entretenimento como o cinema e a música. A tecnologia digital proporciona, assim, uma dupla ruptura: no modo de conceber a informação (produção por processos microeletrônicos) e no modo de difundir as informações (modelo TodosTodos). Alguns autores chegam mesmo a falar de um domínio dos meios de produção pelo público. (2008, pág.79)

Na música, entre as grandes mudanças proporcionadas pelas tecnologias digitais devemos destacar a criação do Mp3 como o grande marco que alterou as formas de 3

Para ver mais sobre história da internet: Lemos (2008), Briggs e Burke (2004), Rheingold (1996).

distribuição musical, desestruturando uma das principais bases da indústria fonográfica que era o monopólio sobre a circulação. Este formato nasceu a partir do desenvolvimento de tecnologias para a digitalização de áudio em arquivos menores que o WAV, que vinha sendo utilizado nos compact-disc (VICENTE, 2009). A proliferação do Mp3 aconteceu em 1997 quando jovens usuários de computadores tiveram acesso aos softwares que convertiam as músicas de um CD ao formato digital. Inicialmente o objetivo era ouvir música pelo som do computador, mas devido ao seu pequeno tamanho em bytes – cerca de 1/10 do tamanho de um arquivo em WAV – os internautas logo perceberam que podiam trocar músicas entre si através de email e websites. Entre os diversos programas de troca de Mp3 que surgiram, o que mais ganhou notoriedade foi o Napster, que permitia a visualização e a troca de arquivos armazenados no HD dos computadores, transformando seus usuários em potenciais servidores de músicas sem taxação de direitos autorais, pela rede. O Napster e seus congêneres causaram um grande impacto na indústria fonográfica, que passou a registrar quedas constantes nas vendas de discos. Segundo Keen (2009): O mercado de CDs despencou 25% entre 1995 e 2005. Entre 1999 e 2005, as vendas de música caíram cerca de 2,3 bilhões, passando de 14,6 bilhões para 12,3 bilhões. As vendas globais de música caíram mais 4% na primeira metade de 2006, com rendimentos de formatos físicos como CDs caindo 10%. (pág.97)

Apesar de se mostrar negativa para o mercado das Majors4, as novas tecnologias de comunicação e informação5 abriram espaço para que novos artistas pudessem mostrar seu trabalho. A digitalização do áudio, além de promover a circulação na rede, também passou a ser usada nos estúdios de gravação por apresentar vantagens de qualidade e custo em relação aos sistemas mecânicos e magnéticos que dominaram as tecnologias de gravação por quase todo o século XX. Os processos analógicos de gravação apresentavam uma manifestação de ruídos que alteravam o material original na mixagem ou nas aplicações de efeitos. Quanto mais manipulação esse material sofresse, mais degradados ficavam. O que não ocorre com o arquivo digital:

4

Multinacionais que dominam o mercado fonográfico mundial, que hoje são: Universal (França), Warner (EUA), Sony/BMG (Japão/Alemanha) e EMI (Inglaterra). 5 “O que chamamos de novas tecnologias de comunicação e informação surge a partir de 1975, com a fusão das telecomunicações analógicas com a informática, possibilitando a veiculação, sob um mesmo suporte – o computador -, de diversas formatações de mensagens. Esta revolução digital implica, progressivamente a passagem do mass media (cujos símbolos são a TV, o rádio, a imprensa, o cinema) para formas individualizadas de produção, difusão e estoque de informação.” (LEMOS, 2008, pág.68)

(...) um sinal digital pode passar por uma série de transformações sem que haja perda significativa de qualidade. Isso se dá, dessa forma, porque a tecnologia digital não trabalha com o mesmo tipo de signo da tecnologia analógica. Os signos digitais processados no computador, por exemplo, são convertidos, dentro dos seus circuitos eletrônicos, em informação elétrica binária, do tipo positivo/negativo (ou 0/1 como se costuma representar em informática). Esse material representa todo e qualquer tipo de informação que é processada, independente de seu suporte original. Ao serem representados através de seqüência de sinais do tipo 0/1, os dados armazenados perdem a relação direta com aquilo que representam. Esta representação pode, então, ser manipulada e redirecionada de maneiras diversas. (SANTINI, 2006, pág. 44)

Outra característica dessa tecnologia é que seus mecanismos de reprodução são totalmente fiéis ao arquivo original, ou seja, os arquivos podem ser copiados de um computador ao outro pela rede, que vão manter a mesma qualidade de quando foram produzidos, além de que essas cópias podem ser feitas a um custo zero, caso não se queira gravar o material em um suporte físico. A combinação de fatores, como os preços dos computadores pessoais cada vez mais acessíveis; aumento da capacidade de processamento dos mesmos que possibilita a execução de tarefas mais complexas (aplicação de efeitos, mixagem, manipulações) em tempo real, nos arquivos digitais; a entrada no mercado de hardwares que processam sinais de fontes analógicas, como voz e instrumentos musicais; ampla oferta de softwares específicos para edições sonoras, alguns distribuídos gratuitamente na rede; sites que disponibilizam espaço para que indivíduos possam divulgar seu material; culminaram com uma proliferação de artistas que antes não dispunham dos recursos necessários para que alcançassem o público (IAZZETA apud SANTINI, 2006).

3. Dos primeiros gritos de independência à Cauda Longa Entre as primeiras formas de reprodução de música e a popularização da internet se passou quase um século. Nesse período puderam ser registradas músicas dos gêneros mais variados, de diversos países. Entretanto, mesmo com todos esses anos de registro, se pode afirmar que muitos ficaram de fora do mercado, sem conseguir gravar e outros que conseguiram, quase não tiveram espaço para divulgar seu trabalho. Mesmo fora do esquema mainstream, muitos sobreviveram, outros foram descobertos por produtores ou executivos de grandes gravadoras e alcançaram a fama. O mercado de gravadoras independentes tem suas origens no surgimento do rock’n’roll, trabalhando com segmentos desprezados pelo grande circuito comercial, como o Jazz, o Soul, o Gospel, o Rhythm & Blues e o Country & Western. Nessa época as majors

controlavam três quartos do mercado de música nos Estados Unidos, deixando uma pequena área para a atuação das indies, como ficaram conhecidas. Mesmo com um espaço promocional reduzido, muitas dessas gravadoras conseguiram lançar artistas no cenário nacional da época, dentre eles Little Richard, Fats Domino, Chuck Berry e Bo Diddley (VICENTE, 2008). Ao longo dos anos, as gravadoras indies passaram a atuar em busca de novos artistas em nichos de mercado e, com o tempo, o termo indie passou a ser utilizado também para denominar grupos musicais mais alternativos, que não se enquadram nos perfis que os meios massivos costumam executar durante sua programação (VLADI, 2009). Esses grupos ganham credibilidade junto ao seu público por simbolizarem uma música mais autêntica, mais artística, que não se adapta aos padrões mercadológicos. Durante muito tempo, muitas bandas desse gênero musical sobreviveram restritas ao seu público local, fazendo shows em cidades próximas; outras, com muita dificuldade conseguiam tocar em outros países. Com o surgimento da internet, esse segmento ganha mais visibilidade graças aos canais de distribuição alternativos que esta apresenta, nos quais, a circulação do material pode ser feita a custo zero ou com valores muito baixos, sendo bastante acessível àqueles que querem divulgar seus produtos. Chris Anderson (2006) sugere em seu livro, A Cauda Longa, que a rede mundial de computadores está dando oportunidade para que todos possam mostrar seu trabalho, desafiando dessa maneira a lógica comercial das mídias de massa, garantindo ao público acesso irrestrito e sem limitações aos mais diversos conteúdos das mais diferentes culturas: “Se a indústria do entretenimento no século XX baseava-se em hits, a do século XXI se concentrará em nichos.” (pág. 15). O autor diz que a internet proporciona o surgimento de minimercados, cada um com suas microestrelas, em tendência oposta aos astros e megahits do mercado massivo que atingem o público sem distinção6. Anderson argumenta que, na internet, o mercado de nichos tem força suficiente para dividir espaço com o massivo, no qual o lucro obtido com a exorbitante venda de poucos artistas é igual ao de muitos que vendem pouco. Mesmo com negociações inexpressivas, a rede de computadores dá visibilidade a gêneros muito específicos, que não 6

Para expor sua idéia Chris Anderson utiliza como exemplo a varejista de música on-line, Rhapsody, comparando sua oferta de canções com a de uma loja tradicional, com estrutura física, a Wal-Mart. Enquanto a primeira oferta cerca de 1,5 milhão de músicas, sua concorrente limita-se a oferta de 4.500 títulos em CD, sendo que seus 200 principais discos representam em torno de 90% das vendas. Na Rhapsody, os hits também representam uma parte significativa de suas vendas, mas as outras músicas oferecidas, de gêneros musicais bem específicos, que não são encontradas em grades lojas do varejo, respondem por cerca de 40% de suas vendas mensais, não podendo ser desprezadas, demonstrando que uma grande quantidade de não-hits pode rivalizar com o mercado tradicional.

encontram espaço nas prateleiras das lojas, mas que em seu conjunto, vendem tanto quanto aqueles que dominam as transmissões populares. Para o autor, o surgimento dessas microestrelas dos nichos se torna possível graças a uma mudança no comportamento do consumidor, provocada pela internet, na qual este assume uma postura mais ativa em relação aos produtos que são oferecidos na rede. O indivíduo procura aquilo que gosta ou possa vir a gostar, se utilizando da rede e de seus mecanismos de busca para encontrar o que lhe proporciona prazer. A internet também torna propício o surgimento de espaços como fóruns, chats e sites de relacionamento, para que esses indivíduos, que possuem um gosto em comum, possam encontrar outros que partilhem das mesmas opiniões e afetos, formando, assim, comunidades virtuais. Estas levam mais em consideração as afinidades e as formas de consumo em comum que há entre seus membros, do que propriamente sua localização geográfica ou laços familiares (RHEINGOLD, 1996). Através desses espaços, as bandas independentes podem encontrar o seu público, indicando as páginas onde os conteúdos estão disponibilizados, assim como datas de shows, matérias na imprensa e novos lançamentos. Entretanto, também pode ocorrer o movimento inverso, de o público encontrar a banda, manifestar sua opinião sobre o material distribuído, entre elogios, sugestões e críticas, estreitando os laços e as relações afetivas.

4. Gravadoras pra quê? A Telerama surge nesse contexto de grupos independentes que se lançam na rede em busca de visibilidade. A banda iniciou suas atividades em 2005 de maneira despretensiosa. A intenção era apenas participar com a gravação de uma música que entraria num tributo ao cantor Ronnie Von que seria lançado na internet. Alinne (vocal) e Igor (guitarra) convidaram o amigo Rafael para tocar guitarra e fizeram a gravação da canção num computador de uso pessoal, utilizando uma bateria programada e improvisando a linha de baixo com uma das guitarras. Após a gravação decidiram se reunir e seguir com a banda chamando mais dois amigos para completar a formação: Denis (baixo) e Ciro (bateria). Para a gravação de novas músicas, a banda se utilizou muito das tecnologias proporcionadas pelo avanço da informática, que, para aqueles que não dispõem de muitos recursos financeiros, acabam por eliminar as figuras de um produtor7 e de um engenheiro 7

“Ele define a concepção musical do projeto e coordena sua realização. Quando contratado por uma gravadora, ele funciona como um intermediário entre esta e o artista. Quando é um profissional autônomo,

de som8, típicas em gravações de estúdios utilizadas pela indústria fonográfica, concentrando estas funções nos próprios membros da banda, que também cuidaram das etapas de pós-produção, como a edição e a mixagem. As gravações de suas músicas aconteciam no quarto do Igor, que foi improvisado como um estúdio, como o mesmo detalha em entrevista concedida ao site Tramavirtual em maio de 2007, sobre os dois EPs lançados até então pela banda9: Gravamos como sempre fizemos: no meu quarto. A gente afasta os móveis pra caber a bateria e grava no meu computador (...).Gravamos a bateria com três microfones só, que eram os mesmos usados para gravar tudo: guitarra, violão, voz, castanholas. Os microfones entravam numa mesa emprestada pelo pai de uma amiga e iam para a placa de som onboard do meu PC. As guitarras foram gravadas no primeiro amplificador que eu tive, um cubinho para estudo de 20 watts de potência. O baixo foi em linha.

Com as músicas gravadas, a Telerama aproveitou os meios gratuitos disponíveis na internet para distribuição de seus Mp3, criando além de um site próprio, perfis e comunidades em sites de relacionamento que os aproximavam de seu público, utilizando esses sites para divulgar sua música e criar redes de contatos com outras bandas que partilhavam do mesmo estilo de trabalho, e também produtores de outras cidades, que podiam convidar o grupo para fazer apresentações em seus estados. A banda fez uso de comunidades no Orkut, que reuniam aqueles que nutriam alguma afetividade pelas músicas; de fotolog10, que além de fotos de divulgação e das apresentações ao vivo, também eram publicados os cartazes dos shows do grupo; do Youtube11, onde disponibilizaram clipes feitos de forma caseira, com filmagens realizadas por câmeras digitais, e também vídeos de shows e apresentações em programas de televisão; e de páginas nos sites Tramavirtual12 e MySpace13, nos quais as músicas foram disponibilizadas para download.

ele intermédia a relação entre o artista e o mercado, ou entre aquele e as gravadoras que possam estar interessadas na sua contratação.” (MACEDO, 2006, pág.2) 8 “O produtor trabalha diretamente com o técnico ou engenheiro de som, cujo papel é traduzir em som as idéias daquele, viabilizando tecnicamente suas concepções e observando sempre a qualidade da gravação. Nas gravadoras independentes e pequenos estúdios é comum o produtor e o técnico serem a mesma pessoa. Nas gravadoras e estúdios profissionais, as duas funções geralmente são desempenhadas por pessoas diferentes, o que libera o produtor para se concentrar nos aspectos propriamente artísticos da produção.” (MACEDO, 2006, pág.2) 9 Entrevista disponível em: http://tramavirtual.uol.com.br/noticias/ver_noticia/6954-Redondo+e+grudento. Último acesso em 10.07.2010 10 http://www.fotolog.com.br/telerama 11 No site estão disponibilizados os clipes das músicas “Café pra que?”, “Circular”, “Arsenal”, além de participações nos programas “Viva Fortaleza” da TV O Povo, “É Festa” da TV Diário, “Da Hora” da TV União e “TramaVirtual” da Multishow. 12 Site que é um braço da gravadora Trama, que trabalha com um segmento musical mais alternativo. O site permite a artistas e bandas independentes a criação de páginas onde estes podem disponibilizar informações

Através da rede, a Telerama conseguiu mobilizar seus fãs e ganhar a votação que escolhia bandas cearenses que abririam o maior festival de música de Fortaleza, o Ceará Music, fato que ocorreu em 2006 e levou o grupo a dividir o palco com grandes nomes do rock nacional, dentre eles O Rappa, Pitty, Cachorro Grande, Capital Inicial e Nando Reis. No ano seguinte, com os contatos e com o alcance que a distribuição das músicas pela internet propiciou, a banda fez pequenas turnês pelo nordeste, foi duas vezes capa do site Tramavirtual, que nesta época servia de termômetro do que estava acontecendo de bom no cenário nacional de música independente; além de ter conseguido visibilidade nacional ao ser indicada aos dois maiores prêmios de musica independente brasileira, o Prêmio Toddy/Dynamite14 e o London Burning15, na categoria de banda revelação, em que acabou conquistando a premiação no segundo. A repercussão no meio independente acabou levando a banda a ganhar capa e matérias nos cadernos de cultura dos jornais de maior circulação no estado do Ceará e participações em alguns programas de rádio e televisão. Ainda no ano de 2007, após uma rápida apresentação numa rodada de negócios internacionais da Feira da Música16, a banda foi convidada para participar do Festival South by Southwest (SXSW), que acontece no estado do Texas, nos Estados Unidos. Esse festival ocorre anualmente e é reconhecido por reunir no mesmo espaço bandas de diversos países do mundo, entre independentes e consagradas pela mídia17.

sobre seus trabalhos, além de promover o relacionamento com outras bandas e com fãs. Foi criado em maio de 2004. Na página, o dono do perfil pode publicar fotos, informações sobre agenda e arquivos no formato mp3. O site foi responsável por dar visibilidade à muitas bandas que hoje estão em grandes gravadoras como NxZero e Fresno. Para visitar a página da telerama no site: http://tramavirtual.uol.com.br/artistas/telerama 13 No perfil do usuário, o site permite a publicação de fotos, vídeos, blogs e Mp3. Ficou bastante conhecido mundialmente, pois as grandes bandas do mercado o utilizavam para divulgação, como a britânica Coldplay, que em 2008 disponibilizou o seu disco Viva la vida para que os fãs pudessem ouvir de graça. O site foi um dos responsáveis pelo sucesso do grupo Bonde do Rolê, que acabou sendo ouvida por um Dj Americano que os lançou por seu selo. Tempos depois o grupo assinou com a mesma gravadora de Franz Ferdinand e Artic Monkeys. Para acessar o perfil da Telerama no site: http://www.myspace.com/telerama 14 A revista Dynamite entrou em circulação no ano de 1992, sendo um dos principais veículos de divulgação de música independente no Brasil. Em 2002, a publicação criou o prêmio Dynamite de música. A edição de 2007 foi patrocinada pela marca de achocolatados Toddy. 15 O Prêmio London Burning já revelou grupos como Cachorro Grande, Moptop e Bidê ou Balde. É bem conceituado por ser uma vitrine da música independente nacional. 16 A Feira da Música de Fortaleza é um evento direcionado aos produtores, veículos e bandas do cenário nacional independente, proporcionando discussão, divulgação e intercâmbio musical, reunindo num mesmo espaço, shows, rodadas de negócios, oficinas, conferências, lançamentos, exposição, entre outros. O evento acontece desde 2002 e está entre os mais conceituados do país e está integrado a Associação Brasileira de Festivais Independentes (ABRAFIN). 17 Pelos palcos do festival já passaram bandas como Motorhead, Bloc Party, Lilly Allen, Stone Temple Pilots e nacionais como Marcelo D2, Fernanda Takai e Mundo Livre S/A.

5. Considerações Finais A banda encerrou suas atividades em janeiro de 2009, mas sua curta história demonstra o alcance que músicas e bandas podem alcançar em tempos da Web 2.0, que potencializa os efeitos da globalização, intensificando a circulação de produtos culturais como cinema, músicas e literatura; assim como também propicia espaços de sociabilidade e trocas de experiência entre indivíduos distantes no tempo e no espaço, por meio de fóruns ou comunidades virtuais, onde laços podem ser intensificados e se concretizarem no mundo off-line, que no caso da banda se traduziram em pequenas turnês realizadas em outros estados e na participação de eventos, como no caso do Ceará Music. A Telerama também evidencia outra característica da Web 2.0, na qual há uma descentralização da produção de conteúdos, muitos dos quais são postados pelos próprios usuários da rede, onde estes também tornam-se produtores, e como esses conteúdos podem ganhar visibilidade e criar ressonância nas tradicionais mídias de massa, como no casos de vídeos que se tornam hits na web e ganham veiculação em programas de grande audiência na televisão; ou no caso da apropriação de conteúdos veiculados nas tradicionais mídias massivas que são reeditados por usuários da rede e tornam-se sucesso de acessos na internet. Entretanto, no caso da música, devemos destacar que mesmo com essa visibilidade, que facilita a distribuição, divulgação e exposição de bandas, a rede não garante que muitos downloads e visualizações em perfis de sites de relacionamento transformem-se em público para shows, ou que isso traga algum retorno financeiro. O caso da Telerama também evidencia isso. A banda ganhou mais em reputação e em credibilidade, que foi proporcionada pelas matérias em sites especializados e prêmios a que foi indicada, do que dinheiro. De acordo com Keen (2009): Chris Anderson está certo ao dizer que o espaço infinito proporcionará cada vez mais oportunidades para a programação de nicho, mas o outro lado da moeda é que isso fará com que esses nichos gerem cada vez menos receita. Quanto mais especializado o nicho, mais estreito o mercado. (pág. 35)

Mesmo com toda exposição que ganhou nos jornais e nos programas de televisão veiculados dentro e fora da capital cearense, as apresentações da Telerama não saíram das casas de shows específicas para seu gênero musical, mesmo fora do Ceará e do Brasil; e o público de seus shows se manteve restrito ao segmento de indivíduos que apreciam o indie rock. Não se acrescentou um público significativo que, com a venda de entradas ou pagamento de cachês, pudessem fazer com que os membros das bandas largassem seus

empregos e vivessem em função da música que faziam, e muito menos ganhou-se dinheiro suficiente para financiar novas gravações e viagens para shows fora da capital cearense. O surgimento da internet proporcionou algumas facilidades para as novas bandas poderem mostrar seu trabalho, mas os entraves do mundo off-line não se mostram tão diferentes do tempo em que os artistas gravavam suas músicas, com dificuldades e em baixa qualidade, em fitas cassete e tinham de enviar por correio a rádios, gravadoras e pessoas de outros estados e países, na esperança de garantirem uma oportunidade na qual pudesse divulgar suas canções.

Referências Bibliográficas ANDERSON, Chris. A cauda longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. BRIGGS, Asa & BURKE, Peter. Uma história Social da Mídia. De Gutenberg à Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. DE MARCHI, Leonardo . A Angústia do Formato: uma História dos Formatos Fonográficos. E-Compós (Brasília), Internet, v. 2, n. Abril, p. 1-19, 2005. CASTELLS, Manuel. A sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. JANOTTI Jr, Jeder. Aumenta que isso aì é rock and roll: mídia, gênero musical e Identidade. Rio de Janeiro: E-papers, 2003. KEEN, Andrew. O culto do amador: como blogs, MySpace, YouTube e a pirataria digital estão destruindo nossa economia, cultura e valores. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. LEMOS, André. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: 4ª edição, Sulina, 2008. MACEDO, Frederico Alberto Barbosa. O Processo de Produção Musical na Indústria Fonográfica: questões técnicas e musicais envolvidas no processo de produção musical em estúdio. Revista Eletrônica de Musicologia, v. XI, p. 14, 2007. RHEINGOLD, H. A comunidade virtual. Lisboa: Gradiva, 1996. SANTINI, Rose Marie. Admirável chip novo: a música na era da internet. Rio de Janeiro: Epapers, 2006. VICENTE, Eduardo. Viva a morte da indústria fonográfica? Impasses e perspectivas em um cenário de crise. Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Mídia e Entretenimento, do XVII Encontro da Compôs, na UNIP, SP, em junho de 2008. ______________. A Questão dos Suportes na Indústria Musical: concentração, substituição, desmaterialização. In: XXXII Congresso Brasileiro de Ciencias da Comunicação, 2009, Curitiba PR. anais do XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2009. VLADI, Nadja. Seja marginal, seja herói - Estratégias que mantêm o indie rock como um gênero musical a partir do estudo de caso de Mallu Magalhães e Little Joy. In: XXXII Congresso Brasileiro de Ciencias da Comunicação, 2009, Curitiba - PR. anais do XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2009.

Currículo Bruno Vasconcelos é graduado em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal do Ceará. Atualmente é bolsista Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE) e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPE desenvolvendo pesquisa com o tema: "Heróis da guitarrinha - Guitar Hero e Rock Band: novas formas de consumo de música na contemporaneidade".

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.