Rodas de conversa em uma escola privada de Porto Alegre

July 8, 2017 | Autor: Marcelo Silva | Categoria: Educação Infantil, Educação, Narratividade
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São Leopoldo, 2015

Congresso Internacional Linguagem e Interação 3

RODAS DE CONVERSA EM UMA ESCOLA PRIVADA DE EDUCAÇÃO DE PORTO ALEGRE: EXPERIÊNCIAS NA NARRATIVIDADE DA INFÂNCIA Marcelo Oliveira da Silva1 [email protected]

Maria Inês Côrte Vitória2 [email protected]

Resumo:

Este trabalho busca analisar as falas de crianças de duas turmas de Educação Infantil de uma escola privada de Porto Alegre sobre as vivências compartilhadas por elas nas rodas de conversa. O que aqui vamos chamar de rodas de conversa trata do momento em que as crianças partilham novidades, experiências, fatos ocorridos que lhes são significativos. Estes acontecem sempre nas segundas-feiras, com todas as crianças e as respectivas professoras sentadas no chão, em círculo. Ratificando, o tema são as novidades e principais acontecimentos do final de semana. A prática acontece nas duas turmas — nível III e IV dos dois últimos anos da Educação Infantil, observadas durante o ano de 2014. Dessa forma, as crianças têm entre 4 e 5 anos de idade, e 5 e 6 anos. O artigo analisa o exercício da fala e da organização das próprias vivências pelas crianças, mediado pelos estímulos dados pelas duas professoras das turmas investigadas. A pesquisa é de cunho qualitativo e exploratório, e reflete sobre algumas falas das crianças verbalizadas nas rodas de conversa das segundas-feiras sobre os acontecimentos mais relevantes do final de semana. Tais falas foram registradas no diário de aula do pesquisador, segundo a perspectiva de Zabalza (2004). As análises preliminares apontam para o fato de que as professoras instigam a narratividade; ajudam na síntese dos eventos; estimulam a criança a entender e selecionar o que é mais relevante dos fatos acontecidos; favorecem um espaço destinado à narração das suas próprias vivências, permitindo que novos aprendizados possam advir dessa prática.

Palavras-chave: Educação Infantil. Interação. Rodas de Conversa.

1 Introdução

O presente artigo busca entender as rodas de conversa e o seu papel na organização da fala/narrativa e no consequente aprendizado de crianças de duas turmas de Educação Infantil em uma escola da rede privada da cidade de Porto Alegre, RS. Neste artigo, utilizaremos a concepção de Ayoub (2005) para “roda de conversa”. Para a autora, as rodas de conversa servem para vários momentos da aula — sempre que há a necessidade de dialogar de forma 1

Professor das Faculdades Integradas São Judas Tadeu, doutorando em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 4

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organizada sobre um assunto. A autora defende ainda que a roda de conversa também serve para as crianças expressarem suas ideias. As rodas de conversa analisadas foram observadas durante os meses de agosto e dezembro de 2014, sempre nas segundas-feiras. Essa roda de conversa, que inicia a semana, serve para o planejamento dos próximos cinco dias (auxiliares do dia, atividades relevantes, datas comemorativas, aniversários) e para o relato dos eventos mais importantes do sábado e domingo de cada um. As rodas acontecem com todas as crianças, a professora e o observador sentados no chão, em roda, com as pernas cruzadas. As duas turmas observadas são dos dois últimos níveis da Educação Infantil, e são compostas, em média, por 10 crianças. A turma do nível III tem uma criança com necessidades especiais, e a do nível IV, duas crianças. A discussão proposta neste artigo está relacionada às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (MEC, 2013, p.94), que determinam que é “importante lembrar que, dentre os bens culturais que crianças têm o direito a ter acesso está a linguagem verbal, que inclui a linguagem oral e a escrita, instrumentos básicos de expressão de ideias, sentimentos e imaginação”. Conforme será discutido adiante, em relação às teorias que embasam a discussão proposta, podemos afirmar que estas se apoiam na ideia das possibilidades narrativas da infância (WOLF, 1993), nas relações que se estabelecem entre pares e na mediação do professor (LAAD; COLEMAN, 1993). Em seguida, buscamos estabelecer ligações com o entendimento de Gadamer (1999) sobre a experiência enquanto autoconhecimento e conhecimento do outro. A pesquisa tem cunho qualitativo e a coleta de dados ocorreu por meio de observações participantes em duas turmas dos últimos anos da Educação Infantil. As observações feitas foram registradas em um diário de aula, conforme as concepções de Zabalza (2004).

2 Infâncias, Educação Infantil e Experiências Narativas

Neste segmento, procuramos identificar alguns posicionamentos teóricos relevantes para o entendimento dos dados a serem analisados. Muito já se avançou nos estudos da Infância e da Educação Infantil; entretanto, ainda temos muito que progredir no entendimento das múltiplas infâncias e dos diferentes modos de aprender que o ser humano possui. Por outro lado, lembra Corsaro (2011, p.17) que:

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[... antes,] havia quase uma total ausência de estudos sobre crianças [...] Atualmente a situação é muito diferente. Um grande e crescente número de monografias, obras publicadas e artigos abordam questões teóricas e relatam conclusões empíricas relacionadas ao estudo sociológico das crianças e da infância.

Para o autor, há um ressurgimento do tema “infância” no campo da sociologia, o que impacta também na Educação e no entendimento das múltiplas facetas das infâncias na atualidade. Nascimento (2011, p.43) entende que os estudos sociais situam a infância “a partir do espaço, da temporalidade, da brincadeira, do trabalho, da infância no singular ou no plural, do corpo e da pesquisa, criticam os conceitos utilizados, desenvolvendo uma tese que se sustenta no construcionismo social ou nas tendências pós-modernas de pesquisa social”. Quando falamos em Educação Infantil, estamos abordando uma etapa na educação de uma pessoa, o que se costuma chamar de “pré-escola”. Os pais ou os responsáveis pelas crianças que ingressam na Educação Infantil têm os mais variados motivos para fazê-lo. É inegável que a inserção da criança em um ambiente escolar proporciona a interação com crianças da mesma idade. A Educação Básica é um direito universal e fundamental para o exercício da cidadania plena. Nesse sentido, “é oportuno e necessário considerar as dimensões do educar e do cuidar, em sua inseparabilidade [...]. Cuidar e educar iniciam-se na Educação Infantil, ações destinadas a crianças a partir de zero ano, que devem ser estendidas ao Ensino Fundamental, Médio e posteriores” (MEC, 2013, p.17) Nesse sentido, Laad e Coleman (1993) entendem que o ingresso da criança na Educação Infantil promove as primeiras amizades com crianças da mesma idade (interação entre pares) e desenvolve as habilidades sociais da criança. O que leva, segundo os autores, a uma melhor interatividade com os pares e aumento das relações de amizade duradouras. Para que as crianças desenvolvam as habilidades necessárias a amizade é relevante (indispensável) que interajam com seus pares. Quanto maior a interação com pares, mais seletiva é a escolha de quem são (serão) seus amigos. Hartup (2011) afirma que há consenso no entendimento de que o convívio de uma criança com outas contribui significantemente para o seu desenvolvimento. Para o autor, a uma comunicação competente, impulsos dominados, o conviver bem com os outros e o conhecimento de mundo emergem, principalmente, das primeiras relações em sociedade, e continuam a ser refinados durante a vida por essas mesmas relações. Essas relações sociais ocorrem tanto em um grupo totalmente heterogêneo, quanto nas relações com os pares — por exemplo, em uma turma de Educação Infantil.

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No conceito trazido por Corsaro e Eder (1990, p.197 apud BUTTLER, 2008, p.8), a “cultura dos pares” significa “um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e preocupações que as crianças produzem e compartilham com seus pares.” Assim, as crianças aprendem pela interação entre elas, e não somente pela observação e contato com o mundo dos adultos. As crianças são estimuladas a conviverem com outras, o que possibilita a organização das suas interações sociais e os seus significados. Nesse sentido, Gadamer (1999) faz uma crítica à falta de perspectiva histórica no entendimento da experiência, pois a experiência de mundo é sempre uma experiência social. O contexto — o lugar de onde se fala e onde se vivenciam as experiências — é fator relevante para a construção do sujeito. A possibilidade de narrar a sua própria história, experiência e vivência encontra eco no entendimento sobre a experiência em Gadamer (1999, p.525), conforme o trecho a seguir:

Mas com isso o conceito de experiência de que se trata agora adquire um momento qualitativamente novo. Não se refere somente à experiência no sentido daquilo que esta ensina sobre tal ou qual coisa. Refere-se à experiência em seu todo. Esta é a experiência que cada um constantemente tem que adquirir e a que ninguém se pode poupar. A experiência aqui é algo que faz parte da essência histórica do homem. [Grifos nossos]

Ou seja, a experiência é, na concepção do autor, sempre dolorosa, pois é a partir da experiência que encontramos o discernimento. Nesse sentido, não há experiência fora de um contexto histórico e de dadas circunstâncias daquele momento. Em outras palavras: Somos seres históricos localizados em determinadas culturas, línguas, religiões, heranças culturais, etc. Essa temporalidade é que faz com que o círculo não se torne vicioso, pois quando queremos entender a nós mesmos, inevitavelmente nós partimos da nossa posição atual na história que, por sua contingência, não será completa e precisará que outras pessoas possam dar continuidade às linhas de transmissão e compreensão da história. (SILVA, 2014, p.80)

A experiência, além da sua concepção histórica, vai acontecer sempre no encontro com o outro. Pelos estudos sobre a interação entre pares, sabemos que desde tenra idade as crianças estipulam relações de amizade e de pertencimento. O acesso aos pares pode ser percebido como uma condição essencial para esse tipo de interação, que é fundamental para a formação das primeiras relações sociais de amizade. Da mesma forma, as pesquisas apontam que lições importantes acontecem na interação entre os pares. Mesmo que não seja uma ideia nova, algumas dessas pesquisas tentam entender o impacto nas habilidades sociais e competências desenvolvidas pela interação entre pares para as crianças (LAAD; COLEMAN, 1993).

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Complementando essas ideias, podemos pensar nos benefícios da interação entre pares na perspectiva trazida por Wolf (1993), que busca entender a narratividade das crianças. Para a autora, a aquisição da língua significa falar sobre experiências passadas, plausíveis e imaginadas. Portanto, saber falar sobre o tempo que não é o presente é uma ferramenta essencial para construir uma autobiografia (a narrativa de si mesmo). Dessa forma, ainda para Wolf (1993), sem essas habilidades de descrever uma sequência de eventos, suas conexões e significados, seria impossível desenvolver o entendimento sobre a história pessoal de cada um. As narrativas de si mesmo possibilitam a reflexão sobre as experiências da pessoa e a sua tradução em palavras. Os acontecimentos linguísticos, sociais e afetivos combinados geram o que a autora chama de “memory talk” (falar sobre lembranças). Nesse sentido, falar sobre as suas lembranças transforma a pessoa de sujeito desses acontecimentos a narrador da sua própria história.

3 Metodologia

A presente pesquisa é de cunho qualitativo e foi desenvolvida a partir dos registros em diário de aula, conforme as orientações de Bogdan e Biklen (1998) e Zabalza (2004). As observações que originaram os registros do diário de aula aconteceram entre os meses de agosto e dezembro, sempre nas segundas-feiras, em uma escola de Educação Infantil da rede privada da cidade de Porto Alegre. Foram observadas duas turmas dos dois últimos anos da Educação Infantil. Para Lüdke e André (1986, p.26), a observação direta dos fenômenos permite que o pesquisador consiga se aproximar da “perspectiva dos sujeitos” da pesquisa. “Na medida em que o observador acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas próprias ações”. Os dados coletados para compor a análise deste artigo fazem parte da pesquisa de doutoramento de um dos autores, sob a orientação da outra autora. A pesquisa versa sobre a interação entre crianças com deficiência e crianças sem deficiência, muitas vezes mediadas pelos professores. Neste artigo, as deficiências não são alvo de análise. As conversas analisadas ocorreram nas rodas de conversa para combinação dos eventos da semana que se iniciava e para a narração dos principais eventos do fim de semana anterior.

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4 Análise de Dados A rotina observada nos primeiros momentos das aulas de segunda-feira variou pouco nas duas turmas. Em geral, as crianças iam chegando aos poucos, retiravam a agenda, o livro emprestado da biblioteca e a toalha de mão, acomodavam a mochila no espaço destinado, colocavam a agenda no lugar próprio, levavam a toalha para o banheiro. Depois desse momento de organização do material, sentavam no chão para brincar e/ou conversar. Algumas conversavam com o observador, contavam novidades e faziam perguntas. Em seguida, as professoras pediam que organizassem a roda e sentassem com “perna de índio” (de pernas cruzadas). O observador sempre se senta junto com elas na roda. Os primeiros momentos da roda das crianças do nível IV são de organização das atividades da semana (aniversário, passeio, oficina), determinação do ajudante e do enfermeiro do dia e do resto da semana, e quaisquer outras atividades que envolvam o calendário. Aparecem aqui claramente as questões de desenvolvimento da noção de tempo. Já na sala das crianças do nível III, não aparecem com tanta frequência as combinações de calendário, em função de serem mais novos. Em geral, as crianças já sentam em roda e iniciam logo em seguida a contação dos eventos significativos do fim de semana. Essa é a dinâmica inicial. Os relatos do final de semana antecedente começam com o estímulo da professora. Ela pode tanto escolher alguém para iniciar quanto perguntar quem quer começar. Algumas vezes, o observador foi convidado pelas crianças ou pelas professoras a contar o seu final de semana. Isso dependia, quase sempre, do tempo que essa atividade havia consumido. Os pontos de que eles mais gostaram dos relatos do observador se referiam a passeios, especialmente em parques — o que eles fazem frequentemente — e quando o observador dizia que fizera seu “tema de casa”. Os relatos iniciam e terminam seguindo um roteiro que acreditamos ser préestabelecido, e que ajuda na organização do pensamento e da fala. O início e o fim dos relatos seguem, em geral, este padrão em uma narrativa do nível IV:

C1 – No sábado, eu acordeeeiii, tomei café da manhã, brinqueeeiii, passeei no parqueee, almocei [...] C 1 – E agora estou aqui!3

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Os diálogos utilizados nesta análise de dados foram registrados no diário de aula. Quando for necessário, identificaremos as crianças (C) e as professoras (P III e P IV). 9

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Podemos pensar que esse padrão na fala — “acordei...”, “...e agora estou aqui” — podem representar marcadores de tipo de discurso. Aqui, nos aproximamos do entendimento de Coutinho (2008). Para essa autora, mesmo que em algumas línguas os marcadores de tipo de discurso sejam limitados e catalogados pelos linguistas, há muita dificuldade em definir quais sejam esses marcadores, em função da dinâmica da própria língua. Entretanto, podemos afirmar que esse roteiro que utiliza dois principais marcadores — um de início e outro de fim — auxiliam na elaboração da autonarrativa. Muitas vezes, esses marcadores e expressões são tomados emprestados dos adultos, sejam eles familiares ou professores, mas as crianças não deixam de se constituírem como narradores de si mesmos. Quando alguma das crianças se alonga na descrição de algum evento, as professoras intervêm, como no diálogo a seguir, que aconteceu no nível IV:

C2 – Eu vi um filme no DVD em casa. É muito legal! Tem um... [tenta descrever a história]. P – Não precisa contar toooodo o filme para os amigos. Tem que deixar tempo para os amigos contarem o “finde” deles também. Diz o nome do filme e se tu gostou ou não. C2 – Eu não sei o nome do filme. [falou bem baixo] P – Então, vê o nome do filme em casa e depois conta para os amigos. Pode ser? Para Wolf (1993), se queremos que os outros entendam o que nos aconteceu, devemos nos tornar narradores capazes de refletir sobre nossa própria experiência, e escolher o melhor modo de contar essa experiência, o que implica em capacidade de síntese e objetividade. Neste exemplo, algumas crianças tentavam identificar que filme era, enquanto o narrador tentava explicar qual era, sem sucesso. Ainda para Wolf, “um autor é, em essência, alguém que cria uma experiência, não alguém que a relata. Criar uma experiência certamente exige uma escolha de palavras e de tipos de frases, mas, talvez mais do que isso, a ideia de autoria inclui invenção, ênfase, performance e interpretação [tradução nossa]” (WOLF, 1993, p.47). Por outro lado, quando os relatos são muito curtos, as intervenções das professoras são para encorajar a criança a elaborar mais detalhes, como nos exemplos de fala a seguir:

P III – E o que mais? Só isso?! P III – Viste TV o finde todo? Não acredito! Não passeou, brincou? P IV – Na casa da mamãe ou do papai? P III – Com a mamãe ou com o papai? P IV – E o que tu mais gostaste? P IV – Que legal! Conta pra gente como foi?!

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Nas duas turmas há crianças com dificuldades na oralidade, seja por alguma deficiência (autismo e síndrome de Down) ou, segundo relato das professoras, por uma relação simbiótica com os pais, que, dentre outras características, falam pelos filhos, limitando, assim, a sua expressão oral. Nesses casos, as professoras insistem um pouco mais na elaboração da narrativa. A capacidade de se autonarrar depende muito de fatores externos, como sono, cansaço, acontecimentos familiares e do humor — especialmente nas crianças com deficiência. Nesses momentos, em que a criança não consegue realizar a sua narratividade, surge em outras crianças certa ansiedade pela demora no relato. As professoras intervêm, no sentido de fazer com que a própria criança fale e não tenha a sua narrativa terceirizada. Isso pode ser percebido no seguinte diálogo do nível III:

P – [C3] conta como foi o teu finde? C3 – Não! P – Não aconteceu nada no teu finde? C3 – Parque! P – Ah, tu foi no parque? Com quem tu foi no parque? C3 – Mamãe! [...] P – Qual o nome do parque que tu foi? C3 – Mamãe! C4 – Ela foi no parque mamãe? C5 – Eu acho que ela foi no parque se chama mamãe! C6 – Ela só diz “mamãe”! P – Qual o nome do parque, [nome da criança]? C3 – Sim! P – Reden... C3 – Redenção! P – Mais alguma coisa que tu queiras contar para os colegas? C3 – Não! Laad e Coleman (1993) inferem que nesse processo de convívio e de formação de laços de amizade, as crianças entram em contato com comportamentos sociais, habilidades e outras características da personalidade das outras crianças. Esse interesse ou desinteresse pode variar de intensidade, conforme as crianças vão se conhecendo e interagindo. Nesse caso, podemos observar que, quando se trata de brincar, de organizar a sala, a fila ou os brinquedos, ou seja, quando há mais ação do que narração, há muito mais interatividade entre a criança com síndrome de Down e as outras. Há certa impaciência quando a atividade envolve a fala, até mesmo pelas dificuldades advindas da síndrome.

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Já em relação às relações entre pares na roda de conversa, podemos trazer como exemplo o seguinte diálogo:

C7 – Aí, no sábado, a V. foi lá em casa brincar comigo. E brincamos e brincamos. C8– É! P IV – E estava legal? Vocês brincaram de quê? C7 e 8 – Sim! C7 – Brincamos de [...] e depois comemos [...] e a mãe dela veio buscar ela. Isso reforça a ideia que as amizades nascem e se consolidam a partir dessas relações entre pares. Neste caso específico, a escola é de um bairro não muito populoso e as famílias moram perto da escola, o que facilita o encontro no parque que fica perto ou as visitas à casa de outras crianças. Ao que os relatos presenciados indicam, essas são práticas bastante comuns na comunidade escolar, e muitas vezes acontecem entre crianças de turmas diferentes. Podemos entender também que pela proposta e cultura da escola, há bastante conhecimento e até relações de amizade entre as famílias, as crianças e a equipe da escola. Laad e Coleman (1993) trazem resultados de pesquisas que indicam que a qualidade, tanto da Educação Infantil quanto das relações sociais ali desenvolvidas, têm implicação direta no nível de competência social. De modo que foram estudadas as qualidades e formação dos professores, bem como os padrões de interação entre as crianças e o professor. Assim, professores e/ou cuidadores que envolvem as crianças em níveis mais altos de conversa, “que tenham uma atitude atenta, afetuosa e positiva [responsive, nurturant and positive]” em suas interações com as crianças, parecem ter o efeito de promover o desenvolvimento social das crianças (LAAD; COLEMAN, 1993, p. 70). Retomando o que os Parâmetros Curriculares Nacionais prescrevem: A aquisição da linguagem oral depende das possibilidades das crianças observarem e participarem cotidianamente de situações comunicativas diversas onde podem comunicar-se, conversar, ouvir histórias, narrar, contar um fato, brincar com palavras, refletir e expressar seus próprios pontos de vista, diferenciar conceitos, ver interconexões e descobrir novos caminhos de entender o mundo. É um processo que precisa ser planejado e continuamente trabalhado. (MEC, 2013, p.94)

Podemos afirmar que, independentemente dos motivos que levam os pais a matricularem seus filhos em uma escola de Educação Infantil, os benefícios advindos da interação entre as crianças (pares) e com os professores, tais como a elaboração da narratividade e as rotinas, são inegáveis.

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5 Considerações Finais

À guisa de conclusão, podemos dizer que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (MEC, 2013, p.94), que determinam que é “importante lembrar que, dentre os bens culturais que crianças têm o direito a ter acesso está a linguagem verbal, que inclui a linguagem oral e a escrita, instrumentos básicos de expressão de ideias, sentimentos e imaginação” expressam uma necessidade e uma urgência em contextos de educação infantil, em que, no mais das vezes, o adulto fala pela criança e não para a criança. Nesse sentido, consoante com o foco deste estudo, argumentamos a favor do espaço para a narratividade nos contextos e currículos da Educação Infantil. A narração, o espaço de interlocução, a escuta e a fala devem estar presentes diariamente na rotina escolar dos pequenos, sendo favorecida de maneira sistemática no planejamento. Talvez esse possa ser um bom ponto de partida para a formação tanto de discentes quanto de docentes no que tange à importância de falar e de ser ouvido. Além de desenvolver as habilidades de fala, de escuta, de síntese, de organização da memória e escolha de vocabulário, esses espaços de conversa também proporcionam que as crianças mantenham contato com as experiências de outras crianças. Essas habilidades desenvolvidas ainda na Educação Infantil têm seus reflexos por toda a vida do indivíduo tanto no campo do letramento quanto das habilidades sociais e das amizades.

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