Roldão CP; Abrantes P; Mauritti R; Teixeira A (2011) Os jovens de classes desfavorecidas e a escola: o que mudou com o programa TEIP?

July 22, 2017 | Autor: Rosário Mauritti | Categoria: Sociology of Education, Social Classes, Social Inequality
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OS JOVENS DE CLASSES DESFAVORECIDAS E A ESCOLA: O QUE MUDOU COM O PROGRAMA TEIP?

Cristina Roldão, Pedro Abrantes, Rosário Mauritti e Ana Teixeira CIES-IUL [email protected]

Introdução O paper procura equacionar se o programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária tem tido efeitos significativos na relação dos jovens das classes desfavorecidas e a escola. Com este intuito, desdobra-se em duas partes: na primeira, apresenta-se de forma sintética o quadro teórico, normativo e metodológico que fundamenta a discussão; na segunda, procura responder-se à questão de partida, com base num conjunto de dados empíricos recolhidos recentemente. Este estudo resulta do projeto Efeitos TEIP: Avaliação de impactos escolares e sociais em sete territórios educativos de intervenção prioritária, realizado por uma equipa de nove investigadores do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (CIES-IUL), entre Novembro de 2010 e Março de 2011, e financiado pela DireçãoGeral de Inovação e Desenvolvimento Curricular do Ministério da Educação (DGIDC-ME). O projeto foi coordenado por Pedro Abrantes, Rosário Mauritti e Cristina Roldão, tendo incluído nas equipas de terreno Liliana Alves, Patrícia Amaral, Inês Baptista, Telma Leal, Cristina Nunes, Tânia Rocha e Ana Teixeira. Importa notar que este estudo procurou identificar e analisar efeitos do programa TEIP em sete distintos territórios, no espaço nacional, relacionando várias dimensões, incluindo os resultados escolares, os índices de indisciplina, a valorização das comunidades locais, o desenvolvimento das organizações escolares e as práticas pedagógicas. Para isso, lançaram-se dois questionários (um aos professores, outro às famílias), analisaram-se os documentos que organizam a escola e o TEIP, os resultados internos e externos, e realizaram-se entrevistas e focus groups a cerca de 40 atores de cada uma das comunidades educativas (entre coordenadores, professores, técnicos, pais, alunos e parceiros).

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Neste caso, procuramos discutir um problema bem mais circunscrito e com uma orientação mais teórica, isto é, os efeitos na relação entre os jovens e a escola, pelo que nos referimos apenas de forma pontual aos dados gerais e exploramos de forma sistemática um pequeno segmento do material empírico, em particular, aquele que resulta de informações qualitativas que nos foram indicadas pelos alunos de cinco turmas em cada um dos sete territórios, bem como pelos diretores de turma e técnicos que os acompanham no quotidiano (ver tópico 1.3).

1. Quadro teórico, metodológico e normativo

1.1 Os jovens das classes populares e a escola As tensões entre os jovens das classes populares e os sistemas educativos tem sido um dos temas fortes da sociologia educação, desde que esta se tornou um campo de investigação autónomo, o que no centro europeu e nos Estados Unidos ocorreu nos anos 60 e, em Portugal, cerca de duas décadas mais tarde. Uma primeira linha de pesquisas sobre o tema, designada “teoria da reprodução”, tende a explicar os problemas comportamentais e as dificuldades de aprendizagens destes jovens pelo contraste entre a cultura escolar e as suas culturas de origem (Bourdieu e Passeron, 1970; Bernstein, 1973; Bowles e Gintis, 1977). Ao contrário dos jovens das novas classes médias urbanas, que experimentam uma certa continuidade entre as socializações escolar e familiar, nas classes populares, a experiência escolar representa um corte relativamente às competências desenvolvidas em casa e na comunidade, obrigando as crianças a dominar e acionar códigos distintos, em cada um dos contextos, sob pena de serem duramente penalizados. Simultaneamente, esta distancia cultural limita também a cooperação entre escola e famílias populares, reduzindo as possibilidades dos pais apoiarem e orientarem o percurso educativo dos filhos. As “teorias da resistência” compõem uma segunda linha de estudos, distinguindo-se pelo papel ativo e criativo que atribui aos jovens dos meios populares, na recusa de uma escola que os tende a inferiorizar como atores sociais e a deslegitimar as suas culturas de origem. Entre os jovens ingleses da classe operária, por exemplo, vários estudos mostraram o

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desenvolvimento de uma “contracultura”, na qual se desprezam os valores escolares e se sublimam práticas e representações de oposição, assentes na solidariedade grupal, capazes de gerar espaços-tempos de “inversão simbólica” (Willis, 1977; Woods, 1980; Apple, 1985). Mais recentemente, alguns estudos têm procurado combinar e relativizar estas duas linhas de estudos (Dubet e Martucelli, 1996; Lopes, 1996; Duschatsky, 2003; Abrantes, 2003), mostrando que: (1) as culturas adolescentes e a oposição à escola tendem a ocorrer nas diferentes classes sociais, não sendo específicas dos meios populares; (2) no seio das classes populares, alguns grupos, como as raparigas, os filhos de empregados executantes ou de algumas minorias étnicas tendem a destacar-se por não corresponder a este perfil de resistência coletiva e reprodução social, servindo-se mais frequentemente da escola como veículo de mobilidade social; (3) as disposições dos jovens podem variar igualmente em função do ambiente escolar e, no interior deste, pela ação de alguns profissionais e pela criação de distintos espaços e projetos. Aliás, é possível que a crise da indústria e em geral do emprego juvenil, nos países europeus, tenha contribuído também para um sentido de inevitabilidade da integração escolar, ainda que a um nível parcial ou superficial, contribuindo para disposições ambivalentes de “adesão distanciada” à escola. No presente paper, interessa-nos particularmente testar a possibilidade de as relações entre sistema educativo e jovens de meios populares se transformarem devido à estratégia da escola ou, pelo menos, a certas dinâmicas criadas no seu interior. Se é verdade que a orientação cultural do sistema educativo dificulta a integração destes jovens e pode gerar movimentos de resistência e oposição, importa questionar se programas como o TEIP conseguem introduzir alterações nesta orientação e, por conseguinte, nos modos de relação entre escola e jovens das classes populares.

1.2 Lógica do programa TEIP O programa TEIP visa a promoção da equidade no acesso à educação partindo de dois princípios estratégicos de ação: a discriminação positiva (prioritária) e a territorialização da intervenção política. O primeiro princípio, está de forma mais imediata ligado à procura da equidade na distribuição de recursos do sistema de ensino, isto é disponibilizar às escolas de

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contextos mais desfavorecidos e com resultados menos positivos, meios suplementares que permitam atenuar algumas das suas principais vulnerabilidades. Como referido em Seabra (2009) e em Fitoussi e Rosanvallon (1997), se até à década de 60, o debate internacional sobre os princípios orientadores das políticas públicas (entre elas as referentes aos sistemas de ensino) girava em torno do conceito de igualdade, a partir daí e por diferentes motivos, assiste-se a um deslocamento para uma lógica de equidade: “a distribuição de recursos deve ser diferenciada em função das necessidades também diferenciadas”(Seabra, 2009:77). Não se tratando de um delocamento “pacífico”, nem completamente alcançado, surgem aplicações em vários sistemas de ensino. No início da década de 60 surge nos EUA a campanha de educação compensatória, alguns anos mais tarde, na Grã-Bretanha, são criadas as Educational Priority Area (1968) e em 1981 são definidas as Zones d'Éducation Prioritaires (ZEP) em França e a primeira experiência portuguesa, Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), surge em 1996 sendo relançada, com algumas alterações, em 2006. O segundo pilar, está em consonância com outra dinâmica mais geral, iniciada na década de 80, que remete para a descentralização do poder de decisão do Estado sobre o sistema educativo, mas também sobre outros domínios (Vieira e Vieira, 2011; Charlot,1994; Henriques, 2004; Guerra, 2003). Começa então a assistir-se à transferência de competências da administração central para organismos locais de diversa ordem. Exemplos disso são as experiências de discriminação positiva descritas anteriormente, assim como o processo de autonomia das escolas e, em domínios relativos ao combate à pobreza e exclusão social, encontramos medidas como o Programa Escolhas, Iniciativa Bairros Críticos, Programas URBAN, Equal, Poverty, entre outros. A territorialização das políticas públicas é uma forma de articulação entre Estado e local, mas que não se esgota na simples transferência de competências para unidades geográficoadministrativas de menor dimensão (concelho, freguesia, agrupamentos, etc.). Pressupõe a transferência para actores locais distintos (policentração) que através da sua ação conjunta dão sentido a um projecto local, ainda que se saiba que muitos dos desafios que enfrentam ultrapassam a esfera local (Barroso, 1997; Van Zanten, 1990). Assim, a territorialização educativa vai “no sentido de valorizar a afirmação, dos poderes periféricos, a mobilização local dos atores e a contextualização da ação política” (Barroso, 1997:31). Um dos actores

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por excelência a envolver nos processos de tomada de decisão, mas que acaba por estar um pouco oculto nos debates sobre a cidadania são os jovens e crianças No campo educativo, a territorialização, para além de ter uma dimensão propriamente política – a participação de diferentes actores locais nas decisões escolares e a partilha de recursos – tem sido associada também a uma dimensão pedagógica, em que se valoriza a relação entre pedagogia e contexto, a proximidade entre cultura local e práticas e conteúdos pedagógicos, aspectos que se sabe serem de extrema relevância na promoção do sucesso escolar dos jovens de classe popular (Bettencourt e Sousa, 2000; Alonso, 2000; Fernandes e Gonçalves, 2000; Canário, 2000; Carvalho et al., 2009). Esta aproximação entre pedagogia e contexto, implica assim, não só a entrada em “jogo” de outros actores, mas que se verifique também a legitimação de outros saberes e experiências, para além daqueles que a escola tradicional tem privilegiado.

1.3 Aspectos metodológicos A escolha dos territórios respeitou um princípio de abranger a diversidade de situações que compõe, atualmente, o “universo TEIP”. Assim, numa fase preliminar, do conjunto de 105 territórios, excluímos aqueles que haviam entrado no programa há menos de um ano (sendo uma análise de efeitos ainda prematura), que haviam sido sujeitos a estudos de caso recentemente ou que atravessavam reconfigurações profundas. Analisámos os 43 casos restantes, à luz de nove indicadores organizacionais, chegando à seguinte tipologia: 1) Territórios de realojamento e exclusão social nas periferias urbanas (mais de 70% dos alunos em situação de pobreza); 2) Territórios difusos, incluindo áreas urbanas periféricas e zonas de povoamento disperso, com bolsas alargadas de pobreza; 3) Territórios urbanos heterogéneos, com vários sectores sociais em presença, mas abrangendo franjas significativas provenientes de bairros de habitação social; 4) Territórios semi-rurais, atravessados por problemas estruturais de desemprego e pobreza. Foram selecionados dois territórios de cada tipo (exceto no tipo 4, menos frequente, em que apenas estudamos um território), contrastando os dois casos, tanto em termos de localização geográfica como de resultados académicos. Como se referiu anteriormente, o presente paper centra-se nos dados fornecidos diretamente pelos alunos de cinco turmas em cada um dos sete agrupamentos, assim como pelos diretores

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de turma e os técnicos que acompanham diretamente essas crianças e adolescentes. As cinco turmas foram escolhidas de forma a abranger os três ciclos de ensino, em cada agrupamento, assim como os percursos curriculares alternativos e os cursos de educação e formação. No total, recolheu-se assim informação qualitativa relativa a 37 turmas, ou seja, aproximadamente 750 alunos. Se, no caso dos adultos, estes dados foram recolhidos através de focus groups, modalidade bem conhecida dos investigadores sociais, no caso dos alunos, desenvolveu-se um dispositivo de recolha de dados mais complexo, a três tempos, com o intuito de estimular os índices de participação e de reflexividade, superando algumas limitações sentidas em entrevistas anteriores a crianças e adolescentes de meios populares, realizadas em meio escolar. Esta estratégia constituiu um dos aspectos mais inovadores do referido estudo, pelo que o discutimos com maior detalhe no presente tópico. Num primeiro momento (Dezembro), realizamos um focus group com os cinco diretores de turma e outro com os delegados das respectivas turmas. Este contato inicial serviu para recolher informações sobre o perfil e as representações destes atores, e para os envolver enquanto protagonistas do trabalho a realizar. Assim, os diretores de turma comprometeramse a reservar um tempo letivo (uma hora e meia) para a realização de uma assembleia de alunos, na qual a sua intervenção seria mínima, enquanto os delegados se comprometeram a presidir às referidas assembleias, organizando os colegas, lançando um conjunto de tópicos a discussão e sistematizando os seus resultados. Os tópicos, previamente acordados com os investigadores, variaram um pouco entre territórios e entre ciclos de ensino, mas todos eles incluíram referencias: 1) à indisciplina e violência; 2) às instalações e equipamentos escolares; 3) às ofertas educativas; 4) ao trabalho pedagógico; 5) aos serviços de acompanhamento, apoio e orientação dos alunos. Num segundo momento (Janeiro), cada turma realizou a sua assembleia. Em alguns casos, os investigadores assistiram também às assembleias, mas eximiram-se de intervir. Noutros casos, estas foram reguladas pelos docentes. De notar que houve variações no modus operandi, sendo que em alguns casos se dividiram os tópicos por pequenos grupos, sendo as conclusões depois ajustadas em grupo alargado. A idade dos alunos, a liderança dos delegados de turma, a relação com os diretores de turma e a experiência anterior de assembleias foram fatores que

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influenciaram as dinâmicas ocorridas. Em todo o caso, todas as turmas produziram um documento único em que sistematizaram os resultados obtidos. Finalmente, num terceiro momento (Fevereiro), realizou-se um novo focus group com os delegados de turma em cada um dos territórios. Neste caso, os delegados apresentaram as conclusões das respectivas turmas, enquanto os investigadores procuraram fomentar a clarificação e discussão das informações recolhidas, assim como compreender as dinâmicas geradas em cada turma por esta estratégia. De notar que, apesar de ter sido a primeira vez que a maioria destas crianças e adolescentes participou numa assembleia – o que já de si é um facto extremamente relevante para o tema em debate – a adesão foi bastante positiva e, em alguns casos, mesmo entusiástica. Na acta da assembleia, por exemplo, o delegado de uma turma do 4o ano escreveu: “os alunos ainda nunca tinham feito uma Assembleia de Turma e gostaram muito, pois puderam dizer o que gostariam de mudar e também serviu para reclamar e fazer pedidos”. Não substituindo, de forma alguma, a realização de modalidades mais tradicionais de entrevista ou questionário aos alunos, podemos, contudo, notar que esta metodologia apresenta interessantes ganhos ao nível da reflexividade e do envolvimento dos jovens. Aumentando o controlo juvenil sobre o próprio processo, ainda que surjam dificuldades adicionais nos modos de assegurar a qualidade e comparabilidade dos dados (aspecto a melhorar em próximas aplicações deste método), emergem simultaneamente preocupações, disposições, representações e expectativas que poderiam não surgir em técnicas de registo mais diretivas. Trata-se, pois, de uma intervenção na vida escolar que interpela as práticas e as relações de poder instituídas, gerando per si posicionamentos e dinâmicas extremamente complexas e interessantes de analisar, sobretudo, quando se tratava de explorar a relação entre alunos e escola, enfatizando dimensões como a integração, a orientação e a participação das crianças e adolescentes.

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1.4 Mecanismos: Integração, Orientação e Participação No conjunto de orientações da ação (do programa1 e dos projetos locais), recursos, atores e estratégias mobilizados, podemos distinguir 3 tipos de mecanismos que visam transformar dinâmicas de estruturação social no plano socioeconómico (a distribuição de capitais culturais rentáveis, como os diplomas ou a aquisição de competências), simbólico (a legitimação das experiências, projetos e saberes) e político (o empowerment dos diferentes atores da comunidade educativa). Podemos falar, em primeiro lugar, de mecanismos de integração escolar, com conseqüências visíveis: (1) na redução do abandono escolar e do absentismo; (2) no sucesso académico (melhoria das classificações a diferentes disciplinas e redução das taxas de repetência e de abandono escolar); e (3) na conformação dos alunos às regras da escola (redução da violência e indisciplina). Embora consideremos que estes três processos se incluem na mesma dimensão, importa considerar que não existe uma homologia necessária entre eles. Aliás, uma conclusão de vários estudos anteriores sobre o efeito dos TEIP é que se terá reduzido o abandono e a violência na escola, mas não necessariamente o insucesso escolar. Por sua vez, essa constatação conduziu a administração central e a direção das escolas a um maior enfoque no reforço das aprendizagens escolares, nos projetos TEIP atualmente em curso. Em segundo lugar, designamos mecanismos de orientação às ações e estruturas escolares que têm um impacto significativo na orientação dos jovens e, em particular, em tomadas de decisão importantes para o seu percurso de vida, não apenas no foro escolar (como as escolhas do curso na transição do 9º ano para o ensino secundário ou a integração em PCA e CEF como forma de terminar a escolaridade básica), mas também noutros dilemas vitais que vão surgindo na vida das crianças e adolescentes, sobretudo em contextos de grande vulnerabilidade social. Além do papel do diretor de turma, este trabalho é geralmente desempenhado pelos serviços de psicologia e orientação, mas com limitações muito evidentes em termos de recursos. Os projetos TEIP permitiram, em muitos casos, a contratação de psicólogos, assistentes sociais e mediadores que podem reforçar esta dimensão do trabalho, além de proverem horas extra para que alguns professores desempenhem funções de tutores

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de alguns alunos e de coordenação de projetos e clubes, onde desenvolvem uma relação mais informal com os alunos. Por fim, em terceiro lugar, incluímos entre os mecanismos de participação os espaços e processos criados pela escola para ampliar e legitimar a participação dos alunos, em particular, no seu próprio processo educativo, na organização da escola e na vida da sua comunidade. Neste contexto, devemos distinguir mecanismos de participação formal e informal, ambos com as suas vantagens e limitações. Importa ressaltar que, ao contrário dos dois anteriores, a legislação que regula o programa TEIP não explicita a ampliação destes mecanismos como um dos objetivos dos projetos locais. Em todo o caso, na sua formulação mais recente (2008), foi introduzido o objetivo de tornar a escola como um agente central do desenvolvimento da comunidade local. E, consideramos nós, a participação dos alunos na vida escolar e comunitária pode não apenas desbloquear um conjunto de distancias e resistências entre a escola e a comunidade, como constituir-se como um impulsionador fundamental para o referido desenvolvimento local.

2. Resultados do estudo

2.1 Um balanço geral Dada a impossibilidade de analisar o impacto de cada uma das ações desenvolvidas através do programa TEIP, em cada um dos territórios, o Quadro 1 sistematiza algumas das medidas tomadas no âmbito dos projetos TEIP e o impacto que estas estarão a ter nos três mecanismos referidos. Como é possível observar estas tenderam a concentrar-se na ampliação dos mecanismos de integração escolar – redução do abandono escolar, promoção do sucesso escolar e redução da indisciplina – do que dos mecanismos de orientação dos projetos escolares e de vida ou da participação dos jovens na escola. Em seguida, discutimos de forma mais detalhada cada uma destas dimensões.

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Quadro 1 Análise do impacto das diversas iniciativas de inovação pedagógica criadas ao abrigo do TEIP, nos mecanismos de integração, orientação e participação dos jovens Mecanismos

Integração

Orientação

Participação

Estratégias Diversificação pedagógica na sala de aula Reforço das TIC **** ** Português Língua Não Materna *** * Metodologia de projeto **** * Assessorias ** * Ensino experimental das ciências *** ** Co-docência ** * Programas de leitura ** * Articulação docente Equipas pedagógicas **** *** Diversificação de contextos e de práticas Salas temáticas *** *** Clubes/projetos **** *** Mega-eventos ** * Atividades nas férias *** ** Animação dos recreios *** * Diversificação da oferta curricular PCA ***** ** CEF ***** *** Gestão dos percursos escolares Tutorias **** **** Gabinetes de apoio ao aluno e à família **** ** Reforço dos SPO ** **** Espaço+ *** ** Legenda: * - impacto mínimo; ***** - impacto máximo

* *** * * * * *** ** ** *** **** * * * ** ** *** * *

2.2 O reforço da integração A maior integração de muitos dos jovens que frequentam estas escolas constitui, ao nível dos alunos, a principal mais-valia do programa TEIP. Esta integração pode desdobrar-se em várias dimensões, sendo que o impacto do programa varia entre elas, além de existirem também fortes variações locais. Uma primeira dimensão diz respeito à redução gradual das taxas de abandono e absentismo. Isto é, nos sete territórios estudados, os jovens tendem hoje a permanecer na escola, pelo menos, até aos 16 anos, e a faltar menos às aulas do que há alguns anos atrás. Em três dos agrupamentos estudados, o abandono escolar tornou-se mesmo residual (abaixo dos 2%) e nos outros não excede os 5%. Trata-se de uma tendência nacional, mas que nos TEIP se tem reforçado, através de um acompanhamento mais forte dos diretores de turma e/ou de técnicos especializados aos alunos em risco de abandono, geralmente supervisionado pelas próprias direções. 10

Contudo, importa notar que o abandono escolar não está ainda erradicado, subsistindo situações delicadas como a das raparigas de etnia cigana, e podendo agora ressurgir, devido ao aumento da escolaridade obrigatória para os 18 anos de idade ou 12º ano de escolaridade. Além disso, em dois dos agrupamentos, o número de alunos no 8º e 9º ano ainda é muito reduzido, face aos anos anteriores, visto que os alunos acumulam reprovações e, portanto, podem abandonar a escola aos 16 anos, sem terem completado a escolaridade básica. Uma segunda dimensão é a de que os jovens passam hoje mais tempo na escola. Por um lado, estas escolas denotam uma maior estabilidade e o menor absentismo do corpo docente, incluindo a substituição imediata dos professores em falta, o que tem permitido uma regularização dos quotidianos escolares, invertendo a situação de instabilidade que se vivia há uns anos atrás. Por outro lado, estas escolas contam com um amplo programa de refeições e atividades de enriquecimento curricular (projetos, clubes, equipas desportivas, redes, academias, espaços+, bibliotecas), nos quais se envolve uma grande parte da população escolar, suprimindo assim a escassez de espaços culturais nos respectivos territórios. Em três dos agrupamentos estudados, existe inclusivamente um programa de atividades nas férias, para ocupar os jovens nos períodos do ano em que não têm aulas. Uma terceira dimensão diz respeito à integração efetiva no trabalho escolar e nos processos de aprendizagem. Esta dimensão é mais difícil de quantificar, mas os resultados tanto internos como externos parecem apontar para uma melhoria paulatina das aprendizagens dos alunos, o que só não acontece nas provas nacionais do 9º ano, ainda que aqui importa lembrar que alcançam esta prova muitos mais alunos do que há alguns anos atrás, devido à referida redução do abandono. Cerca de 60% dos docentes nestes agrupamentos concordam que hoje se aprende mais do que há três anos, ainda que este valor oscile entre 88% num agrupamento e apenas 31% noutro. Mais, 72% considera que os alunos atualmente se envolvem mais nas iniciativas propostas e 84% afirma que o TEIP é “importante” ou “muito importante” para a redução do insucesso escolar. Nos agrupamentos que registam uma evolução mais positiva, esta parece estar associada realmente a uma melhoria das práticas pedagógicas. Como descreveu a delegada de uma turma do 7o ano: “as aulas são mais interessantes, pois usam-se mais fontes de pesquisa, mais métodos de estudo, aulas mais interativas, livros mais esclarecedores e com mais imagens”. Mas este cenário não foi observado em todos os agrupamentos estudados.

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Por fim, uma quarta dimensão da integração escolar está associada aos comportamentos dos alunos no espaço escolar e, em particular, à inibição de certas atitudes mais agressivas ou destrutivas, em geral perpetradas por alunos que se sentem mais desintegrados ou descriminados nos espaços escolares. Apesar das estatísticas dos agrupamentos serem pouco rigorosas, os questionários aos docentes e aos encarregados de educação indicam que os problemas de indisciplina e violência têm vindo a diminuir, sendo que muitos dos atores locais associam esta evolução ao programa TEIP. Apesar de as posições serem muito heterogéneas, a maioria dos pais e dos professores considera que a indisciplina na sala de aula e a violência nos recreios tem vindo a diminuir, sendo que os atores escolares mantêm hoje um melhor relacionamento do que há três anos atrás. Os focus groups com alunos também confirmam esta tendência, inclusive nos agrupamentos em que as práticas pedagógicas e os resultados académicos não têm melhorado. Nas palavras de uma aluna do 7o ano de uma escola com este perfil: “Antigamente, andavam mais à porrada do que hoje em dia (...) Em termos tipo de porrada melhorou, agressões, bullying „tá melhor, agora em termos de atividades não se faz nada aqui”. Esta melhoria parece estar associada a várias dinâmicas. Por um lado, os agrupamentos parecem hoje ter uma estratégia mais consistente e construtiva de lidar com os problemas comportamentais dos alunos, colocada em prática por equipas ou gabinetes criados para o efeito, nos quais colaboram professores e outros técnicos especializados. Uma tendência geral é para a aplicação imediata de sanções de trabalho comunitário, evitando os processos tradicionais de suspensão dos alunos por alguns dias. Esta estratégia é apoiada por grande parte dos alunos. Nas palavras de uma aluna do 4o ano: “Se fizermos algum mal a alguém, se a gente não disser a verdade, vamos buscar uma luva e vamos limpar o recreio”. Também 60% dos pais inquiridos consideram que as orientações da escola face à indisciplina melhoraram nos últimos anos, em particular, ao nível da responsabilização dos alunos. Por outro lado, os sistemas de tutorias, os animadores culturais e os programas de enriquecimento curricular permitem aos alunos hoje estarem muito mais acompanhados e envolvidos em atividades produtivas, o que parece melhorar o seu bem-estar e reduzir os seus comportamentos agressivos ou destrutivos.

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2.3 Experiências de orientação Se a integração parece reforçar-se, devido à combinação de diversas ações, já os mecanismos de orientação escolar tendem a ser pontuais e pouco integrados. A complexidade da diversificação da oferta formativa se não tiver integrados mecanismos de orientação sistemáticos e integrados, dificilmente poderá propiciar a orientação efetiva dos projetos de vida. Os serviços de psicologia e orientação, pela forma como estão estruturados e pelos recursos de que dispõem dificilmente poderão orientar de forma contínua e em proximidade os projetos de vida dos jovens, sendo de se questionar, por exemplo, até que ponto poderão conduzir os jovens a ultrapassar visões sobre o futuro profissional muito desfasadas da realidade (oníricas ou vazias). Um dos objetivos centrais do Programa TEIP, tendo em consideração os contextos sociais em que os agrupamentos se inserem, é precisamente “a criação de condições que favoreçam a orientação educativa e a transição qualificada para a vida ativa” (Despacho normativo n.º 55/2008). De fato, contribuir para o desenvolvimento nos jovens de competências pessoais e sociais, familiares e comunitárias com vista a formação de cidadãos autónomos, responsáveis e solidários, tem sido uma preocupação transversal em todos os projetos educativos/TEIP dos agrupamentos e que assume diferentes formas. Por um lado, os agrupamentos reforçaram e criaram espaços de apoio e de aprendizagem onde os alunos têm a possibilidade de usufruir de um acompanhamento mais individual por parte do docente. Neste sentido foram criados sistemas de tutorias, assessorias, apoio educativo, sistemas de co-docência a Matemática e Língua Portuguesa, criação de “turmas de nível” e a própria articulação interdisciplinar que se tem vindo a promover. “ (…) Se calhar, estar numa sala de aula com outros colegas é fator distrativo e de menos empenho. Estando naquele local direcionado para mim: „a professora está aqui para me ajudar‟, a outra está lá para dizer tudo para todos e isso psicologicamente será um fator extremamente importante de aquisição de competências e de conhecimentos”. Vice-diretor de agrupamento de escolas Por outro lado, a oferta de atividades de enriquecimento curricular de natureza lúdica, cultural e formativa foi consideravelmente ampliada em todos os agrupamentos. Além de permitirem uma maior ocupação dos alunos nas instalações escolares e fora delas, estas atividades

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potenciam o gosto pela escola e de uma forma informal acabam por trabalhar as competências pessoais e sociais proporcionando uma formação mais diversificada aos alunos. “Para o sucesso escolar vai contribuindo, a questão do desenvolvimento das competências sociais

e relacionais e outro aspecto que é importante, que é o sentimento de pertença.

Uma das coisas

que eu acho que falha neste agrupamento é que os alunos gostam da

escola, mas não vestem a

camisola como deviam. Acham que é um espaço que existe, está

cá para os servir mas que eles

não têm que dar nada em troca e tem-se tentado

desenvolver nestes alunos esse sentimento de

pertença,

competições, vão em representação da escola e que os

que

eles

comportamentos

saem, têm

vão que

a ser

adequados, que eles têm que se esforçar e ser responsáveis e isso depois acaba por se refletir a nível da questão de sala de aula”. Professora Apesar da existência de algumas ações específicas que visam a formação de cidadãos responsáveis e participativos, convocando os alunos a serem responsáveis por tarefas e atividades, continua a notar-se pouca abertura para a participação dos alunos nas decisões da escola e o espaço da formação cívica ainda parece muito dominado por uma lógica administrativa e hierárquica que não fomenta a reflexão e envolvimento dos alunos. O reforço e criação dos gabinetes/serviços de acompanhamento ao aluno e à família (GAAF, SAAF, GACE, GABAL) tem contribuído para dinamizar o processo de ensino/aprendizagem, modificar comportamentos e proporcionar apoio ao aluno e à família. Constituídos por equipas multidisciplinares (mediadores, animadores, psicólogos, assistentes sociais), estes gabinetes permitem aproximar os alunos dos docentes, promovendo as relações interpessoais, e o desenvolvimento de um conhecimento mais aprofundado sobre os problemas emocionais e comportamentais dos alunos. O fato destes técnicos contratados ao abrigo do Programa TEIP serem bastantes jovens, recém-licenciados, e das suas funções serem muitas vezes em relação directa com os alunos e menos “curricularizada”, faz com que haja mais espaço para estarem com os alunos nas suas múltiplas faces (enquanto jovens, enquanto membros de um bairro, enquanto rapaz ou rapariga, etc.). Contudo, notamos que os gabinetes se têm debruçado, sobretudo, no controlo e prevenção dos casos de indisciplina ocorridos em sala de aula ou nos espaços exteriores e interiores dos estabelecimentos de ensino.

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“Uma forma de os cativar é através dos reforços positivos, que é uma questão tão básica, tão simples, e que nós sentimos que há miúdos ali que não estão mesmo habituados a isso. Estou a

dizer resforços positivos no sentido de „fizeste bem‟. Temo-nos deparado com questões

de os miúdos estarem sempre a dizer: „não tenho jeito para isto, não tenho jeito para aquilo‟ (…) nós

notamos que, muitas vezes, os miúdos não têm resforços positivos não é

só em casa, é mesmo na

sala de aula com certos docentes”. Animador Sócio-cultural

Ainda no campo das relações interpessoais, o maior ou menor apoio individual dado aos alunos e a proximidade com que os docentes trabalham com os mesmos é igualmente importante para a consolidação dos processos de orientação educativa e de transição para a vida ativa. De uma forma geral, os delegados de turma afirmam que os respectivos diretores de turma e direção da escola são acessíveis e apoiam-nos sempre que têm um problema. No entanto, alguns delegados criticam algum “excesso” de zelo por parte dos diretores de turma ou pelo contrário, uma relação distanciada com os alunos e que não os informa suficientemente sobre o curso, estágios, saídas profissionais.

“Eu acho que a minha nova DT, a stora X, não me parece que seja uma pessoa muito simpática.

Isto é a minha opinião (…) Estamos num curso [CEF]... Muitas das vezes acho

que a diretora de turma deveria falar connosco sobre qual é no fundo o objetivo desse curso, quais são as saídas…

mais informações, acho que uma diretora do curso devia dar

mais explicações e não dá”. Aluno 7º ano - CEF “A minha [DT] gosta muito de ligar para os pais das pessoas. A minha mãe nã trabalha na TMN!” Aluna 7º ano Em relação à diversificação de oferta educativa, todos os agrupamentos possuem cursos de educação e formação (CEF) e percursos curriculares alternativos (PCA), embora muitos destes cursos/percursos não estejam relacionados com o Programa TEIP. Apesar dos próprios

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docentes reconhecerem a importância da diversificação da oferta educativa nos territórios abrangidos, esta apenas abrange um conjunto minoritário dos alunos e nem sempre está articulada com as “vocações” dos jovens ou com o mercado de trabalho local. Assim, a maioria dos alunos envolvidos nestes cursos parece conferir um valor positivo ao cariz mais prático do curso e à possibilidade de colocação rápida no mercado de trabalho, mas não participou na escolha do curso, nem considera que é o mais adequado ao seu gosto e perfil e, por vezes, não sabem ao certo se existem possibilidades de continuidade ou regimes de transição específicos para os ciclos de ensino seguinte. Esta apropriação pragmática dos CEF é confirmada pela seguinte declaração de um aluno do 7º ano: “Gostava de ir para um curso vocacional… porque eu quero ter um futuro (...) São cursos para aqueles alunos mais velhos… que é para poderem ter trabalho”.

2.4 Vulnerabilidade da participação O princípio da territorialização subjacente ao programa TEIP parte da ideia que as comunidades educativas locais – atores escolares e não escolares, formais e não formais (Van Zanten, 1990) – são aquelas que deverão (democratização) e que melhor poderão (adequação/pragmatismo) encontrar respostas ajustadas e sustentáveis aos seus problemas e potencialidades, ainda que se saiba que muitos dos desafios que enfrentam jogam-se em espaços que as ultrapassam completamente. A avaliação realizada a alguns territórios TEIP revelam como a questão da “abertura à comunidade educativa” tem entendimentos bastante diversificados e que, na generalidade dos casos, é um aspecto em que os avanços são menos explícitos, menos ainda quando nos centramos exclusivamente sobre a participação dos jovens e crianças. Se encontramos alguns avanços na entrada de novos atores nas escolas (autarquias, instituições de solidariedade social, empresas, universidades, associações locais, etc.), em que se estabelecem acordos de colaboração, partilha de recursos, entre os jovens e crianças a participação está muito mais difusa e dependente de mecanismos informais (professores particularmente interessados, redes de sociabilidades).

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Como referido por alguns autores (Tomás, 2007; Duarte et al, 2005) a participação das crianças e jovens encontra diversos obstáculos, como por exemplo: os timings apertados dos programas, projetos e escolas, que dificultam a criação de espaços e competências de participação junto de crianças e jovens; falta de conhecimento e de meios para implementar metodologias menos convencionais, mas mais adaptadas a alguns destes grupos (foto e vídeoelicitação; fóruns em linha; focus groups facilitados, etc.); a fraca cultura de participação em geral e, especialmente, entre as crianças e jovens; o facto das crianças e jovens serem entendidas tradicionalmente mais como objetos de intervenção e/ou pesquisa do que enquanto sujeitos; a tendência para prespectivar a participação destes actores nos moldes da participação de adultos, isto é, não relativizando as competências, os interesses e necessidades de crianças e jovens; a dificuldade em criar condições para uma participação consequente, isto é, que tenha resultados e que não seja um mero exercício. “Por acaso não, não… existe uma razão óbvia, porque nunca houve a necessidade de auscultar os alunos porque isto é um nível básico, se fosse ao nível secundário…que isso não acontecesse seria problemático. Aqui, torna-se sempre um pouco dúbio porque a resposta é sempre utilizada com duplicidade de significados”. Coordenador de projecto TEIP

“Nós não fazemos nada, eles [professores] é que coiso… que querem que nós consigamos…” Aluno 7º ano - PCA Nos focus group realizados com os alunos, ficou patente que a maioria dos alunos não foi envolvida de forma ativa nas fases de concepção e avaliação dos projetos TEIP (tendo só em 2 casos sido indiretamente auscultados). Contudo, os 7 casos analisados revelam também que os projectos TEIP trouxeram benefícios para as escolas onde já existia alguma dinâmica de participação. Encontramos diferentes modalidades de participação, ainda que o seu impacto seja muito circunscrito a algumas turmas e alunos e dependam mais de mecanismos informais (redes de sociabilidades, professores particularmente interessados nestas questões), do que de uma orientação geral e explícita de escola, isto mais nuns casos do que noutros.

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Com o programa TEIP, mas também em conjugação com outras dinâmicas do sistema de ensino (AEC, PNL, PNM, etc.), a oferta de atividades de enriquecimento curricular de natureza lúdica, cultural e formativa foi ampliada em todos os agrupamentos analisados, nomeadamente os clubes, oficinas, projetos, academias, orquestras, mega-eventos (Sala do Aluno, Clube de Hortofloricultura, Rádio Escola, Desporto Escolar, Projeto Academia Radical, orquestra Stucata, expressão dramática e corporal, Festival da Primavera, atividades de ocupação nas Férias, criação e edição de um livro de poemas de alunos, participação no Parlamento dos Jovens). Nestas situações o grau de autonomia dos jovens parece variar, consoante, por exemplo, o interesse destes nessas actividades, o investimento da escola e as características particulares dos professores responsáveis. Mas em termos gerais estas estratégias beneficiam da maior capacidade de ter em conta elementos de identificação pessoal, juvenil, local e pessoal dos jovens (grupos juvenis de pertença, gostos, competências, instituições locais, etc.). “Há um sítio onde podemos entrar (…) também é um sítio particular dos alunos, pinta-se, desenha-se, pode-se…” Aluno do 7º ano - PCA “Vamos muito ao encontro daquilo que eles gostam, ouvimo-los muito. Eu tenho muitas ideias: „o que é que gostam de aprender? O que é que viram no youtube?‟. Vamos muito por aí. Pelo graffiti, estou a arranjar maneira de pedir a uns amigos para virem cá para lhes ensinar stencil, para eles verem uma nova vertente de arte urbana, o skate, assim esse tipo de coisas e depois aplicamos as nossas estratégias pedagógicas para irmos de encontro às competências sociais, à cooperação”. Professora de Educação Musical Encontrámos também exemplos de participação formal e regular (especialmente no 1º ciclo), é o caso das assembleias de turma e de delegados em 5 escolas dos 7 agrupamentos. Os alunos têm alguma liberdade na condução desses momentos, com a supervisão dos docentes e existe mesmo algum protagonismo (por exemplo, na figura dos delegados e secretários ou sub-delegados, atas, decisões com efeito visivél). São um espaço de reflexão contudo, são pouco voltadas para a construção de um projeto (de turma, agrupamento, local, etc.), tendem a dirigir-se em boa medida à gestão da indisciplina (balanço do comportamento da turma

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durante a semana, definição de sanções, etc.) e, pela colagem à “normatividade escolar”, poderão penalizar os que mais se distinguem desse universo. “Quando um aluno quer fazer uma queixa, escreve num papelinho e põe na caixinha das queixas. Quando nós ouvimos as queixas, nós resolvemos as queixas, se for com os meninos das outras salas nós vamos interromper só quando acabar a aula e depois no fim do apoio ao estudo, nós vemos o comportamento, eu e o João. (…) Quem tiver 3 bolinhas vermelhas, fica sem o intervalo uma semana e quem tiver 3 pretas fica sem intervalo durante 1 mês. Foi a professora que inventou” Aluno 3º ano Outra modalidade de participação, talvez aquela que mais explicitamente se dirige à relação entre pedagogia e contexto, é o trabalho de projeto no currículo e o ensino experimental. As ofertas curriculares alternativas ao ensino regular (CEF e PCA), pelas suas características intrínsecas, tendem a fomentar este tipo de trabalho, que deixa alguma latitude para inclusão do ponto de vista e interesses dos alunos (definição do tema, condução semi-autónoma da pesquisa). Contudo, nem sempre estas ofertas são valorizados ao nível do agrupamento ou da escola como um todo e nem sempre estas vias são implementadas da forma mais adequada. Estas ofertas ao serem destinados em muitos casos a jovens de classe popular, devem ser alvo de particular atenção para que possam constituir-se como mecanismos de promoção da equidade e não de prolongamento da exclusão social em contexto escolar, nomeadamente através do envolvimento dos alunos. “O facto de nós termos na escola uma equipa de SPO que faz orientação vocacional dos meninos, o facto de estarem a fazer esse trabalho, vão detectando quais são os interesses de cada aluno que é acompanhado. Tendo em conta isso, tendo em conta aquilo que as colegas vão sabendo, que os DT‟s vão conversando com eles (...) neste caso dos CEF‟s, não abro um curso porque me apeteceu. Abri este e não outro porquê? Porque realmente foi feita primeiro uma triagem junto dos formandos, ver realmente qual é a vocação de cada um e só depois é que se opta por esta ou por aquela”. Directora de Turma “Os meus [alunos CEF] estão no extremo [num local menos priveligiado da escola] mas eu trago-os para aqui! Eu requisito a sala de informática onde projecto coisas e faço coisas 19

diferentes porque numa sala básica com estes miúdos não funciona. É uma questão de estratégia”. Coordenador de Curso CEF Os trabalhos de grupo, projetos de turma e individuais (especialmente, na componente de formação cívica, TIC, mas também na disciplina de expressões), momentos em que existe espaço para o debate de ideias e criatividade, são vistos pela maioria dos alunos consultados, como muito positivos do ponto de vista da aprendizagem, exactamente porque ao existir maior envolvimento pessoal e de referências pessoais e grupais, a aprendizagem é mais interessante e por isso desejada. “[Os alunos de CEF] Sentem-se mais pertencentes à escola, que conseguem fazer algo válido, tal como os outros (…) Percebem que não é um currículo normal, igual ao da turma do lado e percebem, essencialmente, que lhes está a ser dada uma oportunidade diferente para eles (…) de poderem caminhar também e fazerem coisas válidas”. Coordenadora de Departamento “Temos mais aulas práticas do que teóricas, assim aprende-se mais”. Assembleia de turma 2º Ciclo – PCA Não só estas ofertas permitem um reforço do envolvimento escolar de jovens e adultos que saíram (ou que poderão estar em risco de sair) da escola sem as qualificações e competências necessárias para poder integrar-se de forma positiva em sociedade, como, pela forma como estão organizadas (maior abertura às especificidades locais; metodologia de projeto; articulação com instituições e outros atores locais, etc.), podem ser uma ferramenta importante para o envolvimento destes atores nos territórios de que fazem parte. Uma experiência interessante é o Projeto e-Portefólios, que remete para a construção digital do portefólio por todos os alunos do agrupamento, conduzindo-os, mas com grande autonomia, a refletir sobre as suas aprendizagens e a desenvolver competências de organização e reflexão. É interessante também verificar, por exemplo, que em alguns agrupamentos os alunos dos CEF ou de PCA já realizam projetos para a escola (arranjos; decorações; jardinagem; representação da escola em eventos, etc.). Encontrámos também um

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turma de PCA que participa em concursos nacionais e ganho prémios no campo da fotografia e vídeo, uma turma CEF (3ºciclo) ensina informática a alunos do 1º ciclo.

“Agora [professores] conseguem mais coisas para aprender melhor. Como livros, jogos e etc. (...) Aulas agora são mais interessantes porque aprendemos fazendo”. Aluno do 2º ano “A geografia e área de projecto e nessas aulas aprendemos mais porque expomos as ideias de todos, corrigimos os erros e aprendemos” Assembleia de turma 3º Ciclo “Sim, aprendemos mais nessas disciplinas porque trocamos experiências e unimos os nossos conhecimentos” Assembleia de turma 6º ano

Interessa por fim sublinhar alguns dos aspectos que mais pareceram alvo da atenção e interesse dos jovens e em que simultaneamente se registou alguma ausência da sua participação nesses domínios. Nas assembleias de turma realizadas é muito frequente a manifestação

do

contentamento

ou

necessidade

de

transformação

das

bibliotecas/ludotecas/centros de recursos (horários, equipamento informático, dimensão); salas de convívio dos alunos (mobiliário, jogos, alimentação); qualidade dos WC (limpeza, conservação); a qualidade dos espaços exteriores de recreio; sistema de controlo das entradas e saídas; os refeitórios (infraestrutura e serviço de refeições); a violência em espaço escolar; o grau de interesse das matérias, associado a questões como visitas de estudo, jogos, pesquisa, novas tecnologias, intercâmbios com outros (jovens, escolas, instituições, etc.) exteriores à escola; rádios de escola e outras oportunidades de ouvir música. Sendo questões tão salientadas é de se conjecturar que poderiam ser bons pontos de partida para um maior envolvimento dos jovens e crianças na vida das escolas.

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Conclusão Esta visão sociológica de uma escola em que os alunos de origens populares se encontram mais integrados, mas não necessariamente mais orientados ou mais participantes é susceptível de gerar vários debates, tanto em termos científicos como em termos político-ideológicos. Será interessante discutir, por exemplo, se uma integração efetiva não implicará sempre também orientação e participação. Ainda assim, o que pretendemos ressalvar aqui é que esta integração implica uma apropriação e atribuição de sentidos à ação na escola, o que poderá significar já alguma forma de orientação e de participação, mas que estas não são informadas, trabalhadas ou reconhecidas pela própria escola. Assim, subsiste uma certa distancia entre o projeto escolar e a experiência juvenil, aproximando-se aliás de uma relação que identificamos anteriormente de “adesão distanciada” à escola. Será também interessante, a este propósito, analisar se os ganhos de integração na escola se refletem efetivamente em ganhos de integração no sistema educativo (via secundário e superior) e/ou noutros contextos sociais, como o mercado laboral ou a comunidade local. A presente investigação não permitiu aprofundar este domínio. Em termos teóricos, podemos então dizer que as práticas de resistência se tendem a dissuadir, mas não necessariamente as questões da reprodução. A este propósito, importará distinguir, por um lado, a reprodução social, que se pode retrair ligeiramente devido ao aumento do sucesso educativo dos jovens das classes mais favorecidas e concomitante alargamento das possibilidades de prosseguimento dos estudos (mas que poderá ser inoperante face à crescente diferenciação interna das vias de ensino) e, por outro lado, a reprodução cultural, que pode até surgir reforçada por um cenário dominante de “integração sem participação”. Isto é, estes alunos que obtêm sucesso nas escolas TEIP fazem-no através de uma integração (subordinada) numa cultura dominante que não reconhece a sua herança cultural, exigindolhes uma metamorfose que os distinga do seu meio de origem. Poder-se-á até questionar se a integração é, per si, um objetivo da ação educativa ou se a orientação e a participação não constituem igualmente dimensões fundamentais da formação e da cidadania em sociedades democráticas e que tem sido arredadas da experiência de vida de muitos jovens de meios desfavorecidos. Esta linha de pensamento pode levar-nos à ideia – aliás, pouco original (veja-se por exemplo Alves e Canário, 2004) de que este tipo de

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programas de combate à exclusão social terá um efeito mais paliativo, ao atenuar os índices de conflitualidade social, contribuindo desta forma para legitimar e reforçar a lógica da escola reprodutiva, no quadro dos sistemas capitalistas. A este argumento, desde outro quadrante, poder-se-á objetar que, num quadro de recursos limitados e de uma cultura escolar específica, a melhoria dos mecanismos de integração social dos alunos é a evolução positiva, para um programa que necessita de resultados de curto prazo para a sua própria legitimação, além de que poderá constituir um primeiro passo, necessário, para a melhoria futura dos mecanismos de orientação e de participação. O debate está lançado.

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Despacho n.º 55/2008.

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