ROMA 1942: \"A Exposição Universal que nunca aconteceu\" Ecos do planeamento do EUR no quadro da Arquitetura Portuguesa

May 27, 2017 | Autor: Teresa Neto | Categoria: Architecture, Architectural History, Architectural Theory
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TERESA NETO

ROMA 1942: “A EXPOSIÇÃO UNIVERSAL QUE NUNCA ACONTECEU” ECOS DO PLANEAMENTO DO EUR NO QUADRO DA ARQUITETURA PORTUGUESA 73 anos depois da monumental exposição universal planeada pelo regime de Mussolini para a cidade de Roma, a Itália volta a organizar igual certame, desta vez em Milão. A EXPO MILANO 2015 trouxe à memória a E42 (acrónimo de Esposizione Universale Roma 1942) e o novo bairro EUR criado para o efeito, agora revisitados numa interessante mostra, patente ao público, no museu de Ara Pacis, em Roma, sob o título: Esposizione Universale Roma. Una città nuova dal fascismo agli anni ’60. São exibidos vários desenhos, maquetes e fotografias da conceção do arrojado conjunto urbano, preparado para ser o novo ex-líbris monumental da Cidade Eterna, se a Segunda Grande Guerra não houvesse travado o seu desenvolvimento. A ideia para este ambicioso projeto foi inicialmente levantada por um grupo de arquitetos milaneses, propondo a transformação da exposição do Decennale della rivoluzione numa exposição permanente. O plano preliminar foi trocando de mãos até chegar ao governo, e na primavera de 1935 tinha já se tornado no projeto para uma Exposição Universal. Mussolini trabalhou com o Bureau Internacional das Exposições (BIE), num expedito processo de negociação, e a 26 de Outubro de 1936 a imprensa italiana anunciava o futuro certame. Inicialmente agendado para 1941, foi adiado para o ano seguinte de modo a coincidir com as celebrações do vigésimo aniversário da Marcha Sobre Roma. O local escolhido foi Tre Fontane, a 5km a sul da capital 1. Este deslocamento do centro histórico, e simbólico da Roma Clássica, revela não só uma tentativa de aproximação da cidade à costa como o desejo, por parte do ditador, em criar uma nova dimensão monumental sob o seu domínio político.

Numa atitude de modernidade política e cultural2, o grupo de trabalho formado reunia gestores da confiança do Duce e ainda assim ligados a círculos modernos e progressistas. A equipa de arquitetos, liderada por Marcello Piacentini, tentava equilibrar o tradicionalismo metafísico do neoclassicismo do Novecento italiano e o avantgardismo do Racionalismo do Gruppo 73. Este, ‘recém-convertido’ à ‘doutrina’ racionalista, como o acusava o crítico de arte Ugo Ojetti, organizou uma conferência em Outubro de 1936 sobre a Relação da Arquitetura com as Artes Figurativas, uma questão particularmente querida aos Racionalistas. Colaborou com Guiseppe Pagano e Le Corbusier, sedimentando a preferência pela arquitetura Moderna. Considerava-se o debate entre a modernidade e o tradicionalismo encerrado, a partir das declarações de Mussolini numa reunião a 10 de Junho de 1934, onde ressalvava o esforço dos modernos operando sob o espírito do tempo e as necessidades da era fascista.4 Piacentini, autor da Città universitaria di Roma , inaugurada a 31 de Outubro de 1935 pelo Duce5, lidera o importante e prestigioso projeto de desenho urbano, enquanto os edifícios principais da exposição seriam fruto de concursos separados. Os cinco arquitetos – Piacentini, Pagano, Luigi Piccinato, Luigi Vietti, Ettore Rossi – trabalharam em harmonia desde os primeiros dias do ano de 1937, e em Abril Mussolini aprovou com grande entusiasmo o expedito projeto do grupo de trabalho. No rescaldo da Exposição Universal de Paris em 1937, era anunciado com toda a exuberância a realização do próximo certame na cidade de Roma.

PELLE, Kimberly, Encyclopedia of world’s fairs and expositions, McFarland & Company, 2008. 2 MARIANI, Riccardo, “La progettazione dell’E42”, in Lotus, no. 67, 1990, p. 90-144. 3 FRAMPTON, Kenneth, Modern Architecture, p. 204. 4 MARCUCCI, Laura, L’altra modernità nella cultura architettonica del XX Secolo, Gangemi Editore, 2007. 5 SALA, Silvia, et. al., “Giuseppe Pagano (1896-1945). La citta corporativa dell’EUR” in Casabella, vol. 78, no. 842, Outubro 2014, p. 4-45, 116-118. 1

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FIG. 1\ Perspetiva geral da maquete do EUR, c. 1938, ANTT, SNI, cx. 1630, 4.

FIG. 2\ Planta geral do recinto da E42, 1939, Arquivo do MNE, “Roma 1942 – Exposição Universal e Internacional”.

O CONVITE A PORTUGAL “É provável – mas não foi ainda resolvido definitivamente – que Portugal se faça representar na exposição de Roma de 1942”6. Foi esta a resposta de Oliveira Salazar, a 3 de março de 1939, face ao ofício de fevereiro, acompanhado do convite do governo italiano enviado a 22 de outubro de 1938. Neste convite, a delegação anfitriã expunha o seu objetivo de reunir as inovações materiais e espirituais das várias nações, representando uma síntese da civilização e do progresso universal – algo certamente do agrado de Salazar, em total consonância com o programa expositivo já desenvolvido por António Ferro, por ocasião do certame de Paris em 1937. Portugal havia participado com um pavilhão da autoria do jovem arquiteto Francisco Keil do Amaral, obedecendo ao desejo de uma “arquitetura moderna, mas que fale português”7. Era necessário tomar uma decisão, face à pressão das autoridades italianas. O principal canal de comunicação aberto foi através do Ministério dos Negócios Estrangeiros8, onde a legação portuguesa em Roma pedia uma resposta quanto à nossa participação, de modo a se selecionar um lote de terreno para a construção do ‘Pavilhão de Portugal’, ainda em março de 1939. O MNE determinou que, para a reunião com todos os representantes dos vários países, o diplomata português não deveria tomar “outros compromissos que o acima mencionado” emanado do punho do Presidente do Conselho de Ministros. Apesar da crescente instabilidade política, vários países tinham já aderido ao certame, incluindo “a quase totalidade dos países americanos e os seguintes estados europeus: Grã-Bretanha, Tcheco-Slováquia, Allemanha, Belgica, Lithuania, Hespanha, Suissa, Hungria e

Santa Sé”. É de notar ainda a receção de uma carta, a 10 de outubro de 1938, da parte do atelier de Carlo de Maria, Dagoberto Ortensi e Vicenzo Salvadore, onde estes arquitetos se colocavam à disposição para colaborar na preparação do projeto e gestão da construção, bem como na preparação do interior do pavilhão. Já com a Segunda Guerra Mundial em eclosão, o nível de compromisso de Portugal pouco avançou e a 5 de março de 1940, o comissariado italiano enviou documentos relativos a um novo convite oficial, especificamente para a participação em congressos florestais a realizar pela ocasião do certame. A 20 de abril de 1939, realizou-se uma sessão inaugural em Roma, no Capitólio, onde os vários corpos diplomáticos – “Ausentes: França e Soviets” – escutaram um discurso do Duce, tendo sido presenteados com um “magnifico álbum demonstrativo, cujo nos serà (sic) grato transferir à posse e exame de V.Exa.”, e ainda planos esquemáticos da città nuova, dos seus edifícios, bem como sugestivas fotografias das maquetes. A aliança de Itália com a Alemanha a 10 de junho de 1940 e o anúncio do eixo Roma-Berlim em novembro desse ano faz gorar a iniciativa que vinha sendo criteriosamente executada.

ANTT, PT-TT-SGPCM-GPC-0180-00007_ m0002. Acedido em maio de 2015. Sobre este concurso, cf. NETO, Teresa, “«Mas que fale português» – o protesto a Salazar a propósito do concurso para o Pavilhão de Portugal na Exposição Universal de Paris de 1937” in Artis, no. 2, Lisboa, 2014, pp. 202- 203. 8 MNE, “Roma 1942 – Exposição Universal e Internacional”. 6

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FIG. 3\ Perspetiva da maquete do Palazzo dell’INPS, c. 1938, ANTT, SNI, cx. 1630, 11.

MATERIAIS GRÁFICOS: OBJETOS DE DIVULGAÇÃO E TRABALHO O SNI guardou o magnífico álbum enviado pela Embaixada portuguesa para Lisboa. A luxuosa publicação (45cmx60cm), encadernada a couro, abre com uma mensagem e retrato de Mussolini, seguindo-se a apresentação do evento pelo comissário da Exposição e uma perspetiva geral dos vários núcleos constituintes do Nuovo Quartiere di Roma, ao longo das suas 90 páginas. Finas ilustrações aguareladas revelam o plano geral do conjunto e várias vistas dos principais arruamentos e edifícios. O álbum encontra-se atualmente na Biblioteca Nacional de Portugal, onde deu entrada recentemente, estando ainda em fase de catalogação. Já o conjunto de desenhos e fotografias constam do espólio do SPN/SNI, à guarda do Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Este conjunto gráfico de grande qualidade e em bom estado de conservação revela não apenas os pormenores dos edifícios individuais, como o Palazzo de Recepções e Congressos9, o da Civilização Italiana 10 – também jocosamente apelidado de Colosseo Quadrato –, a Basílica de São Pedro e Paulo; mas também do arranjo urbano monumental da extensa área a edificar em mármore e travertino. O projeto recebido efusivamente, entusiasmava pela novidade e arrojo. Foram muito poucas as vozes críticas que se fizeram ouvir, mas ainda assim com preocupações muito pertinentes. Paralelamente a Los Angeles, e mais tarde Brasília, o EUR foi dois primeiros desenhos urbanos a assumir a total supremacia do veículo a motor, em detrimento da pedonalidade. Os extensivos passeios, sob a intensa luz solar, cegariam os visitantes pelo reflexo do branco do calcário. Para mais, a ausência de arvoredo, a fim de evitar obstruir as linhas de vista racionais, excluía zonas de fresco, tornando penoso o caminhar, como alertava Federico Pinna Berchet, vice-secretário da Feira de Milão de 1931 e autor do livro publicado em 1936: Fiere Italiane Antiche e Moderne. Sem uma orientação de especialistas habituados às exigências funcionais deste

tipo de eventos, os arquitetos, entre outros excessos, levariam esta tendência técnica do uso de veículos a um extremo cultural 11, tendo sido criticados pelo sobre-dimensionamento das vias e da área total do complexo – os visitantes não só iriam ter grandes dificuldades em aceder aos vários pontos da exposição como não teriam hipótese de formar uma ideia geral sobre a mesma. É pertinente equacionar qual terá sido o impacte de todo este empreendimento no ambiente nacional, no quadro das obras públicas do Estado Novo. Na altura em que Portugal já planeava, no âmbito das comemorações dos Centenários de 1940, a Exposição do Mundo Português, não podia ignorar a grande empresa a erguer-se em Roma. Quando Pardal Monteiro e Duarte Pacheco viajaram até à capital italiana, no verão de 1937, seguramente terão admirado as novidades arquitetónicas e urbanísticas, em particular o trabalho de Piacentini na Cittá universitaria, mas também os recentes desenvolvimentos do EUR 12. Por outro lado, toda a documentação visual enviada para Portugal, quando se equacionava a nossa possível participação, terá sido partilhada com técnicos e arquitetos portugueses. É comum realçar a importância da Exposição da Moderna Arquitetura Alemã promovida em Portugal por Albert Speer, em 1941. Esta mostra é repetidamente apresentada como motor de influência na arquitetura portuguesa, enquanto uma possível ascendência italiana proveniente da preparação do grande certame de 1942 não foi ainda devidamente explorada. Uma observação atenta dos materiais gráficos italianos de imediato permite uma identificação com opções formais semelhantes utilizadas em projetos nacionais da época. Alguns autores notaram já a ascendência italiana, nomeadamente nos planos das cidades universitárias de Coimbra e Lisboa de Cottinelli Telmo e Pardal Monteiro respetivamente13, sem, contudo, explorar esta linha direta de influência, a partir dos trabalhos de avaliação da participação portuguesa na Exposição Universal de 1942.

É indubitável o facto do modernismo de compromisso português se aproximar mais do racionalismo italiano face ao neoclassicismo monumental alemão. José Ângelo Cottinelli Telmo, o arquiteto-chefe da Exposição do Mundo Português, assume publicamente, no Congresso Nacional de Arquitetura em 1948, a sua simpatia pelo modelo italiano ao abraçar novas soluções “que, demolidos os símbolos e as legendas, mantêm a recordação inconfundível de uma época e de uma civilização”14. Os seus projetos para a Universidade de Coimbra assumem-se nessa linha, do mesmo modo que é impossível negar as semelhanças entre a fachada desenhada por Pardal Monteiro para a Reitoria da Universidade de Lisboa e o Pallazzo degli Uffici dell’Ente Autonomo, no seu ritmo projetado pelas elegantes pilastras. A Segunda Grande Guerra frustraria a concretização do grande evento de Roma em 1942. As monumentais e cénicas estruturas foram exploradas nas películas de Bernardo Bertolucci e Michelangelo Antonioni 15, depois de terem sido recuperadas para as Olimpíadas de 1960, numa interessante simbiose com as pré-existências. Todo este percurso é evocado na mostra agora exibida na capital italiana. Sem os condicionalismos da guerra, António Ferro teria convencido Oliveira Salazar em relação à participação de Portugal na E42, dando assim sequência ao seu projeto de divulgação da imagem do país além-fronteiras, apoiado num discurso artístico próprio, “moderno”, sem perder a identidade nacional. A participação neste tipo de certames revestia-se e reveste-se de grande importância no plano político e económico para as nações representadas. No campo cultural, a decisão de se erguer um pavilhão é um estímulo para o setor, como o arquiteto Raul Lino tão bem soube reconhecer, aquando da Exposição de Paris de 1931: “Arquitectos, escultores, pintores, durante alguns meses, puderam

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FIG. 4\ Perspetiva da maquete do Palazzo degli Uffici dell’Ente Autonomo, c. 1938, ANTT, SNI, cx. 1630, 9.

FIG. 5\ Perspetiva da maquete do Palazzo de Ricevimenti e dei Congressi, c. 1938, ANTT, SNI, cx. 1630, 2.

FIG. 7\ Perspetiva geral da construção do EUR, c.1940, ANTT, SNI, cx. 2398, 1.

Projetado por Adalberto Libera, a construção foi iniciada em 1938 e terminada em 1954 após o interregno da guerra. Riscado pelo trio Giovanni Guerrini, Ernesto Bruno e Mario Romano, entre 1938 e 1943. É considerado um dos maiores ícones da arquitectura fascista italiana. 11 CHAMBERLIN, Russel, “Esposizione Universale di Roma [EUR]: Rome’s showpiece of modern town planning” in The Architect, vol. 125, no. 8, Agosto 1979, pp. 30-31. 12 Piacentini haveria de ser convidado pela Câmara do Porto para a elaboração do plano geral de urbanização da cidade. Apesar de ter apresentado propostas estas não foram executas. Os seus estudos de pormenor “propõem espaços amplos, definidos por edifícios porticados, sugerindo uma linguagem próxima das suas propostas para a E42” cfr. LÔBO, Margarida Souza, Duas Décadas de Planos de Urbanização em Portugal: 1934-1954, dissertação de doutoramento em Planeamento Urbanístico apresentada à FAUTL, Lisboa, 1993, p. 58. 13 ACCIAIUOLI, Margarida, Os anos 40 em Portugal, o País, o Regime e as Artes. «Restauração» e «Celebração», dissertação de doutoramento em História da Arte apresentada à FCSH/UNL, Lisboa, 1991, p. 442. 14 TELMO, Cottinelli, “Arquitectura Nacional – Arquitectura Internacional” in 1º Congresso Nacional de Arquitectura , Maio-Junho de 1948, Lisboa, Sindicato Nacional dos Arquitectos, 1948, pp. 63-64. 15 Bernardo Bertolucci, Il Conformista , 1970; Michelangelo Antonioni, L’Eclisse, 1962. 16 Arquivo Família Raul Lino, Carta de Raul Lino a propor uma homenagem ao comissário geral da exposição de Paris de 1931, Coronel Silveira e Castro, por parte da Sociedade Nacional de Belas Artes, 14 de abril de 1932. Agradeço a indicação deste documento ao Dr. José Carneiro. 9

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FIG. 6\ Perspetiva da maquete do Palazzo della Civiltà Italiana, c. 1938, ANTT, SNI, cx. 1630, 1.

viver o seu sonho predileto de um trabalho profícuo: viveram o encanto dos assuntos pátrios em que houveram de se enfronhar; conheceram o elevado prazer de apresentar a olhos estrangeiros caracteres da nossa pátria interpretados pela sinceridade do seu esforço artístico”16. Pena que Portugal tenha decidido não se fazer representar na EXPO MILANO 2015.

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