Roma vista do Luxemburgo – Notas breves a propósito de uma decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades em torno do artigo 4.° da Convenção sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais

July 5, 2017 | Autor: M. Matias Fernandes | Categoria: Private International Law
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JURISPRUDÊNCIA

ANOTADA

Roma vista do Luxemburgo – Notas breves a propósito de uma decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades em torno do artigo 4.° da Convenção sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais TRIBUNAL DE JUSTIÇA (GRANDE SECÇÃO) Acórdão de 6 de Outubro de 2009

Objecto Pedido de decisão prejudicial – Hoge Raad der Nederlanden – Interpretação do artigo 4.° da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma em 19 de Junho 1980 – Conceito de contrato de transporte de mercadorias – Elementos – Fretamento por viagem – Lei supletiva aplicável – Critério de conexão.

Dispositivo 1. O artigo 4.°, n.° 4, último período, da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma, em 19 de Junho de 1980, deve ser interpretado no sentido de que o critério de conexão previsto no referido artigo 4.°, n.° 4, segundo período, só se aplica a um contrato de fretamento, que não seja relativo a uma única viagem, se não tiver por objecto principal a simples disponibilização de um meio de transporte, mas o transporte das mercadorias propriamente dito. 2. O artigo 4.°, n.° 1, segundo período, desta Convenção deve ser interpretado no sentido de que uma parte do contrato só pode ser regulada por uma lei diferente da que é aplicada ao resto do contrato quando tiver um objecto autónomo. Quando o critério de conexão aplicado a um contrato de fretamento for o do artigo 4.°, n.° 4, da referida Convenção, esse critério deve ser aplicado a todo o contrato, a menos que a parte do contrato relativa ao transporte não seja autónoma do resto do contrato. 3. O artigo 4.°, O Direito 141.° (2009),V, 1199-1216

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n.° 5, da mesma Convenção deve ser interpretado no sentido de que, quando resultar claramente do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com um país diferente do país determinado com base num dos critérios previstos no mencionado artigo 4.°, n.os 2 a 4, cabe ao juiz afastar esses critérios e aplicar a lei do país com o qual o referido contrato tem uma conexão mais estreita.

«Convenção de Roma sobre a lei aplicável às obrigações contratuais – Lei aplicável na falta de escolha – Contrato de fretamento – Critérios de conexão – Separabilidade» No processo C-133/08, que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do Primeiro Protocolo de 19 de Dezembro de 1988 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), por decisão de 28 de Março de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 2 de Abril de 2008, no processo Intercontainer Interfrigo SC (ICF) contra Balkenende Oosthuizen BV, MIC Operations BV, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção), composto por:V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, –ris, E. K. Lenaerts, A. Ó Caoimh e J.-C. Bonichot, presidentes de secção, P. Ku Juhász, G. Arestis, L. Bay Larsen, P. Lindh e C.Toader (relatora), juízes, advogado-geral:Y. Bot, secretário: R. Grass, vistos os autos, vistas as observações apresentadas: – em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e Y. de Vries, na qualidade de agentes, O Direito 141.° (2009),V, 1199-1216

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– em representação do Governo checo, por M. Smolek, na qualidade de agente, – em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por V. Joris e R. Troosters, na qualidade de agentes, ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 19 de Maio de 2009, profere o presente Acórdão 1

O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma, em 19 de Junho de 1980 (JO 1980, L 266, p. 1; EE 01 F3 p. 36; a seguir «Convenção»). Este pedido diz respeito ao seu artigo 4.°, relativo à lei aplicável na falta de escolha pelas partes.

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O referido pedido foi apresentado no âmbito de um litígio iniciado pela Intercontainer Interfrigo SC (a seguir «ICF»), sociedade estabelecida na Bélgica, contra a Balkenende Oosthuizen BV (a seguir «Balkenende») e a MIC Operations BV (a seguir «MIC»), duas sociedades estabelecidas nos Países Baixos, com vista à condenação destas últimas no pagamento de facturas não pagas, emitidas com base num contrato de fretamento celebrado entre as partes.

Quadro jurídico 3

O artigo 4.° da Convenção, sob a epígrafe «Lei aplicável na falta de escolha», estipula: «1. Na medida em que a lei aplicável ao contrato não tenha sido escolhida nos termos do artigo 3.°, o contrato é regulado pela lei do país com o qual apresente uma conexão mais estreita.Todavia, se uma parte do contrato for separável do resto do contrato e apresentar uma conexão mais estreita com um outro país, a essa parte poderá aplicar-se, a título excepcional, a lei desse outro país. 2. Sem prejuízo do disposto no n.° 5, presume-se que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com o país onde a parte que está obrigada a forO Direito 141.° (2009),V, 1199-1216

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necer a prestação característica do contrato tem, no momento da celebração do contrato, a sua residência habitual ou, se se tratar de uma sociedade, associação ou pessoa colectiva, a sua administração central. Todavia, se o contrato for celebrado no exercício da actividade económica ou profissional dessa parte, o país a considerar será aquele em que se situa o seu estabelecimento principal ou, se, nos termos do contrato, a prestação deve ser fornecida por estabelecimento diverso do estabelecimento principal, o da situação desse estabelecimento. 3. Quando o contrato tiver por objecto um direito real sobre bem imóvel, ou um direito de uso de um bem imóvel, presume-se, em derrogação do disposto no n.° 2, que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com o país onde o imóvel se situa. 4. A presunção do n.° 2 não é admitida quanto ao contrato de transporte de mercadorias. Presume-se que este contrato apresenta uma conexão mais estreita com o país em que, no momento da celebração do contrato, o transportador tem o seu estabelecimento principal, se o referido país coincidir com aquele em que se situa o lugar da carga ou da descarga ou do estabelecimento principal do expedidor. Para efeitos de aplicação do presente [número], são considerados como contratos de transporte de mercadorias os contratos de fretamento relativos a uma única viagem ou outros contratos que tenham por objecto principal o transporte de mercadorias. 5. O disposto no n.° 2 não se aplica se a prestação característica não for determinável. As presunções dos n.os 2, 3 e 4 não serão admitidas sempre que resulte do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com outro país.» 4

O artigo 10.° da Convenção, intitulado «Âmbito de aplicação da lei do contrato», dispõe: «1. A lei aplicável ao contrato por força dos artigos 3.° a 6.° e do artigo 12.° da presente Convenção regula, nomeadamente: [...] d) As diversas causas de extinção das obrigações, bem como a prescrição e a caducidade fundadas no decurso de um prazo; [...]»

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O Primeiro Protocolo de 19 de Dezembro de 1988 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma,

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em 19 de Junho de 1980 (JO 1989, L 48, p. 1, a seguir «Primeiro Protocolo»), dispõe no seu artigo 2.°: «Qualquer órgão jurisdicional abaixo referido pode solicitar ao Tribunal de Justiça que decida a título prejudicial sobre uma questão suscitada em processo pendente e que incida sobre a interpretação das disposições contidas nos instrumentos referidos no artigo 1.°, sempre que esse órgão jurisdicional considere que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa: a) […] – Nos Países Baixos: de Hoge Raad, […]» Litígio no processo principal e questões prejudiciais 6

Em Agosto de 1998, a ICF celebrou um contrato de fretamento com a Balkenende e a MIC no âmbito de um projecto de ligação ferroviária para transporte de mercadorias entre Amesterdão (Países Baixos) e Frankfurt am Main (Alemanha). Esse contrato estipulava, designadamente, que a ICF devia colocar vagões à disposição da MIC e assegurar o respectivo transporte por caminho-de-ferro. A MIC, que tinha dado em locação a terceiros a capacidade de carga de que dispunha, era responsável por toda a parte operacional e pelo transporte das mercadorias em causa.

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As partes não celebraram contrato escrito, mas, durante um breve período, deram execução ao acordado. Todavia, a ICF enviou à MIC uma minuta do contrato, que continha uma cláusula designando o direito belga como lei aplicável. Essa minuta nunca foi assinada por nenhuma das partes.

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Em 27 de Novembro e 22 de Dezembro de 1998, a ICF enviou à MIC facturas nos montantes de 107 512,50 euros e de 67 100 euros. O primeiro destes montantes não foi pago pela MIC, tendo o segundo sido liquidado.

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Em 7 de Setembro de 2001, a ICF interpelou pela primeira vez a Balkenende e a MIC para pagamento da factura de 27 de Novembro de 1998.

10 Por acção intentada em 24 de Dezembro de 2002 no Rechtbank te Haarlem (Tribunal de Haarlem) (Países Baixos), a ICF pediu a condenação da O Direito 141.° (2009),V, 1199-1216

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Balkenende e da MIC no pagamento do montante da referida factura, e do correspondente imposto sobre o valor acrescentado, o que perfazia um montante de 119 255 euros. 11 Como resulta da decisão de reenvio, a Balkenende e a MIC invocaram a prescrição do crédito em causa no processo principal, alegando que, por força da lei aplicável ao contrato que as ligava à ICF, no caso vertente, o direito neerlandês, esse crédito tinha prescrito. 12 Pelo contrário, segundo a ICF, o crédito não tinha prescrito, porque, por força do direito belga, que era a lei aplicável ao contrato, a prescrição invocada ainda não se tinha verificado. A este propósito, a ICF refere que, não sendo o contrato em causa no processo principal um contrato de transporte, a lei aplicável não deve ser determinada com base no artigo 4.°, n.° 4, da Convenção, mas com base no n.° 2 desse mesmo artigo 4.°, segundo o qual a lei aplicável a este contrato é a do país em que se situa o estabelecimento principal da ICF. 13 O Rechtbank te Haarlem julgou procedente a excepção da prescrição invocada pela Balkenende e pela MIC. De acordo com o direito neerlandês, este órgão jurisdicional considerou, assim, que o direito ao pagamento da factura reclamado pela ICF estava prescrito e julgou o pedido inadmissível. O Gerechtshof te Amsterdam (Tribunal de Recurso de Amesterdão) (Países Baixos) confirmou esta decisão. 14 Os órgãos jurisdicionais que conheceram do mérito da causa qualificaram o contrato em questão de contrato de transporte de mercadorias e consideraram que, embora a ICF não tenha a qualidade de transportador, o objecto principal do contrato é o transporte de mercadorias. 15 Contudo, estes órgãos jurisdicionais excluíram a aplicação do critério de conexão previsto no artigo 4.°, n.° 4, da Convenção e consideraram que o contrato em causa no processo principal está mais estreitamente ligado ao Reino dos Países Baixos do que ao Reino da Bélgica, baseando-se em diversas circunstâncias concretas, como a sede dos co-contratantes, que se situa nos Países Baixos, e o facto de o trajecto dos vagões ser feito entre Amesterdão e Frankfurt am Main, cidades onde as mercadorias são, respectivamente, carregadas e depois descarregadas.

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16 Resulta da decisão de reenvio que, a este respeito, os referidos órgãos jurisdicionais afirmaram que, se o contrato for principalmente relativo ao transporte de mercadorias, o artigo 4.°, n.° 4, da Convenção não é aplicável, uma vez que, no caso em apreço, não existe uma ligação pertinente na acepção dessa disposição. Consequentemente, o referido contrato deve reger-se, segundo o princípio enunciado no artigo 4.°, n.° 1, da Convenção, pela lei do país com o qual apresenta uma conexão mais estreita, no caso vertente, o Reino dos Países Baixos. 17 Segundo os mesmos órgãos jurisdicionais, se, como a ICF defende, o contrato em causa no processo principal não for qualificado de contrato de transporte, o artigo 4.°, n.° 2, da Convenção também não é aplicável, dado que decorre das circunstâncias do caso em apreço que esse contrato apresenta uma conexão mais estreita com o Reino dos Países Baixos, de forma que deve ser aplicada a disposição derrogatória do artigo 4.°, n.° 5, segundo período, da Convenção. 18 No seu recurso de cassação, a ICF invocou não apenas um erro de direito na qualificação do referido contrato de contrato de transporte mas também a possibilidade de o juiz derrogar a regra geral estabelecida no artigo 4.°, n.° 2, da Convenção para aplicar o seu artigo 4.°, n.° 5. Segundo a recorrente no processo principal, só se pode recorrer a esta faculdade quando resulta do conjunto das circunstâncias que o local em que está estabelecida a parte que deve fornecer a prestação característica não tem valor de conexão efectivo, o que não se verifica no caso em apreço. 19 Tendo em conta estas divergências sobre a interpretação do artigo 4.° da Convenção, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais: «1) O artigo 4.°, n.° 4, da Convenção […] deve ser interpretado no sentido de que esta disposição apenas respeita ao fretamento por viagem e de que outras formas de fretamento ficam fora do seu âmbito de aplicação? 2) Se a resposta à [primeira questão] for afirmativa, o artigo 4.°, n.° 4, da Convenção […] deve ser interpretado no sentido de que, na medida em que outros tipos de fretamento também tiverem por objecto o transporte de mercadorias, os respectivos contratos ficam, no tocante a esse transporte, abrangidos pelo âmbito de aplicação dessa disposição O Direito 141.° (2009),V, 1199-1216

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e, quanto ao resto, o direito aplicável é determinado pelo artigo 4.°, n.° 2, da Convenção […]? 3) Se a resposta à [segunda questão] for afirmativa, qual dos dois sistemas jurídicos indicados deve servir de base à apreciação da alegação de prescrição dos pedidos baseados no contrato? 4) Se o ponto central do contrato for o transporte de mercadorias, a distinção referida na [segunda questão] deve ser afastada e o direito aplicável a todos os aspectos do contrato deve ser determinado com base no artigo 4.°, n.° 2, da Convenção […]? 5) A excepção prevista no segundo período do n.° 5 do artigo 4.° da Convenção […] deve ser interpretada no sentido de que as presunções dos n.os 2 [a] 4 do artigo 4.° da mesma Convenção só devem ser afastadas quando resultar do conjunto das circunstâncias que os critérios de conexão aí previstos não têm valor de conexão efectivo, ou também devem ser afastadas quando dessas circunstâncias resultar que há uma conexão predominante com um outro país?» Quanto às questões prejudiciais Observações preliminares Quanto à competência do Tribunal de Justiça 20 Por força do Primeiro Protocolo, que entrou em vigor em 1 de Agosto de 2004, o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre pedidos de decisão prejudicial relativos à Convenção. 21 Além disso, por força do artigo 2.°, alínea a), do Primeiro Protocolo, o Hoge Raad der Nederlanden pode pedir ao Tribunal de Justiça que decida a título prejudicial sobre uma questão suscitada em processo pendente nesse órgão jurisdicional e que incida sobre a interpretação das disposições da Convenção. Quanto ao sistema instituído pela Convenção 22 Como afirmou o advogado-geral nos n.os 33 a 35 das suas conclusões, decorre do preâmbulo da Convenção que esta foi celebrada com o objectivo de prosseguir, no domínio do direito internacional privado, a obra de O Direito 141.° (2009),V, 1199-1216

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unificação jurídica iniciada pela adopção da Convenção de Bruxelas de 1968 relativa à competência judiciária e à execução das decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186). 23 Decorre também do referido preâmbulo que a Convenção tem o objectivo de instituir regras uniformes relativamente à lei aplicável às obrigações contratuais, independentemente do local onde a decisão for proferida. Com efeito, como resulta do Relatório respeitante à Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, de Mario Giuliano, professor da Universidade de Milão, e de Paul Lagarde, professor da Universidade de Paris I (JO 1980, C 282, p. 1, a seguir «relatório Giuliano e Lagarde»), a Convenção nasceu da preocupação em suprimir os inconvenientes que resultam da diversidade das normas de conflito no domínio dos contratos. A Convenção visa elevar o nível da segurança jurídica reforçando a confiança na estabilidade das relações jurídicas e a protecção dos direitos adquiridos em todo o direito privado. 24 No que se refere aos critérios estabelecidos na Convenção para determinar a lei aplicável, importa observar que as regras uniformes estabelecidas no título II da Convenção consagram o princípio do primado da vontade das partes, às quais é reconhecida, no artigo 3.° da Convenção, liberdade para escolherem a lei aplicável. 25 Não tendo as partes escolhido a lei aplicável ao contrato, o artigo 4.° da Convenção prevê os critérios de conexão com base nos quais o juiz deve determinar essa lei. Esses critérios aplicam-se a qualquer tipo de contrato. 26 O artigo 4.° da Convenção baseia-se no princípio geral, consagrado no seu n.° 1, de que, para determinar a conexão de um contrato com um direito nacional, há que estabelecer o país com o qual o contrato apresenta «a conexão mais estreita». 27 Como resulta do relatório Giuliano e Lagarde, a flexibilidade deste princípio geral é restringida pelas «presunções» previstas no artigo 4.°, n.os 2 a 4, da Convenção. Em especial, este artigo 4.°, n.° 2, enuncia uma presunção de carácter geral, que consiste em adoptar como critério de conexão o local da residência da parte que fornece a prestação característica do contrato, ao passo que o referido artigo 4.°, n.os 3 e 4, fixa critérios de conexão especiais no que se refere, respectivamente, aos contratos que têm por O Direito 141.° (2009),V, 1199-1216

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objecto um direito real imobiliário e aos contratos de transporte. O artigo 4.°, n.° 5, da Convenção contém uma cláusula que permite ilidir as referidas presunções. Quanto à primeira questão e à primeira parte da segunda questão, relativas à aplicação do artigo 4.°, n.° 4, da Convenção aos contratos de fretamento Observações submetidas ao Tribunal de Justiça 28 Na opinião do Governo neerlandês, o artigo 4.°, n.° 4, da Convenção visa não só os contratos de fretamento relativos a uma única viagem mas também qualquer outro contrato que tenha por objecto principal o transporte de mercadorias. Com efeito, resulta do relatório Giuliano e Lagarde que esta disposição se destina a tornar claro que os contratos de fretamento devem ser considerados contratos de transporte de mercadorias na medida em seja esse o seu objecto. Assim, entram nesta categoria os contratos de fretamento temporário, em que um meio de transporte completo com a sua tripulação é posto à disposição do afretador por um determinado período com vista à realização de um transporte. 29 Em contrapartida, o Governo checo sugere que seja feita uma interpretação teleológica, no sentido de que o último período do artigo 4.°, n.° 4, da Convenção se destina a estender o âmbito de aplicação deste artigo 4.°, n.° 4, a determinadas categorias de contratos relacionados com o transporte de mercadorias, apesar de esses contratos não poderem ser qualificados de contratos de transporte. Com efeito, para que um contrato de fretamento seja abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 4.°, n.° 4, último período, é necessário que o seu objecto principal seja o transporte de mercadorias. Daqui resulta que a expressão «objecto principal» deve ser entendida, não como o objecto directo do contrato para o qual a relação contratual em causa foi concluída, mas como o objecto que, para ser alcançado, necessita de ser auxiliado pela referida relação. 30 A Comissão das Comunidades Europeias afirma que o artigo 4.°, n.° 4, último período, da Convenção tem um «âmbito limitativo». O critério da conexão enunciado nesse período só abrange determinadas categorias de contratos de fretamento, a saber, aqueles em que um meio de transporte é posto à disposição de um transportador uma única vez e os celebrados entre um transportador e um expedidor que digam exclusivamente resO Direito 141.° (2009),V, 1199-1216

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peito ao transporte de mercadorias. Apesar de ser inegável que o contrato em causa no processo principal, ao prever que sejam postos à disposição meios de transporte e o seu encaminhamento por caminho-de-ferro, implica necessariamente o transporte de mercadorias, esses elementos não são, contudo, suficientes para o qualificar de contrato de transporte de mercadorias com vista à aplicação do artigo 4.°, n.° 4, da Convenção. As relações contratuais com os diferentes expedidores e as obrigações relativas ao transporte efectivo das mercadorias, incluindo a carga e a descarga, parecem ser estabelecidas entre a MIC e «terceiros», a quem a MIC deu em locação a capacidade de carga nos vagões fretados. Resposta do Tribunal de Justiça 31 Com a primeira questão e com a primeira parte da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, no essencial, se o artigo 4.°, n.° 4, da Convenção se aplica a contratos de fretamento que não sejam relativos a uma única viagem e pede-lhe que indique os elementos que permitem qualificar um contrato de fretamento de contrato de transporte com vista à aplicação desta disposição ao contrato em causa no processo principal. 32 A este propósito, há que recordar a título preliminar que, por força do artigo 4.°, n.° 4, segundo período, da Convenção, o contrato de transporte de mercadorias se rege pela lei do país em que, no momento da celebração do contrato, o transportador tiver o seu estabelecimento principal, se o referido país coincidir com aquele em que se situa o lugar da carga ou da descarga ou o estabelecimento principal do expedidor. O artigo 4.°, n.° 4, último período, da Convenção dispõe que, para efeitos de aplicação desse número, «são considerados como contratos de transporte de mercadorias os contratos de fretamento relativos a uma única viagem ou outros contratos que tenham por objecto principal o transporte de mercadorias». 33 Resulta do teor desta disposição que a Convenção equipara aos contratos de transporte não só os contratos de fretamento relativos a uma única viagem mas também outros contratos desde que tenham por objecto principal o transporte de mercadorias. 34 Consequentemente, uma das finalidades da referida disposição é estender o âmbito de aplicação da regra de direito internacional privado, prevista no O Direito 141.° (2009),V, 1199-1216

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artigo 4.°, n.° 4, segundo período, da Convenção, a contratos que, mesmo que sejam qualificados à luz do direito nacional de contratos de fretamento, tenham por objecto principal o transporte de mercadorias. Para definir este objecto, cumpre ter em conta a finalidade da relação contratual e, consequentemente, o conjunto das obrigações da parte que fornece a prestação característica. 35 Ora, num contrato de fretamento, o fretador, que fornece essa prestação, obriga-se normalmente a pôr à disposição do afretador um meio de transporte. Contudo, não se exclui a possibilidade de as obrigações do fretador incidirem não só na simples colocação à disposição de um meio de transporte mas também no transporte das mercadorias propriamente dito. Nesse caso, o contrato em questão é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 4.°, n.° 4, da Convenção desde que o seu objecto principal consista no transporte de mercadorias. 36 Importa, contudo, salientar que a presunção estabelecida no artigo 4.°, n.° 4, segundo período, da Convenção só se aplica quando o fretador – admitindo que seja considerado o transportador –, no momento da celebração do contrato, tiver o seu estabelecimento principal no país em que se situa o lugar da carga ou da descarga ou o estabelecimento principal do expedidor. 37 Em face do exposto, há que responder à primeira questão e à primeira parte da segunda questão que o artigo 4.°, n.° 4, último período, da Convenção deve ser interpretado no sentido de que o critério de conexão previsto no referido artigo 4.°, n.° 4, segundo período, só se aplica a um contrato de fretamento, que não seja relativo a uma única viagem, se não tiver por objecto principal a simples disponibilização de um meio de transporte, mas o transporte das mercadorias propriamente dito. Quanto à segunda parte da segunda questão e à terceira e quarta questões, relativas à possibilidade de o juiz dividir o contrato em várias partes para determinar a lei aplicável Observações submetidas ao Tribunal de Justiça 38 O Governo neerlandês considera que, ao abrigo do artigo 4.°, n.° 1, segundo período, da Convenção, o fraccionamento do contrato só é posO Direito 141.° (2009),V, 1199-1216

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sível a título «excepcional» quando uma parte do contrato for separável do resto e apresentar uma conexão mais estreita com um país diferente daquele com que as outras partes do contrato têm conexão e quando essa separação não for susceptível de perturbar as relações entre as disposições aplicáveis. Segundo o referido governo, no caso em apreço, se o contrato em causa no processo principal não disser principalmente respeito ao transporte de mercadorias, está totalmente fora do âmbito de aplicação do artigo 4.°, n.° 4, da Convenção. Pelo contrário, se este contrato disser principalmente respeito ao transporte de mercadorias, entra por completo no âmbito de aplicação deste artigo 4.°, n.° 4. Consequentemente, está excluído que o referido artigo 4.°, n.° 4, seja aplicável apenas aos elementos do contrato relativos ao transporte de mercadorias e que, no demais, o mesmo contrato possa ser regido pela lei determinada nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da Convenção. 39 O Governo checo afirma que o artigo 4.°, n.° 1, segundo período, da Convenção deve ser aplicado a título excepcional, na medida em que a aplicação de um direito diferente a determinadas partes de um contrato, mesmo que estas sejam separáveis do resto do contrato, viola os princípios da segurança jurídica e da «confiança legítima». Assim, como resulta do relatório Giuliano e Lagarde, a eventual separação das diferentes partes de um contrato deve responder às exigências da coerência total do seu conjunto. 40 A Comissão salienta que o fraccionamento do contrato previsto no artigo 4.°, n.° 1, primeiro período, da Convenção não é uma obrigação, mas uma faculdade de que o juiz da causa dispõe, que só pode ser exercida quando um contrato compreende diferentes partes, autónomas e separáveis. No processo principal, que tem por objecto um acordo complexo, em que está em causa a própria relação entre o fretamento e o transporte das mercadorias, o recurso ao fraccionamento, na opinião da Comissão, é uma solução artificial. Com efeito, se se tratasse de um contrato abrangido pelo âmbito do artigo 4.°, n.° 4, da Convenção, não seria minimamente necessário proceder ao seu fraccionamento, uma vez que não seria preciso submeter eventuais aspectos acessórios relacionados com o transporte a uma legislação diferente da que se aplica ao objecto principal do contrato. Em especial, o direito a uma contrapartida da prestação e a prescrição estariam de tal forma estreitamente ligados ao contrato de base que não seria possível separá-los, sob pena de se violar o princípio da segurança jurídica.

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Resposta do Tribunal de Justiça 41 Com a segunda parte da segunda questão, bem como com a terceira e quarta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, em que circunstâncias é possível aplicar, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, segundo período, da Convenção, diferentes direitos nacionais à mesma relação contratual, nomeadamente no que se refere à prescrição dos direitos decorrentes de um contrato como o em causa no processo principal. O Hoge Raad der Nederlanden pergunta, nomeadamente, se, em caso de ser aplicado a um contrato de fretamento o critério de conexão previsto no artigo 4.°, n.° 4, da Convenção, este critério abrange apenas a parte do contrato relativa ao transporte de mercadorias. 42 A este propósito, há que recordar que, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, segundo período, da Convenção, uma parte do contrato pode, a título excepcional, estar sujeita a uma lei diferente da que é aplicada ao resto do contrato quando apresente uma conexão mais estreita com um país diferente daquele com que as outras partes no contrato têm conexão. 43 Decorre do teor desta disposição que a norma que prevê o fraccionamento do contrato tem carácter excepcional. A este respeito, o relatório Giuliano e Lagarde refere que a expressão «a título excepcional» do artigo 4.°, n.° 1, último período, «deve interpretar-se […] no sentido de que o juiz deve recorrer ao fraccionamento com a menor frequência possível». 44 Para determinar as condições em que o juiz pode proceder à separação do contrato, há que considerar que a Convenção, como foi recordado nas observações preliminares dos n.os 22 e 23 do presente acórdão, visa elevar o nível de segurança jurídica, reforçando a confiança na estabilidade das relações entre as partes do contrato. Esse objectivo não pode ser alcançado se o sistema que determina a lei aplicável não for claro e se esta lei não for previsível com um certo grau de certeza. 45 Como afirmou o advogado-geral nos n.os 83 e 84 das suas conclusões, a possibilidade de dividir um contrato em várias partes para o submeter a uma pluralidade de leis viola os objectivos da Convenção e só deve ser admitida quando o contrato reúna uma pluralidade de partes que possam ser consideradas autónomas umas em relação às outras.

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46 Portanto, para verificar se uma parte do contrato pode ser sujeita a uma lei diferente, importa determinar se o seu objecto é autónomo relativamente ao do resto do contrato. 47 Se for esse o caso, cada parte do contrato deve ser submetida a uma única lei. Assim, nomeadamente no que se refere às regras relativas à prescrição de um direito, estas devem integrar a mesma ordem jurídica que é aplicada à correspondente obrigação. A este respeito, cumpre recordar que, de acordo com o artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da Convenção, a lei aplicável ao contrato regula, nomeadamente, a prescrição das obrigações. 48 Em face do exposto, há que responder à segunda parte da segunda questão e à terceira e quarta questões que o artigo 4.°, n.° 1, segundo período, da Convenção deve ser interpretado no sentido de que uma parte do contrato só pode ser regulada por uma lei diferente da que é aplicada ao resto do contrato quando tiver um objecto autónomo. 49 Quando o critério de conexão aplicado a um contrato de fretamento for o do artigo 4.°, n.° 4, da Convenção, esse critério deve ser aplicado a todo o contrato, a menos que a parte do contrato relativa ao transporte não seja autónoma do resto do contrato. Quanto à quinta questão, relativa à aplicação do artigo 4.°, n.° 5, segundo período, da Convenção Observações submetidas ao Tribunal de Justiça 50 Na opinião do Governo neerlandês, o artigo 4.°, n.° 5, segundo período, da Convenção enuncia uma derrogação dos critérios previstos no artigo 4.°, n.os 2 a 4, dessa mesma Convenção. Consequentemente, uma conexão considerada «ligeira» com um país diferente dos designados com base no referido artigo 4.°, n.os 2 a 4, é insuficiente para justificar uma derrogação desses critérios, pois, de outro modo, estes já não podiam ser considerados os principais critérios de conexão. Daqui resulta que a derrogação prevista no artigo 4.°, n.° 5, da Convenção só pode ser aplicada se resultar do conjunto das circunstâncias que esses critérios não têm valor de conexão efectivo e que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com outro país. 51 Segundo o Governo checo, o artigo 4.°, n.° 5, da Convenção não é uma lex specialis em relação a este artigo 4.°, n.os 2 a 4, mas é uma disposição O Direito 141.° (2009),V, 1199-1216

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distinta, relativa à situação em que decorre muito claramente do conjunto das circunstâncias do caso em apreço e da relação contratual no seu todo que o contrato tem uma conexão mais estreita com outro país não designado pela aplicação dos outros critérios de conexão. 52 Em contrapartida, a Comissão salienta que o artigo 4.°, n.° 5, da Convenção deve ser interpretado de forma estrita, no sentido de que só quando os critérios previstos nos n.os 2 a 4 do referido artigo não apresentem valor de conexão efectivo é que outros factores podem ser tidos em conta. A existência dessas presunções exige, com efeito, que lhes seja atribuída uma importância significativa. Consequentemente, os outros factores de conexão só podem ser tidos em conta quando, excepcionalmente, os referidos critérios não operem de forma eficaz. Resposta do Tribunal de Justiça 53 Com a quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a excepção prevista no artigo 4.°, n.° 5, segundo período, da Convenção deve ser interpretada no sentido de que as presunções resultantes do referido artigo 4.°, n.os 2 a 4, só devem ser afastadas quando decorrer do conjunto das circunstâncias que os critérios aí previstos não têm valor de conexão efectivo ou se o juiz também as deve afastar quando dessas circunstâncias resultar que existe uma conexão mais estreita com outro país. 54 Como foi salientado nas observações preliminares dos n.os 24 a 26 do presente acórdão, o artigo 4.° da Convenção, que estabelece os critérios de conexão aplicáveis às obrigações contratuais na falta de escolha pelas partes da lei aplicável ao contrato, consagra, no seu n.° 1, o princípio geral de que o contrato deve ser regulado pela lei do país com o qual tenha a conexão mais estreita. 55 A fim de assegurar um nível elevado de segurança jurídica nas relações contratuais, o artigo 4.° da Convenção estabelece, nos seus n.os 2 a 4, uma série de critérios que permitem presumir com que país o contrato apresenta a conexão mais estreita. Esses critérios actuam, com efeito, como presunções, no sentido de que o juiz da causa é obrigado a tê-los em consideração para determinar a lei aplicável ao contrato. 56 Por força do artigo 4.°, n.° 5, primeiro período, da Convenção, o critério de conexão do local da residência da parte que efectua a prestação caracO Direito 141.° (2009),V, 1199-1216

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terística do contrato pode ser afastado se esse local não puder ser determinado. De acordo com esse artigo 4.°, n.° 5, segundo período, todas as «presunções» podem ser afastadas «sempre que resulte do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com outro país». 57 A este propósito, há que determinar a função e o objectivo do artigo 4.°, n.° 5, segundo período, da Convenção. 58 Resulta do relatório Giuliano e Lagarde que os redactores da Convenção consideraram indispensável «prever a possibilidade de aplicar uma lei sem ser aquelas a que se referem as presunções dos n.os 2, 3 e 4 sempre que resulte do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com outro país». Resulta também do referido relatório que o artigo 4.°, n.° 5, da Convenção deixa ao juiz «uma certa margem de apreciação quanto à presença, em cada caso, do conjunto de circunstâncias que justificam a não aplicação das presunções dos n.os 2, 3 e 4» e que essa disposição constitui «a inevitável contrapartida de uma norma de conflito geral, destinada a aplicar-se a quase todas as categorias de contratos». 59 Decorre assim do relatório Giuliano e Lagarde que o artigo 4.°, n.° 5, da Convenção tem por objectivo compensar o regime das presunções resultante desse mesmo artigo, conciliando as exigências da segurança jurídica, garantidas pelo referido artigo 4.°, n.os 2 a 4, e a necessidade de prever uma determinada flexibilidade na determinação da lei que tem efectivamente conexão mais estreita com o contrato em causa. 60 Com efeito, uma vez que o objectivo principal do artigo 4.° da Convenção consiste em aplicar ao contrato a lei do país com o qual este tenha uma conexão mais estreita, o referido artigo 4.°, n.° 5, deve ser interpretado no sentido de que permite ao juiz da causa aplicar, em todos os casos, o critério que permite determinar a existência dessa conexão, afastando as «presunções» se estas não designarem o país com o qual o contrato tem uma conexão mais estreita. 61 Cumpre, então, verificar se essas presunções só podem ser afastadas quando não tiverem valor de conexão efectivo ou então quando o juiz verificar que o contrato tem uma conexão mais estreita com outro país.

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62 Como resulta do teor e do objectivo do artigo 4.° da Convenção, o juiz deve proceder sempre à determinação da lei aplicável com base nas referidas presunções, que satisfazem a exigência geral de previsibilidade da lei e, portanto, de segurança jurídica nas relações contratuais. 63 Contudo, quando resultar claramente do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com um país diferente do designado com base nas presunções enunciadas no artigo 4.°, n.os 2 a 4, da Convenção, cabe ao referido juiz afastar a aplicação desse artigo 4.°, n.os 2 a 4. 64 Em face do exposto, há que responder à quinta questão que o artigo 4.°, n.° 5, da Convenção deve ser interpretado no sentido de que, quando resultar claramente do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com um país diferente do país determinado com base num dos critérios previstos no mencionado artigo 4.°, n.os 2 a 4, cabe ao juiz afastar esses critérios e aplicar a lei do país com o qual o referido contrato tem uma conexão mais estreita. Quanto às despesas 65 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara: 1) O artigo 4.°, n.° 4, último período, da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma, em 19 de Junho de 1980, deve ser interpretado no sentido de que o critério de conexão previsto no referido artigo 4.°, n.° 4, segundo período, só se aplica a um contrato de fretamento, que não seja relativo a uma única viagem, se não tiver por objecto principal a simples disponibilização de um meio de transporte, mas o transporte das mercadorias propriamente dito. 2) O artigo 4.°, n.° 1, segundo período, desta Convenção deve ser interpretado no sentido de que uma parte do contrato só pode ser regulada O Direito 141.° (2009),V, 1199-1216

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por uma lei diferente da que é aplicada ao resto do contrato quando tiver um objecto autónomo. Quando o critério de conexão aplicado a um contrato de fretamento for o do artigo 4.°, n.° 4, da referida Convenção, esse critério deve ser aplicado a todo o contrato, a menos que a parte do contrato relativa ao transporte não seja autónoma do resto do contrato. 3) O artigo 4.°, n.° 5, da mesma Convenção deve ser interpretado no sentido de que, quando resultar claramente do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com um país diferente do país determinado com base num dos critérios previstos no mencionado artigo 4.°, n.os 2 a 4, cabe ao juiz afastar esses critérios e aplicar a lei do país com o qual o referido contrato tem uma conexão mais estreita.

Anotação SUMÁRIO: § 1. Introdução. § 2. Os factos subjacentes ao processo principal e as questões submetidas, a título prejudicial, ao Tribunal de Justiça das Comunidades. § 3. A articulação das «presunções» de conexão mais estreita com o critério da conexão mais estreita: os dados do problema e a resposta do Tribunal de Justiça. § 4. O artigo 4.° do Regulamento Roma I.

§ 1. Introdução A Convenção sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, aberta à assinatura, em Roma, em 19 de Junho de 1980, entrou em vigor, na ordem internacional, em 1 de Abril de 19911.

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A adesão da República Portuguesa à Convenção de Roma fez-se através da Convenção do Funchal de 18 de Maio de 1992, esta última aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.° 3/94 (DR, I Série-A, n.° 28, de 3 de Fevereiro de 1994, 520 ss.) e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.° 1/94 (cf. o mesmo DR, 520). A Convenção de Roma entrou em vigor, em Portugal, em 1 de Setembro de 1994 (cfr.Aviso n.° 240/94, DR, I Série-A, n.° 217, de 19 de Setembro de 1994, 5610), sendo que, nos termos do seu artigo 17.°, a mesma é aplicável, em cada Estado contratante, aos contratos celebrados após a data de entrada em vigor nesse Estado. O Direito 141.° (2009),V, 1217-0000

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A partir de 17 de Dezembro de 2009, a mesma será substituída, pelo que aos contratos celebrados a partir dessa data respeita, pelo Regulamento (CE) n.° 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho (Roma I)2. No dia 28 de Março de 2008, cerca de ano e meio antes da substituição referida3, o Supremo Tribunal de Justiça holandês (Hoge Raad) submeteu ao Tribunal de Justiça das Comunidades um pedido de decisão prejudicial relativo à interpretação do artigo 4.° da Convenção de Roma4. O processo conheceu o seu desfecho a 6 de Outubro de 2009, com a emissão, pelo Tribunal do Luxemburgo, do competente acórdão decisor. Foi a sua primeira pronúncia levando por objecto uma disposição da Convenção5-6. Abstraindo do mais sobre que o acórdão comunitário também versou, as linhas subsequentes dão conta da tomada de posição do tribunal acerca da articulação das «presunções» de conexão mais estreita sedeadas nos números 2, 3 e 2

JO L 177, de 4 de Julho, 6 ss.. Cf. o correspondente artigo 28.°, o qual, na sua versão original, dispunha ser o Regulamento aplicável aos contratos celebrados após 17 de Dezembro de 2009. Esta formulação, que relegaria para uma espécie de limbo os contratos celebrados no dia 17 de Dezembro, foi entretanto corrigida no sentido referido em texto (cf. JO L 309, de 24 de Novembro de 2009, 87 ss.). 3 O Regulamento Roma I unifica o Direito de Conflitos geral dos Estados-Membros (por ele vinculados) no domínio dos contratos internacionais. Nos termos dos artigos 1.° e 2.° dos Protocolos relativos à posição do Reino Unido e da Dinamarca, anexos ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, o Reino Unido e a Dinamarca não participaram na aprovação do Regulamento (cf. os Considerandos n.os 45 e 46). Isto dito, verdade é que, já depois de a Irlanda ter comunicado a sua intenção de participar na aprovação e na aplicação do Regulamento (cf. o Considerando n.° 44), foi também o Reino Unido a notificar a Comissão da intenção de aceitar o Regulamento. Depois de um parecer favorável da Comissão, a decisão deferidora do pedido do Reino Unido foi publicada no JO L10, de 15 de Janeiro de 2009, 22. Foram publicados, em conformidade, os seguintes dois statutory instruments: The Law Applicable to Contractual Obligations (England and Wales and Northern Ireland) Regulations 2009 (statutory instrument n.° 3064, de 2009) e o The Law Applicable to Contractual Obligations (Scotland) Regulations 2009 (statutory instrument n.° 410, de 2009). 4 O pedido, entrado no Tribunal de Justiça em 2 de Abril de 2008, foi registado sob C-133/08. 5 Só a partir de 1 de Agosto de 2004, data da entrada em vigor de dois protocolos assinados em 19 de Dezembro de 1988 (cf. JO L 48 de 20 de Fevereiro de 1989, 1-16 e 17-22), o Tribunal de Justiça passou a dispor de competência para a interpretação das disposições da Convenção de Roma. 6 Com respeito ao processo C-133/08 do Tribunal de Justiça das Comunidades, cf. S. RAMMELOO, Treatment of Charter Parties relating to the Transport of Goods under the 1980 Rome Convention on the Law Applicable to Contractual Obligations. Some Reflections on the Reference for a Preliminary Ruling by Dutch Supreme Court – ECJ C-133/08, in The European Legal Forum, 5/6 – 2008, 241 ss.; Y. BAATZ, Law applicable to contracts for the carriage of goods, in Shipping and Trade Law, 23 de Outubro de 2009, acessível em http://www.i-law.com/ilaw/doc/view.htm?id=233451. O Direito 141.° (2009),V, 1217-0000

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4 do referido artigo 4.° com o critério da conexão mais estreita recebido pelas cláusulas gerais dos números 1 e 5 da mesma disposição. O ponto havia constituído o objecto da quinta e última das questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio. § 2. Os factos subjacentes ao processo principal e as questões submetidas, a título prejudicial, ao Tribunal de Justiça das Comunidades Em Agosto de 1998, a Intercontainer Interfrigo SC, doravante ICF, uma sociedade constituída de acordo com o direito belga e sedeada na Bélgica, celebrou um contrato de fretamento com a MIC Operations BV, em seguida MIC, uma sociedade sedeada nos Países-Baixos e constituída de conformidade com o direito neerlandês. Nos termos do acordo, não escrito, pertencia à ICF colocar vagões à disposição da MIC, assim como assegurar o transporte de mercadorias, por caminho de ferro, entre Amsterdam (Países Baixos) e Frankfurt am Main (Alemanha). Em Novembro e Dezembro de 1998, a ICF enviou à MIC facturas nos montantes, respectivamente, de Euros 107. 512. 50 e de Euros 67. 100. 00 Apenas a segunda destas importâncias foi liquidada pela MIC. Em Dezembro de 2002, a ICF intentou acção de condenação contra a MIC junto do Rechtbank te Haarlem, nos Países-Baixos. Alegando a sujeição do negócio ao direito neerlandês, a MIC invocou a prescrição do crédito. De conformidade com o direito belga, o qual a ICF entendia regular o contrato, tal prescrição ainda não se tinha verificado. À semelhança do Rechtbank te Haarlem, o tribunal de apelo (Gerechtshof te Amsterdam) entendeu estar-se na presença de um contrato de transporte de mercadorias (o objecto principal do negócio não era a disponibilização de um meio de transporte, antes o transporte das mercadorias propriamente dito). Ainda assim, nenhuma das instâncias o reconduziu à previsão do número 4 do artigo 4.° por isso que esta disposição supõe que o país em cujo território o transportador tem o seu estabelecimento principal coincida com aquele onde está situado o lugar da carga ou da descarga ou o estabelecimento principal do expedidor, esta coincidência não estando, no caso, assegurada. Mais, ambas as instâncias fizeram valer a aplicação, ex número 1, do direito neerlandês e, em conformidade, julgaram procedente a excepção de prescrição invocada pela ré. Enfim, descartaram a aplicação ao caso da lei designada nos termos do número 2 do artigo 4.° da Convenção de Roma porquanto, mesmo admitindo-se não O Direito 141.° (2009),V, 1217-1228

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ser o negócio em questão qualificável como um contrato de transporte de mercadorias, sempre a lei in casu designada pelo número 2 – a belga – seria afastada em razão de, nos termos previstos pelo número 5, o contrato apresentar uma conexão manifestamente mais estreita com o direito neerlandês. Em recurso intentado junto do Hoge Raad der Nederlanden, a ICF invocou erro na qualificação do contrato pelas instâncias jurisdicionais inferiores – é dizer, divergiu quanto à caracterização do mesmo como contrato de transporte de mercadorias – e esgrimiu contra a possibilidade de, in casu, o tribunal se socorrer do número 5 em ordem ao afastamento da lei designada pelo número 2. Tendo em conta estas divergências sobre a interpretação do artigo 4.°, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais: a) O artigo 4.°, número 4, da Convenção de 1980 deve ser interpretado no sentido de que apenas respeita ao fretamento por viagem e de que outras formas de fretamento ficam fora do seu âmbito de aplicação? b) Se a resposta à questão a) for afirmativa, o artigo 4.°, número 4, da Convenção de 1980 deve ser interpretado no sentido de que, na medida em que outros tipos de fretamento também tiverem por objecto o transporte de mercadorias, os respectivos contratos ficam, no tocante a esse transporte, abrangidos pelo âmbito de aplicação dessa disposição e, quanto ao resto, o direito aplicável é determinado pelo artigo 4.°, número 2, da Convenção de 1980? c) Se a resposta à questão b) for afirmativa, qual dos dois sistemas jurídicos indicados deve servir de base à apreciação da prescrição dos pedidos baseados no contrato? d) Se o ponto central do contrato for o transporte de mercadorias, a distinção referida na questão b) deve ser afastada e o direito aplicável a todos os aspectos deve ser determinado com base no artigo 4.°, número 4, da Convenção? e) A excepção prevista no segundo período do número 5 do artigo 4.° da Convenção de 1980 deve ser interpretada no sentido de que as presunções dos números 2, 3 e 4 do artigo 4.° da mesma convenção só devem ser afastadas quando resultar do conjunto das circunstâncias que os critérios de conexão aí previstos não têm valor de conexão efectivo, ou também devem ser afastadas quando dessas circunstâncias resultar que há uma conexão predominante com um outro país?7 7

Cumprindo determo-nos na tomada de posição do tribunal acerca da articulação das «presun-

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§ 3. A articulação das «presunções» de conexão mais estreita com o critério da conexão mais estreita: os dados do problema e a resposta do Tribunal de Justiça A excepção prevista no segundo período do número 5 do artigo 4.° da Convenção de 1980 deve ser interpretada no sentido de que as presunções dos números 2, 3 e 4 do artigo 4.° da mesma convenção só devem ser afastadas quando resultar do conjunto das circunstâncias que os critérios de conexão aí previstos não têm valor de conexão efectivo, ou também devem ser afastadas quando dessas circunstâncias resultar que há uma conexão predominante com um outro país? Eis a fórmula de que o Tribunal das Comunidades se serviu para circunscrever problema reconduzível a discussão que, atinente ao «programa normativo» do artigo 4.° da Convenção de Roma, vem sendo mantida no quadro da doutrina e da jurisprudência dos Estados contratantes. Ocasião da dissonância reside no modo como se entende compreender o “(...) mecanismo d’approximazione alla individuazione del diritto applicabile ai contratti pressuposto dall’art. 4 globalmente considerato”8 ou, para continuar a pedir de empréstimo modos de expressão alheios, o “(...) iter logico che l’art. 4 chiama a seguire”9. Perfilam-se os seguintes dois entendimentos fundamentais: De acordo com certa orientação de pensamento, pertence a um dos critérios dos números 2 a 4 do artigo 4.° a designação da lei prima facie competente10, só excepcionalmente, e em virtude do número 5, podendo operar-se

ções» de conexão mais estreita sedeadas nos números 2, 3 e 4 do artigo 4.° com o critério da conexão mais estreita recebido pelas cláusulas gerais dos números 1 e 5, não fica sem registo que, com referência às demais questões que lhe foram submetidas, o tribunal entendeu, agrupandoas: a) que, mesmo que não seja relativo a uma única viagem, o contrato de fretamento é abrangido pelo artigo 4.°, número 4, da Convenção de Roma se o seu objecto principal consistir no transporte de mercadorias; b) que quando o critério de conexão aplicado a um contrato de fretamento seja o do artigo 4.°, número 4, esse critério deve ser aplicado a todo o contrato, a menos que a parte do contrato relativa ao transporte seja autónoma do resto do contrato (chama-se a atenção para que, à semelhança da francesa e da italiana, a tradução portuguesa – neste particular, à diferença da inglesa, da alemã e da espanhola – utiliza uma formulação que veicula solução oposta à efectivamente ditada pelo tribunal). Enfim, seja anotado que havendo entendido ser aplicável o número 1 do artigo 4.°, que não o número 2 da mesma disposição, quando os requisitos do artigo 4.°, número 4, não estejam cumpridos, o tribunal antecipou solução do tipo da que viria a ser consagrada pelo artigo 5.°, número 1, segunda frase, do Regulamento Roma I. 8 Cf. R. BARATTA, Il collegamento più stretto nel diritto internazionale privato dei contratti, 1991, 163. 9 M. MAGAGNI, La prestazione caratteristica nella Convenzione di Roma del 19 giugno 1980, 1989, 140. 10 Na falta de uma professio iuris, entenda-se. O Direito 141.° (2009),V, 1217-1228

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um «reenvio metodológico interno»11 conducente, então, à investigação solicitada pelo número 112. No quadro deste modo de entender, por isso que a aplicação de lei diferente da designada por um dos números intermédios não vai sem a intervenção de mecanismo corrector, a segunda frase do número 5 alberga verdadeira e própria cláusula de desvio (ou, na terminologia mais divulgada, cláusula de excepção)13. Discorrem diferentemente todos quantos abraçam aproximação metodológica segundo a qual o artigo 4.° da Convenção de Roma é, no seu conjunto – do princípio ao fim –, dominado pela cláusula geral de conexão mais estreita. E, para quem, posto que outra coisa não logra senão a reafirmação do único critério, o da conexão mais estreita, que preside à designação da lei aplicável na falta de escolha pelas partes, a disposição sedeada no número 5 não é qualificável como cláusula de desvio. No quadro da jurisprudência, constituem-se em paradigma de cada uma das aludidas aproximações conflituantes o aresto Balenpers do Hoge Raad neerlandês14, por uma parte, e conjunto variado de decisões proferidas por tribu-

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A expressão, feliz, é de L. CARRILLO POZO, El contrato internacional: la prestacion caracteristica, 1994, 75. 12 Em verdade, semelhante orientação de pensamento reveste diversos cambiantes pelo que, rigorosamente, importa distinguir ainda entre as tendências ou correntes em que se partilha. Essencialmente duas. Numa primeira filiam-se todos quantos, reivindicando para os números 2, 3 e 4 a natureza de presunções que se impõem até prova em contrário, sustentam que a respectiva ilisão constitui o objecto de um ónus de alegação e prova que recai sobre quem quer que intente contrariar, in casu, a respectiva Richtigkeit. Uma segunda é engrossada por todos quantos entendem que ao aplicador assiste a faculdade de desviar-se do caminho indicado pelas presunções sem dependência da invocação, por uma das partes, da segunda frase do número 5 do artigo 4.°. 13 Em geral sobre a cláusula de desvio, cf., na literatura portuguesa, A. MARQUES DOS SANTOS, As normas de aplicação imediata no Direito Internacional Privado. Esboço de uma teoria geral, 2 vols., 1991, 397 ss.; R. MOURA RAMOS, Da lei aplicável ao contrato de trabalho internacional, 1991, 402 ss.; idem, Les clauses d’exception en matière de conflits de lois et de conflits de juridictions – Portugal, in Les clauses d’exception en matière de conflit de lois et de conflits de juridictions – ou le principe de proximité. Exception Clauses in Conflicts of Laws and Conflicts of Jurisdictions – or the Principle of Proximity, ??Ano??, 273 ss.; M. J. MATIAS FERNANDES, A cláusula de desvio no Direito de conflitos. Das condições de acolhimento de cláusula de desvio geral implícita no Direito português, 2007; L. LIMA PINHEIRO, Direito Internacional Privado, vol. I – Introdução e Direito de conflitos. Parte geral, 2.ª ed., 2008, 397 ss.; M. J. MATIAS FERNANDES, Da Convenção de Roma ao Regulamento Roma I:A lei aplicável ao contrato na ausência de escolha das partes, in V. PEREIRA DA SILVA/I. SARLETT (coords.), Portugal, Brasil e o Mundo do Direito, 2009, 197 ss., 207 ss.. 14 Decisão proferida a 25 de Setembro de 1992 (cf. Nederlands Internationaal Privaatrecht, 1993, 105 ss.). Foram os seguintes os factos com que o tribunal se enfrentou: em finais de 1986 e por meio de contrato redigido em língua francesa, a Nouvelle des Papeteries de l’Aa SA, sociedade com O Direito 141.° (2009),V, 1217-1228

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nais ingleses, por outra. Assim é que, aí onde, tomando assento num dos extremos da escala e adoptando compreensão rigificadora do artigo 4.°, aquele alto tribunal afirmou que a lei do país da residência habitual do obrigado à prestação característica apenas não deve ser aplicada se, no caso de espécie, semelhante residência não apresentar o valor de conexão real (geen reële aanknopingswaarde heeft)15, os tribunais de além-Mancha, mesmo se com naturais nuances, são lestos na aplicação de lei distinta da designada por um dos números intermédios do artigo 4.° da Convenção16. Chamado a enfrentar o dilema17, o Tribunal de Justiça das Comunidades parece ter tomado partido pelo entendimento segundo o qual o artigo 4.° da Convenção de Roma é, no seu conjunto, dominado pela cláusula geral da conexão mais próxima, pelo que, assim sucedendo, o direito do país designado por critério com assento num dos números intermédios do artigo 4.° só deve ser aplicado na medida em que o aplicador não conclua ser com outro direito que o contrato apresenta a conexão mais estreita. Destacam-se, suas, as seguintes palavras:“(...) uma vez que o objectivo principal do artigo 4.° da Convenção con-

sede em França, adquirira uma prensa de papel junto da BV Machinefabriek BOA, sociedade com sede em Enschede, concelho de Almelo, na Holanda. O preço fora pago em francos franceses. As negociações conducentes à celebração do contrato haviam tido lugar quase exclusivamente em França e nelas havia intervindo, a título de agente do vendedor, a sociedade SARL ODIMAP, com sede em França. A máquina objecto do contrato de compra e venda tivera de ser entregue em França e aí montada. Acerca desta decisão, cf.Th. DE BOER, Een Hollandse kijk op het EEGOvereenkomstenverdrag: het Balenpers-arrest, in Ars Aequi, 1994, 165 ss.; K. BOELE-WOELKI, Exception Clauses in Private International Law – Netherlands, in Les clauses d’exception en matiere de conflit de lois et de conflits de juridictions – ou le principe de proximité. Exception Clauses in Conflicts of Laws and Conflicts of Jurisdictions – or the Principle of Proximity, op. cit., 235 ss., 260 ss.; S. RAMMELOO, Die Auslegung von Art. 4,Abs. 2 und Abs. 5 EVÜ: eine Niederländische Perspektive, in Praxis des Internationalen Privat- und Verfahrensrechts, 14, 243 ss.. 15 Cf., outrossim representativa da mesma aproximação rigidificadora, a decisão proferida pelo Hoge Raad neerlandês em 17 de Outubro de 2008, no caso Baros A.G. v. Embrica Maritima Hotelschiffe GmbH (aresto acessível em http://zoeken.rechtspraak.nl/resultpage.aspx?snelzoeken=true &searchtype=ljn&ljn=BE7201&u_ljn=BE7201.) 16 Cf., ilustrativamente, Definitely Maybe (Touring) Ltd. v. Marek Lieberberg Konzertagentur GmbH, (2001) 1 W.L.R., 1745; Samcrete Egypt Engineers and Contractors SAE v. Land Rover Exports Ltd (2002) CLC 533; Ennstone Building Products Ltd. v. Stanger Ltd., (2002) EWCA (Civ) 916, (2002) 1 W.L.R. 3059; Kenburn Waste Management Ltd v. Bergmann (2002) ILPr 33; Iran Continental Shelf Oil Co. v. IRI International Corp (2004) 2 CLC 696. 17 Para uma visão de síntese acerca do debate doutrinal em apreço, cf. os pontos 71 a 74 das Conclusões do Advogado-Geral Y. Bot apresentadas, em 19 de Maio de 2009, no quadro do processo que terminou com a decisão do Tribunal de Justiça que ora se anota. O Direito 141.° (2009),V, 1217-1228

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siste em aplicar ao contrato a lei do país com o qual este tenha uma conexão mais estreita, o referido artigo 4.°, número 5, deve ser interpretado no sentido de que permite ao juiz da causa aplicar, em todos os casos18, o critério que permite determinar a existência dessa conexão, afastando as «presunções» se estas não designarem o país com o qual o contrato tem uma conexão mais estreita”19. E ainda: “O artigo 4.°, n.° 5, (...) deve ser interpretado no sentido de que, quando resultar claramento do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com um país diferente do país determinado com base num dos critérios previstos no mencionado artigo 4.°, n.os 2 a 4, cabe ao juiz afastar esses critérios e aplicar a lei do país com o qual o referido contrato tem uma conexão mais estreita”20. É dizer: para o Tribunal do Luxemburgo, a «derrogação» estatuída pelo número 5 merece actualização não apenas quando os critérios dos números 2 a 4 não tenham valor de conexão efectivo – a terminologia, recorda-se, é do Hoge Raad –, antes em todos os casos, leia-se, sempre que resultar claramente do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com um país diferente do país determinado com base num dos critérios previstos no mencionado artigo 4.°, n.os 2 a 4. Bem verdade, reportando-se aos números intermédios do artigo 4.° da Convenção de Roma, o Tribunal de Justiça alude a «presunções». Assim como, mais ainda, se refere ao afastamento dos critérios que é operado pela actualização do mecanismo sedeado no número 5. Não parece resultar daqui, em todo o caso, que abrace o entendimento segundo o qual os referidos números intermédios contêm a regra primária (aplicável na falta de uma escolha pelas partes). Pelo contrário. Em termos que são inequívocos, o tribunal afirma consistir o objectivo principal do artigo 4.° da Convenção na aplicação ao contrato da lei do país com o qual este tenha a conexão mais estreita.Assim como, mais ainda, certifica que o direito do país designado por um dos intermédios do artigo 4.° só deve ser aplicado na medida em que o operador jurídico não conclua ser com outro país que o contrato apresenta a conexão mais estreita. Deriva que, na perspectiva do tribunal, inexiste qualquer obrigatoriedade de princípio na aplicação de um desses números intermédios. E que, assim sucedendo, tudo quanto pode aceitar-se é que “[n]ella formazione del suo convincimento in ordine all’individuazione della legge applicabile secondo la Convenzione, il giudice è (...) tenuto a conferire una precedenza logica alla opportunità di utilizzare il criterio fondato sulla prestazione caratteristica in quanto, nel caso con-

18 19 20

Negrito meu. Cf. o ponto 60 do Acórdão. Cf. o ponto 64 do Acórdão e a declaração 3.

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creto, esso corrisponda alla concretizzazione del collegamento più stretto (...)”21; em palavras de M.WILDERSPIN, que “(...) the court should provisionally determine the applicable law pursuant to paragraph 2 (...)”22. Nada mais do que isso. Afigura-se que o tribunal comunitário enveredou pela boa interpretação. Sejam algumas das razões por que assim se entende23. Começando por estatuir a aplicação da lei do país com o qual o contrato apresenta a conexão mais estreita e prosseguindo, nos seus números intermédios, através da indicação «presuntiva» desse direito, o artigo 4.° dispõe, na sua proposição derradeira – no dizer de A. Giardina, «la dispossizione chiave di tutto il sistema»24 –, a inadmissibilidade das «presunções» dos números 2, 3 e 425 sempre que resulte do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com um país diferente. Para o que ora importa, não diz mais o artigo 4.° da Convenção de Roma. E, não dizendo mais, também dele não é possível, em boa lógica, depreender o que a letra e o espírito respectivos não comportam. Ora, não é verdade que, de entrada, proclamação é feita do princípio da conexão mais estreita plasmado em cláusula geral? E não é também que a segunda proposição do número 5 vem a carimbar, reafirmando-o, igual critério? Mais. Não é exacto que, diferente de uma Kannvorschrift26, a

21

Cf. M. FRIGO, La determinazione della legge applicabile in mancanza di scelta dei contraenti e le norme imperative nella Convenzione di Roma, in La Convenzione di Roma sul diritto applicabile ai contratti internazionale, 17 ss., 25. 22 Cf. The Rome Convention: Experience to Date before the Courts of Member States, and Interpretation by the Court of Justice of the European Communities of the Brussels Convention and its Possible Impact on the Interpretation of the Rome Convention, in L’européanisation du droit international privé, Europaeisierung des internationalen Privatrechts, Europeanisation of International Private Law, ??Ano??, 47 ss., 51 (itálico meu). 23 Para uma exposição de conjunto, cf. M. J. MATIAS FERNANDES, A cláusula de desvio no Direito de conflitos. Das condições de acolhimento de cláusula de desvio geral implícita no Direito português, op. cit., 166-180. 24 Cf. La convenzione comunitaria sulla legge applicabile alle obbligazioni contrattuali e il diritto internazionale privato italiano, Rivista di diritto internazionale, 64, 795 ss., 802. 25 Já houve ocasião para ensaiar a demonstração de que – de resto, segundo lição razoavelmente divulgada – o mecanismo e a lógica das presunções judiciais não quadram cabalmente à regra dos números 2, 3 e 4 do artigo 4.° da Convenção de Roma (cf. A cláusula de desvio no Direito de conflitos. Das condições de acolhimento de cláusula de desvio geral implícita no Direito português, op. cit., 170-173). Assim se entendendo, apenas por facilidade de expressão – e porque o legislador convencional faz utilização efectiva do substantivo «presunção» e de formas verbais, como «presumese», dele derivadas – se justifica a alusão, em texto, a «presunções». 26 O contraste com o número 1 do artigo 7.° da mesma Convenção é elucidativo. O Direito 141.° (2009),V, 1217-1228

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segunda proposição do número 5 individualiza comando cuja actuação prática, uma vez dados por verificados os pressupostos incluídos na hipótese normativa, não aparece confiada ao poder discricionário do aplicador nem, como atrás se viu, é legítimo entender subordinada à actividade processual das partes? E não é ainda que toda a possibilidade de um juízo afirmador da reprodução, in casu, dos pressupostos recortados pela previsão normativa do artigo 4.°, número 5, segunda frase, vai condicionada a exame ponderado de todas as relevantes circunstâncias do caso, exame esse que, decerto abrangente dos elementos retidos nos números 2, 3 ou 4, a eles não se circunscreve? Às interrogações postas quadra – a todas elas – resposta de sentido afirmativo. Flui como consequência que, na medida em que a lei afinal aplicada coincida com o direito designado por número intermédio do número 4, isso não sucederá ex vi de tal critério rígido isoladamente considerado, senão antes porque, ponderadas todas as pertinentes circunstâncias do caso, o operador verifica ser com esse direito que o contrato apresenta a conexão mais estreita. Rectius, porque não conclui ser com outro país que o contrato apresenta a conexão mais estreita. Afirmou-o A. Kassis:“Si le juge applique la loi du pays de la résidence du débiteur de la prestation caractéristique, c’est parce qu’il n’a pas trouvé un autre pays avec lequel le contrat présente les liens les plus étroits”27. Assim como L. Carrillo Pozo: “(...) quiero ello decir que si el derecho aplicable es, al final del proceso, el indicado por el sistema de las presunciones, no lo será por este motivo, sino porque reclamado por el complejo de las circunstancias – incluida la residencia habitual del prestador caracteristico – debidamente contadas e pesadas, esto es, porque resulta ser el derecho que presenta la conexión mas estrecha.”28. Entre nós, L. Lima Pinheiro: “(...) as «presunções» fixadas nos n.os 2 a 4 só relevam quando a avaliação feita pelo órgão de aplicação não conclua ser outro o país que apresenta uma conexão mais estreita com o contrato / (...) a doutrina da prestação característica surge claramente subordinada à cláusula da conexão mais estreita, como uma das suas possíveis concretizações”29. E, mais recentemente, F. Ferrari: “(...) l’absence d’un lien plus étroit avec un pays autre que celui vers lequel pointe l’une des présomptions des alinéas 2 à 4 constitue une condition d’application négative de la loi de ce

27

Cf. Le nouveau droit européen des contrats internationaux, 1993, 313. Cf. El contrato internacional: la prestacion caracteristica, op. cit., 93. 29 Cf. Joint Venture. Contrato de empreendimento comum em Direito Internacional Privado, 1998, 852-853. 28

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(dernier) pays. Dès lors, lorsque le contrat (...) présente un lien plus étroit avec un autre pays, la loi de ce dernier devra être appliquée”30. Com esses – e congéneres31 – autores, entende-se possível assentar em que: (i) tomado como uma unidade de sentido, do artigo 4.° da Convenção de Roma resulta que, na falta de uma escolha conforme ao artigo 3.°, é aplicável a lei do país com o qual o contrato apresenta a conexão mais estreita; (ii) atento o seu carácter individualizador, a directriz da conexão mais estreita supõe que o accertamento do direito competente se processe a partir da identificação e da ponderação qualificada de todos os contactos relevantes do ponto de vista dos fins próprios da disciplina reguladora dos conflitos de leis; (iii) assim sucedendo, não pode aquela directriz da conexão mais estreita ser automática, linear ou necessariamente reconduzida a um dos elementos da situação que o legislador reteve nos números intermédios do artigo 4.° e, inerentemente, um daqueles números erigido ao posto de regra prima facie aplicável; (iv) por isso que assim é, o direito do país designado por critérios com assento num dos intermédios do artigo 4.° só deve ser aplicado na medida em que o operador jurídico não conclua ser com outro país que o contrato apresenta a conexão mais estreita. Tal sucederá em duas hipóteses: a) na eventualidade de a lei designada por uma das «presunções» ser, in casu, a do país com o qual o contrato apresenta a conexão mais estreita; b) na eventualidade de uma absoluta dispersão de contactos; (v) a segunda frase do número 5 do artigo 4.° não corporiza cláusula de desvio: por ser no seu conjunto dominado pela cláusula geral de conexão mais estreita, competente ex artigo 4.° é já – entenda-se: sem dependência de um mecanismo corrector –, a lei espacialmente mais próxima dos factos. 30

Cf. Quelques remarques sur le droit applicable aux obligations contractuelles en l’absence de choix des parties (art. 4 du règlement Rome I), Revue critique de droit international privé, 2009, t. 98 (3), 459 ss., 466. 31 Cf., para além dos Autores referidos em M. J. MATIAS FERNANDES, A cláusula de desvio no Direito de conflitos. Das condições de acolhimento de cláusula de desvio geral implícita no Direito português, op. cit., 161, nota 402, M. MAGAGNI, La prestazione caratteristica nella Convenzione di Roma del 19 giugno 1980, 1989, 50; P. KAYE, The New Private International Law of Contracts of the European Community, 1992, 171; F. MOSCONI/C. CAMPIGLIO, Diritto internazionale privato e procesuale. Parte generale e contratti, 4.ª ed., 2004, 287 e 292. O Direito 141.° (2009),V, 1217-1228

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§ 4. O artigo 4.° do Regulamento Roma I Enfim, anota-se, em § breve, também derradeiro, que as soluções retidas pelo artigo 4.° do Regulamento Roma I logram a eliminação das dificuldades associadas ao modo – não inequívoco – como entre si se relacionam os diferentes números do artigo 4.° da Convenção. Reside nesta clarificação, assim, uma primeira e importante razão para o aplauso do artigo 4.° do Regulamento. Não é a única. Merecedor de louvor é, acrescidamente, o sentido em que se processou a clarificação. Assim, saúda-se, em primeiro lugar, o reforço da segurança jurídica que resulta alcançado já por meio da eliminação da regra actualmente constante do número 1 do artigo 4.° da Convenção, já por mor da inerente promoção de critérios hard and fast ao papel de normas prima facie aplicáveis na falta de uma electio iuris. E elogia-se, mais, que, tendo-se afastado do esquema abraçado pela Proposta da Comissão apresentada em 200532, o legislador comunitário tenha retido solução que lhe faculta o afastamento da lei prima facie competente caso resulte claramente do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão manifestamente mais estreita com um país diferente do indicado pelos números 1 ou 2. Assim, aí onde, no quadro do sistema vertido no artigo 4.° daquela Proposta, nenhuma margem de liberdade assistia ao aplicador, este sendo, para o conjunto dos contratos previstos no número 1, conduzido à linear aplicação de uma das leis referida por alínea ali contida e todo o desvio aparecendo como interdito, sucede diferentemente que, consagrando verdadeira e própria cláusula de desvio, o número 3 do artigo 4.° do Regulamento consente ao operador margem de discricionariedade no exercício da sua tarefa de determinação da lei subsidiariamente aplicável33. Afigura-se solução totalmente aconselhada pela variabilidade da vida.Assim como, convergentemente, pela confinamento da previsão humana a limites apertados. MARIA JOÃO MATIAS FERNANDES

32

COM/2005/0650 final – COD 2005/0261, não publicado no Jornal Oficial mas acessível em http://eur-lex.europa.eu. 33 Cf., igualmente, os artigos 5.°, número 3 (contrato de transporte), 7.°, número 2, parte final (contrato de seguro), e 8.°, número 4 (contrato individual de trabalho). O Direito 141.° (2009),V, 1217-1228

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