Roteiro Trabalho de Campo Leituras da Cidade do Rio de Janeiro

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CURSO DE HISTÓRIA PROF. DR. PAULO CAVALCANTE

Trabalho de Campo:

Leituras da Cidade do Rio de Janeiro * 1555: Os franceses, sob comando do cavaleiro de Malta, Nicolau Durand de Villegagnon, aportam no ilhéu de Laje, por ele chamado Ratier, em novembro, com o objetivo de estabelecer uma colônia: a França Antártica. Instalam-se na ilha de Seregipe, hoje Villegagnon, e aí levantam o forte Coligny. * 1557: Sob o comando de Bois-le-Comte, chegam mais franceses. As dissenções religiosas que reinavam na França tiveram eco na França Antártica e Villegagnon retirou-se, deixando a pequena colônia estabelecida na margem ocidental da baía e na ilha de Paranapuã (hoje Governador). * 1560: Os portugueses conseguem, sob o governo de Mem de Sá, expulsar os franceses das ilhas e arrasar as suas fortificações, implantando novamente na Baía de Guanabara o domínio de Portugal. Os franceses, acolhidos pelos tamoio, seus aliados contra os lusos, voltaram a ocupar posições à margem ocidental da baía e estabeleceram-se na aldeia de Uruçumirim - atual praia do Flamengo. * 1563: Através de um armistício, os jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta iniciam a “pacificação” dos índios tamoio para garantir a ocupação da região pelos portugueses. * 1565: Reina em Portugal D. Sebastião. Desembarcado no começo do ano, ao pé do Pão de Açúcar, Estácio de Sá lança as bases do que viria a ser a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro entre os morros Cara de Cão e Pão de Açúcar, um simples acampamento para combater os franceses. * 1567: A 20 de janeiro, dia consagrado ao padroeiro da cidade, os portugueses resolvem dar o assalto aos franceses e seus aliados, nos combates de Uruçumirim (atuais bairros da Glória e Flamengo) e Paranapuã (Ilha do Governador). Ferido no rosto, por flecha, Estácio de Sá veio a falecer cerca de um mês depois da vitória. A vila é transferida para o Morro do Castelo e a cidade fundada no dia 1º de março pelo governador Mem de Sá. * Monumento a Estácio de Sá - localizado onde desembocava o rio Carioca, tendo à direita, ao fundo, os morros do Pão de Açúcar e da Urca, do outro lado do braço de mar que vem formar a enseada de Botafogo. Projetado por Lúcio Costa, consiste numa base triangular com uma pirâmide que atravessa a laje, indo até o subsolo. Lá deveriam ser colocados o marco da cidade, uma cripta com a tampa da sepultura de Estácio de Sá, além da areia da praia da Urca, onde chegou o fundador da vila fortificada. A transferência desses símbolos não se concretizou, permanecendo as relíquias na Igreja de São Sebastião, na Tijuca.

O Centro O Centro do Rio de Janeiro é, historicamente, o bairro mais importante da cidade. Sua ocupação foi uma batalha do homem contra o meio ambiente inóspito e acanhado, entre pântanos e morros. Pouco a pouco, o crescimento urbano obrigou a ocupação de terras mais para o interior, assim como foi se espalhando pela beira-mar. Hoje, o Centro é uma área que guarda monumentos e construções que relembram sua fase portuguesa, a posterior fase francesa neoclássica e os delírios do ecletismo do final do século XIX e início do XX, todos convivendo com os signos da megalópole, seus arranha-céus, o concreto, o vidro, o alumínio. A área do Centro pode ser considerada desde o morro de São Bento até o Aeroporto Santos Dumont, por toda a orla marítima; do Aeroporto até o Passeio Público e Arcos da Lapa; deste ponto até o Campo de Santana e depois, passando pelo morro da Conceição, até o Cais do Porto e, mais além, a Praça Mauá, aos pés do morro de São Bento. Originariamente, na região do Centro, havia um conjunto de lagoas e pântanos, de onde afloravam morros; à beira-mar existiam areias e praias. Do Cais do Porto à Praça Paris e da Rua Primeiro de Março à Rua de Santana atuais, o que havia eram paludes insalubres, que foram progressivamente aterrados. A cidade do Rio de Janeiro nasceu do morro para o pântano, como Roma, à custa de inúmeros aterros. O Centro é o bairro mais antigo da cidade. Foi nele, efetivamente, que a cidade do Rio de Janeiro nasceu, após sua transferência, em 1567, da região do Morro Cara de Cão, no atual bairro da Urca, para o Morro do Castelo, desmontado a partir de 1922, que se encontrava na área hoje conhecida como Esplanada do Castelo. O Centro foi a cidade até o século XIX; ainda hoje é chamado de cidade. Trata-se do núcleo do Rio: todas as épocas da história, todas as nuances da vida urbana, todas as múltiplas atividades da cidade estão representadas no bairro, apesar dos vestígios mais remotos terem sido suprimidos nas freqüentes remodelações que sofreu. A alma da cidade transparece em suas ruas e avenidas.

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Após a expulsão dos franceses (1567), Mem de Sá transferiu a vila fortificada, situada entre os morros Cara de Cão e Pão de Açúcar, para o Morro do Castelo, atual Esplanada do Castelo, tendo em vista as excepcionais condições de defesa oferecidas pelo local, ilhado por lagoas e pântanos e dominando a Baía de Guanabara. Ultrapassada a fase militar de ocupação, a localização revelou-se inadequada: o acesso era penoso e a área disponível reduzida. Ainda no século XVI, a cidade expandiu-se pelas encostas do morro e pela várzea, atual Praça XV de Novembro. A partir do século XVII os alagados ao redor começaram a ser ocupados, o que determinou o traçado estreito das ruas, com as vias principais contornando sinuosamente as elevações. Para evitar os pantanais, diversos outros morros começaram a ser utilizados, particularmente pelas ordens religiosas, destacando-se os de São Bento e Santo Antônio. O mar atingia as regiões da atual Candelária, Rua Primeiro de Março, Igreja de Santa Luzia e Passeio Público, onde existiam praias. A primeira artéria do núcleo nascente, a cidade baixa, foi a Praia Manuel de Brito que ia do Morro do Castelo até o Morro de São Bento, e que depois tomou o nome de Rua Direita, hoje Primeiro de Março. O nome Rua Direita se explica pelo fato do logradouro ir diretamente da Rua da Misericórdia, ao pé do Morro do Castelo, até o Morro de São Bento. Ainda no século XVI, a expansão do cultivo da cana-de-açúcar nas terras do interior - sertão - fez a função portuária tornar-se mais importante que a defensiva, levando ao rápido deslocamento do centro econômico do morro para a praia, onde se embarcava a mercadoria, logo seguido pelo centro administrativo e religioso. A Rua Direita surgiu, assim, como o grande eixo do centro urbano, posição que ocupou até o início do século XX. Com a planície insalubre dominada, a cidade se estendeu no plano. Esse processo exigiu, porém, sucessivas reformas urbanas. No século XVIII, quando o Rio se tornou o centro de exportação do ouro e dos diamantes de Minas Gerais e a capital do Estado do Brasil (1763), foi iniciada a era das grandes reformas, que se estendeu até o século XX. No século XVIII começa a surgir uma nova cidade que vai se tornar a cidade dos vice-reis. O abastecimento de água foi resolvido com a canalização do Rio Carioca, na administração de Aires Saldanha (1719-1725) e a construção dos Arcos da Lapa, por Gomes Freire de Andrada (1733/1763), responsável também pela construção da residência dos governadores, mais tarde Paço Imperial. D. Luís de Vasconcelos (1779-1790) aterrou os restos da Lagoa do Boqueirão, graças ao desmonte do Morro das Mangueiras, e nela construiu o Passeio Público; procurou desenvolver a cidade esteticamente através da contratação dos serviços do artista Mestre Valentim da Fonseca e Silva (?-1812). A atmosfera da cidade seria transformada durante o século XIX, sob a influência do neoclassicismo, difundido pela Missão Artística Francesa de 1816, resultado da vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro (1808), fato que desencadeou um novo ciclo de reformas. A aura portuguesa, colonial, traduzida no casario baixo, de paredes espessas, varandas com treliças, gradis e ruelas estreitas, começou a ser lentamente substituída pela atmosfera francesa, marcada pelas construções monumentais, com pé direito mais alto, fachadas decoradas, ruas largas e boulevards, processo que se estenderá até o início do século XX. A cidade começou a se expandir em direção às atuais Zonas Norte e Sul, contornando as montanhas. O neoclassicismo se afirmou como estilo dominante ao longo do Império, sendo substituído, ao final do século XIX, pela exuberância do ecletismo. A aparência afrancesada do Centro desapareceu aos poucos, em função das diversas reformas modernizadoras, realizadas no século XX. A primeira foi promovida pelo prefeito Pereira Passos (1903-1906), simbolizada pela abertura da Avenida Central, atual Avenida Rio Branco, que também determinou o alargamento de diversas ruas e a destruição de becos e vielas, preparando a cidade para o início da era dos arranha-céus. Essa reforma ainda manteve a influência francesa no traçado urbano e na definição arquitetônica dos prédios. A partir de 1920, no entanto, surgiram as construções de concreto armado, sendo as primeiras os edifícios Odeon, Capitólio, Glória e Império, na área que ficou conhecida como Cinelândia. A segunda, ocorreu durante a administração Prado Júnior (1926-1930), que contratou o urbanista francês Alfredo Agache para elaborar um plano de remodelação da cidade, parcialmente realizado. O prefeito Henrique Dodsworth (1937-1945) promoveu nova reforma, destacando-se a abertura da monumental Avenida Presidente Vargas, trabalho realizado entre os anos de 1941 a 1944. As administrações dos prefeitos Negrão de Lima (1956-1958), Sá Freire Alvim ((1958-1960) e do governador do Estado da Guanabara Carlos Lacerda (1960-1965) completaram o quadro de transformações da área urbana, capaz de viabilizar o predomínio dos enormes edifícios, surgindo, assim, o Centro de aparência americana de hoje. O esvaziamento do poder da cidade, com a transferência da capital para Brasília, em 1960, muito contribuiu para o declínio do Centro. A cidade deixou de ser o Distrito Federal, passou a ser o Estado da Guanabara (1960). Após a sua fusão com o Estado do Rio de Janeiro (1975), do qual se tornou a capital, surgiu, nos anos oitenta, um movimento de revalorização do Centro, voltado para a recuperação de sua arquitetura histórica e a preservação dos vestígios remanescentes. Este movimento foi prejudicado pelo agravamento da crise econômica e social do Brasil na década de oitenta e pelas dificuldades administrativas e fiscais decorrentes da fusão. Na década de noventa, superada a falência da cidade decretada pelo prefeito Roberto Saturnino Braga (1985-1988) e com recursos adicionais oriundos da nova Constituição da República (1988), as administrações seguintes retomaram os investimentos nas reformas urbanas, marcadamente, o prefeito Cesar Maia (1993-1996) com o projeto Rio Cidade. Em 1997, dando continuidade ao referido projeto, o prefeito Luís Paulo Conde pretendeu reconstituir o espaço histórico da Praça Quinze por meio da demolição do prédio da CONAB e do Elevado da Perimetral, permitindo uma visão direta e ampla da Baía de Guanabara. No entanto, a complexidade do desafio e a falta de recursos para as obras impediram sua concretização. Somente durante o primeiro mandato do prefeito Eduardo Paes (2009-2012) foi possível iniciar as obras em virtude do decisivo apoio do Governo Federal (segundo mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva) e por terem sido inseridas no conjunto de projetos relacionados à realização das Olimpíadas de 2016 na cidade do Rio de Janeiro, notadamente os de revitalização da região portuária.

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(Fonte da imagem: http://infraestruturaurbana.pini.com.br/solucoes-tecnicas/17/artigo263021-1.aspx)

(Fonte da imagem: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/11/vias-da-zona-da-portuaria-do-rio-sao-fechadas-para-implosao-da-perimetral.html)

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Reconhecendo parte do centro histórico * Centro Cultural do Banco do Brasil - Está instalado onde funcionou a sede do Banco do Brasil, entre 1926 e 1960, ano em que foi transferido para Brasília. O prédio foi projetado por Francisco Joaquim B. da Silva e construído entre 1880 e 1906 para servir de sede à Associação Comercial do Rio de Janeiro. Em 1923 foi adquirido pelo Banco do Brasil, visando atender suas necessidades foi aumentado em quatro andares e sofreu muitas alterações que comprometeram seu estilo clássico original e a decoração da fachada. Caracteriza a construção: o piso e as paredes revestidas de mármore, um antigo guichê de atendimento ao público no saguão de entrada, um belo e sonoro relógio e a rotunda, local central da construção - chama atenção a magnífica visão dos andares superiores, as oito colunas caneladas, com base em mármore, terminando com cúpula de vidro. * Alfândega Antiga, Fundação Casa França-Brasil - O prédio, construído para ser a Praça do Comércio do Rio de Janeiro. Após algumas reformas, o edifício passou a abrigar a Alfândega, sendo remodelado em 1852 sob orientação de André Rebouças. Em 1944 a Alfândega foi transferida; entre 1951 e 1978 esteve ocupado pelo II Tribunal do Júri. Em 1983 foi decidida a criação da Casa França-Brasil, dedicada ao intercâmbio cultural entre os dois países. É o único prédio público desenhado por Grandjean de Montigny ainda preservado. É, também, o mais importante vestígio da implantação, no Rio de Janeiro, do neoclassicismo. Sua construção data de 1819 a 1820, segundo projeto de Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny, arquiteto que chegou ao Brasil com a Missão Artística Francesa de 1816, chefiada por Joaquim Lebreton. Grandjean de Montigny e a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios (depois Academia Imperial de Belas Artes) foram responsáveis pela difusão do neoclassicismo no país, que logo se tornou o estilo oficial, característico do Império, abrasileirando-se. A concepção é francesa e cartesiana, preocupada com a estrutura estética interna da arquitetura e com a significação da cada vocábulo arquitetônico. As proporções das peças e da composição, apesar da simplificação racional, seguem as referências históricas da Antiguidade romana e do Renascimento italiano, principalmente o tratadista Vignola, resultando em uma arquitetura em que os valores repousam na simplicidade das formas, na beleza, em si, ideal. O edifício se orienta segundo os pontos cardeais, ignorando, idealisticamente, a malha urbana ao redor e a própria cidade. A planta reúne dois retângulos áureos e se decompõe, em relações áureas, para a criação de cada um dos espaços internos. Sua principal fonte de inspiração é a basílica tribunícia romana, edifício de múltiplo uso que, em Roma, funcionava como mercado, banco, tribunal e praça coberta. A construção semelhante mais próxima, em concepção, é a basílica de Maxêncio (306-312), situada a nordeste do fórum romano. A composição interna dos espaços se aproxima das basílicas romanas anteriores, divididas em naves longitudinais, separadas por fileiras de colunas, e até mesmo da ágora grega, com suas colunatas. A fachada tem desenho simples, despojado, baseado em um pentagrama regular, inscrito em uma circunferência, procedimento que estabelece, também, várias relações áureas. A estrutura do corpo central conta com três arcos, que constituem a entrada principal, encimados por tímpano despojado; as alas laterais, reunindo alvenaria e cantaria bege, apresentam, cada uma, três óculos redondos, guarnecidos por grades de ferro fundido, que eram, no projeto original, janelas em arcos, similares aos arcos da entrada, modificação introduzida, provavelmente, quando o prédio passou a ser usado como alfândega. O arco pleno é o elemento referencial da composição. O interior do prédio é dominado pelo grande espaço da “praça do comércio”, em forma de cruz, devido à existência de um eixo vertical e de um eixo horizontal secundário. O centro, onde os eixos se cruzam, é coroado por uma cúpula; sua significação histórica deve ser associada à idéia de um espaço arquitetônico intermediário entre o microcosmo humano (praça) e o macrocosmo divino (céu). Esta racionalidade é desdobrada no espaço interno: o plano central e o eixo longitudinal traduzem as idéias de imanência e reto caminho; a perspectiva resultante supõe a existência de um corpo social organizado. Na realidade, o edifício é um grande galpão, decorado por vinte e quatro colunas, distribuídas ao longo do eixo central, que sustentam arquitraves, com elementos da ordem dórica romana, derivada do renascimento. As colunas são equidistantes e o equilíbrio entre os diversos elementos determina a dispersão da tensão estética, com a subordinação de cada parte ao todo. A racionalidade e a simetria, a redução da dramaticidade e da emotividade refletem, ainda aqui, a crença numa realidade superior, transcendente, uma ordem no mundo. Nos quatro cantos dos retângulos existem salas que ocupam parte das alas laterais, pouco demarcadas arquitetonicamente e que asseguram, apenas através das aberturas em arcos nas suas paredes, uma das principais características estéticas da construção, a sua integração ao espaço central. Através dessas aberturas e da transparência resultante recupera-se, no interior do prédio, o espaço retangular clássico. A sala lateral, à direita da entrada principal, conta com uma parede sem reboco e sem pintura, descascada, para ilustrar os materiais da construção: mistura de pedra, tijolo e barro, segundo o processo chamado opus incerto. Logo em seguida a esta sala, há o cofre, de grandes proporções, que deve ter sido construído para servir à alfândega. O chão é revestido por grandes blocos de pedra, mas conta com tapetes de ladrilhos belgas, à entrada e sob a cúpula, sem datação precisa, mas posterior à da construção. A cobertura do prédio é hábil para revelar as condições de implantação e de aclimatação do neoclassicismo no Brasil. Não é o telhado do projeto neoclássico, embora não existam danos suficientes para explicar concepção e construção, em contradição com o resto do edifício. Trata-se de um telhado pesado, brasileiro, ou antes, português, ainda colonial e pitoresco, oposto ao controle e ao rigor neoclássicos. Conta com águas furtadas e beirais; o tímpano da fachada principal é encimado por telhas curvas. * Igreja da Candelária - Uma das mais amplas e luxuosas igrejas do Rio de Janeiro, sua origem remonta ao século XVII quando no mesmo local foi erguida uma capela em honra a Nossa Senhora da Candelária. Conta-se que o gesto de devoção aconteceu em cumprimento a uma promessa feita por um casal de espanhóis, Antônio Martins de Palma e Leonor Gonçalves, colhidos em pleno oceano por uma forte tempestade, que quase provocou o naufrágio do navio que ele comandava. Em 1775, foi decidida a construção de outra igreja, maior, obra que se estendeu até 1811, data em que foi sagrado o templo, parcialmente concluído, núcleo da igreja atual, cuja planta é do sargento-mor Francisco João Roscio. Durante o século XIX, a igreja foi reconstruída, a partir da fachada, única parte conservada do projeto de Roscio, permanecendo em obras durante todo o século XIX. Sua inauguração solene ocorreu somente em 1890. A igreja, cuja altura máxima, do alto da cruz até o solo, é

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de 64 m, tem superfície de 3.520 m2 e o aspecto externo lembra a cruz latina. A cúpula, a principal marca visual da igreja, possui 1.422 pedras e peso aproximado de 630 toneladas. Em estilo neoclássico, foi construída entre 1865 e 1877, gerando muitas controvérsias e algumas mudanças de projeto, prevalecendo o de Daniel Pedro Ferro Cardoso, de 1874, em lioz de Lisboa. Ao redor da cúpula existem oito estátuas gigantescas, em mármore branco, esculpidas em Lisboa, por José Cesário de Sales, representando o Evangelista São Mateus, a Religião, o Evangelista São Marcos, a Caridade, São João Evangelista, a Fé, São Lucas, a Esperança. Visível à distância, a cúpula da Igreja da Candelária é um dos signos tradicionais do Centro; sua imagem era ainda mais forte quando não existiam construções tão elevadas ao redor, sobretudo porque possui o complemento visual das duas torres, das mais elevadas existentes no Rio, onde estão instalados os sinos e dois relógios. As portas da igreja, uma principal e duas laterais, são em estilo Luís XV, em bronze, esculpidas por Teixeira Lopes, fundidas em Bruzy, na França, e expostas na Exposição Universal de Paris, de 1889. o principal motivo que representam é uma alegoria ao Santíssimo Sacramento. À entrada da igreja, há um monumental pára-vento em madeira esculpida. Todo o espaço sob o coro é suntuosamente decorado; as paredes são em mármore; o teto, em estuque, explora motivos geométricos e florais. À esquerda, guarnecido por porta de grades de ferro trabalhado, está o batistério, decorado por um retábulo de madeira, esculpido por Tunes Gomes Ribeiro e representando o batismo de Jesus Cristo por São João Batista. Do lado direito, está a escada de acesso ao coro, guarnecida por porta idêntica à do batistério. A decoração do interior da igreja, à romana, impressiona devido à variedade de cores do revestimento de mármore: são cinzentos, brancos, amarelos, verdes, vermelhos e negros, esculpidos em motivos variados. A planta apresenta uma nave central, coberta por abóbada, dois corredores laterais, duas capelas laterais à esquerda e à direita da grande cúpula, e a capela-mor. O estilo da construção é associável, também, ao pombalino, calcado na Basílica da Estrela, em Lisboa. O altar-mor destaca-se do conjunto devido ao suntuoso trabalho em mármore que apresenta; é ladeado por duas colunas maciças de mármore de Carrara, que sustentam um frontão do mesmo material. No trono, sobre a urna de mármore, a imagem de Nossa Senhora da Candelária é valorizada por vitral, que funciona como retábulo, representando a cruz e o esplendor. Os púlpitos, em estilo art-nouveau, sustentados por dois anjos, de cerca de 2 m de altura, asas abertas, em mármore branco, têm escadas e abafa-voz impressionantes, em mármore e ferro trabalhados. As duas capelas laterais são consagradas, à esquerda, ao Santíssimo Sacramento e, à direita, a Nossa Senhora das Dores. Este local da igreja é um ponto privilegiado para se admirar a suntuosidade da construção. É possível observar no revestimento do interior da cúpula, com pinturas de motivos geométricos, os profetas Jessé, David, Isaías e Salomão e oito quadros com alegorias do Livro dos Provérbios. As pinturas da cúpula formam um conjunto admirável com aquelas existentes na abóbada da nave central, em que a história da construção do templo foi representada pelo artista João Zeferino da Costa. Os altares laterais, em mármore, são dedicados, à esquerda, a Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora dos Navegantes e São Miguel Arcanjo; à direita, a Nossa Senhora da Piedade, a Sagrada Família e a São Manuel. O piso da igreja é em ladrilho decorado com arabescos, motivos florais, vegetais e geométricos. O corredor esquerdo, junto ao batistério, permite o acesso à sacristia, que tem chão de mármore com motivos geométricos nas cores laranja, cinza, branco e preto, as paredes revestidas por lambris de jacarandá e conta com arcaz de madeira trabalhada, encimado por uma imagem, também em jacarandá, de Cristo na Cruz. * Praça Mauá - Área de alagados e lagoas era, originariamente, um charco ao redor dos morros de São Bento e da Conceição, junto ao mar. A ocupação da região foi iniciada no século XVI, com a construção de uma ermida consagrada a Nossa Senhora da Conceição, por Aleixo Manoel e sua mulher, Francisca da Costa, em terras doadas por Manoel de Brito. Em 1590, as terras e a capela foram transferidas para os beneditinos, que aí ergueram seu mosteiro e igreja. Em 1634, os frades do Carmo instalaram-se em uma ermida, no alto do Morro da Conceição, doada por Miguel de Carvalho e Maria Dantas. Por volta de 1660 foi construída, no morro que passou a ser chamado do Livramento, a capela de Nossa Senhora do Livramento. Ainda neste mesmo século, foi edificada a ermida de São Francisco da Prainha, na encosta do Morro da Conceição voltada para o mar. Apesar desses núcleos de ocupação, a área permaneceu não urbanizada até o século XVIII, mesmo após a criação da freguesia da Candelária, em 1634, que a abrangia e era a segunda da cidade, nem com o aparecimento do bairro de Vila Verde, junto ao Morro de São Bento e a multiplicação das propriedades dedicadas à agricultura de subsistência, para o abastecimento da cidade, durante o século XVIII. Neste século, a área litorânea, da Prainha até São Cristóvão, era ocupada por chácaras com casas confortáveis, capelas e ermidas que coroavam os outeiros. Durante a primeira metade do século XIX a área começou a conhecer um ritmo mais intenso de ocupação, provocado pelas atividades portuárias crescentes, situação favorecida pela drenagem dos brejos praianos, promovida pelo marquês do Lavradio (1769-1777), que ordenou também a abertura da espaçosa Rua do Valongo, hoje Camerino, em lugar da estreita trilha existente. Ao lado das chácaras, o litoral passou a conhecer edificações, especialmente depósitos e armazéns de produtos para o comércio marítimo, instalações e armadores, mercadores de escravos, pescadores e embarcadiços. Com a transferência do mercado de escravos, no século XVIII, da Rua Direita para o Valongo, onde funcionou até 1831, o cais do Valongo tornou-se o pólo central do comércio de escravos. Com a vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro, a urbanização da área foi acelerada; as chácaras desapareceram, dando lugar a loteamentos urbanos. Em 1809, Lord Strangfort, nobre inglês que fazia parte da comitiva real, conseguiu que o príncipe regente D. João autorizasse a construção de um cemitério para ingleses e outros europeus de religião protestante no Morro da Providência: o British Burial Ground, atualmente conhecido como Cemitério dos Ingleses. Apesar de todo o estímulo provocado pela cafeicultura à urbanização e da prosperidade da área, ela só conheceria modificação decisiva a partir do início do século XX, quando foi construído o cais do porto, durante a administração de Rodrigues Alves. Até então, a cidade contara apenas com sistemas precários de cais e trapiches, o que obrigava os navios a fundearem na Baía de Guanabara. A partir da construção do cais do porto e da Avenida Central, atual Avenida Rio Branco, a região da antiga Prainha foi decididamente integrada à malha urbana, conciliando uma ocupação comercial intensa com áreas de habitação popular. A Prainha, que abrigara o Trapiche Mauá a partir de 1853, tornou-se ponto de partida das barcas que seguiam para o Porto da Estrela, local em que começava a antiga estrada de ferro para Petrópolis, obras do empresário Irineu Evengelista de Souza (1813-1889), visconde de Mauá, recebendo por esta razão, a denominação de Praça Mauá. Em 1910, por iniciativa do Clube de Engenharia, foi inaugurado o monumento ao visconde de Mauá, obra de Rodolfo Bernadelli, constituído por uma coluna dórica de 8,30 metros de altura, de granito de Irajá, assentada em base de cantaria e encimada pela estátua, em bronze, do industrial. Representa-o de pé, de frente para o porto, tendo na mão chapéu alto e bengala, com

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uma fisionomia resoluta. Na base do monumento, existem dois baixos-relevos, em bronze, representando a indústria e a “Baroneza”, a primeira locomotiva que percorreu uma estrada de ferro no Brasil. No número 7 da Praça Mauá, encontra-se um dos primeiros arranha-céus da cidade do Rio de Janeiro, construído na década de 20, onde funcionou o jornal A Noite e onde ainda funciona a Rádio Nacional - famosa desde os dourados anos 50. * Igreja e Mosteiro de São Bento - Conjunto arquitetônico localizado no Morro de São Bento, testemunha privilegiada da nossa história da cidade, é um dos maiores patrimônios da arte colonial brasileira. Estabelecida no Brasil em 1581, na cidade de Salvador, a Ordem Beneditina atuou em diversas regiões do país; suas realizações arquitetônicas são tão expressivas que levaram ao reconhecimento do espírito de conjunto de suas construções como uma Escola Beneditina, em particular porque seus arquitetos e artistas pertenciam, quase sempre, à própria ordem. Em 1568, dois monges, oriundos de Salvador, chegaram ao Rio de Janeiro, para aqui fundar a instituição. Frei Pedro Ferraz e frei João Porcalho foram alojados inicialmente na hospedaria da ermida de Nossa Senhora do Ó, na região da atual Praça Quinze de Novembro. Receberam, em 1589, doação de uma porção de terras, pertencentes a Manuel de Brito e seu filho Diogo de Brito, na sesmaria do primeiro, compreendendo o morro chamado, na época de Manuel de Brito. Nas terras doadas existia uma capela consagrada a Nossa Senhora da Conceição, erigida com autorização dos sesmeiros, por Aleixo Manuel, o velho, e sua mulher, Francisca da Costa, também doada aos beneditinos, cuja invocação foi mudada pela Ordem, em 1602, para Nossa Senhora de Monserrate, designação mantida até hoje, apesar da tradição popular ter consagrado a denominação de Igreja de São Bento. Os doadores receberam, em contra partida, o direito ao sepultamento no interior do templo e à celebração de missas em favor de suas almas. Antes do estabelecimento no morro, que passou a se chamar de São Bento, beneditinos franceses já tinham organizado, em 1560, na Baía de Guanabara, a primeira comunidade religiosa do Rio de Janeiro, trazidos por Nicolau Durand de Villegagnon. O estabelecimento, localizado nas vizinhanças do Rio Iguaçu e entre os Tamoio, teve curta duração; as casas e roças foram destruídas por incêndio e os padres, entregues aos franceses protestantes, retornaram com estes à França, em 1560 ou 1561, sofrendo naufrágio ou lançamento ao mar durante a viagem. Em 1586 ou 1587 foi iniciada a construção do Mosteiro, ao lado da primitiva ermida; a obra prolongou-se pelos dois séculos seguintes, em diferentes etapas. Em 1617, frei Palácio das Chagas obteve do engenheiro-mor Francisco de Frias da Mesquita plantas para a igreja nova e para um novo mosteiro. As obras foram dificultadas, durante o século, pelos ataques holandeses ao Brasil e por contratempos na produção agrícola das fazendas da Ordem, que recebera terras, em doação, na Barra de Inhomirim das Lages e na Barra da Tijuca, além do território da atual Praça Mauá. Entre 1620 e 1624 foi aumentada a construção primitiva e foram iniciadas as obras da igreja nova. Entre 1676-1679 e 1685-1688, frei Bernardo de São Bento promoveu a ampliação das edificações; em 1695, foram feitas novas construções, que determinaram a configuração atual do conjunto. A igreja foi inaugurada em 1641; entre 1652 e 1657, foi iniciada a torre, no lado da Epístola; entre 1666-1669 foi construído o frontispício. Com novas ampliações e reformas, de alcance restrito, sem desfiguração do projeto original, o conjunto concluído no século XVIII é o que ainda hoje pode ser visitado, apesar de o convento só receber visitas do sexo masculino. Todo o conjunto sofreu diversas ocupações militares: pelos corsário franceses de Duguay-Trouin, em 1711, e pelos governos coloniais e imperiais, situação explicada por sua posição estratégica. A fachada maneirista, despojada e sóbria, apresenta frontispício pesado, encimado por uma cruz e ladeado por duas torres, que terminam em cúpulas em forma de pirâmides, com base quadrangular; na torre à direita, dois sinos de bronze, em arcadas de pés direitos diferentes, conferem uma nota especial de delicadeza ao conjunto. Este tom se prolonga nos três portões de ferro fundido, de 1880, trabalho requintado de serralheria, que fecham os arcos da entrada. No segundo andar, estão as três janelas do coro. à direita da igreja, encontra-se a entrada para o mosteiro. As extremidades do conjunto são guarnecidas por delicados alpendres, cobertos por singelos telhados; o alpendre à direita serve ao mosteiro e o da esquerda, à portaria do mosteiro. No nicho inserido no frontão que encima a portada coberta pelo alpendre direito, há uma imagem de São Bento, de 1651, de frei Agostinho de Jesus. Os grandes portões de ferro da igreja insinuam a féerie decorativa do seu interior. Ultrapassando-o, chega-se à galilé, com chão de mármore em desenhos geométricos, branco e preto, paredes guarnecidas por barras de azulejos coloridos, colocadas em 1880; o teto é em abóbadas de arestas, executado entre 1669-1671, por frei Bernardo de São Bento, alterando o projeto anterior, de Frias. As portas de acesso à nave, em madeira trabalhada em motivos piramidais, são de frei Domingos da Conceição da Silva, de 1671. À entrada, logo após as portas, há um pára-vento em talha dourada, com fundo vermelho, seguido por altares laterais, consagrados a Santa Mechtildes (esquerda) e Santa Gertrudes (direita), trabalhados em talha por José da Conceição e Simão da Cunha, entre 1734 e 1737. A atenção do visitante é de imediato atraída pela capela-mor e pelo arco-cruzeiro, ricamente decorados com talha de Inácio Ferreira Pinto, realizada entre 1786 e 1800. No altar-mor, destaca-se a imagem de Nossa Senhora de Monserrate, de frei Domingos da Conceição, com 237 cm, curiosamente esculpida a partir da cadeira em que está sentada; o Menino Jesus, em seu colo, tem o olho esquerdo vazado, detalhe que releva a prática antiga de preencher a cavidade ocular com ovos de passarinho. Esta imagem acredita-se ser a mesma que se encontrava na Capela de Nossa Senhora de Monserrate, em Jacarepaguá, na antiga fazenda dos beneditinos. Existem, ainda, à esquerda e à direita do altar-mor, as monumentais imagens de São Bento e de Santa Escolástica, do mesmo artista. Ainda na capela-mor, à entrada, estão dois anjos tocheiros, cada um com 202 cm, obra de Simão da Cunha e José da Conceição, elaborada entre 1734 e 1737. O chão da capela-mor é de mármore, com finos desenhos geométricos e rosáceas, nas cores bege, vermelho e preto. A talha dourada da capela-mor, sobre fundo vermelho, é completada no teto, por pinturas de frei Ricardo do Pillar (? séc. XVII-XVIII), dedicadas a Nossa Senhora. Percorrendo-se a igreja, a partir da porta principal, pelo lado esquerdo, fazendo-se o trajeto das naves laterais, é possível constatar a variação do piso de mármore, diferente das lajes de pedra da nave central, e visitar o Batistério, bastante recente, apesar de elementos decorativos da época, e as capelas laterais, ricamente decoradas em talha dourada. A primeira capela, com altar dourado, é dedicada a São Caetano; em seguida, está a consagrada a Nossa Senhora do Pilar, com imagem sobre pilar de prata lavrada e, logo após, a de Santo Amaro. Segue-se a rica e ampla capela dedicada ao Santíssimo Sacramento, isolada por grades de madeira trabalhada com requinte, toda revestida de talha dourada compondo um harmonioso conjunto rococó, com dois enormes anjos com luminárias ladeando o altar; substituiu a capela outrora dedicada a São Cristóvão, cuja imagem se encontra no Batistério. Do lado direito, a partir do altar-mor, as capelas são dedicadas a Nossa Senhora da Conceição, São Lourenço, Santa Gertrudes e São Brás, todas também trabalhadas em talha dourada. Na decoração do interior sobressaem, ainda, o órgão e o coro, que conta com peças preciosas em madeira, destacando-se a estante e os lampadários de

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prata, que iluminavam as capelas laterais, dois deles, os maiores, atribuídos ao Mestre Valentim. As lápides dos benfeitores da instituição, ainda existentes no chão da nave central, são simbolicamente mantidas, pois o piso foi reformado em 1845 e as sepulturas e lápides abolidas. Na ocasião, a grande lápide brasonada existente na antiga Capela de São Cristóvão, executada em honra ao fundador, Cristóvão Lopes Leitão, foi removida para o corredor central e regravada, indevidamente, como sepultura do doador Diogo de Brito e seus herdeiros. Originariamente, o interior do templo era decorado com pintura jaspeada, quer dizer, imitação de mármore, ainda visível nos capitéis das pilastras. A decoração atual, que provoca verdadeiro turbilhão de emoções, em madeira talhada, dourada a ouro em folhas, exigiu setenta anos para a sua conclusão. Apesar de a concepção original ter sido seguida à risca, sente-se, na execução, reflexo da evolução dos estilos de talha no Rio; o tema predominante é a folha de acanto, a videira, a coluna salomônica. Estes elementos, mais antigos, a princípio estão presos à parede e, ao longo do tempo, tendem ao encrespamento e à exaltação, indícios visíveis da influência do estilo Brito, da Igreja da Ordem Terceira da Penitência. As diferentes gerações de entalhadores do São Bento incluem os nomes do leigo Alexandre Machado Pereira (corpo da igreja, 1717), Mestre Valentim da Fonseca e Silva (lampadários de prata, 1782) e Inácio Ferreira Pinto (Capela-Mor e Capela do Santíssimo, 1787 a 1800). No meio destas fascinantes contorções douradas estão distribuídas estátuas dos papas, arcebispos, reis, imperadores e dos santos beneditinos, de autoria dos artífices José da Conceição da Silva e Simão da Cunha. Aos domingos, a missa solene, às 10 h, com canto gregoriano, é uma experiência única, em que o sentido religioso, transformado em pulsação estética extrema, exerce um efeito verdadeiramente arrebatador. A Ordem Beneditina mantém, juntos às construções históricas, um prédio que serve como centro de conferências e alojamento de visitantes e um tradicional colégio. Sua existência remonta a 1610, data das primeiras notícias de existência de pupilos junto aos religiosos. * Igreja da Santa Cruz dos Militares - No local, outrora à beira-mar, existiu um pequeno forte para a defesa da Baía de Guanabara, denominado Forte de Santa Cruz. Em ruínas no início do século XVII, o local foi cedido, em 1623, pelo governador Martim Sá (1623-1632), à irmandade dos Soldados da Guarnição do Rio de Janeiro, fundada em 1611, para que os militares construíssem uma ermida onde pudessem ser sepultados (o sepultamento no interior das igrejas só foi proibido em 1850). A obra foi concluída em 1628 e a igreja foi sagrada sob a invocação da Santa Vera Cruz. Em 1780, a irmandade decidiu erigir uma igreja definitiva, segundo projeto do brigadeiro José Custódio de Sá e Faria, obra terminada em 1811 e cuja sagração foi assistida por D. João, príncipe regente. A fachada da igreja, digna de destaque, segue o modelo da Igreja de Gesú, de Roma, com seus quatro nichos, duas volutas, doze pilastras e estátuas dos Evangelistas, assinalando uma influência tardia do estilo jesuítico romano no Brasil. O projeto arquitetônico apresenta a disposição clássica da planta com nave e dois corredores, uma sacristia e consistório, cercando uma capela-mor profunda. A decoração atual interior, toda branca, de efeito surpreendente, reúne estuque e talha em madeira, com discretos frisos dourados, figurando o emblema do Império, motivos florais, símbolos e condecorações militares, além de púlpitos com desenhos requintados. No altar-mor, decorado em estuque e madeira entalhada, composição leve e singela, cujos motivos decorativos foram inspirados no Martírio, Paixão e Morte de Cristo, destaca-se a imagem de Nossa Senhora da Piedade. Os altares laterais são consagrados a Nossa Senhora das Dores (direita) e São Pedro Gonçalves (esquerda). Na sacristia, duas imagens, de autoria desconhecida, são dignas de destaque: uma imagem de Cristo na Cruz, com impressionante distorção do corpo, e a que representa São José de Botas. * Praça Quinze de Novembro - O local recebeu diversos nomes, o primeiro, várzea, surgiu em função de sua situação geográfica em relação ao Morro do Castelo. A praça era, na sua origem, um descampado junto ao mar, que se estendia da Rua Direita até a Igreja de São José. Começou como largo situado diante da ermida de N. Sa. do Ó, onde se instalaram os primeiros carmelitas (em 1590) e que já fora ocupada pelos beneditinos. N. Sa. do Ó, nome provindo das antífonas cantadas nas cerimônias religiosas, cânticos que louvavam a Virgem Maria começando pela exclamação Oh!. É obscura a origem dessa ermida, em cujo terreno lateral que terminava na Rua da Cadeia. Os carmelitas iniciaram a construção do seu convento em 1619, durante muito tempo a maior construção da cidade. Em 1642, os carmelitas obtiveram da Câmara, mediante foro de 500 réis, a concessão do terreno; disputas posteriores levaram os frades à confirmação de seus direitos, mediante Carta Régia. Graças a ela tem a cidade o logradouro, hoje Praça XV de Novembro. A pequena ermida ruiu em dia de festa, soterrando dezenas de fiéis; em seu lugar, ergue-se então uma capela de maiores proporções em louvor de N. Sa. do Carmo e, ao seu lado, construiu-se a Igreja da Veneranda Ordem Terceira de N. Sa. do Monte do Carmo. O largo chamou-se, de início, do Rossio ou Rossio do Carmo, mas, para o povo, era o Terreiro da Polé, pois lá se encontrava o pelourinho ou, ainda, Terreiro do Ferreiro da Polé, porque nele se instalara o único ferreiro das proximidades. Onde era a ferraria ergueram-se, mais tarde, as casas dos Teles, cujo arco e fachada de uma delas - a do centro - chegaram aos nossos dias. A praça estendia-se da Rua Direita (hoje Primeiro de Março) à Igreja de São José, que ficava junto ao mar, juntamente com o mercado. O governador Gomes Freire de Andrada instalou no largo a sede do governo, erigindo uma casa. Tinha o nome de “casa” porque a metrópole proibira a designação de “palácio”, reservada às residências régias. A chegada da família real ao Rio de Janeiro em 1808 forçou, obviamente, a mudança da designação. Com o vice-rei Luís de Vasconcelos a praça ganha um chafariz, sob o projeto do Mestre Valentim. Ao cais, semelhante ao de Lisboa, acrescentou-se outro em 1902 que receberia o nome de Cais Pharoux. De 1894 é a inauguração da estátua eqüestre do general Osório. A Praça XV sofreu repetidas remodelações: a supressão do mercado, ajardinamentos, a instalação da estátua de D. João VI oferecida pelo governo português por ocasião do IV Centenário da Cidade, a modernização dos embarcadouros para Niterói e Paquetá, o cruzamento do elevado da Avenida Perimetral e da passarela de pedestres (removida na atual reforma - 1996/97). Durante o governo de D. João VI e o de D. Pedro I, a atual Praça XV denominava-se Largo do Paço. No segundo reinado mudou para D. Pedro II e, com o advento da República, tomou o nome atual. O destino fez com que ali embarcasse para o exílio, logo após a proclamação da República, o imperador D. Pedro II. O local recebeu diversos nomes: o primeiro várzea, surgiu em função de sua situação geográfica em relação ao Morro do Castelo; a praça na sua origem era um descampado junto ao mar. No século XVIII com a construção de um edifício para sede do governo e residência dos governadores fez com que a praça se tornasse local de desfile de carros alegóricos e festas com fogos de artifício. Tornou-se o Largo do Paço, no Império, nome alterado para Praça Quinze de Novembro, com a proclamação da República (1889).

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* Arco do Teles e Travessa do Comércio - No antigo Largo do Carmo, hoje Praça Quinze, foram levantados três prédios (Alpoim), no século XVIII, para Francisco Teles Menezes, dando acesso ao Beco do Comércio. Prédios de feição nobre com três pavimentos, teve sede o Senado da Câmara 1757-1790, até um violento incêndio. Depois de uma restauração foi tombado pelo IPHAN. A área simula uma viagem à atmosfera do Rio antigo, da cidade portuguesa com seus becos e calçados de pedras, suas casas tipo sobrados, comprimidas junto às calçadas estreitas, as paredes grossas e o pé direito elevado, insinuando padrões de construção de outros tempos. * Chafariz do Mestre Valentim - Gomes Freire de Andrada, conde de Bobadela, construiu o primeiro Chafariz da Pirâmide em 1747, tendo ficado pronto em 1752. No governo de D. Luís de Vasconcelos, removeram-no para junto do cais, cabendo a Mestre Valentim as obras, acreditando-se em obediência a um risco do engenheiro marechal Jacques Kunk, de 1780. Recente e minucioso trabalho de escavação, levou à restauração dos vestígios do velho cais, formando um conjunto com o chafariz, o que permite a clara percepção do contorno da área, junto ao mar, no final do século XVIII. O seu formato é de uma torre de quatro faces, sobre a qual repousa uma pirâmide de base quadrangular que trazia, outrora, as armas portuguesas em mármore, substituídas, em 1842, por uma esfera armilar, encimada pela coroa imperial, em bronze. Colunas circulares, arrematadas por coruchéus, correm ao longo dos cunhais do corpo principal do chafariz, destacando-lhe as faces. Na parte frontal há uma porta e uma inscrição. Nas outras faces, grandes conchas recebiam a água, que era coletada em tanques logo abaixo, sistema atualmente desativado. Os aterros e obras, realizados na praça ao longo dos últimos duzentos anos, afastaram-no do mar. As armas do vice-rei e as inscrições latinas na fachada principal foram concebidas por Mestre Valentim: “Sendo Rainha de Portugal Maria primeira, pia, ótima, augusta, tendo-se feito um desembarcadouro, quebrado com um grande cais a violência das ondas, refluentes, construídas as estações para o serviço público, transformado o largo e o chafariz, dandose-lhes disposição mais considerável e cômoda, com enorme despesa do erário real, a Luís de Vasconcelos e Souza que em quarto lugar administrou o vice-reino do Brasil, em cujo governo estas obras foram concluídas, o povo de Sebastianópolis, agradecido pelos seus tantos e tão grandes serviços, ergue este monumento aos vinte e nove de março de 1789”. A inscrição latina existente em seu lado posterior é: “Enquanto Phebo com ignífero carro os povos queima, Vasconcelos, com as águas, expele da cidade a sede. Phebo, retrocede já e, deixando a mansão celeste, esforça-te, é melhor, por ajudar o ilustre homem”. * Paço Imperial - Inaugurado em 1743 por Gomes Freire de Andrada, segundo o traçado do brigadeiro José Fernandes Pinto Alpoim, para servir de residência aos governadores da capitania e depois Casa dos Vice-reis. O local abrigava antes os Armazéns do Rei e a Casa da Moeda. Originalmente, possuía dois pavimentos em toda a extensão do quadrilátero, com entrada principal voltada para o mar e fundos para o Convento do Carmo. Observe-se a imponente portada de lioz da fachada principal, a seriação de janelas de púlpito com bacias de cantaria e guarda-corpos de ferro, o igual número de janelas do sobrado e as portas correspondentes do térreo. É, na verdade, o único prédio público colonial, legado pela arquitetura portuguesa da época, preservado na cidade do Rio de Janeiro. Com a chegada da família real (1808) passou a ser o Paço Real e após a Independência (1822), Paço Imperial. O edifício sofreu várias alterações. A primeira, à chegada do Príncipe Regente, quando o conde dos Arcos aumentou-lhe um terceiro andar na fachada principal, para os dois lados e fundos. Foi-lhe então acrescentado um passadiço que levava ao Convento do Carmo, tornado residência da Rainha Mãe Maria I. Logo após sua instalação, a família real considerou-o pouco confortável e se transferiu para a Quinta da Boa Vista, que passou a ser a residência do monarca até 1889. No segundo reinado, pesadas e deselegantes platibandas lhe foram acrescentadas sobre as cimalhas, encobrindo-se os telhados. Por fim, passou a edificação por novas alterações, quando foi completado o terceiro pavimento em todo o perímetro da edificação e quando foi construído o deselegante frontão pseudobarroco na fachada principal. A proclamação da República provocou o declínio do edifício que foi sede do Correios até 1982. Atualmente aberto a visitação, funciona como um centro cultural com múltiplas atividades (artes plásticas, palestras, vídeos, concertos, teatro, cinema). Acontecimentos de importância foram registrados em seu interior e arredores. A aclamação de D. João VI (1818), a coroação de D. Pedro I (1822), a coroação de D. Pedro II. No dia 9 de janeiro de 1822, o Dia do Fico; no dia 13 de maio de 1888 a princesa Isabel assinou a Lei Áurea. * Convento do Carmo (atual Faculdade Cândido Mendes) - A construção do Convento do Carmo, iniciada em 1611, fez com que a Praça XV recebesse os nomes de Terreiro do Carmo, Rossio do Carmo e Praça do Carmo. O edifício sofreu diversas reformas de ampliação; possuía, originariamente, dois andares e era colado à torre sineira da Capela do Carmo. Com a vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro (1808), o convento foi requisitado pelo príncipe regente D. João para servir como residência a rainha D. Maria I, fato que determinou a remodelação de suas instalações. Na mesma época, a capela do convento foi transformada em Capela Real. Em 1857, quando a Rua Sete de Setembro foi prolongada até a atual Praça XV, o convento e a capela foram separados; um passadiço de ferro, elevado, demolido em 1890, permitia o trânsito da família imperial entre as duas construções, longe da agitação da rua. As obras que alteraram profundamente a arquitetura do convento culminaram com a construção de um edifício comercial de 42 andares, inaugurado em 1982. * Igreja de Nossa Senhora do Carmo - Era a capela do Convento do Carmo. Originariamente , as duas construções estavam unidas, pois a Rua Sete de Setembro não chegava até a Praça XV, com já informamos. A igreja foi construída em 1761; em 1808, além de Capela Real, passou a ser também a Catedral (Sé) da cidade e, com o Império, foi transformada em Capela Imperial. Durante o reinado de D. Pedro II, a fachada foi reconstruída, segundo projeto do engenheiro-arquiteto Pedro Alexandre Cravoé, obra de influência neoclássica, descaracterizada por reforma realizada no início do século XX. Um detalhe interessante é a estátua da padroeira, ao alto. A decoração do interior do templo apresenta o revestimento de talha dourada, datado de 1785, de rara delicadeza, atribuído a Mestre Inácio Ferreira Pinto. O estilo é rococó e sua unidade prova que foi executado segundo um projeto de conjunto. A ornamentação da nave é dividida por pilastras de estilo coríntio e o arcocruzeiro é encimado por magnífico ornato recortado. A igreja tem sete altares atribuídos a Mestre Inácio; o maior impacto é, no entanto, provocado pelo altar-mor, cujo lado frontal e banqueta são de prata lavrada. O painel existente junto ao altar, belíssimo, é obra do pintor Antônio Parreiras e representa Nossa Senhora do Carmo entre nuvens, com os santos fundadores da Ordem. Na sacristia há uma bela imagem de Cristo na Cruz e um lavatório, em mármore trabalhado, com motivos diversos,

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principalmente florais, desenhados através de mosaico de mármore colorido. No seu interior aconteceram as festas mais importantes do Império. Neste igreja se casaram Dom Pedro e Dona Leopoldina de Habsburgo, se sagraram e foram coroados os dois imperadores. Foi a catedral metropolitana até 1976. * Igreja da Ordem Terceira do Carmo - A Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo (ou Monte Carmelo) foi criada, no Rio de Janeiro, em 1648, no Convento do Carmo. A princípio, a Ordem usava a capela do convento até que em 1669, ficou pronta, nos terrenos conventuais, aquela que serviria à própria congregação. Em 1754, a Ordem resolveu construir, no terreno atual do templo, a igreja da congregação, solenemente sagrada em 1770. Com a vinda da família real e a transformação do convento em residência real, foi construído um campanário provisório, de madeira, em uma das torres, em que os sinos do convento foram instalados. As torres, concluídas em 1849 e em 1850, são imponentes e possuem revstimento de azulejos azuis. A fachada de pedra, que prenuncia o estilo neoclássico, tem uma portada das mais belas do Rio de Janeiro colonial, com uma linha de composição típica do século XVIII. A decoração é fitomorfa, em margaridas, flor característica do período. Um medalhão de mármore de lioz, feito em Lisboa, com uma imagem de Nossa Senhora do Carmo, o Menino Jesus ao colo, entregando o escapulário do Carmo a São Simão Stock, completa a sua decoração. O frontispício, em cantaria, tem um corpo central mais saliente e separado das torres por pilastras de capitéis jônicos; estes, sustentam um entablamento, sobre o qual repousa um frontão, delicadamente curvo, com o relógio no tímpano e encimado por uma cruz. Três sacadas, com pardieiras recurvadas, contribuem para destacar a elegância da portada principal. A decoração do interior tem seu ponto alto na excelente talha, pintada de branco, prática usual nas igrejas consagradas à Virgem. O altar-mor, assim como a capela-mor, são do século XVIII e atribuídos a Luís da Fonseca e Silva (segundo o historiador Manuel de Araújo Porto Alegre, o Mestre Valentim da Fonseca e Silva), enquanto a nave e o arco cruzeiro são do século XIX e de autoria de Antônio de Pádua e Castro (1885). São seis altares, todos com imagens de Cristo, simbolizando os passos de sua Paixão, esculpidas por Pedro Luiz da Cunha. No trono, no altar-mor, está a imagem de Nossa Senhora do Monte do Caro, ladeada por uma imagem espanhola de Santa Tereza (nicho à esquerda) e uma rara imagem de Santa Emerenciana, mãe de Santana, de origem ibérica (nicho à direita). O frontal desse altar, de 1738, é de prata maciça, finamente trabalhada; do mesmo material são a banqueta e demais objetos de culto, feitos por Antônio Gomes da Silva, em 1820. Seis lampadários de grande beleza, também em prata, ornamentam a igreja. A sacristia, atingida por um corredor à esquerda, conta com um belo lavatório de mármore, esculpido em estilo barroco, com golfinhos na base. Um pequeno nicho, recentemente restaurado, abriga a delicada imagem de Nossa Senhora do Cabo da Boa Esperança (ou Nossa Senhora da Boa Viagem), outrora exposta no oratório existente nos fundos da igreja. Um pouco adiante, seguindo o corredor do fundo, a partir da sacristia, encontra-se a mais importante relíquia da igreja: a magnífica Capela do Noviciado. O pequeno cômodo, inteiramente recoberto de talha pintada de branco e ouro, de 1852, mas executada no final do século XVIII, tem as torêuticas do altar-mor e do pequeno altar de Nossa Senhora das Dores atribuídas ao Mestre Valentim. O altar-mor, executado em 1772-1773, é de estilo rococó, com ornamentos dissimétricos muito graciosos. O conjunto da capela, mais pesado, denota o fim do século, com as grandes pilastras de estilo coríntio que prenunciam a influência neoclássica. * Beco dos Barbeiros - Estreita passagem que liga a Rua Primeiro de Março à Rua do Carmo, calçada com grandes blocos de pedra, onde podem ser observadas pitorescas calhas de ferro trabalhado para o escoamento das águas pluviais da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, com carrancas esculpidas nas pontas. O beco deve seu nome ao fato de ter sido ocupado, quando da abertura da passagem, durante a construção da igreja, por negros barbeiros ambulantes. * Oratório de Nossa Senhora do Cabo da Boa Esperança - Sobre o corredor que separa as duas igrejas, a da Ordem Terceira e a do Carmo, encontra-se o último oratório público de rua que resta na cidade, construções comuns no período colonial, quando podiam ser contados mais de setenta no Rio de Janeiro. Trata-se de uma arcada de cantaria e alvenaria, trabalhada com volutas, coruchéus e motivos geométricos, decorada com azulejos franceses, onde ficava abrigada a imagem. À frente, uma lâmpada, outrora acesa com óleo de peixe, servia à fé e à iluminação da rua. A imagem original está recolhida à sacristia da Igreja da Ordem Terceira, como ficou dito. Este oratório estava localizado, originalmente, no Morro do Castelo. * Igreja de São José - O templo, profundamente modificado, é um dos primeiros da cidade, apesar de sua história dificilmente poder ser restabelecida, em virtude do desaparecimento de seus documentos durante a invasão do Rio de Janeiro por Duguay-Troin, em 1711. Segundo a tradição, certo Egas Moniz teria fundado, no início do século XVII, uma ermida consagrada a São José, à beira da praia, com os fundos para o mar. Apesar das incertezas, a capela e a irmandade comprovadamente já existiam antes de 1630; o templo foi reedificado em 1643, ficando a capela-mor quase dentro d’água. Sua importância crescente fez com que, em meados do século XVII, a Rua do Antônio Nabo, também conhecida como caminho para Santo Antônio ou para o porto, passasse a ser conhecida como Rua São José. O templo atual foi erguido no início do século XIX, em estilo colonial. A primeira pedra foi lançada em 1808, mas as obras, seguindo o projeto de Félix José de Souza, modificado posteriormente pelo arquiteto João da Silva Muniz, só foram concluídas em 1824. A fachada revela que a igreja observa planta das mais freqüentes a partir do século XVIII, com dois corredores laterais, providos de tribunas, e sacristia ao fundo, atravessada. Segue a arquitetura de dois tons, com pilastras, cornijas e cunhais de cantaria destacando-se sobre o branco da cal das paredes. Os dois andares do interior aparecem traduzidos nas janelas dos corredores e das tribunas e na porta que dá acesso à nave central. Coroando a fachada, estão as duas torres sineiras, encimadas por bulbos brancos, cercados por coruchéus da cantaria sem balaustrada. O carrilhão da igreja é o mais famoso da cidade, conhecido por tocar hinos e músicas populares. Separando as duas torres, há um ático central em cantaria e alvenaria, ladeado por dois coruchéus. O interior da igreja obedece a vários estilos e não chega a constituir patrimônio artístico notável. A talha, em estilo rococó tardio bem pesado, é do Mestre Simão José de Nazareth, que teria sido discípulo do Mestre Valentim. O altar-mor tem como ponto de destaque uma grande imagem de São José. Os quatro altares laterais têm imagens de São Miguel e Santo Expedito, Nossa Senhora do Amparo e Santa Terezinha do Menino Jesus (direita) e do Sagrado Coração e São Sebastião (esquerda). Há um ritual tradicional de veneração a São José, no espaço atrás do altar: é o nicho dedicado ao trânsito de São

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José com sua imagem em tamanho natural, representando-o, moribundo, no leito, ladeada por imagens de Nosso Senhor e da Virgem Maria, também em tamanho natural. * Palácio Tiradentes - Construído de 1922 a 1926, erguido na área ocupada, a partir de 1640, pela Câmara da Cidade e pela Cadeia, local onde Tiradentes ficou preso enquanto aguardava sua execução na forca. Estilo eclético sob inspiração neo-grega. O desejo de seus idealizadores foi o de construir um prédio que desse a impressão de um templo, atitude condizente com as idéias positivistas que predominaram na República Velha (1889-1930) e com o desejo de homenagear o Poder Legislativo, pois sua inauguração ocorreu durante a legislatura que comemorou o seu centenário (1826-1926). A estátua de Tiradentes erguida, à sua frente, fica no local da sua antiga cela. O trabalho parece sem autenticidade, uma vez que Tiradentes não poderia estar de barba e cabelos longos já que seria executado na forca. Como sua figura foi reabilitada pelos republicanos, acredita-se que tenham desejado representá-lo como mártir, associando-o a figura de Cristo. * Rua e Largo da Carioca - A história da rua se confunde com a do largo onde ela começa. Nos tempos da fundação da cidade, a área do largo, ao pé do Morro de Santo Antônio (por alguns chamado de Morro do Carmo), era uma grande lagoa, que se estendia até a Cinelândia, cercada por alagadiços; era hábito dos índios, então, banharem-se em suas águas. A rua começou a surgir por volta de 1697/1698, com casas somente do lado par, por causa da cerca do convento de Santo Antônio no lado ímpar, ao pé do morro, chamando-se, inicialmente, Rua do Egito, em razão de um oratório que nela existiu, dedicada à fuga da Sagrada Família para o Egito. Com a construção de um hospital pela Ordem Terceira da Penitência (1763) na face sul do largo, entre a Rua do Piolho e a ladeira de acesso às duas igrejas - demolido durante a reforma do prefeito Pereira Passos começaram a surgir as casas do lado esquerdo, entre as quais as que pertenciam ao Piolho, morador célebre, cujo nome verdadeiro se perdeu, que andava pelos cartórios à busca das causas, como “piolho em costura”, levando a rua a ser chamada de Rua do Piolho. Segundo outros, esta denominação poderia estar ligada aos “piolhos”, carros transportadores de água, que por ela transitavam depois de abastecerem-se no chafariz do largo vizinho. No século XVIII, a lagoa foi aterrada completamente, definindo-se o largo. Havia também, na mesma região do hospital, um cemitério para escravos, mantido pelo Convento de Santo Antônio até o século XVIII. Em 1723, no governo de Aires de Saldanha, o largo recebeu o primeiro chafariz da cidade: o Chafariz da Carioca, abastecido com água do Rio Carioca que, até então, os moradores iam buscar em canoas na foz, na Praia do Flamengo, ou a pé e em lombo de burros, em Laranjeiras. O governador Gomes Freire de Andrada substituiu os Arcos Velhos que levavam água do Rio Carioca diretamente para o chafariz por um novo aqueduto, solidamente construído, de traçado mais racional, ligando diretamente o Morro do Desterro (de Santa Teresa) ao de Santo Antônio. Surgiu assim a obra majestosa que perdura até os dias presentes, os Arcos da Carioca, atualmente utilizados como viaduto para a passagem dos bondes de Santa Teresa. De estilo romano, constituída por uma dupla arcada de quarenta e dois arcos é a obra mais monumental empreendida no Rio de Janeiro durante os tempos coloniais. Iniciados em 1744, ficaram os Arcos concluídos em 1750. O chafariz foi refeito no século XIX, com desenho neoclássico do arquiteto francês Grandjean de Montigny, mas foi derrubado pelo prefeito Alaor Prata (1922/1927). No século XIX, ali se construiu o prédio do Teatro Lírico (erguido em 1857 e demolido em 1933) e o da Imprensa Nacional, demolido em 1938. A partir de 1848 a rua e o largo passaram a ser da Carioca, revelando a importância do rio para a cidade. Muito estreita, a Rua da Carioca adquiriu a aparência atual com a urbanização promovida pelo prefeito Pereira Passos, em 1903. Hoje, com algumas de suas fachadas antigas restauradas, a rua apresenta interessante contraste arquitetônico: do lado ímpar, não atingido pela reforma de Passos, predominam as construções do século XIX, evocando tendências entre o neoclássico e o ecletismo, grosso modo; do lado par, refeito em 1903, o ecletismo e o art nouveau. Também a altura dos prédios traduz as diferentes épocas: os mais antigos têm, em geral, dois andares, os mais novos, três. Vale destacar, no número 64, o Cine Ideal, inaugurado a 2 de outubro de 1909, cine-teatro depois de 1926, um dos mais importantes da cidade na primeira metade do século. Seu salão de espetáculos, com deslumbrante barra de azulejos decorados ingleses, notável escadaria de ferro e bronze, tem pitoresca cúpula de 200 m2, que abria em duas partes para a entrada da brisa e do luar. Funcionou como cinema até os anos qinqüenta, época em que passou a abrigar uma sapataria, até o início de sua restauração, em 1988. Apesar de muitas remodelações, o Largo da Carioca, quase inteiramente cercado por grandes edifícios comerciais, apresenta alguns detalhes gerais de sua aparência no início do século: o relógio da Carioca, um delicado chafariz e antigos postes de luz, de inspiração francesa. O Morro de Santo Antônio quase desapareceu em conseqüência de diversas obras de desmonte. Resta dele, hoje, o mínimo necessário para a estabilidade das construções religiosas históricas que abriga e, nos fundos, uma amostra que dá uma pálida idéia de como devia ser, antes do desmonte. * Conjunto Arquitetônico do Morro de Santo Antônio - Uma das mais belas imagens do Centro do Rio é o conjunto arquitetônico colonial do Morro de Santo Antônio. Emoldurado por prédios gigantescos, que a verticalização acelerada da cidade gerou nos últimos anos, o quadro sintetiza visualmente, de forma contundente, a história da ocupação da área. Tratase de um complexo formado pela Igreja e o Convento de Santo Antônio e pela Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência (a Ordem Terceira da Penitência prosperou grandemente no Rio de Janeiro, contando sempre entre seus membros com personalidades de prestígio e posses). O morro fronteiro à lagoa chamou-se inicialmente Crispim da Costa, nome de seu primeiro proprietário. Este o doou aos carmelitas, que ali pousaram por pouco tempo. Os franciscanos, não satisfeitos com o terreno que lhes havia sido doado na praia de Santa Luzia, obtiveram em permuta o Morro do Carmo, assim chamado por ter sido anteriormente reservado à Ordem dos Carmelitas. Nesta ocasião, foi-lhe devolvido o nome primitivo: Morro de Santo Antônio - uma vez que Crispim da Costa e sua mulher, Isabel de Marins, haviam mandado levantar anteriormente em suas terras, à margem da lagoa, uma ermida posta sob a invocação de Santo Antônio. Os primeiros frades franciscanos que chegaram ao Rio de Janeiro em 1592, vindos do Espírito Santo, chefiados por frei Antônio das Chagas, receberam em doação, em 1607, o Morro do Carmo. Frei Vicente Salvador (1567-1636) iniciou as obras do convento e da igreja, sendo a pedra fundamental levada até o cimo, em procissão solene, nos ombros do governador Afonso de Albuquerque (1608-1614) e de outros fidalgos. Já em 7 de fevereiro de 1615 os religiosos passaram a ocupar as novas instalações. A Igreja de Santo Antônio é do início do século XVII, apesar de ter sofrido várias modificações de 1697 a 1920. A partir deste último ano, sofreu diversas restaurações para recompor as características originais. A igreja não possui torre; uma platibanda com

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três arcadas à esquerda, dá um toque peculiar à sua fachada, que é uma construção simples, de alvenaria, com finas pilastras de cantaria encimadas por coruchéus, com frontispício terminado por singelas formas sinuosas, também de cantaria. Os sinos estão instalados nas arcadas duplas, no telhado do convento, próximas do beiral, ao lado da igreja. No pórtico que dá acesso à portaria, um nicho de granito guarda a famosa imagem do Santo Antônio do Relento, constituindo-se em oratório concebido para a devoção e servindo, outrora, para a iluminação. Conta-se que, durante a invasão francesa de 1710, esta imagem foi colocada sobre a murada do convento e, por ter inspirado a reação ao ataque dos corsários, recebeu a patente de capitão de infantaria, com soldo. E, 1810, o príncipe regente D. João promoveu-a a sargento-mor e, em 1814, a tenente-coronel; o pagamento de soldo só foi abolido em 1911. Seguindo a tradição franciscana, a igreja não tem altares ou capelas laterais. A decoração barroca está concentrada na capela-mor, completamente recoberta de talha, no altar-mor, consagrado a Santo Antônio, e nos dois altares-cruzeiro, consagrados a Nossa Senhora da Conceição e a São Francisco. Os três altares são de tipo românico, com arquivolta, datam do início do século XVIII e, apesar de um pouco alterados na remodelação de 1920, revelam um estilo barroco fitomorfo, já totalmente evoluído, com folhas de acanto, cachos de uvas, folhas de parreira e meninos, decoração abundante, solução que só tem similar nas duas capelas de entrada da Igreja de São Bento. A base da talha da capela-mor é vermelha, a dos altares-cruzeiro e do púlpito é azul. A balaustrada do coro apresenta a curiosidade de ter, esculpidos, os bustos dos santos franciscanos mártires do Japão. Os tubos do órgão, fabricados pelos técnicos alemães Berner e Moehler, inaugurado em 1932, estão distribuídos pelas paredes laterais da igreja, em caixas ornadas com talhas. Os seis anjos existentes nas caixas são os únicos vestígios do órgão original, do século XVIII, em estilo barroco. Grandes pinturas, com cercadura de talha, retangulares e octogonais, contando a vida de Santo Antônio, e dois anjos com luminárias, próximos ao altar-mor, completam a decoração da capela-mor. Os confessionários apresentam delicado trabalho em madeira. À esquerda de quem entra no vestíbulo, está a porta do claustro do Convento de Santo Antônio, que dá acesso a um pátio interno, com jardim, e pequenas capelas, delicadas e pitorescas, destacando-se as de Nossa Senhora das Dores, da Imaculada Conceição e as dedicadas ao nascimento e à morte de São Francisco de Assis. Ainda no pátio, no chão, algumas lápides assinalam o sepultamento de personalidades significativas para a história do convento. A sacristia do convento, do lado direito, ao fundo, para quem entra no pátio atrás da igreja, é considerada uma das mais belas do Rio de Janeiro. O chão é de mármore policrômico, os móveis são de jacarandá, destacando um arcaz do século XVIII. Delicados painéis de azulejos portugueses e pinturas a óleo contam passagens da vida de Santo Antônio. Um lavatório, de mármore e pedra sabão, reúne, com arte, quatro golfinhos e a estátua da Pureza. Do lado direito da sacristia, após um pátio ajardinado cuja principal curiosidade é um poço antigo, hoje sem uso, está o Mausoléu. No local já estiveram os restos mortais de D. Pedro I e de D. Leopoldina; existem, ainda, túmulos de infantes do Império, destacando-se os de D. João Carlos Bartolomeu (1821-1822), filho de D. Pedro I e de D. Leopoldina, D. Antônio Afonso (1845-1847) e D. Afonso (1848-1850), filhos de D. Pedro II e D. Teresa Cristina. A Igreja da Ordem Terceira da Penitência, paralela à igreja conventual, à direita, foi iniciada em princípios do século XVIII e concluída em 1736, quando se fazia a decoração de seu interior. A Ordem dos Terceiros de São Francisco da Penitência, instituída em 1619, foi a primeira ordem deste tipo a surgir na cidade. Contara, a princípio, com uma pequena capela, perpendicular à igreja do convento de Santo Antônio, substituída por outra maior, ao lado dele, em 1657, e que desapareceu para a construção da igreja atual. A fachada é borromínica, com a estrutura da planta de corredores transparecendo nos três corpos da alvenaria, arrematados por colunas de cantaria encimadas por coruchéus. As três portas principais possuem portadas em mármore de lioz e as seis janelas apresentam grades antigas. Na igreja não há torres ou sinos, devido à proximidade do convento, nem sempre pacífica, ao longo da história. Ainda hoje, a capela primitiva da Ordem Terceira, visível para quem está no interior da igreja conventual, à direita do altar-mor, permanece fechada por grades e cortinas, devido aos atritos entre a Ordem Terceira e os franciscanos. o acesso à capela só é possível através da igreja da Ordem Terceira. Em contraste com o despojamento da Igreja de Santo Antônio e até mesmo com a singeleza de seu próprio frontispício, apresenta uma decoração barroca, inteiramente recoberta por talha dourada. Durante os trabalhos de restauração, iniciados em 1988, descobriu-se que o revestimento em ouro recobre apenas o entalhamento e não os elementos antropomorfos, tais como anjos, querubins e medalhões, cuja pintura é policrômica, e que tiveram a carnação coberta por purpurina em época recente. Trata-se de uma das melhores obras de decoração religiosa do país, a mais importante do Rio de Janeiro. Os contratos existentes nos arquivos revelam que a decoração foi realizada entre 1726 e 1743. A talha é de Manuel de Brito e de Francisco Manuel de Brito, que introduziram no Rio de Janeiro e, a seguir, em Minas Gerais, o barroco de Lisboa da época de D. João V. Esses trabalhos em madeira são um marco capital na história da talha brasileira; constituem um dos mais preciosos conjuntos do país, especialmente por sua unidade de feitura, pois, apesar de não se saber qual a relação existente entre os dois entalhadores, de mesmo sobrenome, seus estilos são muito semelhantes, com uma beleza puramente formal, intelectualizada, que fala menos à sensação, mais à razão. Por isto, considera-se a igreja uma obra-prima da Escola de Lisboa, apesar de suas datas fazerem com que seja muito precoce, até para Lisboa. Os motivos são o acanto, os concheados, os elementos fitomorfos e antropomorfos e as esculturas em vulto; é o barroco português influenciado pelo rococó. Apesar de suas pequenas dimensões, a igreja, com a finíssima talha que cobre completamente seu interior, dilui e destaca as pinturas e estátuas distribuídas, com parcimônia, pelas paredes e teto. A douração e as pinturas são de Manuel da Costa Coelho. A estrutura arquitetônica da igreja é simples; a nave tem dimensões restritas e é retangular, características que se repetem na capela-mor. “Forrada de ouro”, a nave tem paredes laterais que se correspondem, simetricamente, com rigor geométrico. Ao alto, apresentam, ao todo, oito painéis pintados dentro de molduras e mais dois maiores, na passagem para o recinto do coro, espaço que é deixado livre pelas tribunas. Embaixo, nos lugares correspondentes às tribunas mais próximas à capela-mor, estão os dois púlpitos. A talha entre os altares laterais e a cimalha e, pelo menos, de um dos púlpitos e do coro, com pendentes de folhagens ou flores, características da época, é toda de Manuel de Brito e data da primeira metade do século XVIII. A marca principal do entalhador é o uso de medalhões no centro dos painéis que cobrem as paredes. De Francisco Xavier de Brito, o arco-cruzeiro, na passagem entre a nave e a capela-mor, é coroado por uma grande tarja, ladeada por dois anjos, cujos corpos são maiores que o natural humano. O altar-mor, de Manuel de Brito, de 1726, conta com quatro colunas torsas, duas de cada lado, uma em plano um pouco à frente da outra, com grandes flores e folhagens envolvendo as espirais dos fustes. As colunas sustentam o dossel e o coroamento do retábulo, encimado por serafins e dois anjos, que ladeiam a figura de Deus-Padre. A restauração iniciada em 1988 restabeleceu o colorido original da mesa do altar, que não é totalmente dourada, mas tem impressionante base em forte tom de azul. A igreja possui imagens de grande beleza e valor artístico: sobre o altar, em primeiro plano, há

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uma antiga imagem de Nossa Senhora da Conceição e, no trono, imagens de São Francisco de Assis e do Senhor Crucificado, que formam uma notável composição, sublinhada pelo esplendor dourado, sobre fundo vermelho escuro. O chão da capelamor e a base do altar são revestidos de mosaico de mármore, nas cores branca, preta e amarelada, formando delicados desenhos de ramagens. No início do piso superior da capela-mor existem dois tocheiros dourados, datados de 1776, de três braços, bastante raros, à entrada; ao alto, dois dragões, de inspiração chinesa e muito ao gosto barroco, sustentam lampadários. Na grade da capela-mor, embutidos de mosaico de mármore apresentam singelos desenhos em branco, preto e avermelhado. No interior da nave. os seis altares laterais dominam, com os púlpitos, o espaço. São consagrados à direita, a Santa Rosa Viterbo, São Gonçalo de Amarante e São Vicente Ferrer e, à esquerda, a São Ivo, São Roque e a Santa Isabel de Portugal. A pintura, imitando mosaico de mármore nos alizares, segundo um gosto que remonta ao Renascimento italiano, e a pintura do teto, representando a glorificação de São Francisco de Assis, são detalhes notáveis da decoração. Essa pintura do teto foi realizada por Caetano Costa Coelho, entre 1737 e 1740, e é impressionante o efeito, em perspectiva, que domina a composição nos bordos da pintura, lançando mão de um espaço bem maior do que a visão celestial ao centro, envolta em azul esverdeado. Entre os altares laterais, existem, nos dois lados da nave, as imagens de São Luís dos Franceses, Santa Delfina e São Gualter Bispo e de São Lúcio, Santa Bona e São Elisário. A balaustrada do coro, dourada, tem cariátides e ânforas neoclássicas, estas últimas, peças que, outrora, eram usadas como ornamentos dos andores da procissão das cinzas. O acesso ao coro é feito pelo consistório; sua principal curiosidade é a pintura do forro, atribuída a Caetano da Costa Coelho, na qual predomina o colorido quente. A obra despertou a atenção de Jean Baptiste Debret; apresenta características estilísticas do barroco inicial, com a indumentária de muitas figuras remontando ao quinhentismo italiano. A sacristia e o salão nobre da igreja contam com inúmeras obras de arte. As principais curiosidades são a pintura do centro do teto da sacristia, da segunda metade do século XVIII, de autoria não definida, em estilo rococó, representando um papa que recebe, em um cálice, o sangue do padroeiro, que jorra de seu corpo no céu, e o excelente mobiliário, em jacarandá. Há um grande arcaz de 1780, encimado por altar com três nichos, embutido na parede e nove armários altos, do século XVIII, também embutidos, em madeira trabalhada com notáveis desenhos geométricos. Todos os armários contam com placas de chaves originais, em bronze dourado, reproduzindo desenho lisboeta do século XVIII, com volutas e pontas, encimadas pela Cruz da Ordem de Cristo. Existem, ainda, telas a óleo retratando benfeitores da Ordem, entre eles D. Pedro II e D. Teresa Cristina, móveis em estilo D. João V, porcelana chinesa e lavabo em mármore de lioz, outrora pia batismal. Seguindo o corredor à esquerda da entrada da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência encontra-se a Capela de Nossa Senhora da Conceição. Foi a capela primitiva da Ordem Terceira, suas obras foram iniciadas em 1619, sendo inaugurada em 1622. Deixou de ser usada ainda no século XVII, sendo substituída por uma igreja maior, que desapareceu no século XVIII para a construção do templo atual. Recoberta de talha dourada, executada por Manuel de Brito e Francisco Xavier de Brito, realizada à época em que foi feita a decoração da igreja da Ordem, a capela não apresenta vestígios de sua aparência original. Chegou mesmo a sofrer alteração violenta em sua decoração barroca: a maior parte da talha da parede à direita foi destruída, para a colocação, em 1817, do túmulo, de 3 metros de altura, do príncipe espanhol D. Pedro Carlos de Bourbon e Bragança, genro e sobrinho de D. João V, falecido em 1812, no Rio. A talha parietal, de Manuel de Brito, em painéis retangulares, tem, no centro, símbolos relativos a Maria. Ao alto, nos dois lados, episódios da vida da Virgem são reproduzidos em quatro pinturas sobre madeira. O altar atribuído a Francisco Xavier de Brito, tem dossel ladeado pelas figuras da Fé e da Esperança. Apresenta quatro pilastras de grandes volutas, ao invés das colunas torsas que caracterizam a igreja. Nas volutas inferiores estão sentados os quatro Evangelistas, feitos em vulto. No trono, há uma grande imagem antiga de Nossa Senhora da Conceição. Separando esta Capela da Igreja de Santo Antônio, existe uma grade de ferro torneada, feita em 1732 pelo irmão serralheiro Manuel da Cruz. O teto da capela tem pintura dedicada a Nossa Senhora da Conceição, de data posterior à da talha. A entrada antiga da capela, pela igreja conventual, é marcada por um arco de talha, atribuído a Manuel de Brito, de notável plasticidade, com ramagens, volutas e concheados, na parte externa, e buquê de flores, em pendentes, no intradorso. * Largo de São Francisco de Paula - Até o século XVII, a região do Centro, para além da Rua da Vala (atual Uruguaiana), era conhecida como Campo da Cidade, planície alagadiça, inculta e desabitada, usada como pasto e vazadouro de lixo. No século seguinte começou a ser ocupada graças à construção da Igreja do Rosário e São Benedito e do Cemitério e Capela de São Domingos. A partir daí a região passou a se chamar Campo de São Domingos, sendo dividida em terrenos, ganhando ruas e largos, abrangendo as terras que iam das atuais Praça da República até a Rua Uruguaiana e da Praça Mauá até a Rua do Senado. Posteriormente, recebeu a denominação de Rossio e foi dividida em vários “campos”, dentre eles o Campo do Rosário ou da Lampadosa, no espaço ocupado hoje pelo Largo de São Francisco e Praça Tiradentes. A ocupação do Largo de São Francisco se intensificou a partir da decisão do Cabido de ali construir uma nova catedral (Sé) para a cidade. A pedra fundamental foi lançada em 1749; as obras foram interrompidas logo depois e retomadas a partir de 1796. A demora na construção da nova Sé foi tanta que gerou a expressão “Obras da Sé” como sinônimo de coisa difícil e de realização arrastada. Em 1808, a igreja ainda não estava terminada; dois anos depois, o governo decidiu usar o seu arcabouço para abrigar a Academia Real Militar. O prédio, que domina o Largo de São Francisco, abrigou a Escola Central, depois Escola Politécnica, mais tarde Escola Nacional de Engenharia. Atualmente, funciona no edifício o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Seu detalhe mais imponente é o bloco central, em que se destaca o pórtico neoclássico, estilo escolhido para a remodelação que sofreu no Primeiro Reinado, concluída em 1835. Diversas obras desfiguraram o edifício. * Igreja de São Francisco de Paula - A venerável Ordem Terceira dos Mínimos de São Francisco de Paula foi instituída em 1756, pelo bispo do Rio de Janeiro, D. Antônio do Desterro, e esteve abrigada na Igreja Santa Cruz dos Militares. A partir de 1757 passou a funcionar em ermida própria, construída no lugar em que está localizado o altar-mor da igreja atual, cuja pedra fundamental foi lançada em 1759. A arquitetura do templo foi concluída em 1801, apesar de o frontispício ser posterior; caracteriza-se por duas torres, com bases quadradas, separadas por um corpo, com frontão curvilíneo, que assenta sobre entablamento de cantaria sustentado por pilastras de ordem toscana. As torres têm cunhais de cantaria, em pilastras arrematadas por coruchéus. São cobertas por bulbos revestidos de azulejos coloridos; têm quatro sineiras e um relógio cada uma. as portas da igreja, impressionantes peças de madeira trabalhada atribuídas a Antônio de Pádua e Castro, já transmitem a sensação de monumentalidade que caracteriza o seu interior. A cancela de ferro batido, que guarnece a entrada, tem

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desenho barroco do italiano Oreste Fabbri. O interior do templo, todo revestido de talha, aproxima-se, estilisticamente, do neoclassicismo, obedecendo à planta clássica de dois corredores. Dez enormes colunas coríntias, cinco de cada lado, sustentam um entablamento que, percorrendo toda a igreja, recebe as impostas dos arcos da abóbada da nave e da capelamor, para se encurvar para baixo quando se aproxima do altar-mor. As colunas são riscada, do capitel à base, por caneluras, com ornamentação de festões e guirlandas. O intradorso da abóbada é recoberto por florões. o arco-cruzeiro já se destaca claramente como elemento construtivo, com suas impostas nascendo de grandes ábacos, sustentados por consolos. A diluição do delírio barroco faz com que, através da decoração rarefeita, que não recobre completamente os interiores, seja vislumbrada a estrutura do templo, agigantada e sóbria. A decoração de talha é pesada, sendo a do altar-mor e da Capela de Nossa Senhora da Vitória, de autoria do Mestre Valentim da Fonseca e Silva. O coro e suas quartelas, os altares laterais, as mísulas e os consolos foram executados depois de 1855 por Mestre Antônio de Pádua e Castro. A nota dominante, assim, é o neoclassicismo, considerando-se os trabalhos de Mestre Valentim como expressões de sua última fase, em que há uma forte inclinação neoclássica. O altar-mor tem a imagem do padroeiro no trono; os elementos rococó subsistem apenas no coroamento, achatando-se em seguida e perdendo a delicadeza. os altares laterais, consagrados a São João, São Francisco Sales e Nossa Senhora da Conceição, à direita, São José, São Miguel Arcanjo e Nossa Senhora das Dores, à esquerda, ilustram o final do uso da talha na arquitetura brasileira. Os vitrais, por trás do coro, vieram de Munique e representam fases da vida de São Francisco de Paula. Merecem destaque os dois púlpitos em madeira trabalhada, encimados por estátuas, com impressionante abafa-voz. À direita de quem entra no templo, no fundo do corredor, está situada a Capela de Nossa Senhora da Vitória, toda recoberta de talha de autoria do Mestre Valentim, sem atingir, no entanto, a maestria comovedora da Capela do Noviciado do Carmo. As pinturas das paredes da capela foram feitas por Manoel da Cunha, escravo do cônego Januário da Cunha Barbosa (178-1846), figura ativa no movimento da independência. o escravo chegou a aperfeiçoar sua técnica na Europa e acabou por comprar sua liberdade com a renda obtida pela venda de seus quadros. A sacristia, no final do corredor, à esquerda, tem lavatório de mármore, finamente trabalhado com mosaico de cores variadas, figuras esculpidas e torneiras de bronze representando golfinhos. Nos fundos da igreja existe um pequeno jardim com chafariz veneziano, chamado Adro Cardeal Jaime Câmara, homenagem ao arcebispo do Rio de Janeiro em 1943 e Cardeal a partir de 1946. Diversos acontecimentos históricos estão inscritos na história da igreja: a realização de solene Te-Deum para celebrar a elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarve, em 16 de dezembro de 1815; solenidade da comemoração do aniversário do juramento à Constituição Brasileira, a 25 de março de 1831, a que D. Pedro I, às vésperas da abdicação, compareceu de surpresa; a festa da comemoração oficial da conclusão da obra da igreja, à qual compareceram D. Pedro II e D. Teresa Cristina, Protetores Perpétuos da Ordem Terceira dos Mínimos de São Francisco de Paula, e que contou com a música de uma orquestra regida por Francisco Manuel da Silva (1795-1865), autor do Hino Nacional...

* Bibliografia — CARVALHO, Delgado de. História da Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1988. — COARACY, Vivaldo. Memórias da Cidade do Rio de Janeiro. São Paulo: EDUSP; Belo Horizonte: Itatiaia, 1988. — GERSON, Brasil. História das Ruas do Rio. Rio de Janeiro: Liv. Brasiliana Editora, 1965. — Mapa levantado pelo sargento-mor de engenheiros Francisco José Roscio e apresentado em 6 de janeiro de 1770 com o fim de se levantar uma trincheira de fortificação à cidade do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.almacarioca.com.br/imagem/fotos/rioantigo2/fotoa219.jpg. Acesso em: 16 dez 2015. — Rio Antigo: roteiro turístico-cultural do centro da cidade. Rio de Janeiro: EMBRATUR, 1979. — Rio de Janeiro: cidade e estado. Rio de Janeiro: CBP Michelin, 19--.

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Segunda parte do mapa do centro do Rio de Janeiro. Imagem digitalizada do Guia Michelin, p. 155.

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Imagem digitalizada do Guia Michelin, p. 157.

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