Rousseau e o pensamento político de sua época

June 5, 2017 | Autor: Telmir Soares | Categoria: Jean-Jacques Rousseau
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ISSN: 1677'9460

CIÂ..S ncias Sociais N. 4 - Setembro de 200ó

UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI

UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI

SUMÁRIO

Reitor André L:utz Herzog Carcloso

Vice-Reitor

José Nilton de Figueireclo

Diretora de Centro

Claudia Maria Moura Pierre Chefe de Departamento Adriana Maria Simiáo da Silva

DIREITO E DEMOCRACIA

CONSELHO CONSULTIVO César Barreira - UFC Eduardo DÍatahy Bezerua de Menezes - UFC

HEGEL E A NECESSIDADE DA FILOSOFIA DO DIREITO

Harbans Lal Arora - UFC José Nilton de Figueiredo -URCA

PARA ATINGIR A CIDADANIA

Kelma Socorro Lopes de Matos - UFC Maria Socorro Lucena Lima - IIECE Maria da Penha de Lima Coutinho -UFPB Renata Marinho Paz - URCA

ALEXIS DE TOCOUEVILLE E OS IDEAIS DE LiBERDADE E IGUALDADE NO PENSAMENTO LIBERAL

COMITÊ EDITORIAL Anna Christina Farias de Carvalho Claudia Maria Moura Pierre Domingos Sávio de Almeida Cordeiro Gislene Farias de Oliveira Nubia Ferreira de Almeida Paula Jacinto Cordeiro

ROUSSEAU E O PENSAMENTO POLÍTiCO DE SUA EPOCA

Organizadoras Claudia Maria Moura Pierre Gislene Farias de Oliveira

Diagramaçáo e Capa C ar 1o s Alberlo Alexandre Dantas -

ESTADO, CIDADANIA E OS DIREITOS SOCIAIS as e

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editorac

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gmail. com

Caderno de Ciências Sociais: fenOêrrcias - irl 04 G-"t/2006). Departamento de Ciências Sociais daUniversidade Regional do CadriURCA, - Crato, 2006.

NO NEOLIBERALISMO

E

MOÇAO, RACiONALiDADE E CONDUTA POLÍTICA:

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FLEXOE S

iNSPIRADAS NAS iDEIAS DE HUMBERTO MATURANA

281p;il.; ISSN: 1677-9460 1.

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Ciência Política 2. Filosofia Política 3. Ciê;rcias Sociais

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Endereço Universidade Regional do CarÍri .URCA Centro de Humanidades Departamento de Ciências Sociais Rua Coronel Antonio Luiz, 1161/ Pimenta 63. 100-000 - Crato - Ceará - Brasil

Telefone: 31027212 rarnal 2763 Fax: (0BB) 3102,-127 E -maÍl; centrodehumanidades @urc a. hr

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ETICA E AS IMPLiCAÇÓES DO CONCEITO DE SACRALIDADE DE VIDA

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Resu mo

o esúado de

Jean-Jacques Rousseau

trab alho procura contextu alizar o pensamento de Rousseau com

(1.7 1,2-

1778), pensador genebrino, representa um dos mais importantes pensadores no campo da ciência política e da teoria social, Sua principal obra no campo da política, o Contrato Social, insere-se em uma corrente do pensamento político denominada de contratualismo. Esta corrente, em oposição às teorias teológicas e naturalistas sobre a origem da sociedade e do Estado, procura mostrar que a sociabilidade se institucionaliza em um corpo social definido e rígido, tendo o Estado como seu ápice, a partir de um contrato sociai originário estabelecido entre os homens que viviam em um estado natural pré-político,

natureza. O presente

o pensamento político de sua época, bem como apresentar as inovações elaboradas pelo ge-

nebrino no campo da teoria política, principalmente no diz respeito ao conceito de esüado de natureza, pedra de toque de todo contratualismo. Rousseau é apresentado em meio ao iluminismo e ao pensamento contratualista clássico e, nesta exposiçáo do seu pensamento, procuramos apontar os rnomentos de sua adesão e de sua ruptura com os ideais do pensamento político de sua época. PnlnvRAS-cHAVE:

I

r-[.]MrNrsMo,

CoNrnnruALrsMo, Estnoo or NnruRrzn, CoNTRATo SocrnL.

1 Mestre em Ética, com concentraçáo na área de Filosofia Social e Política pela Universidade Estadual do Ceará-UECE. Professor Assistente I do Departamento de Filosofia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. O presente artigo é uma adaptaçáo do primeiro capítulo da dissertaçáo de mestrado do autor cujo título e A Participaçao Política no Contrato Social de Rousseau. E-mail: [email protected].

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pela idéia do progresso intelectual quanto o século das Luzes' (CASSIRER apud OLIVEIRA, 2000, p' 17)'

Rousseau e sua Relação com o Pensamento lluminista

Rousseau construiu seu pensanrento político no Sécuio das Luzes, uma época que apresentava uma crença sem limites no poder da razáo como única fonte de conhecimento e de guia para os caminhos do homem em sua evoiuçáo histórica, tal postura implicou no endeusamento da razáo como bem salienta Oliveira: Arazão, através do sistema cartesiano fora elevada à categoria de deusa e revestia o 'Seculo das Luzes'd.e um humanismo levacio às últimas conseqüências: a fe inabalável na capacidade de raciocínio e na possibilidade inadiável de descoberta de novos caminhos do pensar. (2000, p.17).

O período do iluminismo é caracterizado pela busca de novas explicações para antigas questões humanas e a princÍpal delas diz respeito ao processo político e, mais especificamente, sobre os fundamentos da sociedade e do Estado, uma explicaçáo que fosse diferenciada dos pressupostos do pensamento teologico com seu forte apelo à autoridade e à crença. As Luzes representaram também a negação de um naturaiismo simplório que considerava o homem como um ser que estava atrelado a um determinismo da natureza. Para fundamentar suas explicaçóes, as Luzes contam com um impulso criador que busca critérios novos para explicar a realidade sem recorrer a uma autoridade, aos dogmas religiosos, e muito menos à necessidade. Assim, nos diz Cassirer sobre a época das Luzes: É uma época que sente em seu próprio âmago, uma nova força atuando [...] Não existe um século que tenha sido táo profundamente penetrado e empolgado

S0ARES,Telmir de Souzo

, Rousseou

e o Pensomento Polítiro de suo Époco

Outra característica do ilurninismo e a fe exa.cerbada no poder da tazâo em constÍtuir os meios para a inserção do homem no mundo e da conseqüente transformaçâo deste mundo em algo sempre melhor e mais perfeito numa escala evolutiva, bem como a noção de que a tazào tem a possibilid.ad,e piena da compreensáo de tudo, inclusive deste maravilhoso mundo novo. Com respeito a essas idéias, brevemente expostos acima, do pensamento iluminista, Rousseau mantém em alguns momentos um Certg distanciamento, em outros um certo equilíbrio. Para ele, alguns elementos deste pensamento náo condiziam com a sua propria visáo acerca da sociedade que, Como Verenlos, d.everia preservar os direitOs exiStenteS no "estad.O de natUleza". TemoS assim em Rousseau uma dupla negaçáo dos cânones das Luzes' Em primeiro iugar, a partir dos seus escritos, temos uma negaçáo em relação ao valor e ao lugar do estado de natureza no âmbito do pensamento político da época. Enquanto que, para o pensamento de então, o e,sÚado de natureza representava uma negatividade a Ser superada na COnStruçãO da "Sociedade civil" e dO "EStado", em Rousseau, o esúado de natureza é sumamente valorizado, não representando uma negatividade que pudesse e devesse ser aniquiiada pula e simplesmente pelo proglesso' A segund.a negaçáo diz respeito à própria rejeiçáo do conceito de progresso como um estágio superÍor do desenvolvimento humano posto que, para Rousseau, neste estágio tido como superior, a vida individual e social se apresenta um sem número de dificuldades e mazelas implicando inclusive na perda da liberdade. A simples constataçáo de tantas adversidades permite ao homem olhar pala o passado e d.esejal o retorno a uma vid.a mais simples e mais piena,

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Í.r.'r.;rrlo r) perceber que, de fato, "era feliz e nâo sabia" r lu,rrrrl«r cio seu estado dito natural. Assim, Rousseau sempre manteve uma coerência ao abordar temas caros ao iluminismo, o que o Ievava por vezes a contraditar o pensamento d.as Luzes, com vista à manutençáo de uma coesão interna do seu próprio pensamento, principalmente no que diz respeito aos assuntos tratados no Primeiro e no Segundo discursos, a saber, que o homem nasce "bom", e que é a sociedade que o corrompe; que o homem nasce livre e que se torna escravo no meio social; que a desigualdade e seu agravamento nasce com a sociedade, entre outros tantos assuntos próprios ao pensamento de Rousseau, e que encontra seu antípoda no ideário das Luzes. Essas consideracões levam-no a entrar em choque com o ideário da luzes acerca da perfectibilidade do homem. Para as Luzes a perfectibilidade se expressa peio desenvolvimento da sociabilidade, das técnicas e das ciências, para Rousseau a perfectibiiidade, num primeiro momento, tem a ver com o grau de liberdade do indivíduo na vida em sociedade e, ao que tudo indica, nunca o homem esteve mais livre do que em sua vida pré-social na natureza. Num segundo momento a perfectibiiidade tem a ver com o aperfeiçoamento moral do homem, do cuidado consigo e com os outros. Assim, o pensamento de Rousseau vai se consubstanciar em uma reflexáo mais acurada do político, especialmente no que se refere à condição deste de efetivador da liberdade em meio a uma vida social que aprisiona os homens usurpando-lhes essa mesma liberdade. Deste modo a Iiberdade representa um dos eixos do pensamento de Rousseau fazendo uma ligaçáo entre as suas principais obras, inclusive o Contrato Social. Assim, mesmo sendo participante desta época, Rousseau náo se constituÍ como alguém que adere sem

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ressalvas às teses do iluminismo. Aliás, é na aceitaçáo e na negação do iluminismo que Rousseau constitui seu pensamento. Negando a perfectibilidade enquanto desenvolvimento da técnica e das ciências, ele também negava um tipo de sociabilidade que levava o homem ao individualismo e ao amor-próprio que é artificioso, em oposiçáo ao amor-d.e-si que é natural e um dos pre-requisitos pala uma sociabilidade que plopicia a melhora molai e a liberdade do homem. Enquanto o iluminismo busca avaiiar o proglesso humano a partir do desenvolvimento da razâo, Rousseau, por seu turno, considera que a razâo é um dos momentos da d.esnaturaçáo do homem, o que Conduz a um estado social que é menor e mais nefasto que a vida na natuteza, posto

que é uma situaçáo anti-natural mediado pelo artifício. Rousseau ao invés do ideário do plogresso, vai defender, ao contrário, que a vida racionai se constitui numa "queda",

do "paraíso". Assim, Rgusseau lepresenta uma adesáo um tanto paradoxal aos ideários do iluminismo. A despeito de que Rousseau assume o ideal de busca de um novo modeio não baseado na autoridade nem nos dogmas, característico das Luzes, ele nega alguns dogmas constituídos pelo proprio pensamento iluminista. Um desses dogmas diz respeito à inerente sociabilidade dos homens. Estes, segundo as Luzes, teriam por fim último uma vida social que seria a d.emonstraçáo cabai da sua possibilidade evolutiva. Rousseau contraria tais cânones e empreende um afastamento do pensamento iiuminista, Como bem salienta Oliveira:

nO abandono

o progressivo afastamento d.e Rousseau dos padrões iluministas fica bem definido [...] mais precisamente, pelos pressupostos [...] (a sociabilidade enquanto condiçáo natural) [...] Rousseau adota a noçáo de lei natural, mas rejeita o simplismo daqueles que, afirmando

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existir uma ordem naturar preestaberecida, concordanr

em que tudo que existe seja born t...1. (2000, p. 32).

Para os iluministas a sociedade civilizada represen_ h.omem: momento em que o homem se constitui também como um ser moral. para eles o momento anterior à sociedade e visto como negatividade, como um período de trevas. Em Rousseau, ao contrário, a natur eza representa um momento de plena transparência em oposição à sociedade que representa o espaco do artifício, como bem saiienta starobinsky (1991) no seu livro A T?ansparência e o o,bst,ácuro. A partir desta abordagem, o conceito de natureza se constitui como um elemento capaz de criticar os valores aceitos peia sociedade e que sáo contrários à plena manifestaçáo do homem e de sua iiberdad.e, do seu

ta a plena manifestação do estado racionai do

eu natural.

Rousseau pensa a natureza em contraposição à afetaçáo e o simuracro da vida sociar em que tudo se faz por representaçáo. Nada na socÍedade se dá como na natureza com a sua transparência. A vida social é simuraçáo, obstá_ culo, representação do real. Daí a necessidade de Rousseau de contestar a sociedade que, corn todo seu artificiaiismo afasta o homem d.a natureza e, assim, ao invés de iluminar conduz o homem à uma ocurtação da transparência da natureza, como bem expressa Oliveira:

A crítica social

d.e Rousseau tem por Íim contestar a sociedade, na medida em que contraria a ordem naturar. [.. ] As luzes enganadoras da iluminaçáo não só náo iluminam como ocurtam a sua transparência naturar. "

(2000, p.ZO).

E, acerca da contestação de Rousseau, podemos

acrescentar com Starobinsky que: s0ARES, Telmir de souzo

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Rousseou e o pensomento político de suo Époco

[...1 a contestaçáo

diz respeito à sociedade enquanto

esta é contrária à natureza. Essa sociedad

e

negadora da

natureza (da ordern natural) náo suprimiu a natureza. Mantém com ela um conflito permanente, de onde nascem os males e os conflitos de que sofrem os homens. A crítica de Rousseau esboça, portanto, uma 'negaçáo da negaçáo': acusa a civilizaçáo cuja característica fundamental é a sua negatividade em reiaçáo à natureza. A cultura estabelecida nega a natureza [...] (1995, p, 35).

Para além da compreensão da sociabilidade e da civilizaçáo como um estado superior ao estado de natureza e que faz parte de um processo de evoluçáo da razâo e da moralidade, a vida social e civilizada é uma escolha pela qual o homem busca romper com a natureza para encontrar em um primeiro momento, na vida em socieclad.e, sua seg,urança. Mas, esta segurança implica em, para a}ém dela mesma, manter os elementos da vida na natureza que, segundo o pensamento de sua época, poderiam ser perdidos em meio aos supostos benefÍcios da constituição do Estado, como, por exemplo, a liberdade e o direito de se autorepresentar, além de outros elementos que deveriam ser definitivamente abandonados, com vistas a funcionalidade da vida em sociedade como, por exemplo, a ausência de uma moralidade, a frugalidade, a simplicidade e a transparência da vida natural. Para o pensamento da época de Rousseau tais perdas seriam somente um efeito colateral sem muita importância para a vida humana, mas para ele justamente o que fora perdido e o que deveria ser garantido na vida em sociedade. Para Rousseau, ao contrário dos iluministas, o desenvolvimento da sociabilidade só se constitui plenamente em uma condiçáo na quai o homern tenha plena possibilidade de usufruto da sua iiberdade e livre manifestaçáo da sua vontade. Este espaço só se tornaria possível por meio de um pacto social, de um contrato que já traga embutido as deter-

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minaçÕes legais para o exercício da vida política, bem como

as condiçoes de possibilidade da efetivaçáo de tal ideal. O contrato social efetivado por meio do pacto representa o espaÇo da transparência, entendida na dimensão do político como um retorno à nature za, ao amor-próprio e à liberdade em contraposição ao espaço do artifício, da falsidade, da afetaçáo em que se constituía a civilização européia endeusada pelos iluministas e pela qual Rousseau nutria uma profunda aversáo. Por isso sua proposta de contrato quer manter o melhor d.a vida na natureza e excluir o pior da vida em sociedade. Rousseau e o Contratualismo O Contraúo Socra/ é uma das principais obras de Jean Jacques Rousseau, e representa até hoje um referencial teórico importante para o campo da ciência política e d.a teoria social. Nela encontramos a apresentação da origem de um modelo de constituiçáo da vida social baseada no que se convencionou denominar de contratualismo. Os contratualistas foram pensadores que buscaram analisar a origem da sociedade política (do Estado) e da sociedade civil através de um modelo racional que colocava à parte tanto a teoria teologica (cujo fundamento da sociabilidade deveria ser localizado no criacionismo ou na vontade divina), quanto a teoria naturalista (que apontava para a sociabiiidade como um elemento próprio da natureza humana), acerca da origem da associação social e política humana. Rousseau não é o primeiro a propor tai projeto de sociabilidade e politicidade. Temos ainda entre os contratualistas os trabalhos de Thomas Hobbes, com o Leviat,ã e, posteriormente, John Locke com o Segun do Tratado ,Sobre o Governo. Todos eles colocam a sociedade como fruto de uma livre associação entre os homens com vistas a supe-

S0ARES,Ielmir de Souzo

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rar dificuldades de reiacionamentos entre seus pares

r,

e'

deste modo, buscar uma melhor convivência entre eles' A sociedad.e seria fruto de um Contrato por meio do qual os homens garantiriam sua sobrevivência e uma vida melhor em meio às adversidad.es dos conflitos de interesses entre os próprios homens. ou seja, para evitar que o outro suprima meus interesses ou mesmo d.estrua minha vida, entro num acordo com ele e todos os d.emais e assim a vida em sociedade se torna Possível. A sociedade, nesta pelspectiva, seria fruto de um individualismo que busca a salvaguarda de seus interesses' Tanto Hobbes como Locke estruturarn Seu pensamento a partir d.o homem-indivíduo, na sua busca pol g'alantias que visem saivaguardar seus empreendimentos o que os conduziria à sociabilidade e à sociedade civii' A sociedade, e mais especificamente o Estado representam este momento em que o homem atinge um patamar de esciarecimento, precarid.e evolução que os permite superar um estado de edade e insaiubridade, o chamad,o estado de natureza' A fim d.e anaiisar este pressuposto do pensamento contratualista passaremos agora a analisar em separado o pensamento de Hobbes e Locke, com vistas a relacioná-ios ao pensamento de Rousseau demarcando os momentos em que este indica novas perspectivas para a teoria política Contratualista o que se Consubstancia, conseqüentemente, na elaboração do Contrato 'Social' Rousseau e os Contratualistas Clássicos: Hobbes e Locke

os contratualistas clássicos (Hobbes e Locke)2 com-

preendem que os homens viviam em um estado anterior das influênChamamos de contratualistas clássicos aqueles que, no bojo pelos estudiosos cornentados mais os sáo cias ao pensamento de Rousseau, os mais considerados sáo Locke e Hobbes fato, político. De pensamento d.e

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ao estad.o social que seria chamado de estado de natureza. de natureza os homens viviam em liberdade, isentad.os das obrigaçoes sociais muito embora algum tipo de convívio sociat já existisse de certa forma. Os contratualistas diferem de opiniáo entre si quando levam em consideraçáo as condiçoes da vida nesse estado de natureza e, em função disso, quando consideram 1Vo e.súado

os motivos que levaram à constituiçáo da sociedade primeva. Desta diferenciação se originam as variações entre Hobbes e Locke gue constituem parâmetros diferentes para suas propostas contratuaiistas. Vamos analisá-los em separado, huscando relacioná-los com as propostas da teoria contratuaiista de Rousseau. Rousseau e o ldeário Contratualista em Thomas Hobbes

Para Hobbes a vida no estado de natureza era uma vida de constante risco, posto que cada homem tinha condiçáo de atentar contra a vida e contra os bens de outro homem, nada sendo capaz de dissuadi-lo a náo ser o uso do poder da força por parte de sua vítirna ou oponente. Ou seja, nesse estado cada um seria capaz de se utiiizar de outrem, como o auxíiio da força, com vistas a suprir suas proprias necessidades e somente o uso da força serÍa capaz de dÍssuadi-io. Daí a famosa frase de Hobbes: /romo hominis /upus, a saber, "o homem é o lobo do homem". influentes contratualistas, muito embora náo possam ser considerados os únicos. 'A consolidaçáo do contratualismo, na historia do pensamento político, foi possibilÍtada, por um lado, pelas novas condiçóes econômicas e sociais que libertaram o povo do peso da tradição e, por outro lado, pela crítica ao poder divino dos príncipes, que será vigorosamente desenvolvida por autores como Joâo Ouidort(1270-1306), Marsílio de Pádua (1.275-1342) e Guilherme de Ockham (1,290-1349). Este modelo terá, portanto, suas raízes na Idade Media e cuia evoluçáo podemos perceber através da produçáo política dos principais pensadores deste período. " (ViEIRA,1.997, p. 16).

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Assim, para Hobbes a constante incerteza quanto à manutençáo de sua segurança pessoal e quanto à preservação d.a vida, tornavam a vivência no estado de natureza Como algo insuportávei, gerando náo só incertezas, Como também estancando o progresso humano. A constituiçáo da sociedade polÍtica para Hobbes tem o objetivo de controlar esses impulsos destrutivos dos homens. O Estado seria constituído a partir da alienação de todos os ind.ivíduos em sua liberdade pessoal, em seu poder, bem como do seu direito de vingança, alienando-os em favor de um só indivíduo que assumiria o papel de juiz entre as partes, instituindo assim a justiça e fazendo nascer a paz.Esse soberano teria em si o poder de usar toda força neie residente, advinda da união da força de todos, o que legitimaria sua ação, para efetivar a vinganÇa contra todo aquele que quebrasse e vioiasse o Contrato social. o contrato em Hobbes implica o total abandono de si d.o ser do homem e a completa adesão e obediência a um Soberano. Para Hobbes esta era a única maneira de contornar um estado de naturezatáo adverso e contrário à sobrevivência do homem. Rousseau foi profundamente influenciado por Hobbes, mas manteve uma posiçáo mais condizente com uma Concepçáo de homem e sociedade mais próxima do iluminismo. AIém dÍsso, ele manteve Sua Concepção de natuÍ.eza Como boa e benigna em oposiçáo a uma concepçáo de "estado de natuteza" elaborada Segundo uma visão predominantemente negativa, como a de Hobbes. A aceitaçáo d"a concepção hobbesiana implicaria, para Rousseau, na perda pala o homem de suas possibilidades de participação na sociedade política, o que implicaria num Contra-Senso na teoria política de Rousseau posto que contrariaria sua concepçáo de liberdade na vida junto à nature za, algo que ele quel preservar na vida em Sogie-

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dade" Assumir o pensamento de Hobbes implicaria em admitir que o homem so pode viver em sociedade sob um forte aparato que o }imite, que o controle e que, portanto, o torne apto para a vida social. Ora, quem em juÍzo perfeito abdicaria de um estado }:enfazejo para ser "escravizado" por um soberano? Ao contrário, Rousseau advog:a um retorno a uma condição de liberdade e autonomia, justamente o que Hobbes considera que deva ser eliminado para que haja a constituição de um Estado soberano e forte capaz de controiar todas as "perversões" individuais. Para Rousseau, aderir à proposta hobbesiana significaria uma táo grande alienaçáo que o homem ao fim acabaria perdendo a si mesmo. Desde já vemos por que o genebrino não pode se coadunar ao pensamento de Hobbes a quem irá refutar no "Contrato Social". Rousseau e o ldeário Contratualista em

lohn Locke

O pensamento de Locke apresenta algumas diferenças em relaçáo ao pensamento de Hobbes, pois, para Locke, o esúado de natureza era um estado de liberdade no qual

cada um poderia livremente dispor da natureza conforme sua necessidade. Sendo a natureza benfazeja e portadora de igualdades para todos, cada um poderia dela dispor conforme seu bem entender, desCe que este usufruto não implicasse em prejuízo para os demars. Assim, cada um só poderia se apropriar daquiio de que necessitasse, posto que os bens da natuÍeza são limitados e perecíveis. Entretanto, ao retirar algo da natuÍeza pelo seu trabalho o homem f.azia deste produto natural uma propriedade privada, posto que o mesmo fora já mediatizado pelo trabalho, náo se constituindo mais como um bem natural deixando de ser, portanto, de propriedade de todos. Mas,

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cada um só poderia retirar aquilo que fosse suficiente para suprir sua necessidade materiai. Era vedado neste caso o acúmulo desenfreado, posto que isto se constituiria como algo irracional e injusto. Esse tipo de uso da naturezanáo permitia a acumulade bens naturais já que tais bens sáo perecíveis e se ção cada um tomasse mais do que pode consumu, fazertdo com que o restante do que foi retirado sem necessidade viesse a apodrecer ou se perder estaria efetivando uma grande injustiça. ou seja, tal atitude egoísta implicaria na possibiIidade de, ao alguém retirar da natuÍeza mais do que compete a cada indivíduo e do que pode consumir, usurpar, agredir e lesar, conseqüentemente, o direito de outrem. A

unica condiçáo para acumular bens seria transformando os bens perecíveis em bens imperecíveis. Locke imagina um outro tipo de uso da natuÍeza que seria pela instauraçáo de um elemento imperecíve1 que iegitimasse a posse para além da necessidade imediata de consumo e que não representasse nem ofensa nem usurpaçáo do direito de outros. A constituiçáo da moeda, como correlato imperecível para os bens perecíveis resolveria, segundo Locke, o probiema do acúmulo de bens e a injustiça que antes acontecia encontraria sua devida solução. Entretanto, mesmo nessa situaçáo de liberdade e equilíbrio poderiam surgir alguns problemas. Mesmo a natureza sendo benfazeja para todos, mesmo que o uso do dinheiro como sucedâneo ao acúmulo de bens perecíveis e como correlato para as trocas comerciais, o que de certa forma justificaria o acúmulo de recursos, nenhuma garantia alguem teria de que outrem, usando da prerrogativa da força, o espoiiasse de suas posses, do fruto do seu trabalho, bem como d.a sua propria vida. É justamente nessa ausência de garantias que o estado de natureza se consti-

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tui como um risco à manutençáo das posses, dos haveres dos indivíduos e da sua própria vida. Assim, ao sofrer uma invasáo do seu direito, ou ao ser alvo de uma injustiça qualquer o indivíduo só poderia se valer de sua própria força como resposta à agressão de qualquer indivíduo, náo havendo nada nem ninguém que pudesse lhe valer. Em face de qualquer agiravo, cada um poderia responder conforme a proporçáo que bem entendesse a uma ofensa recebida. Deste modo, cada homem seria, em relação a um litígio qualquer, o próprio juiz e o próprio executor da sentença, o que em si não garantiria que o agressor, por sua vez aceitasse passivamente a retaIiaçáo, bem como a proporçáo da vingança imposta pelo ofendido, gerando assim um estado de vendetas. Tal estado de vingança geraria uma beligerância que, por seu turno, criaria um estado de intranqüilidade perpétua. Esta intranqüilidade impossibilitaria o desenvolvimento da vida, da sociedade e do gênero humano, sendo um empecilho para qualquer modalidade de progresso. A saída encontrada para tal situaçáo de discórdia se pela daria criaçáo de um pacto social no qual cada um transferiria para uma instituiçáo, o Estado, seu poder e sua liberdade a fim de que este soberano pudesse agir com a força de todos para vingar a ctruebra do contrato por qualquer ofensa, agravo ou usurpaçao do patrimônio alheio, isto contra qualquer membro da comunidade. A função do Estado seria então, de preservar a propriedade privada, dando assim condiçÕes de manutenção da vida e da proprierlade. Rousseau não vê o Estado de forma táo uniiateral e especiaiizada. Antes, Rousseau considera o Estado como o espaço em relação ao quai a vida e a iiberdade estariam garantidas e estas seriam constituídas em função da inserçáo do cidadáo no espaÇo público ao passo que, em Locke, como abordamos acima, o Estado, além de resguar-

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dar a vida, se ocupa com uma modalidade de liberdade mais relacionada e direcionada com o ato de empreender, com a manutenção da propriedade privada. Na concepção de Locke o Estado se constitui como o garantidor da propriedade, já em Rousseau o Estado torna possível o desenvolvimento de determinadas habilidades ausentes no "estado de natureza", como, por exemplo, o caso da moralidade. Assim, o "estaclo civil" possibiiitaria ao homem a possibilidade de se aperfeiçoar, e náo simplesmente de defender seu patrimônio. Em Rousseau só convém ao homem abdicar ao "estado de natureza se o estado civil" puder preservar-lhe a liberdade e o acesso aos benefícios que propiciam a manutençáo da vida outrora encontrados no estado de natureza, oul seja, a sociedade deve giarantir a vida do homem e incrementar sua melhoria enquanto ser humano. Assim, o Estado é para Rousseau muito mais do que a possibilidade de apropriar-se de bens, legitimar esta aproprÍação e garantÍr a manutençáo da posse desses bens. Aliás, várias foram as oportunidades em que Rousseau condenou o g,anho e a busca do dinheiro como atividades ilegítimas em face da plena participação na vida pública. Tais pessoas, as que são ávidas pelo lucro, ao final de seus esforços, ao invés de adquirirem mais liberdade em funçáo dos seus ganhos, acabam se tornando prisioneiras dos representantes que escolheram para si mesmas. Liberdade para Rousseau representa a possibilidade de participação efetiva na vida em sociedade, vivência que representa o resgate, em grande parte, da Iiberdade vivida no "estado de natureza". Liberdade para a cidadania e liberdade para o empreendedorismo, eis a diferença fundamental entre Rousseau e Locke. Rousseau se diferencia de Locke com respeito aos pressupostos para o nascimento da sociabilidade, bem como em relação aos seus fins. Em relação ao contratua-

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Iismo, girupo no qual Rousseau é comumente inserido, ê[contramos no genebrino a aceitaçáo e a renúncia de elementos comuns ao pensamento de Hobbes e Locke. Assim, Ievaremos a efeito a partir de agora uma abordagem do pensamento de Rousseau acentuando assim sua aproximaçâo e seu distanciamento em relaçáo aos iluministas e aos contratualistas clássicos com vistas a constituição do nosso tema, a saber, os elementos do pensamento de Rousseau que nos encaminham a considerar a participação políúica como um dos principais temas de suas obras e, mais especificamente, do Contrato Social. Rousseau e o Cenário Potítico de sua Época: as lnfluências para o seu Pensamento e suas lnovações para o Cenário Político do Século XVlll

O século XVIII se insere na história do pensamento humano como um momento de grande efervescência do uso da tazáo com vistas a constituir novas diretrizes para a vÍda humana principalmente no campo da política. Este pensamento que buscava ser um novo fermento para a compreensão da vida do homem no mundo segundo as diretrizes da razão teve seu desenvolvimento em um longo processo que remete aos fins da Idade Media. Destarte, tal pensamento se processa segundo fortes influências de pensadores de momentos anteriores e Rousseau, como homem de seu tempo, náo ficou alheio a essas influências. Assim, Rousseau foi influenciado por pensadores tais como Samuel Pufendorf e Hugo Grotius. Este último, por sinal, é um dos autores com quem ele dialoga no Contrato ,Socia/, o mais das vezes se colocado contra as posturas de Grotius. Mas, é em Hobbes, Locke e Montesquieu que ele mais se detém, como afirma Neiva Oliveira Paiva no seu livro sobre Rousseau e Rawls:

S0ARES, Telmir de Souzo

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Do grupo dos escritores políticos, destacam-se, a influrr na obra de Rousseau, os nomes de Hobbes, Montesquieu e Locke. [...1. Em cada um deles, Rousseau distinguiu o que era fundamental e, descobrindo-lhes o que era es-

sencial, soube criticá-los, ora pela debilidade do método, ora pelas lacunas nas doutrinas e, aproveitando o que lhe era primr:rdial, a partir deles foi capaz de tentar sua própria construçáo sistemática.3

Rousseau irá rejeitar, em princípio, os fundamentos tanto do pensamento de Hobbes, quanto de Locke posto que a "guerra de todos contra todos" e a visáo do homem preocupado com a. "propriedade privada" náo fazem parte do ideário exposto náo só no Contrato, como nas demais obras de Rousseau. Uma das principais questões diz justamente ao estado de natureza, elemento principal da teoria contratualista, posto que sáo as adversidades desse esta-

do que levam os homens à criaçáo da sociedade civil. Rousseau é muito adverso aos pressupostos hobbesianos e lockeanos para o esta do de natureza ao agregar outra vertente de pensamento de sua época que via no estado natural um período de benevolência e liberdade e que o homem que vivia neste estado era um homem "bom", daí todo o frenesi da época peio que se considerava o "bom selvagem" que, por um equívoco entrou para o pensamento político como a principai defesa do pensamento de Rousseau, esta era uma questão muito tratada na época ainda eufórica com a descoberta do /Vovo Mundo e com as idealizaçóes daí advindas com respeito ao /Voyo Éden, com o paraíso terrestre, com à fonte da eterna juventude, etc. Vejamos as concepções de Rousseau sobre o esúado de natureza corr, vistas a clarificar sua diferença fundamens

OLMIRA, Neiva Afonso. Rousseau e Rawls: contrato em duas vias.

Porto Alegre, EDIPUCRS, 2000, p.42.

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tal com o contratualismo, levando também em conta que este estado em Rousseau será fundamental para a sua constituiçâo do pacto social e da necessidade daí resultante, para os homens, de preservarem elementos benéficos que eles tinhanr nessa vida. E, como veremos, tal necessidade será possibilitada pelo recurso da "participaçáo política".

O Estado de Natu (eza em Rousseau Para Rousseau o homem vivia f.eltz e pleno no esúado de natureza e sua liberdade o constituía como alguém que

era, em princípio, "bom" posto que não havendo a sociedade, seus atos não poderiam ser considerados como morais ou imorais, não havendo também nem }:ondade nem maldade. isso contraria o mecanicismo iluminista que encarava a evoluçáo histórica e a civilização como um desenvolvimento do homem, um progresso não só material como espiritual. Esta evoluçáo era uma aquisição do homem que não poderia ser perdida ou obnubilada, sob a condiçáo se o homem perder-se a si mesmo. Ou seja, para o iluminismo a passagem do estado de natureza para o estado civil significava para o homem a possibilidade de deixar de lado uma vida de trevas e cegueira, um estado visto como negativo e de menoridade. O "estado de natureza" para Rousseau era um lugar bucólico e benfazejo, nesse sentido o homem náo precisaria de fato sair do estado cle natureza, pois nem a guerra nem a espoliaçáo o perseguiama. Não existe a possibilida4

"Q.uanto ao estado primitivo, trata-se de urna vida natural sem previdência nem recordaçáo, puramente presente, com um mínimo de necessida-

des simples e naturais, facilmente satisfeitas, uma vida de felicidade interior. Náo é, no entanto um sonho romântico-idÍlico à maneira da poesia arcádica, como Ihe censura uma civiiizaçáo decadente. Náo falta a este mundo primitivo nem a dureza nem a crueldade, mas talvez a indiferença, que reinam também entre os animais. Ouem é doente ou ruim é eliminado

S0ARES, Telmir de Souzo

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de d.a exploraçáo do homem peio homem, nem o probiema da propriedade privada, do "individualismo possessivo", segundo a classificaçáo de MacPherson, e em Rousseau essa observaçáo já estava presente no Segundo Discur.so. Nisso Rousseau destoa tanto de Hobbes quanto de Locke. Sendo o homem f.ebz e iivre no estado de natureza, a vida social vai tlansformá-io num ser infeliz e prisioneiro, o que contradita a visáo iluminista de que a vida social se constitui num progresso posto que dá ao homem a possibilidade de se livrar das trevas instruindo-se. É exemplar para ilustrar este pensamento de Rousseau uma passagem de abertura do Contlato Social, no capítulo primeiro, onde ele explicitamente dtz Lhomme e,st ne libre, et partout il est dans /es fers (ROUSSEAU, 1861,p. 639). O paradoxo da Iiberdade da natureza e da escravidão da vida sociai vai se manifestar justamente em fuÀção da vida ern sociedade que, em função de suas contradições vai afastar o homem de si mesmo, tornando o mundo opaco, daí a necessidade da ciência e das técnicas pala clarifical o que ficou escuro, para deixar transparente o que ficou opaco. Rousseau condena o superficialismo e a arrogância da vid.a social civilizada. O que ele vai perceber é que a Sociedade representa um novo momento na constituiçáo das desigualdades entre os homens. A vida na natuleza implicava em algumas desiguaidades, a Raturezanâo constitui nem instrumenta todos oS seres da mesma forma, mas o que ele observa é que na sociedade civil todas as desigualdades se acirram e sáo acrescidas de outras mais perversas como é o caso da riqueza e da pobreza, dajustiça e táo naturalmente quanto no reino animal . Mas ainda faita ao homem a covardia humana, a dissimulaçáo e a deformaçáo da civilizaçáo, o exaÇ[ero de suas necessidades; falta-lhes, em suma, ter bens náo naturais. Por isso ele era forte, independente e feliz; portanto, bom e livre." (SCHILLING, 1.974,

p.247).

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( l;r ,rlr:;l.r(,r;r. ^/\ssim, Rousseau, como nos diz oiiveira: ,,[...1 tlrrtrttrtcia justamente o abandono à natureza como fator lrrc:l;onderante na geração e d.esenvoivimento das desigu.ai_ clades entre os homens.', (2000, p. 1S). Em face de tudo que foi d.ito, como expricar, entáo, a construçáo da sociedade civil e a defesa de Rousseau de um pacto social? Parece que nos encontramos diante de mais um paradoxo no pensamento do genebrino, pois como alguém que defende tão ferrenhamente um e,sta d.o de natureza pode se constituir como um defensor da sociabilida_ de? ou seja, já que o homem se encontrava num estado bom, para que constituir o corpo social? Encontramos, ao que tudo indica, uma aporia fundamental entre o Drscur,so sobre a Desigualdades entre os Homen.s e o contraúo sociaJ, o que inviabilizaría quarquer discurso político em Rousseau dada a contradiçáo do seu proprio pensamento, pois como o Rousseau defensor veemente do estad o de natureza pode se constituir como um contratualista? A soluçáo para tal impasse e para tal aporia se daria na construção de uma sociabilidade que náo escravizasse o homem e o tornasse táo 1ivre quanto era antes do estad.o civii. Eis a condição de possibilidade para a construçáo de uma sociabilidade e eis os caminhos por onde contÍnuaremos nossa argiumentaçáo sobre a participação política em Rousseau como o meio capaz de efetivar tal liberdade em meio aos desatinos da vida social, assunto que trataremos ao falar do estado civii.

O Estado Civil em Rousseau Rousseau detecta que, apesar de todo bem auferido pela vida em liberd.ade, no "estado de natureza,, o homem náo poderia sozinho, em face d.e uma série de adversida-

des, propiciar todos os elementos que possÍbilitassem a s0ARES, Telmir de souzo

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manutenção de sua vida. Viver no estado de natureza implica ter que se sustentar diante de dificuldades naturais que poderiam se tornar cada vez mais instransponíveis, o que implicaria na própria cessaçáo da vida. Ou seja, a própria vida na natuÍeza pode gerar possibilidades de morte dentro do processo natural de luta pela sobrevivência. Assim, para náo se extinguir, o homem encontrou como justo meio juntar suas forças com os demais homens com vistas a garantir a própria vida. O nascimento da sociedade se dá em função da necessidade de sobrepujar as condições adversas constituídas no meio natural, associarse significa garantir a sobrevivência em meio ao imprevisto, ao desígnio naturai que escapa ao controle do individuo. Náo exÍste uma sociabiiidade intrínseca ao homem, nem tampouco um movimento natural e inexoráve} de evoiuçáo Ímpresso indelevelmente na alma do homem como advogavam os iluministas. O progresso nasce simplesmente das dificuldades em relaçáo ao meio natural que resiste ao homem, que se opóe à vontade deste. Vencer essa resistência implicou na necessidade de manipular o mundo com uma força maior que a d.e um só indivíduo, é a partir desta necessidade que se constitui a sociedade. A vida em estado de natureza, de certa forma, já propiciava os elementos necessários à conservaçáo da vida e náo fazia o menor sentido o estabelecimento da propriedade privada com o objetivo de prolongar os benefícios da natureza. Assim, contrariando a concepçáo de Locke, náo é em funçáo da propriedade privada, da sua conservaçáo que os homens devem se associar, mas em funçáo da vida. Em funçáo da defesa desta vida em estado natural alguns comentadores de Rousseau estabelecem-no como o defensor de um individualismo que se sobrepÕe à sociabilidade e, para tanto, destacam o mais famoso e citado trecho do Drscurso so.bre as Desigualdades entre os Homens:

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o primeiro que cercou um terreno e disse 'isto é meu, foi o verdadeiro fundador da sociedad.e civil. [... j o etemento pernicioso aparece táo-somente quando um se apropria egoisticamente do que deve ser de todos. (ROUSSEAU apud OLiVEIRA, 2000, p. 40).

uma tal leitura da obra de Rousseau o tornaria um pensador muito mais radical ao pensar o homem como um ser irreconciliável com a sociedade e, d.este modo náo faria o menor sentido escrever um texto explicando o surgimento do pacto social. Entretanto, se lermos os textos em uma relaçáo de continuidade, encontraríamos os elementos que náo só dariam uma unidade ao pensamento de Rousseau, mas que também apresentariam elementos importantes para a compreensáo da participação política nos textos d.e Rousseau. o segun do Discurso entendido como um libelo em defesa do escado de natureza pode ser entendido como um texto adventício ao contrato socja/. Enquanto Rousseau negia a sociabilidade como benéfica no segu ndo Discur.so, o cont,rato social representaria as condiçoes sobre as quais a sociabilidade poderia se constituir como benfazeja, promotora da liberdade e do bem estar do homern. No contrato encontraríamos as soiuções para os probiemas levantados no Segundo Discurso. uma concepção de contrato, baseado na propriedade privada conforme a defesa de Locke, só promoveria um acirramento das desigualdades entre os homens detectadas no ,seErundo Discurso. Destarte a proposta d.e contrato rousseauniana não se coaduna com o pensamento liberal de Locke nem com o estado de guerra d.o Hobbes. o contrato Social se constitui assim como um esforço racional no sentido de buscar as raízes da sociabilidade entre os homens, de entender este processo e d.e legitimar a sua existência, daí o recurso rousseauniano de um retorno à sOARts, Telmir de souzo

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natureza, momento em que eie vai encontrar o homern sem os vícios da vida em sociedade.s Partindo da natuÍeza Rousseau emprega o raciocínio iógico num esforço de compreender a essência das coisas conforme a razâo. A ideia do homem natural serve de suporte para a anáiise do nascimento da sociabilidade. De fato, o que leva o homem a abandonar unr estado que lhe é mais favorável para assumir um outro que the seja totalmente adverso? Assim, Rousseau constitui os elementos clraves do seu estado de natureza, a saber, a vida e a liberdade, bens considerados indisponíveis e inalienáveis. O homem natural representa para Rousseau uma estrutura hipotetica, um r)arco referencial no seu estudo sobre as condiçoes que fundamentam uma necessidade de sociabilidade, como bem salienta Oliveira:

Identificar o homem natural serviu, para a teoria rousseauniana, como ponto de partida para detectar o exato momento em que surgiu a sociedade civil e identificar os malefÍcios dela advindos" (2000, p. 36).

Esta estrutura hipotética permite a Rousseau constituir os elementos indispensáveis a um tratamento adequado da origem e do surgimento da sociabilidade. Um dos elementos importantes dessa concepçáo rousseauniana dtz respeito à relaçáo entre o estado de natureza e a questáo da moralidade. A moralidade assim, náo é um dado alheio à formação social, náo é um apriori. A moraiidade é fruto da atiüdade humana ern meio aos elementos da vida em sociedade. Esse dado é importante no contexto de nosso traba-

iho. Longe de ser uma imposiçáo heterônoma, a moral

é

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A construçáo do estado de natureza e d.o homem natural em Rousseau vai se constÍtuir como uma hipótese de trabalho: Deste modo, o rnétodo rousseauniano, ao tentar definir e caracterizar o homem natural, constitui um meio de, isolando-o na natureza, isento, por assim dizer, do vícios da sociedade, descrevê-lo. (OLNEIRA, 2000, p" 35).

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um dado autônomo e que tem a ver com a aceitação dos

i,divíduos que dera participam. Teríamos, assim, a

efetivaçáo de critérios racionais para se pensar de fato e de direito as reiaçôes entre os homens a partir de um direi_ to político como salienta Oliveira: Para Rousseau, trata-se de criar o direito porítico au_ têntico, tarefa para a qual seus antecessores náo se

encontravam preparados em razáo de seus interesses, [.,.] os direitos clo povo face ao poder náo podem ser defendidos por aqueres que se acham comprometidos com esse mesmo poder. (2000, p. 63).

Este critério vai permitir a Rousseau estabelecer os elementos que permitam analisar as coisas por sua estrutura racional. E, dado esse critério, pensar em elementos

gue possibilitem

uma compreensáo das condições de efetivaçáo da vida social em funçáo da totalidade daqueles que participam na sociedade e não de alguns poucos, dos que detém o poder. Essa condição é fundamental para a constituição do contrato social e este só se faz possível pela "participaçâo política', efetiva. um dos principais erementos da concepção rousseauniana é que o contrato só se constitui a partir de uma vontade autônoma dos contratantes com vistas a preser_ var os seus direitos pessoais. o desafio do contrato em Rousseau consiste em explicar a constituição do ser social, explicação que legitime a criação de uma condição que, por vezes, ao invés de libertar o homem, é a efetivadora de uma situaçáo em que surgem muÍtas desíguardades e que, o mais das vezes, é a mais eficiente castradora de uma condição anterior, o esüado de natureza, na qual o homem ti_ nha plena liberdade. o contrato possibilitaria para Rousseau efetivar a su_ peraçáo dessa negaçáo fundamental de direitos, o contrato s0AREs, Telmir de souzo

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seria a possibilidade de desconstruir a aporia entre "estado de natureza e estado civil", constituindo os elementos em que estes dois estados não se negassem, mas antes confluíssem em uma mesma determinaçáo de elementos minimamente básicos e fundamentais no pensamento de Rousseau: a vida, a liberdade e a vontade particular. Constituir o nascimento da sociedade em função da garantia da vida, da liberdade e da vontade particular é o desafio que Rousseau busca enfrentar no "Contrato Social". Verificamos que esta garantia de Iiberdade só pode se efetivada em meio ao estabelecimento de um critério de efetivaçáo dessa iiberdade e dessa vontade, o que em Rousseau irá se consubstanciar a partir de uma efetiva participaçáo poiítica. Co nc lusão

O "Contrato Social" vislumbrado por Rousseau

é

aquele que possibilitaria ao homem a garantia sobre os seus

direitos fundamentais. Um contrato que tivesse por fim a anulaçáo da liberdade, como o que era tematizado peio contratualÍsmo cIássico, seria extremamente nefasto segundo a perspectiva rousseauniana. Tal contrato seria perverso pois tiraria do homern tudo que é inerentemente seu, o que seria desde sempre seu: sua vida e sua iiberdade. Assim, um contrato só teri.a sentido na medida em preservasse o que é de mais valioso ao homem. Tal propositura permite que apreendamos o significado do Contrato,Socjal em relaçáo com os primeiros escritos de Rousseau, uma relaçáo de continuidade entre a crítica da sociabilidade dos primeiros escritos e a defesa desta no Conúrato. Tais considerações rousseaunianas sobre a teoria poIítica caracterrzarn o desenvolvimento de seu peri.samento, o que se dá em meio ao confronto com as teorias políticas

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de sua epoca. E, ao mesnlo tempo em que o genebrino assLrrle rnuitas das temáticas e conceitos presentes no seu entorno, ele os reelabora com vistas a torná-Ios coerentes com suas concepçóes sociais e poiíticas. Destarte, entender Rousseau representa a oportunidade sem par de redescobrir e redesenhar o pensamento de um autor que, a despeito de sua importância, muitas vezes foi considerado contraditório e controverso. Representa a oportunidade de captar o desenvolvimento de um pensamento em meio a aceitaçáo e à renúncia de princípios considerados como fundamentais para o desenvolvimento de um período histórico, a modernidade, e para o nascimento de uma ciência, a ciência política. Ror.rsseau, em meio a este momento germinal se apresenta como um autor que demanda novas leituras e um sem número de muitas descobertas. Q.ue este pequeno ensaio possa contribuir, mesmo que de forma diminuta, para a efetivaçáo desta importante tarefa. Referê ncias

Bi

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obras vol I e IL Rio de Janeiro: Editora Globo,

L962.

ouwes complàtes. Paris: chez Firmin Didot Ftàres, 186L" SALINAS FORTES, Luiz Roberto. Rousseau, da teoria à prática. São Paulo: Atica, 1976. . Rousseau: o bom selvagem' Sáo Paulo: FTD, i996' .

. O paradoxo do espetáculo: polÍtica e poética em Rousseau. São Paulo; Discurso Editorial, 1977 ' STAROBINSKi, Jean. Jean Jacques Rousseau: a transparência e o obstácuio. Sáo Paulo: Companhia das Letras, s'd'

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Civita, 1987. (Coleçáo Os Pensadores). S0ARES, Telmir de Souzo

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