ROVAI, Marta; MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque. Para pensar e fazer a história oral. Resenha de MEIHY, José Carlos Sebe Bom; HOLANDA, Fabíola. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto: 2007. História Agora, São Paulo, n. 9, p. 200-205, 2010.

June 7, 2017 | Autor: Du Meinberg Maranhão | Categoria: Historia, História Oral, Memoria
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Para pensar e fazer a história oral. Resenha de MEIHY, José Carlos Sebe Bom; HOLANDA, Fabíola. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto: 2007.

Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho1 Marta Gouveia de Oliveira Rovai2

O livro História oral: como fazer, como pensar, dos pesquisadores Fabíola Holanda e José Carlos Sebe Bom Meihy, é uma referência para quem pretende refletir sobre o trabalho com a oralidade. Meihy é coordenador do NEHO, Núcleo de Estudos em História Oral, da Universidade de São Paulo, que completará 20 anos em 2011, sendo professor titular aposentado do Departamento de História desta universidade. Holanda é pesquisadora associada a este núcleo, doutora em História Social pela USP, professora adjunta do Departamento de História da Universidade Federal de Rondônia, pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e fundadora do Centro de Hermenêutica do Presente. A obra propõe duas grandes reflexões, a primeira relacionada ao como fazer, numa preocupação atenta “a responder e mostrar os passos da elaboração de projetos em história oral”, e a segunda ao como pensar, um roteiro teórico que discute a origem, a “pertinência da transformação do conceito de documento” (MEIHY, HOLANDA, 2007, p. 10) e o desafio de quem se vale deste tipo de campo de saber como alternativa para ponderar o mundo presente.

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Doutorando em História Social – USP, Mestre em História do Tempo Presente – UDESC, especialista em Marketing e Comunicação Social - Cásper Líbero, bacharel e licenciado em História – USP. Pesquisador do Núcleo de Estudos em História Oral - USP. Contato: [email protected]. 2

Doutoranda em História Social – USP, Mestre em História Social – PUC. Pesquisadora do Núcleo de Estudos em História Oral – USP. Contato: [email protected]

Entre seus pressupostos está a compreensão da eletrônica como contribuição para a história oral, promovendo novos debates acerca da relação entre entrevistados e entrevistadores, mediada pela tecnologia. Em como fazer, os autores apresentam os gêneros ou tipos de história oral: história oral de vida, temática e tradição oral. A história oral de vida tem como definição se amparar em narrativas dependentes da memória, “dos ajeites, contornos, derivações, imprecisões e até das contradições naturais da fala” (p.35), trabalhando com entrevistas livres, ao contrário dos questionários usados na história oral temática. Este gênero, por sua vez, mostra maior proximidade em relação às entrevistas tradicionais, ainda que se diferencie destas ao apresentar um conjunto de procedimentos em etapas e previstas em um projeto. Já a tradição oral, descrita como a “mais difícil, intricada e bonita forma de expressão da história oral” (p.40), não se limita às entrevistas, pois trabalha com elementos da memória coletiva e demanda tempo mais amplo de observação da cultura “do outro”. A história oral não é compreendida pelos autores como metodologia e sim como o conjunto de procedimentos que se inicia com a elaboração de um projeto, instrumento norteador que ajuda a planejar o trabalho de pesquisa, o delineamento da proposta a ser desenvolvida, sua fundamentação teórica e justificativa, a entrevista em colaboração e a passagem do código oral para o escrito. Do projeto devem emergir perguntas como de quem, como e por quê, e a partir disto, deve-se levar em conta fatores como a relevância social da pesquisa, a exequibilidade na abrangência das entrevistas, local e tempo, o diálogo com a comunidade que gerou as entrevistas e a responsabilidade na finalização e devolução do trabalho. O projeto prevê uma comunidade de destino, pessoas que partilham uma identidade; uma colônia, um grupo menor inserido na comunidade mais ampla e marcado por relações de gênero, classe, gerações, entre outras; e as redes, uma subdivisão formada pelas pessoas que serão entrevistadas, por critérios de pertencimento ou diferenças de discursos. Quanto à discussão sobre história oral, documento e representatividade, os autores apontam para algumas possibilidades, como o arquivo gravado em áudio, a transcrição literal da entrevista ou o texto final, transcriado e autorizado pelo entrevistado. A noção de documento acompanha diferentes concepções de história oral entre os pesquisadores, e

independentemente do que seria este documento, a execução de entrevistas se justifica quando há versões diversas da história oficial, quando se precisa conhecer um fato que tenha sofrido interdição total ou parcial e, principalmente, para os estudos de memória, identidade e consciência comunitária. Seja qual for a noção de documento, chama-se a atenção para a importância da criação de um banco de histórias, ambiente de recolhimento, arquivamento e facilitação de pesquisa sobre narrativas, especialmente trajetórias pessoais, em que entrevistas não utilizadas podem vir a ser úteis, e as já utilizadas, por sua abrangência de sentidos, ser apropriadas e analisadas para outras pesquisas. Outra questão de relevo na obra, é a da ética em história oral, preocupação que deve permear os esclarecimentos dos objetivos da entrevista ao colaborador, a postura profissional sensível à escuta e ao diálogo, a negociação e autorização do narrador, e o recurso ao anonimato em se tratando de projeto que possa colocar o entrevistado em situação de risco. A ética estaria relacionada, inclusive, à autoria. Na reflexão acerca de como pensar os autores verticalizam conceitos como o de colaboração, conjunto de práticas que envolvem entrevistador e narrador, que se inicia no trabalho de entrevistas e tem em seu bojo a cooperação, pois o texto é co-produzido quando o entrevistado toma ciência dos escritos e ajuda a modificá-los quando conveniente ou necessário. Sugerem ainda uma ficha de acompanhamento e de controle do projeto e traçam um modelo de carta de autorização e uso das entrevistas. No entanto, mesmo que o tratamento dado ao entrevistado seja o de colaborador, principalmente na construção da narrativa, “o autor deve ser sempre quem colheu a entrevista, dirigiu o projeto e assumiu publicamente a responsabilidade sobre o que está dito, gravado e usado”. Assim, os direitos autorais devem se encaminhar aos pesquisadores, bem como os eventuais riscos da condução da pesquisa, dos usos das entrevistas e possíveis equívocos cometidos. Holanda e Meihy comentam também acerca dos diferentes entendimentos sobre o lugar da história oral nas pesquisas das mais variadas áreas do conhecimento. Como ferramenta, quando a mesma pode ser entendida como recurso a reforçar ou não argumentos; como técnica, quando as entrevistas dependeriam de uma documentação central e objetivariam a prova de uma hipótese indicada aprioristicamente e em que os pesos dados aos testemunhos

“seriam relativos em função da documentação central seriada de maneira a sugerir a validade das entrevistas”(p.70); como método, superando o aspecto técnico e indicando procedimento organizado de investigação e garantindo resultados que vão ao encontro das propostas identificadas num projeto; como forma de saber, quando se prioriza o entendimento das trajetórias humanas através dos registros das narrações, e neste caso, por ser menos preocupada com enquadramentos técnicos, metodológicos e científicos, seria recurso mais aproximado das estratégias ficcionais do que do “registro metódico exigido pelos demais procedimentos acadêmicos” (p.73). Por fim, como disciplina, proposta defendida pelos autores e com forte compromisso político, conjugando os avanços da tecnologia eletrônica com os fundamentos acadêmicos e as demandas sociais. Os autores ainda oferecem panorama comparativo sobre a história oral pura e a híbrida, diferenciando-as: na primeira, prioriza-se a análise de fontes orais, marcadas por reflexões em torno de gênero, raça, classe social, geração, memória, comunidade e identidade, enquanto que na segunda, realiza-se o diálogo das narrativas com outras fontes e documentos, como os audiovisuais, os iconográficos e os literários ou demais documentos escritos. Nenhuma delas, no entanto, deve abrir mão de procedimentos rigorosos de análise, que deve ser explicitado no projeto e ainda que integrando o processo de desenvolvimento da proposta, deve ser guardado para a etapa final do mesmo, “depois de constituídos os documentos derivados de entrevistas e estabelecidos os critérios de diálogos com outras séries documentais” (p. 131). Holanda e Meihy estabelecem, ainda, diferenças entre a transcriação, a textualização e a transcrição literal das narrativas orais. Apontando para a dificuldade em se transformar o oral em escrito, sublinham a transcriação como importante escolha na pesquisa com história oral. À tradução de um idioma para o outro, em que se vai além das palavras enunciadas e interpretam-se os significados dos “não ditos”, o poeta Haroldo de Campos chamou transcriação, conceito vertido para a história oral por Meihy, que propõe sensível percepção dos silêncios, interditos e lacunas presentes na oralidade quando no processo de transposição para o código escrito, acompanhado sempre da negociação e da legitimação do colaborador.

História Oral: como fazer, como pensar é um texto rico para quem tiver interesse em saber um pouco mais sobre a trajetória da história oral no Brasil e no mundo, sobre discussões a respeito de sua teoria e procedimentos e para aqueles que quiserem conhecer mais a respeito deste campo que, longe de estar pronto, tem se constituído nos últimos anos em tema importante no diálogo que envolve pesquisadores e grupos atentos à experiência, à memória e ao tempo presente.

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