Sá da Bandeira e a Marinha na implantação do liberalismo em Portugal (1832-1870

June 8, 2017 | Autor: F. David e Silva | Categoria: Maritime History, Naval History (History)
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SÁ DA BANDEIRA E A MARINHA NA IMPLANTAÇÃO DO LIBERALISMO (1832-1870)

Fernando David e Silva Academia de Marinha/ Centro de Investigação Naval [email protected]

Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo pode ser considerado com um dos personagens que tiveram maior impacto no séc. XIX português, em especial pela sua acção nas diferentes fases do complexo e atribulado processo de implantação do liberalismo. Entre o muito que já se disse sobre o marquês de Sá da Bandeira, terá sido Oliveira Martins quem melhor descreveu a sua personalidade, considerando-o “Militar fiel à bandeira, súbdito fiel ao rei, cidadão fiel à Pátria, espírito fiel aos princípios […] Sereno e firme, estóico e virtuoso, julgava-se o homme-lige1 da liberdade portuguesa”2. Bernardo de Sá Nogueira tem recebido uma merecida atenção da historiografia, tanto pela sua acção como militar e político, como pela que desenvolveu em relação aos territórios africanos, para os quais defendia uma prática de colonização em que, na tradição vintista, a abolição da escravatura e do tráfico negreiro desempenhavam um lugar central. A questão da abolição era crucial no seu pensamento sobre o estado em que se encontravam o que designou como os “fragmentos decadentes da monarquia ultramarina”, que era consequência do “mau governo que tem tido a metrópole” e da atenção “quase exclusiva” antes dada ao Brasil 3. Neste texto darei relevo ao papel importante que, em diversas circunstâncias, caracterizou a sua acção junto da Marinha, pelouro governamental que era exercido conjuntamente com o Ultramar. A sua influência pode ser directamente ilustrada pelo facto de, entre 1832, na regência de D. Pedro, durante o cerco do Porto, e 1870, no 32º governo Constitucional (a que também presidiu), Bernardo de Sá Nogueira ter ocupado por sete vezes o cargo de ministro da Marinha e Ultramar. Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo nasceu em 1795 em Santarém, numa família de proprietários próximos do Paço, primogénito de 14 irmãos. Alistou-se em Cavalaria quando tinha 14 anos. Em 1814, integrado no exército anglo-português, combateu nos Pirinéus, foi ferido e feito prisioneiro pelos franceses, sendo libertado no ano seguinte depois da Paz de Paris. De regresso a Portugal iniciou um percurso de estudos que Luz Soriano descreveu apologeticamente: “Sabedor de que os mais ilustres capitães d´entre os gregos e romanos foram os que mais se alliaram com as prendas da sabedoria, com as do valor e coragem militar […] resolveu-se a ir […] frequentar os estudos mathemathicos da antiga Academia Real da Marinha, para depois seguir […] os da antiga academia de fortificação e desenho […]”4. Concluída esta fase, cursou Matemática e Filosofia em Coimbra entre 1818 e 1820, prosseguindo os estudos em Paris (onde em 1821 estudou no Museu de História Natural e no Conservatório de Artes e Ofícios) e em Londres (onde estudou engenharia, em 1825 e 1826). Esta prolongada formação contribuiu para a sua condição de homem culto, versado em diversas línguas, atributos que em conjunto com as suas opções políticas o converteram numa personalidade fundamental e singular na vida política portuguesa ao longo dos segundo e terceiro quarteis do séc. XIX.

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Em 1820, era capitão, aderiu à causa liberal e foi iniciado na Maçonaria 5 numa Loja militar da capital, para uma actividade tida por episódica 6. A partir de então vamos encontrá-lo em quase todas as situações importantes da vida militar e política portuguesa, num permanente alinhamento antiabsolutista, democrático, adepto da Constituição de 1822 mas defensor da Carta Constitucional de 1826 quando esta foi combatida pelos defensores do Antigo Regime, assumindo posição ao lado dos radicais sempre que as suas acções não o confrontaram com as suas convicções mais profundas de fidelidade ao Trono.

Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo quando jovem tenente (c. 1820) Como mencionámos, ocupou com estudos no estrangeiro os anos seguintes à Revolução de 1820. De regresso a Portugal empenhou-se ao lado dos liberais no combate às convulsões militares de 18261827, desencadeadas pelos absolutistas em reacção à outorga da Carta Constitucional por D. Pedro em 1826. Depois do fracasso do pronunciamento de 1828 contra D. Miguel, Bernardo de Sá acompanhou a retirada das tropas liberais para a Galiza, partindo depois para Inglaterra, onde se juntou aos restantes exilados. Em 1830, depois de uma tentativa gorada de tomar a Madeira para a causa liberal e de uma viagem ao Brasil, onde se encontrou com o imperador, viajou para a ilha Terceira onde, a partir daquele ano, se instalou o Conselho de Regência nomeado por D. Pedro. Combateu pelo controlo das ilhas açorianas, consumado em Agosto de 1831, onde permaneceu até ao desembarque do Mindelo, em Julho de 1832. As forças que partiram dos Açores para a expedição ao continente eram compostas por cerca de 7.500 homens, embarcados em cinco navios armados e mais de quarenta velas de transporte 7, esquadra que foi comandada pelo almirante George Sartorius8. O exército liberal desembarcou em 8 de Julho na praia do Pampelido (também conhecida então por praia dos Ladrões, depois praia da Memória, situada uma légua a sul da povoação do Mindelo). O capitão Bernardo de Sá foi dos primeiros a desembarcar, enviado a terra para parlamentar, uma iniciativa que foi rejeitada pelos realistas.

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Entrou depois no Porto com D. Pedro, sendo nomeado governador militar da cidade. Promovido a tenente-coronel participou no combate do Alto da Bandeira, em Gaia, onde em consequência de um ferimento de bala, lhe foi amputado o braço direito. Depois da instalação do duque de Bragança no Porto, o almirante Sartorius continuou a comandar a esquadra constitucional. Exerceu este comando em condições progressivamente mais difíceis, tendo que enfrentar surtos de cólera, insubordinações 9 e divergências com os círculos próximos de D. Pedro. Logo depois do desembarque no Mindelo, Sartorius recebeu a missão de estabelecer um bloqueio ao porto de Lisboa, em cuja sequência se deu o primeiro confronto naval com a esquadra realista 10. Regressou ao Porto e largou de novo para o mar em Agosto, para tentar um segundo bloqueio naval da capital, a que de novo se opuseram as forças de D. Miguel. As duas esquadras acabaram por se confrontar no dia 11 de Outubro ao largo de Vigo, num combate de resultado indeciso 11. De novo no Porto, o almirante inglês foi recebido com frieza por D. Pedro e pelos do seu círculo próximo, que consideraram um fracasso o não apresamento ou destruição dos navios absolutistas. Para procurar encontrar uma saída para a situação, Bernardo de Sá Nogueira foi, em 10 de Novembro de 1832, nomeado ministro dos Negócios da Marinha do governo da Regência, o primeiro cargo político desempenhado pelo futuro marquês de Sá da Bandeira. As boas relações existentes entre Sá e o inglês acabaram por restabelecer uma certa confiança entre o almirante e o governo de D. Pedro 12 condição que, no entanto, o futuro próximo revelaria muito precária. De facto, a situação no Porto continuava a agravar-se, sobretudo na frente terrestre e na frente financeira, já que continuava a ser muito difícil a obtenção de empréstimos que permitissem a continuação da resistência e a preparação de uma ofensiva para Sul. Em Janeiro, Luz Soriano relatou da seguinte forma o ambiente que se vivia na sede da Regência: “Não admira […] que o […] governo […] julgasse já impraticável na segunda quinzena do citado mez de Janeiro [1833] poder durar muito a nossa lucta civil. Chegadas as cousas a este estado, julgou-se necessário empreender alguma expedição, que tirasse a causa liberal do desgraçado estado a que se via reduzida”.

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As “Linhas do Porto” durante o Cerco da cidade pelas forças de D. Miguel (18321833) Foi neste contexto que, logo nos finais de Janeiro de 1833, foram feitas diligências para encontrar um substituto de Sartorius, que a regência considerava incapaz de comandar a sua esquadra naquelas circunstâncias, ainda que se reconhecesse a escassez de poder de fogo que tinha sido possível colocar à sua disposição, factor que era também indispensável remediar. Como referiu também Luz Soriano: “Era […] necessário chamar um homem de heroico arrojo, pois só por uma empresa de extremado valor se podia fazer cousa que tirasse a causa liberal do grande desalento a que tinha chegado. Lembrou pois [Bernardo de Sá] o capitão Charles Napier 13, que se andava oferecendo ao serviço da causa liberal”. O conhecimento entre Sá Nogueira e Napier vinha de um anterior encontro entre ambos em Angra, quando o inglês comandava a fragata “Galatea” que tinha sido enviada para as “Ilhas Ocidentais” em missão de protecção de navios britânicos de comércio. O encontro foi breve mas Napier pode ter produzido uma boa impressão junto de Sá, provavelmente contribuindo para o convite que lhe foi feito em Londres, em 1 de Fevereiro de 1833, para assumir o comando da esquadra de D. Pedro nas mesmas condições e posto de Sartorius. A carta da regência com o convite chegou a Napier acompanhada de uma outra de Bernardo de Sá 14 na qual o ministro da Marinha dava conta ao inglês da composição da esquadra constitucional e do estado dos seus navios, pedindo que qualquer acordo com os enviados portugueses fosse mantido secreto por tanto tempo quanto possível. Napier manteve o segredo e Sartorius continuou a exercer o seu sobressaltado comando, aparentemente ignorante do que o futuro lhe reservava. Nos dois meses seguintes a situação continuou crítica na esquadra comandada por Sartorius, já que não tinham desaparecido os atrasos nos pagamentos às guarnições nem as intrigas junto do círculo do duque de Bragança no Porto. Sartorius estava aparentemente esgotado da luta que tinha que travar

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nos palácios para que a vida no mar lhe corresse de melhor feição. Foi assim que escreveu ao regente em palavras ásperas ameaçando mesmo, em último recurso, desertar com a esquadra para Inglaterra ou para França15. D. Pedro reagiu com uma carta régia a exonerar Sartorius, em 13 de Março de 1833 16. O almirante recusou-se a aceitar a exoneração e, embora lhe tivesse reprovado a conduta, foi Bernardo de Sá quem conseguiu uma vez mais mantê-lo no cargo17, até pela ausência de uma alternativa imediata.

Os almirantes George Sartorius e Charles Napier, comandantes da esquadra liberal durante a fase final da Guerra Civil (1832-1833) Sá Nogueira, entretanto, tinha sido ferido em 24 de Março num ataque das forças de D. Miguel ao monte das Antas, onde se bateu com valentia. Deve ter sido esta a razão da sua substituição no cargo de ministro da Marinha que, a partir do dia 26, passou a ser interinamente exercido por José da Silva Carvalho. No dia 4 de Abril, Sá Nogueira recebeu de D. Pedro o título de barão de Sá da Bandeira e, a 21 deixou de exercer a chefia da Marinha. Quanto às relações entre Sartorius e o regente, tinham atingido o ponto de ruptura. O almirante acabou por abandonar o cargo em 11 de Junho de 1833, sendo finalmente substituído por Charles Napier. O novo comandante da esquadra constitucional tinha chegado ao Porto no dia 2, acompanhando os reforços que a “comissão de aprestos” tinha enviado de Londres: 1.200 soldados, 200 marinheiros “e um número de barcos de vapor suficiente para transportar de 2:500 a 3:000 homens a qualquer parte do reino”18. Em 5 de Julho de 1833, menos de um mês depois de assumir o comando da esquadra liberal, o almirante Napier venceu o combate naval do cabo de S. Vicente, selando em definitivo a sorte do partido absolutista. Depois de abandonar o cargo de ministro da Marinha no Porto e de ter convalescido do combate do monte das Antas, o barão de Sá da Bandeira, de novo na sua condição de militar, continuou a tomar parte nas operações contra as forças de D. Miguel, em particular no Algarve para onde, em Fevereiro de 1834, tinha sido designado governador militar. Em Setembro, já depois da concessão de ÉvoraMonte, Sá da Bandeira foi nomeado par do Reino e em Dezembro agraciado com o título de visconde.

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Em 1836 voltou a envolver-se directamente na vida política nacional, tomando parte activa na revolução de Setembro. A vida parlamentar portuguesa tinha então atingido um nível de acentuado descrédito, as instituições funcionavam mal por falta de capacidade dos eleitos, opunham-se vintistas e cartistas, digladiavam-se os poderes legislativo e executivo, que se acusavam mutuamente pelas responsabilidades na conflituosa situação política, agravada pela crise agrícola e pela carestia da vida. Adepto da Constituição de 1822 mas respeitador da Carta por lealdade à Rainha, Sá da Bandeira assumiu a chefia militar do pronunciamento de 9 de Setembro mas não aceitou presidir ao governo então nomeado, cargo que foi entregue ao conde de Lumiares. No entanto, não se manteve à margem, tendo assumido as pastas da Fazenda e dos Estrangeiros. Passos Manuel, o chefe civil do movimento, tomou conta da crucial pasta do Reino. Durante o setembrismo, Sá da Bandeira presidiu ao 7º (Novembro de 1836 a Junho de 1837) e ao 9º governo (entre Agosto de 1837 e Abril de 1839). Neste segundo executivo, Sá Nogueira ocupou de novo a pasta da Marinha e Ultramar, distinguindo-se pela iniciativa (em conjunto com o ministro da Guerra, o padre Vieira de Castro) da criação da Escola Politécnica de Lisboa e da Academia Politécnica do Porto, ambas de perto relacionadas com a Marinha, bem como da Escola do Exército. A sempre presente questão constitucional, que agora opunha adeptos e adversários da revolução de Setembro, encontrou desta vez saída na convocação de novas Cortes Constituintes, que aprovaram um novo texto fundamental que D. Maria II jurou em Abril de 1838, e que que procurava conciliar a Constituição de 1822 com a mais conservadora Carta de 1826. A Constituição de 1838 manteve-se em vigor até Fevereiro de 1842. Por falta de apoio das Cortes, o visconde de Sá da Bandeira, que se tinha assumido como um moderado entre os “radicais”, abandonou a chefia do governo em Abril de 1839, situação que colocou um ponto final nas aspirações dos setembristas assistindo-se, a partir de 1841, à sua progressiva substituição pelos adeptos da Carta, chefiados por António Bernardo da Costa Cabral. Durante a sua subsequente carreira política, Sá da Bandeira, escreveu Maria de Fátima Bonifácio “ver-se-ia repetidamente confrontado com o dilema vivido em 1838: servir o “radicalismo” sem se deixar tragar pela revolução que, no entanto, regularmente o convocava para que a restaurasse e salvasse”19.

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Visconde de Sá da Bandeira em litografia de 1837 O visconde regressou mais uma vez à vida militar e às violentas convulsões que a situação política nacional continuou a atravessar até 1851, entre as quais é indispensável relevar as da Maria da Fonte (1846) e a da Patuleia (1847). Em 1851, depois do vitorioso pronunciamento encabeçado pelo duque de Saldanha, no qual Sá da Bandeira não teve qualquer intervenção, foi promovido a marechal-de-campo e nomeado director da Escola do Exército, cargo que exerceu até morrer. Entre 1856 e 1859 foi de novo ministro da Marinha e Ultramar, no 22º governo Constitucional, chefiado pelo então marquês de Loulé. Neste relativamente longo ministério 20 deixou mais uma vez a sua marca na evolução da Marinha, que tinha entrado numa espiral de declínio desde a transferência da Corte para o Brasil. Sá da Bandeira teve então a visão de acolher o essencial das propostas feitas no relatório de uma Comissão de Inquérito da Câmara dos Deputados às Repartições da Marinha, que tinha desenvolvido o seu trabalho entre 1853 e 1856. Foi pois com base nas conclusões daquele relatório que, para além de medidas de reforma orgânica que abrangeram diversas áreas da Marinha, Sá da Bandeira promoveu a aquisição das primeiras corvetas de propulsão mista, numa tentativa de iniciar a renovação da Esquadra através da aquisição de um conjunto de meios navais tanto quanto possível coerente, e tecnologicamente actualizados. Bernardo de Sá era senhor de uma sólida formação em engenharia, sendo também conhecidas as suas preocupações com as inovações da ciência e da técnica e com o desenvolvimento do País. A proválo, logo em 1830, deixou as suas propostas quanto a medidas para remover os “estorvos ao adiantamento de toda a espécie de indústria”, defendendo a abolição dos dízimos (passando o clero a ser pago pelos fregueses de cada paróquia); a abolição dos dias de guarda e dos dias de jejum (com os quais apenas a Inglaterra ganhava porque “fornece o bacalhau que em Portugal é levado até aos confins

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do reino”); a “abertura de canais e carris de ferro” (que iriam permitir ao “habitante do Porto [comprar] ao grego e ao holandês o trigo que atravessou centenas de léguas”); o estabelecimento de manufacturas e a instrução pública “e com muita especialidade o ensino das ciências físicas e matemáticas aplicadas às artes industriais, ensino de que a Inglaterra e a França vão hoje tirando grandes vantagens”21. Em 1858 foram aumentadas ao efectivo da Armada as primeiras três corvetas de propulsão mista, a que se fez referência. Os navios foram construídos em Londres e a sua contratação e relações com os estaleiros ficaram a cargo do almirante Sartorius, convidado e pago pelo seu velho conhecido visconde de Sá da Bandeira22.

A corveta “Bartolomeu Dias” envergando o pavilhão da rainha na sua chegada a Lisboa (óleo de João Pedroso, 1858 – colecção do Museu de Marinha) A mudança de governo e de ministro em 1859, as dificuldades de financiamento, a demora na modernização da Marinha, que declinava desde 1807 e a pressa com que acabou por se realizar a aquisição dos três novos navios em 1858, levou a que os objectivos do programa de Sá da Bandeira tivessem sido apenas parcialmente alcançados. No entanto, foi graças ao seu espírito aberto à inovação e à sua visão política, que se deram passos importantes para a inversão da frágil situação em que a Marinha se encontrava nos meados do século. O seu nome foi dado à quarta corveta de propulsão mista (1862-1884), a primeira construída no Arsenal da Marinha em Lisboa, quando já reinava D. Luís I. Em 1864, quando ocupava a pasta da Guerra no mais longo governo da monarquia constitucional, de novo chefiado pelo marquês de Loulé, Sá Nogueira recebeu de D. Luís o título de marquês de Sá da Bandeira e foi depois promovido a general-de-divisão. Continuando politicamente activo, presidiu ao 26º (1865) e ao 29º (1868-1869) governos, durante os quais voltou a ocupar-se também das pastas da Marinha, da Guerra e dos Negócios Estrangeiros. As suas últimas funções políticas foram desempenhadas na chefia do 32º governo constitucional, no qual acumulou ainda a pasta da Marinha e Ultramar, entre Agosto e Outubro de 1870.

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Marquês de Sá da Bandeira c. 1870 A importância que Sá da Bandeira atribuía ao desenvolvimento do País e da Marinha ficou desde cedo demonstrada pela sua participação na lista de personalidades que se juntaram ao grupo de vinte e quatro oficiais da Marinha que, em Dezembro de 1839, fundaram a Associação Marítima e Colonial23, dedicada ao estudo e promoção das marinhas militar e mercante. Anos mais tarde, em 1852, viu serlhe atribuída a qualidade de sócio honorário do Instituto de Coimbra e, em 1875, fez ainda parte do grupo de 74 personalidades que em 10 de Novembro desse ano, enviaram um requerimento ao rei D. Luís, propondo a fundação da “Sociedade de Geografia de Lisboa”. A morte colheu-o em 6 de Janeiro de 1876. No epitáfio que mandou gravar na sua placa tumular, tinha mandado escrever “Servindo o seu país, serviu as suas convicções; morreu satisfeito; a Pátria nada lhe deve”. Bernardo de Sá Nogueira não foi tido como um comandante militar de grande capacidade, ainda que tivesse sempre demonstrado a sua bravura no campo de batalha 24. No entanto, pode ser considerado, de entre o grupo de militares-políticos que intervieram de forma relevante na vida portuguesa dos segundo e terceiro quarteis do séc. XIX, o que demonstrou maior habilidade política, fazendo uso das suas qualidades pessoais e dos alargados e profundos estudos que empreendeu no início da sua vida adulta. A sua acção militar e política foi subordinada ao princípio da liberdade, uma liberdade concreta, materializada num direito de voto alargado e livremente exercido, e na sua fidelidade ao trono, nem sempre traduzida na obediência absoluta, que não era essa a sua forma de servir a Coroa e a Nação.

NOTA – O autor não adoptou o novo Acordo Ortográfico.

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Fontes e bibliografia ACADEMIA PORTUGUESA DA HISTÓRIA, Marquês de Sá da Bandeira. 1º centenário da sua morte, Lisboa, 1981. ALEXANDRE, Valentim, A questão colonial no Portugal oitocentista, Valentim Alexandre e Jill Dias (Coordenação), O Império Africano (1825-1890), Nova História da Expansão Portuguesa. Direcção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Volume X, Lisboa, Editorial Estampa, 1998. Annaes Maritimos e Coloniaes, nº 1, Novembro de 1840, Lisboa, Imprensa Nacional, 1840. BONIFÁCIO, Maria de Fátima, “Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo (1857-1876)”, Dicionário Biográfico Parlamentar (1834-1910), Volume II, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2004. CASTRO, André Meireles de Távora Canto e, O Marquez de Sá da Bandeira. Biographia fiel e minuciosa do ilustre finado sobre documentos afficiaes e parlamentares com o auxilio de valiosos apontamentos prestados por elle mesmo em 1873 e de outras informações fidedignas, Lisboa, Imprensa Nacional, 1876. Chronica Constitucional do Porto, 13 de Março de 1833. ESPARTEIRO, António Marques, Catálogo dos Navios Brigantinos (1640-1910), Lisboa, Centro de Estudos de Marinha, 1976. MONTEIRO, Henrique Pires, Sá da Bandeira. Glorioso Chefe militar e Esforçado Colonialista, Lisboa, Edições Cosmos, s.d. [1940]. MARQUES, A. H. de Oliveira Marques, Dicionário da Maçonaria Portuguesa, Volume I, Lisboa, Editorial Delta, 1986. NAPIER, Charles, An Account of the War in Portugal between Don Pedro and Don Miguel, Volume 1, 2 Volumes, Londres, T. & W. Boone, 1836. OLIVEIRA MARTINS, Portugal Contemporâneo, Vol. II, Porto, Lello e Irmão, 1981. PAIXÃO, Braga, “Sá da Bandeira, na pasta da Marinha”, Memórias, Volume VI, Lisboa, Centro de Estudos de Marinha, 1977. PEQUITO, Rodrigo Affonso, A Sociedade de Geographia de Lisboa e o Marquez de Sá da Bandeira, Lisboa, Typographia do Jornal O Progresso, 1877. SANTA RITA, José Gonçalo, Sá da Bandeira e a Política Ultramarina, Estudos Ultramarinos - Revista do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, Volume V, 1955. Sá da Bandeira e o Liberalismo em Portugal (1795-1910), Actas do Colóquio, Santarém, Câmara Municipal de Santarém, 1996. SÁ DA BANDEIRA, Diário da Guerra Civil (1826-1832). Recolha, Posfácio e Notas de José Tengarrinha, 2 volumes, Lisboa, Seara Nova, 1976.

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SANTOS, Manuel Pinto dos, Monarquia Constitucional. Organização e Relações do Poder Governamental com a Câmara dos Deputados (1834-1910), Lisboa, Assembleia da República, 1986. SORIANO, Simão José da Luz, História do Cerco do Porto, 2 volumes, Lisboa, Imprensa Nacional, 1846. _________, Vida do Marquez de Sá da Bandeira e Reminiscencia de alguns dos sucessos mais notáveis que durante ella tiveram logar em Portugal, 2 volumes, Lisboa, Typographia da Viuva Sousa Neves, 1887-1888. SERRÃO, Joaquim Veríssimo, História de Portugal¸16 volumes, Volume VIII - Do Mindelo à Regeneração (1832-1851), Lisboa, Editorial Verbo, 2003 [Reimpressão].

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Antiga expressão francesa usada para qualificar o vassalo cuja fidelidade ao senhor feudal ultrapassava as formas tradicionais

de ligação e dependência. 2 Oliveira

Martins, Portugal Contemporâneo, Vol. II, Porto, Lello e Irmão, 1981, pp. 64-65.

Valentim Alexandre, A questão colonial no Portugal oitocentista, Valentim Alexandre e Jill Dias (Coordenação), O Império

3

Africano (1825-1890), Nova História da Expansão Portuguesa. Direcção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Volume X, Lisboa, Editorial Estampa, 1998, pp. 39-40. Simão José da Luz Soriano, Vida do Marquez de Sá da Bandeira e Reminiscencia de alguns dos sucessos mais notáveis que

4

durante ella tiveram logar em Portugal, Volume I, 2 volumes, Lisboa, Typographia da Viuva Sousa Neves, 1887 e 1888. 5

A. H. da Oliveira Marques, História da Maçonaria em Portugal. Política e Maçonaria 1820-1869 (2ª parte), Lisboa, Editorial

Presença, 1997, p. 377. 6

Terá passado a “coberto” no mesmo ano de 1820. A expressão é utilizada para com um maçon que abandonou os trabalhos da

Maçonaria. Ver A. H. de Oliveira Marques, Dicionário da Maçonaria Portuguesa, Volume I, Lisboa, Editorial Delta, 1986, p. 350. 7

Tinha como navios principais as fragatas “Rainha de Portugal” e “D. Maria II”, pela corveta “Amélia”, pelo brigue “Conde de

Vila Flor” e as escunas “Terceira”, “Liberal”, “Boa Esperança e “Eugénia”, que deram protecção a quarenta e dois navios de transporte. Ver Charles Napier, An Account of the War in Portugal between Don Pedro and Don Miguel, Volume 1, 2 Volumes, Londres, T. & W. Boone, 1836, p. 28. Para a origem dos navios de escolta, ver António Marques Esparteiro, Catálogo dos Navios Brigantinos (1640-1910), Lisboa, Centro de Estudos de Marinha, 1976, passim. 8

George Rose Sartorius (1790-1885) comandou a esquadra constitucional entre 7 de Junho de 1832 e 8 de Junho de 1833. Foi

contratado em Londres, em 1831, para fazer parte da “comissão de aprestos”, que foi encarregada da preparação de navios e tropas para uma futura expedição dos constitucionais a Portugal. Era oficial da Royal Navy e estava fora do serviço activo quando o marquês de Palmela o convidou para servir a causa dos liberais. 9

Resultantes dos atrasos no pagamento de soldos, bem como do mau estado dos navios e da progressiva degradação das suas

capacidades de combate. 10

Comandada pelo chefe-de-divisão (posto hoje correspondente a contra-almirante) João Félix Pereira de Campos, dispunha

da nau “D. João VI”, uma fragata, uma corveta e três brigues. A esquadra de Sartorius era composta por duas fragatas, uma corveta, dois brigues, uma escuna e um vapor. 11

Saldou-se por 20 mortos e 49 feridos para a esquadra de D. Miguel e 10 mortos e 40 feridos para dos liberais. Ver Simão José

da Luz Soriano, Vida do Marquez […], Tomo I, pp. 306-307. 12

Id., ibid., pp. 306-307.

13

Charles John Napier (1786-1860) era oficial da Royal Navy e esteve fora do serviço activo entre 1815 e 1829, situação que se

alargou a números efectivos depois das pazes de Viena. Tal como Sartorius, era capitão-de-mar.-e-guerra, tendo sido promovido a vice-almirante da Armada portuguesa em 8 de Junho de 1833, ao ser nomeado para a comandar. Napier foi contratado por D. Pedro com o nome suposto de Carlo de Ponza, um expediente para procurar escapar às limitações que a lei britânica (o “Foreign Enlistment Act”) colocava ao alistamento dos seus súbditos por poderes estrangeiros. 14

Charles Napier, ob. cit., Volume I, pp. 322-324.

15

Simão José da Luz Soriano, A vida do Marquez […], Tomo I, p. 342.

16

Chronica Constitucional do Porto, 13 de Março de 1833. Foi nomeado para o seu lugar o capitão-de-mar-e-guerra Thomas

Crosby, comandante de um dos navios da esquadra, substituição que não chegou a consumar-se. 17

Também à custa das diligências do ministro da Fazenda José da Silva Carvalho junto do barão de Quintela (depois conde de

Farrobo), que conseguiu obter dinheiro por conta da concessão do contrato do tabaco, que lhe estava prometida. Ver Simão José da Luz Soriano, A vida do Marquez […], Tomo I, p. 342. 18

Simão José da Luz Soriano, ibid., Tomo I. Eram cinco vapores, segundo Charles Napier, An Account of the War […], Volume

I, p. 146. 19

Maria de Fátima Bonifácio, “Figueiredo, Bernardo de Sá Nogueira de (1857-1876)”, Dicionário Biográfico Parlamentar (1834-

1910), Volume II, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2004, p. 173, col. 2, 20

Durante o período de vida política activa de Bernardo de Sá Nogueira, os trinta e oito anos decorridos entre 1832 e 1870, a

pasta da Marinha e Ultramar mudou de mãos sessenta e três vezes. Ver Manuel Pinto dos Santos, Monarquia Constitucional.

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Organização e Relações do Poder Governamental com a Câmara dos Deputados (1834-1910), Lisboa, Assembleia da República, 1986, Anexo III. 21

Sá da Bandeira, Documentos nº 7 e 8 in Sá da Bandeira, Diário da Guerra Civil, Recolha, posfácio e notas José Tengarrinha,

2 volumes, Volume II, Lisboa, Seara Nova, 1975-1976, pp. 223-228. 22

Os navios foram recebidos em Lisboa debaixo de misto de alegria e de críticas, designadamente por parte do rei D. Pedro V.

Vítor Braga Paixão tratou esta questão no Centro de Estudos de Marinha, em comunicação apresentada em 1976, “Sá da Bandeira, na pasta da Marinha”, Memórias, Volume VI, Lisboa, Centro de Estudos de Marinha, 1977, pp. 243-295. 23

Tinha como fins “indagar as causas que tinham influído, ou podiam influir na declinação da marinha; tanto militar como

mercante; indicar os meios da sua restauração; e ministrar ao publico todos os conhecimentos, todas as reflexões e todos os arbítrios que pudessem ser adequados a tão importante fim; concorrendo ao mesmo tempo para estreitar cada vez mais as relações commerciais dos estabelecimentos ultramarinos com a mãe-patria, e d´esta com os differentes pontos e nações do globo que se empregam nas operações do commercio”. Ver Annaes Maritimos e Coloniaes, nº 1, Novembro de 1840, Lisboa, Imprensa Nacional, 1840, pp. 9-10. Estes Annaes foram o órgão de imprensa da Associação, tendo sido publicados sem periodicidade fixa entre Novembro de 1840 e Abril de 1846 (1ª à 6ª séries). 24

Maria de Fátima Bonifácio, ob. cit., p. 172, col. 2.

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