SABERES ESPERADOS DE UM PROFESSOR DE LÍNGUA ADICIONAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL

June 3, 2017 | Autor: Simone Sarmento | Categoria: Educação Infantil, Formação De Professores, Ensino De Línguas Estrangeiras
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Saberes, alegria e convivência: a reinvenção da escola Anais do XX SIEduca Organizadores: Joe Garcia Lisane Félix Veloso Silvia Maria Barreto dos Santos



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FICHA CATALOGRÁFICA S471a Seminário Internacional de educação (20. : 2015 : Cachoeira do Sul, RS) Anais do XX SIEDUCA (livro eletrônico): saberes, alegria e convivência: a reinvenção da escola. Cachoeira do Sul, 23, 24 e 25 de Setembro de 2015/. Organizado por Joe Garcia; Silvia Maria Barreto dos Santos e Lisane Félix Veloso. - Cachoeira do Sul: In books, 2015. 1.900kbs ; Epub. ISBN: 978-85-66040-10-4 1- Educação. 2- Docência e formação de professores. 3- Educação e gestão. 4- Educação e demandas sociais. 5- Educação e tecnologia. I. Garcia, Joe (Org.). II. Santos, Silvia Maria Barreto dos (Org.). III. Veloso, Lisane Félix (Org.). IV. Título. CDU: 37 Índice para catálogo sistemático 1. Educação 37 2. Docência e formação de professores 371.13 3. Educação e gestão 371.2 4. Educação e demandas sociais 37.014.1 5. Educação e tecnologia 37:681.3

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Catalogação na fonte Elaborada pelo bibliotecário Cristiano Simões CRB 10/2123.

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PREFÁCIO O SIEDUCA tem um grande significado para a ULBRA e para quem dela participa, pois se constitui como uma experiência de trabalho metódico que exige disciplina, rigor e persistência, o que coloca realce sobremodo no processo, nas inquietações teóricas, na permanente abertura para novas aprendizagens e na acolhida de quem compartilha conosco suas pesquisas, suas reflexões e um pouco da sua vida profissional. Este e-book é o resultado do amadurecimento deste evento e do aprimoramento acadêmico advindo do crescente investimento em produção científica. O conjunto de artigos que compõem estes Anais revela a maturidade do SIEduca como evento acadêmico. Organizados em oito eixos, os textos aqui disponibilizados ilustram a diversidade das temáticas e o excelente nível das pesquisas realizadas, compondo um conjunto cuidadosamente selecionado de trabalhos que entrelaçam ensinantes e aprendentes através dos saberes compartilhados. Sílvia Maria Barreto dos Santos Coordenadora do XX SIEduca

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DOCÊNCIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES A INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS DE HISTÓRIA DE 1930 ATÉ 1980: O CASO BRASILEIRO Simone Gomes de Faria Universidade Federal do Rio Grande/FURG [email protected]

O presente estudo versa ao redor da institucionalização dos docentes universitários de professores da Educação Básica de História. Assim sendo, a pesquisa foi desenvolvida através dissertação alcunhada “A formação de professores de História na pós-redemocratização 1980-2013: um estudo de Educação Comparada Brasil e Uruguai”. Nesse ensejo, salientamos que o nosso eixo temporal é entre os anos finais da Ditadura até os dias atuais, porém, desvelar o início de sua formação nos ampliou o desenvolvimento de questões importantes no desenrolar da pesquisa. A escolha por este marco temporal advém que é no ano de 1934 que o 6

Curso de História será oficialmente institucionalizado. O nosso aporte metodológico foi documental mediado pela análise de fontes relacionadas com as leis do magistério superior dando ênfase para a reflexão da teoria e da prática, ou seja, nossa preocupação é a de compreender o que os dispositivos legais nos informavam e se de fato os professores se aliavam da teoria e da prática pedagógica durante o Curso de História. Conclusivamente aferirmos que o discurso instaurado pelas políticas públicas educacionais informava que o ensino não era desvinculado da prática, bem como, professores e investigadores apresentavam as mesmas vantagens, no entanto, ao nos aprofundar mais no assunto analisamos que a realidade era muito diferente do que o discurso universitário pregava, pois, muito dos formadores não haviam conhecimentos pedagógicos e os que haviam estudo tais conhecimentos não era advindo da própria epistemologia da História e, sim da Didática dos cursos da Pedagogia o que deveras causou muitos danos para esta área no Sistema Educativo Brasileiro. Palavras-chave: Institucionalização dos professores; Ensino de História; Ensino Superior;

Introdução 7

Salientamos que o nosso objeto de investigação objetiva compreender se os professores de História se aliam da pesquisa concomitantemente com a sua prática pedagógica no ensino universitário. Assim, nosso foco é medrar como esses foram se institucionalizando nesta esfera. Deste modo, a formação de professores universitários, em âmbito geral, se configura no conhecimento perscrutado de um demarcado conteúdo, que por sua vez, pode ser de práticas advindas de o próprio fazer pedagógico, ou, como pode estar imbricado em assuntos que se aliem da teoria e da epistemologia da natureza de seu conhecimento. Mas, é inegável que desde a formação dos professores universitários esses estiveram segregados da formação pedagógica, e assim, observamos o quanto isso fora deixado de lado pelas políticas públicas das Instituições de Ensino Superior. Pensar na formação de professores universitários é conferir as características inerentes a essas instituições que os prescrevem. No entanto, é assentido que a universidade deve versar em função do trinômio: pesquisa, ensino e extensão, o que deveras não acontece concretamente, posto que, essa cisão advém do desacordo dos instrumentos legais com as políticas universitárias instauradas. 8

Historicamente vários fatores contribuíram diretamente para a precária formação pedagógica dos professores de Ensino Superior, em específico versaremos do magistério superior de História, no entanto, as outras áreas de saber também acabaram sendo deixadas para um segundo plano. Desde os primórdios a formação imbricada na docência fora vista com desprestígio, pois, a preocupação era a contratação de professores que obtivessem desempenho, contudo, essa característica era referente à área de saber que viria a desempenhar, pois, vejamos que na institucionalização do Curso de História no Brasil, na década de 30, vários professores vinham com formações do exterior, em suma, a formação pedagógica estrita do curso de História fora relegada; e a produção do saber desses catedráticos seria derivada de outras localidades, em especial, da Europa. Para os cursos de História, provinham professores da França, esses estavam imbuídos na alcunhada “Missão Francesa” que preconizava reestruturar a Universidade de São Paulo/USP, assim, essa “missão” fora muito importante porque deram saltos avassaladores no tocante à pesquisa em vários setores, e até mesmo, em alguns que eram desconhecidos. Embora esses estivessem preocupados com o desenvolvimento de 9

pesquisas no país era perceptível que os professores interagiam mais com os alunos, principalmente, com Braudel e Pierre Monbeig, que fornecia importantes informações para aqueles que viessem a se tornarem professores. Monbeig estava ciente da indissociabilidade da pesquisa e do ensino, entretanto, Braudel distinguia uma coisa da outra e ao mesmo tempo dava importância para ambas. Em síntese a “Missão Francesa” deu grandes avanços para a formação dos futuros professores de História, principalmente, para as investigações históricas. Em detrimento aos avanços muito ranços surgiram porque críticos postulavam que a implantação desta “Missão” tinha como cerne o estabelecimento de uma nova colonização com um enfoque altamente intelectualizado. Em suma, essa perdurou por pouco tempo no país, contudo, fora fundamental no tocante às questões teóricas e metodológicas; na dissociação do Instituto de Geografia e História e na criação de uma associação para os historiadores. A universidade brasileira fora tardiamente implantada e seu alvorecer advieram de um contexto capitalista, em 1930, com o desafio de ultrapassar muitas barreias como: de pessoal qualificado, insipiência acadêmica, a necessidade de expandir essa modalidade de ensino, um alto 10

número de instituições de caráter privado, entre outras. Em síntese os professores eram os detentores de uma área de saber que despejavam conteúdos, porque, havia uma ideia preconcebida de quem é detentor do conhecimento automaticamente saberia ensinar e, a formação pedagógica ou a didática da história não existiria, e as existentes, não eram direcionadas para racionalização do pensamento histórico, mas sim, das premissas norteadoras educacionais que estavam em voga. Com o modelo Humboldtiano ocorrem inovações na esfera universitária, já que, essa acaba se preocupando na preparação dos estudantes para a pesquisa, porém, novamente o fazer pedagógico não entra no cenário. A produção do conhecimento é um importante instrumento de avaliação de um professor universitário dentro das Instituições Públicas, e assim, a pesquisa e o ensino não caminharam lado a lado, e sim, em direções totalmente opostas, tendo em vista, que a cultura superior é dada para a pesquisa em oposição do ensino tornando-o fragmentado consoante os postulados de Pimentel (1993). Após 1920, emergem propostas inovadoras para a educação, o estado passa a redimensionar as atribuições inerentes às instituições públicas no país. A Reforma de Francisco Campos, em 1931, 11

é legalizada com uma de suas várias proposições: a de implantar formação profissional dos professores já graduados para que assim realizassem cursos de formação e aperfeiçoamento. A sua presença aludiu à regulamentação de cursos de formação de professores em nível de pós-graduação, mas, é somente na década de 50 que programas dessa modalidade ganham palco, pois, inicia uma sistematização de ordem bastante severa como nos alude Berbel (1994), em outras palavras, os níveis de exigência para esses cursos era bastante superior aos existentes. Nesse ínterim, emergia uma solução para o exercício do profissional universitário, bem como, em outras esferas da sociedade, contudo, novamente a formação do professor acaba sendo abandonada. O cenário da década de 50 é resultado de uma eclosão tanto urbana como industrial o que conclusivamente emerge uma demanda de indivíduos requerendo o Ensino Superior. Assim, com a criação da CAPES e do CNPQ surge estímulos para que os graduandos realizem cursos de pós-graduação porque muitos dos professores universitários necessitavam estudar no exterior, já que, não havia uma linha de pesquisa adequada para o desenvolvimento de sua investigação conforme as premissas de 12

Berbel (1994). Veremos que com a reforma das universidades ocorre uma ampliação das atribuições do CNPQ “incorporando a sua área de competência as ciências humanas, e inserindo-se esse órgão no complexo de mecanismos encarregados de exercer certos controles, a nível federal, sobre o sistema universitário de ensino e pesquisa e formação de cientistas” (MENDES, 2000, p. 28). Assim sendo, sua esfera de abrangência acabou englobando as ciências humanas, que até então não vislumbrava, com a missão de exercer controle ao redor do nível superior. O surgimento da Universidade de Brasília (UNB), 1961, trouxe imprescindíveis modificações para o ensino superior brasileiro servindo como mola propulsora para a educação, e tencionava dar alento para as críticas e desejos do meio universitário. Inegavelmente essa não se aportou do ensino fragmentado das outras instituições com a instauração de um plano flexível, moderno, dinâmico com alterações na área pedagógica servindo de estopim para vários debates teóricos e agitações de ordem política, que por sua vez, atravessou por grandes dificuldades com a implantação do regime militar. Convém ressaltar que no mesmo ano do advento da Universidade de Brasília se configura 13

a ANPUH (Associação de Professores Universitários de História), no obstante, obtinha como integrantes os professores associados, efetivos e fundadores conforme nos informa Zamboni e Mesquita (2008). Consoante às vozes dessas autoras, nesta época, fora delineado somente artigos referentes ao professor universitário de História, bem como, era de grande relevância temas de natureza histórica. Em suma, essa associação emergiu de um público seleto e muito elitizado. Durante o período militar primou em se manter afastada das questões políticas porque postulava que como uma associação científica não deveria abordá-las, e assim, acabaram não dando ênfase para a formação de professores e o Ensino de História, entretanto, mais tarde vieram os historiadores-docentes exigindo para que essa estivesse imbuída com abordagens políticas conforme os preceitos teóricos de Zamboni e Mesquita (2008). No ano de 1964, com o início da Ditadura Militar, o país passa por profundas mudanças que influenciaram toda a sociedade. Dentro deste contexto, elabora-se um sistema educacional universitário concatenado com os ditames do estado militar e autoritário, muito longe da missão de educar, de tornar a sociedade reflexiva porque essa passava a ter um caráter secundário, 14

contudo, o discurso educacional servia aos interesses do Estado e o sistema capitalista. Chaui (1980, p. 39) diz que: Desvinculando a educação do saber, a reforma universitária revela que sua tarefa não é a da produção e transmissão da cultura (dominante ou não, pouco importa), mas de treinamento dos indivíduos a fim de que sejam produtivos para quem for contratá-los. A universidade adestra a mão de obra e fornece força de trabalho.

Essa fala de Marilena nos deixa explícita que o importante não era a educação, principalmente para os operários e seus filhos, pois, o importante era o trabalho e a mão de obra. Nesse limiar, não havia necessidade de se formarem e; muitos menos se tornarem cidadãos plenos e desenvolvidos para enfrentar a sociedade de seu tempo. Assim cria-se um cenário perfeito para a tendência pedagógica alcunhada de tecnicista que se baseava moldes americanos instaurados no Brasil e nos demais países latinos. Nesse motim, o Ensino Universitário, passa por densas transformações com a consolidação do novo Estado Autoritário, esse, estivera preocupado com a pequena parcela da população que almejava mediado pelo golpe a possibilidade que o país 15

obtivesse uma política econômica apta para alavancar a economia e as finanças do país. No tecnicismo, o professor seria técnico, com qualidades de eficiência e eficácia; e o aluno seria um sujeito preparado para incorporar conceitos de materiais didáticos prontos para que ele realmente não pensasse e nem criasse, mas, somente o reproduzisse o que lhe fora ensinado. Para os padrões adotados pelo tecnicismo, o papel social de cada cidadão estava rotulado aos postulados militares que regiam e detinham poder sobre a população. A teoria da aprendizagem era voltada para relação estímulo-resposta havendo necessidade de se produzir uma intervenção de reforma e, o percussor Skinner, postulava que o aluno aprenderia mediante os estímulos-resposta. A teoria de ensino apresentada era voltada para a instrução com um ensino intencional que era vinculado na finalidade de que professor seria um guia que conduziria o processo de aprendizagem de forma condicionante que poderia ser um prêmio ou castigo. O seu currículo era norteado para expressar uma rigorosidade e precisão com ênfase na programação com uma avaliação baseada no domínio de sua própria conduta. O tecnicismo esteve presente no advento da Reforma Universitária, em 1968, que clarifica os fins e os objetivos das universidades existentes, 16

pois, com o recebimento de um auxílio mediante uma participação do governo norte-americano, emergiria modificações para o ensino superior do Brasil, com o intuito de erguer o sistema militar. O padrão objetivado era baseado nos moldes universitários americanos desconjunturando o movimento estudantil e apregoando o regime de créditos, a divisão de currículos em uma parte geral e outra profissional, cursos de curta duração, regime departamental, a pós-graduação, o taylorismo como forma de organização do trabalho, o “campi” ou “campus” segregado da cidade. Em meio a esse turbilhão de acontecimentos a Reforma Universitária aspirava estabelecer a incoação de um direcionamento para a ligação entre pesquisa/ensino, mas, os resultados não foram tão positivos com “uma grande burocratização da pesquisa e uma enorme desvalorização da atividade docente” (CHAMLIAN, 1996, p.3). A fala de Chamlian (1996) é visivelmente observada na formação dos professores de História devido à falta de debates sistematizados com a sua teoria e epistemologia da natureza histórica. Ainda nos aportamos a relatar que durante o período ditatorial poucas publicações de professores universitários do Curso de História 17

estavam preocupadas com questões imbricadas com o ensino, e os existentes, eram apenas para a divulgação de algumas experiências realizadas no ambiente escolar. A nova reorganização, produzida em consonância dos parâmetros financeiros, foi muito discutida dentro de um gabinete sem que houvesse um diálogo público, pois, fora somente um seleto grupo, de dez pessoas, que criaram o Relatório Geral. Através desse, os meios de comunicação tiveram somente serventia para divulgar os dados deste relatório sem a participação ativa dos estudantes e professores. O Relatório do Grupo de Trabalho foi um documento de grande vitalidade que serviu de justificativa legal para a organização e funcionamento do ensino superior, bem como, para os propósitos da reforma, posto que, foram debatidas questões que englobava ao redor da institucionalização do ensino superior, a organização científica e didática, a administração do magistério, as estratégias impostas para cursos de pósgraduação, dos recursos financeiros, entre outras proposições. Os questionamentos impostos, na sessão plenária, almejavam equacionar os questionamentos providos dos professores e das organizações e associações de sua classe. O Grupo de Trabalho delineou os princípios da 18

docência universitária com caráter inovador no tocante ao “reconhecimento da indissolubilidade das tarefas de ensino e pesquisa” expressa na ideia da unidade de carreira docente, pois, no relatório do grupo constou a presente fala: Se couber à Universidade digna desse nome a missão de indissocialmente, conservar o patrimônio da cultura e fazer recuar os seus horizontes, transferir o saber adquirido e criar o saber novo, não teria sentido separar, em compartimentos, estanques, os homens que ensinam o que já é patrimônio comum da humanidade dos que exploram humanas virtualidades do conhecimento(BRASIL, Decreto n. 62937/68).

Dentro deste discurso, utilizado no relatório do grupo, fica nítido que o pesquisador deve ensinar e que todo professor deve ser um investigador, e assim, consoante o princípio da pesquisa aliado da docência é fixada a dedicação exclusiva. Entre 1960 e 1970 foram implantadas algumas legislações regulamentando o magistério superior que ambicionavam sublimar a formação desses 19

professores só que acabaram tendo algumas limitações. Deste modo, iremos versar em torno dessas legislações que proporcionam que o leitor compreenda o processo em que esses foram institucionalizados neste período. No ano de 1961, a Lei n.º 4.024 aprova a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, após um período de mais de dez anos tramitando no Congresso Nacional, instiga ao surgimento de profundas transformações na educação brasileira e no ensino superior atendendo algumas exigências de professores e alunos, além de, outros setores envolvidos com o sistema educacional. A lei postulou que as Universidades obtinham autonomia didática, administrativa, financeira e disciplinar como unidades oficiais instituídas de autarquias ou fundações, embora não faça nenhum esboço relacionado com a formação do professor de magistério superior. A Lei n.º 4.881-A de 06 de dezembro de 1965 formula o regime político do professor e do pesquisador no Estatuto do Magistério Superior que estaria enleado da administração federal que servia para o regime jurídico do pessoal docente de nível superior. Nesta lei, fica clara a existência da indissociabilidade da pesquisa e do ensino com o intuito de transmitir e ampliar o saber, e por sua vez, deveriam ser executadas em universidades 20

ou lócus isolados de esfera superior, contudo, fora perceptível que o ensino e a pesquisa não estiveram lado a lado, pois, havia uma segregação nas classes dos professores. No segundo parágrafo, o documento, reitera que o sistema é indissociável da pesquisa e do ensino e que tantos os pesquisadores como professores estavam no mesmo patamar e com as mesmas vantagens salariais integrando o Quadro Único do Pessoal do magistério superior federal. Nesse caso, a lei deixa claro, mas o processo natural dos acontecimentos no tocante à formação dos professores fora bem diferente porque a maioria não integrava o ensino com e a pesquisa, bem como, a questão salarial poderia ser a mesma embora o pesquisador na cultura acadêmica estivesse em um patamar mais elevado. Ao analisar, os setenta e sete artigos, salientamos que a legislação trouxe de positivo para os professores a institucionalização do ensino de pós-graduação e a estruturação da carreira docente. A nova legislação do magistério sofre algumas alterações com a incorporação de normas e princípios. Nesse limiar, a Lei n.º 5. 539, de 27 de novembro de 68, altera o quadro do professor pesquisador (BRASIL, 1968). Vejamos abaixo: 21

Art. 3º Os cargos de magistério superior compreendem-se nas seguintes classes: I-Professor titular; IIProfessor adjunto; III - Professor assistente (BRASIL, 1968)

O texto legal desaparece com as classes da lei anterior como: pesquisador-chefe, pesquisadorassociado e pesquisador-auxiliar absorto pelo professor titular, professor adjunto e professor assistente, bem como, a seriação do pessoal docente passa a ser incumbência de um departamento que organizava uma carreira para que não fosse “desintegrado o ensino da pesquisa”. A Reforma de 68, Lei n.º5. 540/1968 de 28 de novembro resolve extinguir com o regime existente das cátedras, separou as áreas do conhecimento viabilizando uma fragmentação do conteúdo com a fixação de incipientes propostas de ensino, incorpora o regime integral, dedicação exclusiva aos professores, inova com o sistema de créditos por disciplinas, cria o semestre acadêmico, entre outras vicissitudes para o Ensino Superior Brasileiro como nos desvela Berbel (1994). Frisamos que na década da Reforma, o MEC, 22

inquieta-se com o aumento de cursos de pósgraduação estabelecendo diretrizes para os cursos de Lato Sensu e Stricto Sensu. Dentro do que abordamos a lei pretendia modernizar, flexibilizar administrativamente, objetivava a eficiência com um grupo de pesquisadores e formadores de alto garbo em prol do desenvolvimento do país. O primeiro capítulo da Lei n.º 5.540 enfoca que o ensino superior deveria ser voltado para a pesquisa, dentro das universidades, em estabelecimentos isolados, organizados em instituições públicas ou privadas como entidades assistidas pelo poder público. O artigo dois postula da indissolúvel separação da pesquisa e do ensino tanto nas universidades como em estabelecimentos isolados, organizados em instituições públicas e privadas. Reiteramos que a reforma tinha como escopo central a massificação do ensino e a compreensão de investimentos e, para a formação dos professores universitários o princípio da segregação entre o ensino e a pesquisa o que é perceptível em toda legislação desta época (BRASIL, 1968). A seguir expomos o texto legal que concatena com a anterior proposição apresentada: Art. 32. Entendem-se como

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atividades de magistério superior, para efeitos desta lei: (a) as que, pertinentes ao sistema indissociável de ensino e pesquisa, se exerçam nas universidades e nos estabelecimentos isolados, em nível de graduação, ou mais elevados, para fins de transmissão e ampliação do saber; b) as inerentes à administração escolar e universitária exercida por professores. § 1º Haverá apenas uma carreira docente, obedecendo ao princípio da integração de ensino e pesquisas§ 2º Serão considerados, em caráter preferencial, para o ingresso e a promoção na carreira docente do magistério superior, os títulos universitários e o teor científico dos trabalhos dos candidatos. (BRASIL, 1968)



A Reforma Universitária estava atrelada com o decreto de lei n.º 477/69 e o quinto Ato Institucional decretado durante a Ditadura Militar acarretando mutilações dentro do lócus universitário, pois para Fávero (1991, p. 57): 24

Ambos os documentos recomendam a implantação de uma nova estrutura administrativa baseada no modelo empresarial, cuja finalidade é o rendimento, a eficiência, e não a produção acadêmica, científica e cultural. A burocracia passa a ser o seu meio de realização e as leis de mercado, sua condição. Nessa perspectiva, o esquema administrativo ideal apresentado por Atcon se baseia numa separação completa entre os órgãos que formularam a política universitária e os que a executam. Isso vai implicar consequentemente uma separação entre as atividades universitárias de ensino e pesquisa e sua direção ou controle.

Dentro do discurso de Fávero (1991) compreendemos que os documentos gestaram para transformar a instituição universitária em meras empresas com administradores, onde o fator primordial seria a quantidade em detrimento da qualidade e, com um corpo de professores desintegrados. Berbel (1994) em seu discurso nos informa que fora somente a partir da década de 70 que ocorre 25

um aumento avassalador de professores universitários, todavia, ainda é falha a formação pedagógica desses professores. De acordo, com as perspectivas apontadas por Nóvoa (1992, p. 21) “a década de 70, é, também, um período fundador do debate atual sobre a formação de professores”. Efetivamente a formação de professores viera à tona somente com a introdução, em 1974, do I Plano Nacional de Pós-Graduação/PNG, contudo, as ideias mais contundentes, com relação à formação desses professores, vieram a se efetivar com aprovação do Plano Nacional de Graduação de 1999. Vale expormos a presente citação de Marafon (2001, p. 72) que alude com a nossa problemática da pesquisa que: A pós-graduação precisa integrar a sua missão básica de formar o pesquisador a responsabilidade de formação do professor de graduação, integrando, expressamente, questões pedagógicas às que dizem respeito ao rigor dos métodos específicos de produção do saber, em perspectiva epistêmica.



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O autor concatena exatamente com as nossas proposições porque não podemos segregar a pesquisa do ensino, pois, antes dele ser um pesquisador ele é professor e para isso deve se aliar da produção específica de sua área de saber. Os debates ecoam pelo país, contudo, ainda merece maior destaque porque muitos dos responsáveis pelas academias nacionais postulam que a estruturação pedagógica do seu saber é dispensável o que na realidade não é espantoso porque a nossa Lei de Diretrizes e Bases da Educação não aporta com relação a essa problemática. Em 1973, surge um decreto presidencial, que legalizava o pesquisador no Grupo-Pesquisa Científico e Tecnológico que visava exclusivamente na divulgação de pesquisas científicas e tecnológicas. Os docentes, nesta época, estavam abarrotados por uma extensiva carga curricular impossibilitando a capacidade de pesquisar, almejando harmonizar a carga com as atividades de pesquisa, e neste contexto, surgem deslocamentos de historiadores-docentes para os Institutos do governo porque havia incorporação, salário, regime de tempo integral. Nesse ínterim, o professor se vê esmagado por um excesso de carga horária impedindo a reflexão e esgotamento. Em 1973, o discurso de integração 27

da prática e da investigação permanece.

Metodologia Este estudo faz parte de uma dissertação que investiga a formação de professores universitários de História do Brasil e Uruguai, contudo, para este momento, nós somente utilizamos documentos e a legislação do Magistério Superior para refletirmos de que modo fora se institucionalizando os professores e, se estes, articulavam a teoria com a prática. As seguintes informações são fundamentais para a consecutividade da sistematização metodológica da pesquisa baseada na Educação Comparada.

Apresentação de resultados Ao longo deste percurso verificamos que os dispositivos legais não estabeleciam formações pedagógicas para o professor universitário para que o inflamasse a realizar cursos de formação pedagógica porque era postulada a ideia de que eles já apresentam conhecimentos suficientes para a realização desta formação. Resumidamente através desta perspectiva da institucionalização dos professores universitários de História compreendemos que não fora distintas das variadas áreas do conhecimento. O Curso de 28

História passa por fortes remodelações e consequentemente acarreta na formação de professores da área das Ciências Humanas e Sociais que acaba desintegrando a imagem do professor que deveria ser multifacetado em um curso com formação reduzida, genérico e amplo, consoante nos informa Fenelon (1986). A partir do exposto, medramos que o docente superior perpassou por algumas mudanças, tendo em vista que, inicialmente esses compreendiam classes distintas e com o discurso de que o sistema era indissociável do ensino e da pesquisa, no qual, estariam equiparelhados os professores e os pesquisadores, em outras palavras, com as mesmas vantagens pecuniárias. Na Reforma Universitária desaparecem em seu texto legal algumas classes de professores e a distribuição do pessoal docente de ensino e pesquisa passam a constituir uma só carreira organizada pelos departamentos permanecendo o discurso de aliança entre a pesquisa e o ensino. Nesse contexto demonstrado, o Grupo de pesquisa científica e tecnologia, de 30 de maio n.°72.303, aportam das classes distribuídas em níveis de supervisão, coordenação e execução compondo o grupo de categorias funcionais (BRASIL, 1973). Conclusivamente vislumbramos como fora instaurada a formação dos professores, no 29

período de 1930-1980, no tocante aos formadores e conferimos que vários desses receberam seu diploma sem ao menos cursar uma cadeira pedagógica, e os que os realizaram, obtiveram conhecimentos didáticos voltados exclusivamente para área educacional não primando pela Didática da História, ou seja, se aportando exclusivamente da epistemologia da História e da teoria da História. A consequência disto gerou graves consequências que vem sendo debatidas e dirimidas com as pesquisas preocupadas com a Educação Histórica, no entanto, ainda é válido ressaltar que muitos desses professores formados nestes cursos ocuparam cátedras e formaram a consciência histórica de milhares de professores que ainda permanecem alheios às mudanças atuais.

Referências BERBEL, N. Metodologia do ensino superior: realidade e significado. Campinas: Papirus, 1994. BRASIL. Lei n.º 4.881-A, de 06 de dezembro de 1965. O professor pesquisador. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2014. BRASIL. Lei n.º 5.539, de 27 de novembro de 1968. O professor pesquisador. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2014.

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_________. Lei n.º 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1968. Disponível em: . Acesso em: 14 nov. 2014. CHAMLIAN, H. C. A formação do professor na USP. Relatório de Pesquisa (CNPQ). São Paulo, 1996. CHAUI, M. de S.et al.Descaminhos da educação pós68. São Paulo: Brasiliense, 1980. FÁVERO, M. L. A.Da Universidade “Modernizada” à Universidade Disciplinada Atcon e Meira Mattos. São Paulo: Cortez – Autores Associados, 1991. FENELON, D. A questão de Estudos Sociais. Caderno CEDES. A prática do ensino de história. n.10. São Paulo: Cortez, 1986. PIMENTEL, M. G. O professor em construção. Campinas, SP: Papirus, 1993. MARAFON, M. R. C. Articulação pós-graduação e graduação: desafio para a educação superior, 2001, 219 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001. MENDES, D. T. O planejamento educacional no Brasil. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2000. NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, A. N. (Coord.). Os Professores e a sua Formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992.

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ZAMBONI, E.; MESQUITA, I. M. A Formação de Professores na Trajetória Histórica da Associação Nacional de História (ANPUH). In: ZAMBONI, E.; FONSECA, S. G. (orgs). Espaços de Formação do Professor de História. Campinas: Papirus, 2008.

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A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE DE UMA PROFESSORA DE HISTÓRIA: MEMÓRIAS DE SUAS TESSITURAS

Simone Gomes de Faria Universidade Federal do Rio Grande/FURG [email protected]

Inegavelmente as últimas pesquisas realizadas com relação à formação docente nos têm revelado uma decrescente escolha pela profissão docente, bem como, é visível que os alunos que optam pelo Magistério são estudantes que enfrentaram dificuldades financeiras sendo privados de acesso a leitura, teatro, viagens, eventos, exposições, em suma, de qualquer forma de manifestação cultural. Assim sendo, estes profissionais acabaram apresentando problemas ao finalizar sua licenciatura porque são advindos de um ensino precário e deficiente que dá primazia pela teoria em detrimento da prática. O presente ensaio corrobora com as últimas investigações mediadas pelas memórias de vida de uma professora de História da Região das Missões nascida na cidade de Pirapó para que assim possamos compreender 33

algumas nuances de sua constituição pessoal e profissional. O estudo apresenta como aporte metodológico a História Oral, pois, a fonte utilizada para aferir esta análise fora mediada por uma entrevista semiestruturada realizada na Escola Municipal de Ensino Fundamental Monteiro Lobato no município da Hulha Negra. Desta forma, através da sua trajetória de vida vai se construindo sua identidade de professora de História, pois, mediado pelas marcas de sua memória é possível que compreendamos o seu tradicional fazer pedagógico. No tocante aos referenciais teóricos nos fundamentaremos em Meihy, Demartini, Stephanou, Nascimento, Menezes, entre outros que serão elencados ao longo de nossa narrativa. O trabalho com a voz da “nossa professora” nos possibilitou compreender o quanto foi fundamental articular as suas memórias com o seu contexto vida para que assim pudéssemos compreender como decorre a sua prática educativa e, o quão necessário que emerjam mudanças profundas nas políticas educativas do Brasil. Palavras-chave: Ensino de História; Formação de professores; Identidade. “As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo

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cuidado, será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito. Ou, pelo menos, não era apenas isso. Meu enleio vem de que um tapete é feito de tantos fios que não posso me resignar a seguir um fio só; meu enredamento vem de que uma história é feita de muitas histórias.” Clarisse Lispector



Considerações Iniciais A magnífica frase de Clarisse Lispector serve para delinearmos o perfil da nossa depoente, pois, sua constituição como uma professora de História adveio de tantos fios até que este tapete ficasse “semiacabado” muita água rolou. Utilizo a expressão “semiacabado” porque nós profissionais da educação nunca estamos prontos por melhor que seja a nossa prática, tendo em vista, que lidamos diretamente com a formação humana. No entanto, esta trama de fios nos conta uma história composta por muitas outras com muita resignificação e dificuldade. Assim sendo, o 35

relato nos demonstrará a voz das experiências de uma professora que expõe sobre fatos recentes, e através dessa narrativa, servirá como método para o exercício reflexivo de sua prática como profissional. Nesse ínterim, as memórias aqui apresentadas exporão o modo como fora sendo forjada sua identidade, bem como, a sua infância, seus estudos e seu trabalho. Em suma, nos aportamos a dizer, que será um currículo de vida, entretanto, apresentaremos um currículo baseado em memórias que não se encontram ancorados em certificados é muito mais do que isso: é uma interlocução circular entre o passado, presente e futuro. Como se é sabido por muito tempo as narrativas de pessoas excluídas eram pormenorizadas, pois, foi somente na contemporaneidade que nos é desvelado uma nova forma de conhecimento não somente baseado em grandes homens e fatos, e assim, a narrativa sofre mudanças dando voz para as mulheres, homossexuais, africanos, indígenas, pessoas portadoras de necessidade especiais, entre outros que foram silenciados, posto que, em circunstâncias anteriores está narrativa seria totalmente inválida porque se trata de uma pessoa simples que tivera uma educação construída dentro do meio rural. Assim sendo, o presente tem como aporte a História Oral que sinteticamente demonstrará as tessituras que compuseram a 36

história de vida dessa professora.

Memórias de vida da “nossa professora” A história difere da memória, o conhecimento que se produz a partir dela é produzido e compartilhado coletivamente, pois trata-se de uma atividade social. Há então que se rememorar, há que se construir lugares, ou buscar os já constituídos para essa (re) construção (MENEZES, 2004, p. 8).



Quando lidamos com a subjetividade é imprescindível vislumbrarmos que ela é embasada na experiência de vida de alguém. Nesse limiar, o agente pesquisado narra os fatos de sua vida tanto na esfera pessoal como social. Em linhas gerais todos nós apresentamos histórias de vida que são testemunhos edificados consoante as nossas experiências, o que por si só, constitui um grande campo para a concretização de qualquer pesquisa histórica. Desta forma: As histórias de vida são

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concebidas como fontes, não ingênuas ou aleatórias, mas como resultados de experiência social, onde a subjetividade encontra sua potencialidade e sua forma de contribuição na valorização dos sujeitos e processos sociais, desenvolvidos e protagonizados em contextos específicos de formação e interação. (FERRO, 2009, p, 74)



A palavra memória é constituída de muitas terminologias, em suma, é o ato de recordar algo, que por sua vez, pode ter sido um vestígio ou uma lembrança de outrora. O pesquisador Stephanou nos expõe que: ....a memória, não sendo história, é um dos indícios, documento, de que se serve o historiador para produzir leituras do passado, do vivido, do sentido, do experimentado pelos indivíduos e daquilo que se lembram e esquecem a um só tempo. (STEPHANOU, 2005, p.418)



Nesse limiar, é fundamental que referendamos a 38

memória como uma fonte para as investigações em história com o objetivo de favorecer na interpretação dos fatos, e que por sua vez, nos forneça credibilidade para exposição destes. Infelizmente por muito tempo fora preconizado com desdém pelos historiadores clássicos por consideraram o trabalho com a memória como algo sem veracidade. Desta forma, Stephanou nos exemplifica que Há uma clara ruptura com a concepção de que apenas têm valor os documentos escritos (oficiais, especialmente). Se deixarmos em suspenso o estatuto de verdade dos documentos, então os problemas de veracidade, contaminação, tendenciosidade, já não serão a priori que invalidam ou secundarizam documentos orais e seu uso por uma pretensa história menor. Há espaço de aceitação e de criação da História a partir das memórias, plurais, incoerentes, movediças, indomáveis. Vestígios de memórias que são produzidos diferentemente, como são diversas as experiências vividas e as interpretações discursivas individuais e coletivas.

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(STEPHANOU, 2005, p.419)



De forma conclusiva com a fala do autor a memória pode ser considerada como um indício histórico, embora, não se encontre escrita pode nos ajudar a compreender os vestígios do passado porque é uma prova do que foi experienciado por um indivíduo nos levando a reelaborar compreensões em torno de fatos já acontecidos. No que diz respeito à história de vida embasada em uma profissão é possível através da memória trazer à tona as memórias de professores num movimento que vai de suas particularidades para o âmbito geral. As experiências de vida e o ambiente sociocultural são obviamente ingredientes-chave da pessoa que somos do nosso sentido do eu. De acordo com ‘quanto’ investigamos o nosso ‘eu’ no nosso ensino, na nossa experiência e no nosso ambiente sociocultural, assim concebemos a nossa prática. (GOODSON, 1996, p. 71)



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Baseando-nos na assertiva acima comporemos a história de vida de nossa professora nascida na região das missões em um pequeno município denominado Pirapó que desde pequena trabalhava junto com os avôs na criação de gado, e principalmente, na ordenha de leite. O município de Pirapó tem como subsistência econômica a agricultura e produção leiteira. A nossa entrevista se constitui dentro deste ambiente de zonal rural, que infelizmente, é um prisma pouco desvelado pelos pesquisadores, no obstante, nas últimas décadas vem ganhando visibilidade por parte de pesquisadores em Educação do Campo. A nossa investigada teve sua vida marcada por dificuldades porque além de morar em uma propriedade de zona rural desde seus seis anos trabalhava na ordenha do gado. Embora com uma vida pacata e de personalidade introspectiva interagia com duas meninas para poder se deslocar até a escola que ficava dois quilômetros de sua casa, pois, nesta época a Prefeitura Municipal não lhe concedia transporte para estudar na única escola de zona rural do município. A escola não existe mais, mas, mesmo assim atendia cerca de vinte crianças que se formaram graças aos esforços de uma professora que atendia a todos. Neste momento, se depara o quanto deficitária fora a sua formação, vejamos 41

bem, não quero afirmar que uma única professora não poderia dar conta de um bom desenvolvimento cognitivo, no entanto, a nossa depoente nem sempre podia ir para a escola devido à insuficiência de recursos materiais e físicos porque em épocas de frio e chuva era impossível que a escola obtivesse um bom desempenho por questões climáticas. Além disso, tais escolas geralmente contemplam conteúdos com perspectiva para a lida campesina para que estes permaneçam atuando em suas propriedades. Mesmo assim o seu esforço em continuar é uma marca valiosa, tendo em vista, que as maiores partes destes estudantes de zona rural desistem e acabam trabalhando com os familiares na tenra mocidade para poderem receber pequenos trocados. Terminado o Ensino Fundamental na escola de zona rural ela vai à busca de uma vida melhor, e assim, conclui o segundo grau na Escola Estadual Henrique Sommer. Durante este período as coisas se tornaram mais fáceis porque havia transporte lhe possibilitando um acompanhamento constante às aulas, todavia, seu pilar fora muito fraco lhe trazendo muitas dificuldades para os estudos posteriores. Mas, encontrou aconchego em uma professora de História que lhe serviu de perfil dentro de suas possibilidades de escolhas profissionais. 42

Inegavelmente assim como esta professora muitos profissionais da educação entram na carreira não por vocação, e sim, por condições econômicas. Após, concluir com dificuldade o seu segundo grau era fundamental que tivesse uma profissão que lhe servisse de base para o futuro, contudo, seu anseio era para ser enfermeira, mas, diante das condições de seus familiares lhe restaram poucas possibilidades porque para frequentar Enfermagem precisaria residir em Ijuí, município localizado cerca de 166 km de Pirapó, e assim, não poderia seguir trabalhando sem contar que o custo do curso era muito elevado. Partindo deste pressuposto, suas dúvidas estavam praticamente esclarecidas, não havia necessidade de testar sua vocação, posto que, os cursos na área de Educação eram de fácil acesso e bem mais baratos. A escolha por um curso semipresencial se deu pelo fato que disporia de tempo para ajudar na lavoura e continuaria revendendo Avom, Natura e Hermes. Desta forma, havia vários cursos desta modalidade, entretanto, a escolha pelo curso de História se deve ao fato que gostava de “historietas”, bem como, havia se afeiçoado por sua professora de História do segundo grau e como não gostava das Ciências Exatas preferiu as Humanas. E o rumo lhe levou o que conclusivamente compreendemos que não foi uma escolha ser professora, e sim, ser professora 43

era a sua única escolha, e assim, é justificável que: Os estudos referentes às vidas dos professores podem ajudar-nos a ver o indivíduo em relação com a história de seu tempo, permitindo- nos encarar a intersecção da história de vida com a história da sociedade, esclarecendo, assim, as escolhas, contingências e opções que se deparam ao indivíduo. (GOODSON, 1995, p.75)



Entrando para a Universidade de Unijuí se deparou com um ensino tradicional e conteudista e mesmo realizando um curso de licenciatura havia mais apostilas para estudar e praticamente nada da didática da História ou práticas de ensinos direcionados para a ciência do conhecimento histórico. Rara foram suas práticas de ensino, visto que, quando as realizara acabou encontrando muitas dificuldades em seu estágio, principalmente, porque não soube lidar com a indisciplina dos alunos. Passaram-se quatro anos e a “nossa professora” formara-se em História 44

foram muitas noites para acumular conteúdos, poucos encontros com os professores titulares das cadeiras, muita dificuldade para estudar nos períodos concentrados, pois, precisava pagar para sua acomodação e necessidade básicas. Sei que muitos de nós fazemos tais sacrifícios para alcançarmos nossos objetivos, entretanto, compreendo o quanto é difícil para pessoas que possuem este contexto porque estou inserida numa escola de zona rural há nove anos. Por fim, ela acumulou, acumulou e pouco fixou do que lhe fora perpassado. Mas, se não fosse por está modalidade de ensino talvez nem estivesse com uma profissão. Durante sua formação realizou alguns cursos para completar sua carga horária e seu TCC fora baseado nas Reduções Jesuíticas sem um acompanhamento de um professor fora somente entregue na secretaria do curso e pagando a última parcela já era uma professora de História. Formada em 2003 foi somente em 2006 que viera a efetivamente gozar de sua titulação num temporário contrato na Escola Municipal de Ensino Fundamental Auta Gomes, da qual, fora retirada por descobrirem que estava grávida. Embora tenha feito um concurso em sua terra natal fora na cidade de Hulha Negra que viera a se efetivar realmente como professora. Em 2007 presta um 45

concurso e lhe chamam para assumir o cargo em 2010. Nesse ínterim, sua vida mudou devido ao fato que seu marido, também professor de História formado pela mesma Universidade, ganhou um lote em um assentamento da Hulha Negra e acabou mudando-se para lá. Resta-me dizer que embora os municípios se localizem em regiões equidistantes apresentam características peculiares, pois, a subsistência é baseada na agricultura e pecuária, bem como, é forte a presença dos alemães, com muitos assentamentos e municípios com cerca de vinte anos com uma população que totaliza cerca de seis mil habitantes. Dentro desta perspectiva “a nossa professora” se adaptou rapidamente com a vida de sua nova cidade. A entrevistada, em 2010 é lotada na escola sede do município alcunhada de Escola Municipal Monteiro Lobato. A escola mesmo localizada no centro da cidade é particularmente rural porque atende no turno da manhã cerca de noventa por cento filhos de assentados pelo fato que a prefeitura condensa-os o no turno da manhã devido ao transporte gratuito. Na parte da tarde os alunos que frequentam as dependências da escola apresentam uma singularidade em comum: são alunos com condições e recursos bem mais elevados. Em sua fala a professora nos revela que 46

é uma pessoa muito nervosa com situações que não consegue lidar com descaso dos alunos com sua matéria e a indisciplina dentro da sala de aula. Em sua prática nada de inovador e se lermos em voz alta sua narrativa é até de escandalizar, porém, muitos dos escandalizados dirão que não fazem o que ela faz aludindo que trazem ludicidade para as aulas, que levam o desvelo de novas fontes que não as escritas para o contexto escolar, que fazem com que seus alunos sejam críticos e reflexivos. Quanta hipocrisia! Não estou afirmando que são todos os professores, porém, posso afirmar que mais da metade dos professores ainda trabalham com o Ensino de História de forma conteudista e tradicional. A “nossa professora” faz como a grande parte de professores texto, livro didático, giz, explicam e são cobradas por um regimento interno que se preocupa na quantificação dos alunos por meio de três notas: trabalho avaliativo, teste e prova. As provas e testes apresentam questões subjetivas e objetivas explorando os conteúdos mais preconizados nos livros de História. O seu planejamento é definido pela Secretaria Municipal de Educação onde ela realiza a divisão de conteúdos por bimestre e, diariamente tem um caderno onde anota as páginas utilizadas do livro didático de Nelson Piletti, pois, está o considera o melhor autor para trabalhar por apresentar textos 47

de simples compreensão, posto que, não se recorda de escolher os autores adotados pela escola, e assim, extrai enxertos dos livros de Piletti e repassa para os seus estudantes. Não costuma a realizar muitas pesquisas embora acredite na importância de cultuar as raízes de uma cidade e sempre que possível solicita que os alunos façam relatos autobiográficos e junte documentos que aportem dessa temática, principalmente, as que enlaçam a história do município e da escola. As outras formas de pesquisa ela acredita na inviabilidade de seus discentes realizarem por possuírem baixas condições econômicas, e os que possuem, ela resolve “ampliar” seus conhecimentos com um depósito de informações, ora, ela foi constituída assim e sua formação acadêmica não foi diferente o que nos levaria a crer que ela pudesse trazer alguma novidade? Realmente poderia se caso estivesse engajada em cursos de aprimoramento para professores, entretanto, sua fala foi bem clara que desde a sua saída da faculdade não realizou nenhum curso de aperfeiçoamento, com exceção, dos obrigatórios realizados pela Prefeitura Municipal da Hulha Negra antes dos recessos escolares nos revelando que no momento não tem interesse porque terminar a faculdade foi algo muito difícil.

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De toda a sua fala o que menos me deixou perplexa fora a sua prática de ensino, a forma do seu procedimento metodológico, os conteúdos abordados, seu planejamento anual e diário, mas, o fato de não querer avançar em sua formação expondo que estava cansada de passar horas acumulando informações. Neste momento, me passou muitas coisas pela cabeça. Será que o nosso sistema educacional peca tanto assim? Será que as políticas públicas viabilizam oportunidades para pessoas sem vocação trabalharem somente por um salário? Será que ela não está numa profissão errada? Será que para um sujeito se beneficiar é viável que ele traga tantos prejuízos para a consolidação e formação de educando? Bom, muitas dúvidas, indagações com e sem resposta, contudo, o fato é que está professora, assim como seus alunos se cansam dela jogar Nelson Piletti duas vezes na semana, “a nossa professora” também se cansou do método educativo e perdeu gosto. Imediatamente me veio à voz de Nóvoa que nos diz que: [...] A compreensão contemporânea dos professores implica uma visão multifacetada que revele toda a complexidade do problema. As questões sociais nunca são simples. Muito menos as que dizem respeito à educação e ao ensino. (NÓVOA,

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1995, p.21)



Nesta perspectiva, observei o quanto é importante investigarmos o motivo, a causa e as consequência que são geradas por esta falta de interesse por parte dos profissionais, em específico, da “nossa entrevistada.”

Metodologia

A entrevista semiestruturada fora realizada na Escola Municipal de Ensino Fundamental Monteiro Lobato, bem como, a professora nos autorizou mediante a uma cessão de voz a exposição de sua história de vida com a finalidade exclusivamente acadêmica. Assim sendo, a História Oral é um método fundamental para a composição histórica da profissão docente, visto que, viabiliza pensar concretamente com relação as suas práticas, suas lutas de classes, as suas experiências e suas ideologias. A afirmativa Demartini nos narra que: As fontes orais possibilitam apreender não só fatos desconhecidos, mas também representações de diferentes personagens envolvidos no

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processo educacional – a visão dos professores, dos pais, dos alunos, dos diferentes grupos étnicos etc. – que tem sido muito pouco consideradas nas reflexões sobre questões educacionais. (DEMARTINI, 2001, p.122)



Nesse limiar, compreendemos que a História Oral é um recurso da modernidade que nos oferece uma gama de possibilidade se observarmos os inúmeros ângulos de um sujeito mediado por conversas com o intuito de prevalecer conexões entre o passado, presente e futuro. Na voz de Meihy essa afirmativa é melhor exemplificada, pois, se trata de um: ....recurso moderno usado pra elaboração de documentos, arquivamento e estudos referente à vida social de pessoas. Ela é sempre uma história do tempo presente e também conhecida por história viva. Como história dos contemporâneos, a história oral tem que responder a um sentido de utilidade prática e imediata. (MEIHY, 1996, p.13)



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Consoante a premissa teórica de Meihy (1996) as narrativas orais são subdivididas sob três formas: tradição oral, história oral temática e história oral de vida. Esta última, por sua vez, servirá de aporte teórico para este estudo porque retrata as experiências de vida de uma docente em uma perspectiva subjetiva. Deixamos claro que nossa pretensão não fora a de avaliar se sua prática está correta ou não, e simplesmente, compreendermos através de sua narrativa o porquê de suas práticas educativas.

Considerações Finais

Em viés conclusivo o relato serviu de aporte para compreendermos o processo de formação desta profissional sob a ótica da História Oral. Após aferirmos suas dificuldades desde a infância trabalhando arduamente no campo para ajudar a família; e seus tropeços para poder estudar numa escola de zona rural multisseriada onde havia somente uma professora que fornecia todos os conteúdos se observa sua insuficiente formação. Mesmo assim, com tantas deficiências seguiu a diante em uma Escola Estadual, e por fim, mesmo sem saber se havia vocação acabou escolhendo o que lhe fora mais conveniente mediado por um 52

curso que vive na lógica do capitalismo, pois, este não se preocupou se eles serão ou não responsáveis pela formação de vários estudantes que compõem a nossa sociedade e; se estes colocarão e de que forma porão em prática os conhecimentos adquiridos em sua graduação. O capitalismo não está preocupado se este professor será o responsável por sistematizar conteúdos, por formar seres reflexivos e muito menos autônomos, já que, o que lhes interessa: é o lucro. A presente narrativa serviu para nos demonstrar que os problemas na área educacional, ou seja, tanto no Ensino de História como em qualquer outra área é algo muito mais profundo do que imaginamos. Creio que ao ler a transição de sua narrativa qualquer pessoa que esteja se aprimorando em inauditos caminhos para a Educação Histórica ficará muito incomodado com suas afirmações. Mas, afinal posso considerá-la como uma profissional com proposições infelizes? Sim. Sua prática necessita ser reestruturada, mas, não posso deixar de considerá-la uma pessoa vitoriosa porque apesar de todos os pesares está apresentou ao longo de sua existência constantes abnegações com relação a sua vida estudantil e continuamente acadêmica, embora, com todas as contenções de um Curso de Educação a Distância 53

de História foi dentre poucas que conseguiu tocar adiante os seus estudos. Em suma, a maior falha é das nossas políticas públicas educacionais que desvaloriza muito quanto se trata de cursos de licenciatura já que não lhes interessa investir em educação estes acabam sendo autorizado pelo MEC, e muitas vezes, como o que nos foi apresentando, com bons índices de qualidade, entretanto, está serve somente para “medir” através de números o que não significa que seja realmente um curso de qualidade. Por fim, as narrativas ancoradas pela história de vida nos mostram uma boa opção para compreendermos a trilha percorrida pelos profissionais da educação, em outras palavras, este serve para entendermos as condições de trabalho do professor proporcionando novos subsídios para póstumas pesquisas que englobam a área do Ensino de História. Voltemos à frase inicial de Clarice Lispector para entrelaçarmos com a nossa entrevistada, já que, a sua história como profissional no Ensino de História adveio de muitas outras dentro de sua própria história, que nos foi contada, e aos poucos, teceram vários fios para que pudéssemos compreendá-la como um indivíduo que não almejou ser professora, todavia, está professora.

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Referências DEMARTINI, Zeila de Brito Fabri (2001). Crianças como agentes do processo de alfabetização no final do século XIX e início do século XX. In: MONARCA, Carlos (Org.). Educação da Infância Brasileira: 1875-1983. Campinas: Autores Associados, 2001, pp. 121-156. GOODSON, Ivor F. Dar voz ao Professor: as histórias de vida dos professores e o seu desenvolvimento profissional. In: NÓVOA, António (Org.). Vida de professores. 2. Ed. Portugal: Porto, 1996. P. 63-75. HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo, 1990 MEIHY, José Carlos S. Bom. Manual de história oral. São Paulo: Loyola, 1996. MENEZES, M. C. (Org.). Educação, memória, história: possibilidades, leituras. Campinas, São Paulo: Mercado de Letras, 2004. 254 p. NASCIMENTO, M. I. M. (Org). Fontes, História e Historiografia da Educação. Campinas: Autores Associados, 2004. p. 3-12. NÓVOA, António. Os professores e as histórias da sua vida. In: ______. Vida de professores. 2. Ed. Porto:

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Porto, 1996. p. 11-30. NÓVOA, António. O passado e o presente dos professores. In: NÒVOA, A. (org.). Profissão Professor. Porto: Porto, 1995. NÓVOA. A. Introdução. In: STEPHANOU, M.; BASTOS, M. H. C. (org.) História e memórias da educação no Brasil. Petrópolis: Rio de Janeiro: Vozes, 2009. p. 4-17; STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara. História, Memória e História da Educação. In: STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara (Orgs.). Histórias e Memórias da Educação no Brasil vol.III – SéculoXX. Petrópolis: Vozes, 2005, p.416-429.

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EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: A CONCEPÇÃO DOS PROFESSORES DE UMA ESCOLA PEDRITENSE.

Vitor Garcia Stoll – UNIPAMPA – Dom Pedrito/RS [email protected] Quelen Colman Espindola– UNIPAMPA Dom Pedrito/RS [email protected] Simone Silva Alves– UNIPAMPA – Dom Pedrito/RS [email protected]

Este artigo tem por objetivo refletir, sobre os motivos pelos quais levam os professores a trabalharem na modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA), no Instituto Estadual de Educação Bernardino Ângelo, na cidade de Dom Pedrito/RS e, também busca entender como é o relacionamento professor/aluno nessa escola. A natureza da pesquisa foi quanti-qualitativa porque as opiniões coletivas apresentam, ao mesmo tempo, uma dimensão qualitativa e uma quantitativa. Para a escolha dos critérios da escola escolhida e dos sujeitos da pesquisa, demos como centralidade ser essa a única instituição pública que trabalha desde a década de 1970 com a 57

modalidade EJA no ensino fundamental e na década 1980 com o ensino médio. As informações foram analisadas e interpretadas à luz da perspectiva histórica crítica tendo como base de interpretação metodológica o Discurso do Sujeito Coletivo, por meio de contribuições teóricas marxianas. Participaram da pesquisa nove professores, desses, sete eram mulheres e dois homens. Identificamos que, três professores estão inseridos na EJA por necessidade da escola e os demais, por se identificarem com o perfil dos alunos e pelo turno da modalidade ser noturno. Além disso, os professores relataram que os alunos daquela escola são, em maioria, trabalhadores, pessoas que tem experiência de vida, vivências e ritmos de aprendizagem e estruturas de pensamento muito diferentes. São alunos que tem faixa etária compreendida entre 15 a 80 anos e que, não buscam apenas o conhecimento, mas também incentivo e reconhecimento. Constatamos que existe bom relacionamento entre professores e alunos. Porém, a pesquisa também aponta fragilidades e desafios, pois o professor trabalha com um grupo que apresenta características diversas. Para compreendermos essa realidade nos fundamentamos em autores como FREIRE, ARROYO, MARX & ANGELS, LEFEVRE & LEFEVRE, entre outros. 58

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos; relação professor/aluno; perspectiva dos professores.

INTRODUÇÃO “A educação deve contribuir para autoformação da pessoa (ensinar a viver, ensinar a assumir a condição humana) e ensinar como se tornar cidadão” (MORIN, 2002).

Atualmente, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade de ensino da Educação Básica, destinada a jovens e adultos que não tiveram acesso ou não concluíram o ensino fundamental ou médio na idade própria, tendo assegurado o ingresso à educação gratuita na especificidade de seu tempo. (Lei de Diretrizes e Bases para Educação Nacional, Seção V, 1996). Entende-se que a EJA, enquanto modalidade da educação popular tem por objetivo proporcionar a igualdade de direitos entre todas as pessoas, independentemente de suas condições sociais, idades, credos, orientação sexual e demais particularidades. “A educação popular é o esforço 59

de mobilização, organização e capacitação de classes populares; capacitação técnica e científica.” (FREIRE, 1993, p 19). A educação de jovens e adultos é um campo de práticas e reflexão que extravasa os limites da escolarização em sentido restrito. Abarca processos formativos diversos, onde podem ser incluídas iniciativas visando à qualificação profissional, o desenvolvimento comunitário, a formação política e diversas questões culturais pautadas em outros espaços que não o escolar. Ribeiro (2011, p. 122), enfatiza que: Evidente que todas estas formas de saber implicam em dimensões educativas, que demandam desenvolvimento e aprendizagem da pessoa, de sua subjetividade, de suas socializações e de sua humanização. Portanto, para trabalhar nesta sociedade do conhecimento cada vez mais se faz presente a necessidade de outra educação (RIBEIRO, 2011, p. 122).



Nesse sentido, assumir uma concepção ampliada de educação, escolar ou não, antes de 60

tudo, é romper com as concepções e práticas educativas limitadas às exigências de um mercado, é distanciar-se e contrapor-se às restrições impostas pelo sistema capitalista o qual não economiza força para apartar a compreensão da educação. Conforme o Art. 1º. Da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Nº 9.394/1996: “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e nas organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (BRASIL, 1996).



Compreendemos que o tempo de escola não é o único espaço de formação, de aprendizado e de cultura. O fenômeno educativo acontece em outros espaços e tempos sociais, em outras instituições, nas fabricas, nas igrejas e terreiros, nas famílias e empresas, na rua e nos tempos de lazer, de celebração e comemoração, no trabalho. Tendo como horizonte de análise a dimensão 61

educativa do trabalho, nosso estudo compreende que: O trabalho como princípio educativo vincula-se, então, à própria forma de ser dos seres humanos. Somos parte da natureza e dependemos dela para reproduzir a nossa vida. E é pela ação vital do trabalho que os seres humanos transformam a natureza em meios de vida. Se essa é uma condição imperativa, socializar o princípio do trabalho como produtor de valores de uso, para manter e reproduzir a vida, é crucial e “educativo” (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 64).

Destacamos que é dentro desta perspectiva que a atividade prática é o ponto de partida do conhecimento, da cultura e da conscientização. Hoje, torna-se cada vez mais relevante compreendermos que os processos educativos estão ocorrendo em outros lugares além das escolas e através de operações tecnológicas e culturais bastante diversificadas. Dessa forma, educadoras e educadores devem compreender que esses sujeitos são portadores de saberes e que suas experiências devem ser 62

consideradas e reconhecidas para que o processo de ensino e aprendizagem seja significativo e levem a construção do conhecimento. Assinalamos que os sujeitos que recorrem a essa modalidade de educação, muitas vezes, são pessoas que buscam uma certificação para ingressar no mercado de trabalho; são donas de casa que engravidaram na adolescência ou que tiveram que sair da escola para cuidar dos irmãos mais novos; são idosos que sonham em aprender a escrever o próprio nome, ler jornais e revistas; são pessoas que querem e – precisam – de uma educação específica, que atenda suas particularidades e que contribua para a realização de seus objetivos. Freire nos ensina que: Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de aprender. Por isso, somos os únicos em que aprender é uma aventura criadora, algo por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito (FREIRE, 2003, p. 69).

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Esses sujeitos são, muitas vezes, vitimas do sistema educativo capitalista que, segundo Marx e Engels (1998), tem um elemento de manutenção da hierarquia social de reprodução dos valores. O atual sistema educativo no Brasil vem confirmando o que se diz sobre reprodução, exclusão e dominação. Tal fato se dá porque vivemos num país com alto índice de desigualdade social e educacional. Existem percentuais e indicativos de que isso acontece. O relatório da UNESCO (2012) revela que existem cerca de 14 milhões de pessoas maiores de 15 anos que não sabem ler e escrever no Brasil, sendo que o país é um dos que mais aumentou seus investimentos em educação. Além disso, segundo a ONU (2012), o país tem o terceiro pior nível de desigualdade de renda do mundo que, sendo o baixo nível educacional um dos fatores que mais dificulta a melhoria social do Brasil, considerado como o reflexo do descaso das políticas educacionais, que vem de longa data, para com a alfabetização. Dessa forma, os professores que trabalham, principalmente, com a Educação de Jovens e Adultos têm a missão de diminuírem as desigualdades promovidas pelo capitalismo, pois 64

convivem diariamente com alunos que, em algum momento da vida, foram excluídas. Nas salas de aula, estes profissionais são desafiados a conviver, respeitar e explorar a heterogeneidade de personalidades, culturas e histórias de vida presentes nos alunos. Para que isso aconteça com mais facilidade, os professores devem gostar de trabalhar na modalidade, entender as particularidades da EJA e ter um bom relacionamento com os alunos, respeitando as particularidades de cada um. Neste sentido, esta pesquisa busca identificar os motivos pelos quais os professores da Educação de Jovens e Adultos escolheram lecionar na EJA; saber se existem particularidades que diferenciam a Educação de Jovens e Adultos das outras modalidades de ensino e também; verificar como é o relacionamento dos professores com os alunos da modalidade.

METODOLOGIA No munícipio de Dom Pedrito/ RS, a modalidade EJA contempla todas as séries do Ensino Básico, através de cinco escolas da rede pública. Destas, três contemplam séries do ensino fundamental e duas possuem EJA para o ensino médio. A natureza da pesquisa foi quanti-qualitativa. A pesquisa de representação social deve ser quanti65

qualitativa, porque as opiniões coletivas apresentam, ao mesmo tempo, uma dimensão qualitativa e uma quantitativa. Dados qualitativos e quantitativos não estão em oposição, pelo contrário, entre eles há uma oposição complementar, agregar o que a pesquisa qualitativa tem de positivo às virtudes da pesquisa quantitativa é oferecer riqueza de informações, aprofundamento e maior fidedignidade interpretativa. Como estratégia metodológica utilizamos a entrevista semiestruturada. Foram entrevistados nove professores no mês de abril de 2015. Escolhemos o Instituto Estadual de Educação Bernardino Ângelo, devido à sua importância histórica na cidade, já que, em 1975, foi implantado o curso supletivo de 1° grau e, em 1989, o curso supletivo de 2º grau, que está ativo até os dias atuais com a denominação de Educação de Jovens e Adultos (EJA). (Dossiê sócio antropológico do Instituto Estadual de Educação Bernardino Ângelo, PIBID – Ciências da Natureza, 2014). Além disso, a escola conta atualmente com quatro turmas de EJA para o Ensino Fundamental (totalidades: 3, 4, 5 e 6) e oito turmas para o Ensino Médio (totalidades: 7, 8 e 9).

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As informações foram analisadas e interpretadas à luz da perspectiva histórica crítica tendo como base de interpretação metodológica o Discurso do Sujeito Coletivo, por meio de contribuições teóricas marxianas.

RESULTADOS E DISCUSSÕES No total, nove professores responderam a pesquisa. Destes, sete eram mulheres, correspondendo a 77,77% dos entrevistados e dois homens (22,22%). Quatro professores não informaram a idade e o restante possui faixa etária compreendida entre 37 e 51 anos (gráfico 01).

Gráfico 01 – Representação de Entrevistados por Gênero/Idade.



Além disso, apenas um dos entrevistados trabalha atualmente, somente, na modalidade EJA, os demais lecionam também no ensino fundamental e/ou médio sequencial em outro turno. 67

Embora todos os professores tenham declarado que gostam de lecionar, quando questionados sobre o porquê de terem optado trabalhar com a Educação de Jovens e Adultos, descobrimos que três responderam que não foi uma escolha, mas sim, uma necessidade da escola; quatro optaram lecionar na modalidade por gostarem do perfil dos alunos; e os outros dois, foi devido ao turno da EJA ser à noite e a modalidade ser desafiadora, respectivamente, conforme pode ser observado no quadro a seguir: Quadro 01 – Porque os professores optaram lecionar na Educação de Jovens e Adultos. Pergunta: Por que você optou trabalhar com a EJA? Respostas relevantes: Não optei, foi por acaso, na falta de professor eu comecei a trabalhar. (Professor 01). Porque durante o dia trabalho em outra escola. (Professor 04). Por já ter feito estágio e me encontrado com esse perfil de aluno. (Professor 08). Porque é um desafio diário na busca de um planejamento adequado para auxiliar na aprendizagem do aluno. (Professor 09). Fonte: Elaboração própria com base nos dados de pesquisa.

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Na segunda questão, os professores foram indagados se existem particularidades que diferenciam a Educação de Jovens e Adultos das outras modalidades de ensino. Ficou evidenciado nas respostas que, muitas vezes, os alunos da EJA já estão inseridos no mundo do trabalho, são pessoas que tem traços de vida, vivências e ritmos de aprendizagem e estruturas de pensamento muito diferentes. Para Arroyo (2003) os alunos da Educação se Jovens e Adultos são: Sujeitos que chegam na escola carregando saberes, vivências culturais, valores, visão de mundo e de trabalho. Estão ali também como sujeitos da construção desse espaço que tem suas características próprias e uma identidade construída coletivamente entre educandos e educadores (Arroyo 2003, p. 07).



Por meio do depoimento do professor 02 (quadro 02) percebemos que a EJA, em Dom Pedrito, na escola pesquisada atende alunos de todas as faixas etárias e também, que no contexto da sala de aula há diferença de aprendizado entre 69

os alunos. Freire & Nogueira (1993, p.47) nos ajudam a entender que “não dá mais para dizer, simplesmente: todos são iguais porque a escola é igual para todos”. Observamos que o professor 04 (quadro 02) relata que os alunos da EJA não buscam apenas conhecimento, mas necessitam de incentivo e valorização. Conforme Dayrell (2011), a trajetória educativa indica que o trabalho na EJA perpassa o ensino, não está limitado somente à escolarização, mas faz parte de processos educativos amplos relacionados à formação humana. Quadro 02 – Particularidades da EJA. Pergunta: Para você, existem particularidades que diferenciam a EJA de outras modalidades de ensino? Respostas relevantes: Muitas. A clientela da EJA é muito diferenciada com alunos de 15 anos a 80 anos, pessoas que foram alfabetizadas a 40 anos e outras a pouco. (Professor 02). Sim. O aluno do EJA precisa além do conhecimento, o incentivo, a valorização pessoal. (Professor 04). 70

Sim. Têm características peculiares, pois esse aluno trabalha durante o dia e à noite estuda, logo está ali por vontade própria. (Professor 08) Sim. A maioria dos alunos tem um objetivo com o curso. Superar dificuldades que os impediram de concluir o curso no tempo certo, portanto temos que ter muita paciência, pois lidamos com diversas realidades. (Professor 09) Fonte: Elaboração própria com base nos dados de pesquisa.

Já o professor 09 (quadro 02) destaca que precisa ter muita paciência para lidar com as diversas realidades. Enxergar essas peculiaridades na EJA significa saber que a educação é uma forma de intervenção no mundo e que, os alunos não necessitam apenas de conhecimento científico. Ao descreverem o seu relacionamento com os alunos da EJA, três professores escreveram que o ambiente de sala de aula é agradável, que dá para ter uma relação mais próxima com os alunos; três indicaram que tentam atender as particularidades de cada aluno; dois descreveram que aprendem com os discentes, tendo uma relação de troca de conhecimento entre eles; um dos entrevistados não descreveu o relacionamento com os alunos. Quadro 3 – Relacionamento professor/aluno. 71

Pergunta: Como é o seu relacionamento com os alunos da EJA? Respostas relevantes: Muito bom. Procuro atender as suas particularidades, trato-os com respeito, procurando entender suas dificuldades. (Professor 04). Me relaciono bem, na EJA dá para ter uma relação mais próxima, quase uma amizade. (Professor 05) Muito bom. Adoro , aprendo e ensino. (Professor 08) Muito bom. Porque respeito as particularidades de cada um e me esforço bastante para que possam superar suas dificuldades. Assim, nosso relacionamento é de compreensão, amizade e respeito. (Professor 09) Fonte: Elaboração própria com base nos dados de pesquisa.



Freire (2003) nos ensina que nenhuma personalidade que o professor adotar em sala de aula irá passar despercebida pelos alunos. Sendo assim, é importante ter um bom relacionamento com os discentes, para que, não fiquem marcas negativas e frustrações. Se o professor adotar uma personalidade feliz, amorosa e motivadora, 72

essa impressão irá permanecer nos alunos, se o professor for mal-humorado, mal-educado e irracional, essa impressão também permanecerá nos alunos. Na última questão, deixamos livre para os professores que desejassem, pudessem expressar alguma consideração que não tenha sido abordada nas questões anteriores. Seis professores (66,66%) se manifestaram, dentre as respostas destacamos que, três professores ressaltaram que é muito bom trabalhar com a EJA, “pois o aluno desta modalidade valoriza e aproveita tudo o que lhe é passado.” (professor 04 – quadro 04).

Quadro 04 – Informações adicionais obtidas nos questionários Pergunta: Deseja acrescentar algo além do que você já expressou até aqui? Respostas relevantes: Muito bom. Procuro atender as suas particularidades, trato-os com respeito, procurando entender suas dificuldades. (Professor 04). Me relaciono bem, na EJA dá para ter uma relação mais próxima, quase uma amizade. 73

(Professor 05) Muito bom. Adoro , aprendo e ensino. (Professor 08) Muito bom. Porque respeito as particularidades de cada um e me esforço bastante para que possam superar suas dificuldades. Assim, nosso relacionamento é de compreensão, amizade e respeito. (Professor 09) Fonte: Elaboração própria com base nos dados de pesquisa.



Por outro lado, uma resposta pontuou que um dos problemas da EJA é que “a Educação de Jovens tem que ser direcionada a quem lhe busca e não depósito de problemas de turnos diurnos” (professor 05 – quadro 04). Este relato exemplifica em parte a realidade da EJA na cidade, visto que, há casos em que alunos “com problema de relacionamento”, ao completarem a idade mínima para ingressar na modalidade, são mandados para o turno da noite.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Concluímos que 33,33% dos professores pesquisados não optaram em lecionar na Educação de Jovens e Adultos. Alguns 74

ingressaram na EJA por que faltavam professores e outros se identificam com o perfil dos alunos. No entanto, a categoria que mais se destacou na pesquisa pelos professores foi que trabalhar na EJA é “prazeroso”. De acordo com a opinião dos professores, a EJA tem particularidades que a diferem das outras modalidades de ensino. A pesquisa também indicou que na EJA, o conteúdo geralmente é recebido de forma mais receptiva, porque os alunos possuem saberes, experiências, faixa etária, necessidades e interesses diferentes dos alunos do Ensino Sequencial. Desta forma, trabalhar com essa modalidade de ensino vai além de trabalhar apenas com alunos, mas sim, com sujeitos que estão situados num determinado tempo de vida, pois esses possuem especificidades próprias. (DAYRELL, 2011). De modo geral, o estudo aponta que existe um bom relacionamento entre professores e alunos na escola. Fica evidente que os docentes buscam trabalhar as particularidades de cada aluno e criar um ambiente prazeroso em sala de aula. Porém, a pesquisa revela que a EJA também apresenta fragilidades e desafia o professor a trabalhar com uma diversidade cultural do grupo e com o curto espaço de tempo para desenvolver o 75

conteúdo mínimo exigido nas diretrizes curriculares. Arroyo (2005), explica que a: Diversidade de educandos: adolescentes, jovens, adultos em várias idades; diversidade de níveis de escolarização, de trajetórias escolares e sobretudo de trajetórias humanas; diversidade de agentes e instituições que atuam na EJA; diversidade de métodos, didáticas e propostas educativas; diversidade de organização do trabalho, dos tempos e espaços; diversidade de intenções políticas, sociais e pedagógicas... Essa diversidade do trato da educação de jovens e adultos pode ser vista como uma herança negativa. Porém, pode ser vista também como riqueza. (ARROYO, 2005, p.25)



Portanto, um dos principais desafios que o professor da Educação de Jovens e Adultos enfrenta é criar um ambiente em sala de aula amoroso e alegre, onde adolescentes, jovens, adultos e idosos possam aprender um com o outro e juntos construírem novos conhecimentos. 76

Parafraseando Morin “A educação deve contribuir para autoformação da pessoa (ensinar a viver, ensinar a assumir a condição humana) e ensinar como se tornar cidadão”. Buscamos mostrar, através do nobre pensador que, é possível compreender a ação educacional como um meio de formação, no qual, estão inseridos valores e princípios que visam promover o reconhecimento do todo e das partes, de homens e mulheres, dos sistemas e das múltiplas culturas que constituem nossa sociedade. Portanto, os projetos políticos pedagógicos e os programas devem comtemplas as necessidades e os interesses de jovens e adultos em nossa sociedade.

Referências: ARROYO, Miguel. Uma escola para jovens e adultos. Conferência – Reflexão sobre Educação de Jovens e Adultos na perspectiva da proposta de Reorganização e Reorientação curricular. São Paulo, 2003. ARROYO, Miguel. Educação de jovens-adultos: um campo de direitos e de responsabilidade pública. In: Diálogos na educação de jovens e adultos/ organizados por Leôncio Soares, Maria Amélia Gomes de Castro Giovanetti, Nilma Lino Gomes. Belo Horizonte: Autentica 2005. BRASIL. Lei nº 9.394. Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, Brasília, 1996.

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DAYRELL, Juarez Tarcísio. A juventude e a Educação de Jovens e Adultos: Reflexões iniciais – novos sujeitos. In: Diálogos na Educação de Jovens e Adultos. GOMES, Nilma Lino (Orgs). Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. FREIRE, Paulo. Que fazer: a teoria e prática em educação popular, 4ª edição. Petrópolis/RJ, 1993. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática educativa. 27ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2003. FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise. O trabalho como princípio educativo no projeto de educação integral de trabalhadores. In: COSTA, Hélio da e CONCEIÇÃO, Martinho. Educação Integral e Sistema de Reconhecimento e certificação educacional e profissional. São Paulo: Secretaria Nacional de Formação – CUT, 2005. p. 63-71. LEFEVRE, Fernando & LEFEVRE, Ana Maria Cavalcanti. Pesquisa de representação social: um enfoque qualiquantitativo: a metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo. Brasília: Liber Livro Editora, 2. ed. 2012. 224p. LIMA, Bianca Maria de. Et al. Dossiê Sócio Antropológico Instituto Estadual Bernardino Ângelo, PIBID – Ciências da Natureza, 2014. Disponível em: http://porteiras.s.unipampa.edu.br/pi bid/files/2014/12/anexo-31-DOSSI%C3%8AS%C3%93CIO-ANTROPOL%C3%93GICO-BERN ARDINO-ANGELO.pdf, acesso em: 04/07/2015 às 19:00. MARX, Karl; & ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã.

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SP: Martins Fontes, 1998. MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 6 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. ONU. Relatório de Monitoramento Global para a Educação, a Ciência e a Cultura, 2012. RIBEIRO, Jorge Alberto Rosa. Caminhos de pesquisa e seu aprendizado. In. RIBEIRO, Jorge Alberto Rosa & RIBEIRO Marlene. Redes de pesquisa: trabalho, movimentos sociais e educação. Porto Alegre: Itapuy, 2011.

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PROENEM/UNIVERSIDADE DE CRUZ ALTA E A DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR

Odete Teresa Sutili Capelesso Mestre em Letras pela UPF. Especialista em Tecnologias da Informação e Comunicação Aplicadas à Educação pela UFSM. Professora de Literatura no Proenem (Unicruz). [email protected] Ieda Márcia Donati Linck Doutoranda no PPGL da UFSM. Bolsista Capes pelo PDSE – Aveiro- Portugal. Mestre em Linguística/UPF. Membro do GEL e GPEHP/Unicruz e LALE/UA-PT Coordenadora do Proenem/Unicruz. [email protected] Leandro Renner Moura Mestrando em Educação nas ciências pela UNIJUÍ, bolsista Capes. Especialista em Língua Portuguesa – UNIFRA. Licenciado em Letras Português/Espanhol UNICRUZ. Professor de Redação e Estratégias de Leitura no Proenem/Unicruz. 80

[email protected]

As discussões neste estudo abordam o compromisso da Universidade de Cruz Alta/Unicruz com as mudanças na educação básica, com a formação do professor e com a democratização do ensino superior, através do Proenem/Unicruz. O texto aponta também a discussão das relações que existem entre a proposta do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), expressa em suas Matrizes de Referência para cada área do conhecimento e a implementação de um novo currículo organizado por áreas de conhecimento, em conformidade com a Legislação vigente para esse nível de ensino. As reflexões aqui apresentadas tem base nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM/2012), nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio que orientam a educação para o ensino médio em consonância com as propostas desenvolvidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais ( Brasil, 2000), nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (Brasil, 2006) e na Matriz de Referência do ENEM para cada área do conhecimento ((BRASIL, 20092010). Tem-se, assim, como objetivos neste texto discutir as possibilidades de se repensar as práticas didático-pedagógicas junto às escolas, a 81

fim de atender às necessidades e às expectativas destas e dos professores na estruturação do currículo para o ensino médio. Nesse contexto, destaca-se o papel da UNICRUZ quanto ao seu compromisso com as ações de extensão universitária no que se refere à educação de base e à democratização do ensino superior, através da criação do Proenem. Este tem como foco a preparação dos estudantes, oriundos de escolas públicas, para a prova do Enem, como forma de alcance dos resultados satisfatórios para a garantia à concorrência de bolsas para o ensino superior disponibilizadas pela Unicruz e Ministério da Educação (MEC).

Palavras-chave: Superior. ENEM.

Democratização.

Ensino



INTRODUÇÃO O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), conforme relatórios pedagógicos (2009 - 2010) do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), pode ser compreendido como parte da reforma educacional brasileira iniciada em meados da década de 1990, que indicava a necessidade de um novo ensino médio para o Brasil. 82

Compreender o Enem como proposta para se pensar/repensar o currículo no ensino médio implica entender o currículo como uma construção cultural, um processo que não apenas se expressa na organização de práticas educativas, mas que adquire significado dentro delas. (SACRISTÁN, 1998). Nas palavras de Sacristán: Entender o currículo num sistema educativo requer prestar atenção às práticas políticas e administrativas que se expressam em seu desenvolvimento, às condições estruturais, organizativas, materiais, lotação de professorado, à bagagem de idéias e significado que lhe dão forma e que o modelam em sucessivos passos de transformação ( SACRISTÁN, 1988, p.21). Dessa forma, entendemos que as avaliações, materializadas pelas provas do Enem trazem no seu bojo uma proposta curricular para o ensino médio cuja pretensão é indicar “como deve ser a prática escolar, ainda que seja sob a forma de sugestões, avaliando essa prática do currículo através da inspeção ou por meio de uma avaliação externa dos alunos”(SACRISTÁN, 1998, p. 118). Sob esse prisma, o Enem estaria não apenas avaliando os egressos do ensino médio, mas, também, tornando-se um instrumento nas políticas 83

públicas na educação, consolidando a implementação de um novo currículo organizado por áreas de conhecimento. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 estabelece que a educação de base (...) responda aos desafios da vida contemporânea, em sua inédita dinâmica, demandando autonomia intelectual e capacidade de aprendizado permanente, o que não se realiza com a retenção de informações ou a padronização de atitudes por treinamento repetitivo, porque implica dar condições de fazer julgamentos éticos e práticos, de ter iniciativa e tomar decisões, de enfrentar problemas reais ou adaptar-se a situações sem precedentes (BRASIL, 2008)



Com sua origem na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Enem estrutura-se com base nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio, nos Parâmetros Curriculares 84

Nacionais do Ensino Médio (BRASIL, 2000) e nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio(BRASIL,2006). Partindo dos princípios definidos na LDB, os três documentos estruturam as diretrizes gerais e os parâmetros curriculares que orientam o ensino no Brasil. No centro destas reformulações está focalizado o debate sobre as especificidades desse nível de ensino e suas respectivas políticas curriculares. Nesse contexto, defende-se um novo perfil para o currículo, capaz de se adequar aos distintos interesses dos jovens, inseridos num mundo de aceleradas mudanças sociais, econômicas e tecnológicas. Para tanto, os currículos devem “pautar-se na compreensão do significado da ciência, das letras e das artes, no processo histórico de transformação da sociedade e da cultura, e na Língua Portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania” (BRASIL, 2009-2010). Como se vê, as referências pedagógicas do Enem trazem em seus fundamentos o conceito de cidadania, dentro de uma visão que preconiza a formação ética de um cidadão que interage com autonomia intelectual num espaço plural e desenvolve o seu pensamento crítico.

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Para tanto, o currículo, antes estruturado por conteúdos disciplinares, passou a ser organizado em quatro grandes áreas do conhecimento: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias. Essa organização buscou promover a articulação entre os conhecimentos dessas áreas, de modo que a prática escolar se desenvolva em uma perspectiva interdisciplinar. Conforme concebe a DCNEM/2012, no seu Art. 14, inciso VIII: (...) os componentes curriculares que integram as áreas de conhecimento podem ser tratados ou como disciplinas, sempre de forma integrada, ou como unidades de estudos, módulos, atividades, práticas e projetos contextualizados e interdisciplinares ou diversamente articuladores de saberes, desenvolvimento transversal de temas ou outras formas de organização.



Os documentos acima citados que embasam a proposta do Enem e normatizam a legislação 86

vigente da educação básica, têm forte apelo à interdisciplinaridade, institucionalizada na legislação educacional com caráter obrigatório, conforme as Diretrizes Nacionais Gerais da Educação Básica/2010 que estabelece vinte por cento da carga horária anual destinada para programas e projetos interdisciplinares. Nesse cenário, a questão da organização curricular e pedagógica aparece/reaparece no Enem como um aspecto importante para mudar esse quadro, especialmente no que se refere ao fato de incorporar um caráter dinâmico do conhecimento e de sua aplicação na vida pessoal e social do aluno/cidadão. Dessa forma, o Enem “cumprem o duplo papel de difundir os princípios da reforma curricular e orientar o professor, na busca de novas abordagens metodologias” (BRASIL, 2008) que superem os modelos de educação tradicionais da simples memorização de conteúdos escolares.

METODOLOGIA

O Enem é estruturado a partir de Matrizes de Referência para cada área do conhecimento, as quais fornecem indicações de conteúdos e indicam a associação entre conteúdos, 87

competências e habilidades básicas próprias ao jovem na fase de desenvolvimento cognitivo e social ao correspondente término da escolaridade básica. Tais referenciais se constituem em elementos norteadores do Enem, tanto para subsidiar a sua elaboração e avaliação, como para aprimorar as práticas pedagógicas do ensino médio (BRASIL, 2009- 2010). Enquanto organização, (...) as Matrizes do Enem estão estruturadas por dois vetores orientadores: os Eixos Cognitivos e as Competências de área. O primeiro, comum a todas as áreas de conhecimento, corresponde a domínios da estrutura mental e funciona de forma orgânica e integrada às Competências de área. O segundo vetor organiza as Habilidades à luz das especificidades curriculares em cada uma das Áreas do Conhecimento ( BRASIL, 20092010).

.Embora os Eixos Cognitivos em número de cinco: dominar linguagens (DL); compreender fenômenos (CF); enfrentar situações-problema (SP); construir argumentação (CA) e elaborar 88

propostas (EP) correspondam a domínios específicos da estrutura mental, eles funcionam de forma orgânica e integrada às competências de área que, por sua vez, são verificadas nas questões por meio de um conjunto de trinta “capacidades operativas específicas”, entendidas como habilidades em cada uma das áreas do conhecimento. A competência da leitura, compreensão, interpretação e produção de textos, no sentido amplo do termo, perpassa pela Matriz de Referência das quatro áreas do conhecimento. Dessa forma, o Enem sustenta a compreensão de que a capacidade leitora não é apenas desenvolvida na aprendizagem da Língua Portuguesa, mas em todas as áreas e disciplinas que estruturam as atividades pedagógicas na escola. A mobilização de conhecimentos requerida pelo Enem manifesta-se por meio da estrutura de competências e habilidades do participante que o possibilita ler (perceber) o mundo que o cerca,simbolicamente representado pelas situaçõesproblema; interpretálo(decodificando- o, atribuindo-

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lhe sentido) e sentindo-se “provocado” a agir, ainda que em pensamento(atribui valores, julga, escolhe, decide, entre outras operações mentais) (BRASIL, 2007).



Do ponto de vista pedagógico, as Matrizes de Referência instrumentalizam a organização dos objetos de conhecimento por áreas e focalizam a mediação desses por meio das competências e habilidades básicas que são desenvolvidas com a mediação da escola, através de um conceito mais abrangente da inteligência e construção do conhecimento. Nesse contexto, o foco da avaliação do Enem recai sobre a aferição de competências e habilidade, o que resulta no desempenho do candidato ao Exame. A matriz de referência da área de Linguagens, códigos e suas tecnologias – visto sua consistência organizativa e sua recorrência confirmada nas provas do Enem – se organiza num horizonte compreensivo amplo e convergente, tendo como objetivação o reconhecimento das tecnologias, dos sistemas de comunicação, das linguagens artística, corporal e verbal (materna e estrangeira), bem como a relação fundante entre a linguagem e o mundo 90

dos sentidos. Demos atenção especial a esta área, porque embora responsável pelas questões relativas às linguagens, contribui em boa medida na definição e na organização das matrizes geradoras das demais áreas do saber como leitura de mundo, objetos e assuntos específicos. Em seu mosaico de determinações estão os recursos, os códigos e os mecanismos reconhecedores do mundo simbólico. O mundo dos sentidos, das significações, dos imaginários, talvez possa ser concebido como um mundo linguístico de ação; ação comunicativa sustentada por relações contrafáticas, nas quais sujeitos negociam e deliberam intersubjetivamente suas pretensões. São os sistemas de comunicação os responsáveis por instrumentalizar acordos entre humanos através de tecnologias, as quais permitem acesso a níveis complexos de entendimento. Conforme sugere o Ministério da Educação, alunos, na postura de cidadãos conhecedores destas questões devem “[...] aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida” (BRASIL, 2009- 2010). A intenção, desse modo, é proporcionar que os educandos desenvolvam possibilidades para identificar os elementos de caracterização dos sistemas de comunicação, a saber, “[...] as 91

diferentes linguagens e os recursos expressivos” (BRASIL, 2009- 2010). Devem recorrer a estes sistemas de informação para “resolver problemas sociais”, compreendendo-os a partir da “função social [...]”. Também é tarefa para alunos, observar e entender as posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação a caminho do desenvolvimento da própria criticidade. No contexto de trabalho do Proenem/UNICRUZ, oferecemos oportunidades de acesso a outras culturas e outros costumes pela mediação das línguas estrangeiras. Língua Inglesa e Língua Espanhola são reconhecidas pela utilização constante de textos de gêneros variados com o objetivo de proporcionar o encontro dos alunos aos temas, às culturas e aos aspectos históricos e geográficos dos países falantes dessas línguas. Sobretudo, desenvolve-se nestas práticas o potencial interpretativo através de leitura e reflexão, a fim de encararem questões objetivas de simulados e provas do Enem. O documento do MEC sugere ainda Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema. Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de

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acesso a informações, tecnologias e culturas. Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social. Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística (BRASIL, 2009- 2010).

Em nossas práticas de ensino com as línguas estrangeiras modernas e com a língua materna procuramos tencionar a compreensão e o uso dos sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização da realidade pela pregação de sentidos, significados, imaginários, e informações. Dessa maneira, o ensino necessita “identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos” (BRASIL, 2009- 2010). Todo texto traz para seu leitor, além de muitas vicissitudes, funções de linguagem predominantes e em situações específicas de interlocução e intencionalidade. Na perspectiva do Proenem/UNICRUZ para a área de linguagens, os textos são espaços reconhecíveis do confronto de opiniões, da expressividade de um povo, autor ou comunidade científica, representando sempre uma 93

comunicação intencional com seus leitores. No ponto de vista dos parâmetros do governo, professores e alunos devem “reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos” (BRASIL, 20092010). Contudo, almeja-se no trabalho articulado que oferecemos nas disciplinas de Língua Portuguesa, Literatura e Redação, compreender e usar a língua materna como produtora de significação e organização do mundo e da identidade dos sujeitos falantes dela. Para isso, conforme os documentos do MEC, é preciso “identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro, relacionando as variedades linguísticas a situações específicas de uso social” (BRASIL, 2009- 2010). De toda forma, é imperativa nossa ação educativa em defesa da normatividade da língua. Fizemos um trabalho de reconhecimento da sua largura pela história, pelas divisões geográficas e pelos lugares sociais, porém, compreendemos a necessidade e o papel que temos como mantenedores do padrão linguístico para a conservação da identidade do idioma nacional e do bom uso da linguagem na produção 94

de textos.

APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS A Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ), a partir da adesão ao Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (PROIES), criado pelo Governo Federal, conforme estabelecido na Lei nº 12.688, de 18 de julho de 2012, demonstra mais uma vez o seu compromisso com as mudanças na educação, num viés que entrelaça a educação de base e o ensino superior, criando o Proenem. Este tem como foco a preparação para a prova do Enem, como forma de alcance dos resultados satisfatórios para a garantia à concorrência de bolsas disponibilizadas pelo Proies, Prouni e pela Unicruz e, a partir de 2016, também à concorrência ao financiamento dos estudos, através do Programa de Financiamento Estudantil( FIES). Com essa iniciativa, a UNICRUZ manifesta também o seu compromisso com a comunidade regional de sua abrangência em democratizar o acesso dos estudantes, oriundos de escolas públicas, ao ensino superior. A implantação do Proenem pela Unicruz tem objetivos claros quanto a função da Universidade com as ações de extensão universitária no que se 95

refere à educação de base: “construir práticas pedagógicas alternativas, a fim de responder aos desafios das diferenças educacionais postas na realidade social em parceria com órgãos educacionais, dentre eles a 9ª Coordenadoria Regional de Educação; criar espaços de discussão com os professores da rede pública para abordar as dinâmicas de trabalho em sala de aula, no que se refere ao Enem/Proies.”( LINCK,2014). Como se observa nas proposições do programa, a implantação do Proenem surge da certeza que a extensão universitária pode faz er a diferença, pois pesquisas recentes mostram que cursos preparatórios para as classes populares têm conseguido equiparar, pelo menos em parte, a educação oferecida nas escolas e pela sua relevância nascem vários subprojetos, a ele ligados pela fundamentação teórica, concepção e metodologia, afim de garantir a prática da cidadania. Nesse sentido, é oportuno destacar a participação da Unicruz no projeto de Formação Continuada para Professores da Educação Básica e Trabalhadores em Educação - Projeto complementar ao Programa Interinstitucional de Formação Continuada dos Trabalhadores em Educação da Região Macromissioneira - Noroeste 96

do Estado do Rio Grande do Sul, envolvendo dez universidades da Região Macromissioneira, como importante ação que corrobora para o alcance dos objetivos acima propostos. Visando assessorar e assegurar a formação dos profissionais em educação, como forma de promover as mudanças educacionais que se fazem necessárias no contexto atual, a Unicruz, em parceria com a Secretaria de Educação de Estado/RS, através da a 9ª Coordenadoria Regional de Educação, desenvolve, de março a dezembro de 2014, o projeto com os professores da rede pública estadual dos onze municípios de abrangência regional da 9ª Coordenadoria de Educação. A formação traz na sua essência a concepção de ensino-aprendizagem por área do conhecimento, na perspectiva da interdisciplinaridade e da avaliação emancipatória, provocando a reflexão e discussão para pensar/repensar os currículos escolares e as práticas educacionais, em conformidade com os referenciais legais das Diretrizes Curriculares Gerais para a Educação Básica e com a proposta de reestruturação curricular e pedagógica do Enem, expressa na sua Matriz de Referência. A partir do objetivo norteador do projeto que é o de “organizar grupos de trabalhos(GT), por áreas de conhecimento e eixos temáticos, de 97

professores da educação básica da rede estadual e de assessores colaborativos das Instituições de Ensino Superior”(UFFS, 2012), as formações desenvolveram-se em dez grupos de trabalho(GT): GT Alfabetização e Letramento, GT Gestão Escolar; GT Funcionários; GT Educação de Jovens Adultos; GT Curso Normal,GT Seminário Integrado, GT da área de conhecimento Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, GT da área de conhecimento Matemática e suas Tecnologias, GT da área de conhecimento Ciências Humanas e suas Tecnologias e , GT da área de conhecimento Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Articulado a dois objetivos do projeto: o primeiro, de “promover o diálogo com os docentes da Educação Básica, possibilitando o aperfeiçoamento na arte da pesquisa, vinculada ao seu campo profissional e, particularmente, ao registro e publicação dos resultados de suas pesquisas” (UFFS, 2012) e, o segundo, de “estabelecer a integração de experiências pedagógicas entre a formação inicial dos cursos de licenciatura das Instituições de Ensino Superior e os profissionais de educação da escola básica” (UFFS, 2012), o mesmo alcançou resultados expressivos com a elaboração para publicação de cinqüenta produções escritas, resultantes das 98

reflexões e experiências pedagógicas dos professores nos seus respectivos grupos de trabalho de formação. Por outro caminho, porém entrelaçado com as propostas das iniciativas anteriores, a Unicruz continua, através da metodologia do Proenem adotada para este ano de 2015, de realizar encontros de formação com professores e alunos da etapa final do ensino médio nas escolas de Cruz Alta e região, com a premissa de proporcionar espaços para o diálogo e reflexões que apontem para a direção por onde deve seguir a educação e, consequentemente, as práticas docentes no contexto contemporâneo. O diferencial desses encontros é que eles agregam, no mesmo tempo de formação, os diferentes sujeitos que produzem a educação escolar: educadores e educandos, o que possibilita a ambos a participação num processo de colocar em xeque conceitos e referências presentes na escola – como os de transmissão de conhecimentos e conteúdos e de vislumbrar as possibilidades de se redimensionar uma formação para essa etapa de ensino, com base no desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico, como quer a proposta do Enem.

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Além de proporcionar aos professores e alunos das escolas a reflexão sobre a atual proposta educacional de organização de um novo currículo por áreas de conhecimento, os encontros cumprem a função de informar/orientar os alunos, candidatos ao Enem, professores e equipes diretivas em relação às etapas e ao processo de oferta do Exame, visando oportunizar a todos os alunos das escolas públicas a concorrerem às bolsas de estudo, tanto aquelas oferecidas pela Unicruz, como pelo Governo Federal/MEC em parceria com as Instituições de Ensino Superior. Nesse sentido, o Proenem/Unicruz sustenta-se na proposta de valorizar o importante trabalho que as escolas desenvolvem em prol da formação de seus alunos, somando com elas o compromisso de garantir a prática da cidadania desse aluno, para que alcance sucesso não apenas na sua vida acadêmica, mas em todos os setores de sua vida.

CONCLUSÕES Como se observa, os objetivos que sustentam as formações da proposta do Proenem/Unicruz, bem como o compromisso da Universidade quanto às ações de extensão universitária no que se refere à educação de base, convergem e subsidiam as grandes discussões educacionais 100

para as etapas de ensino da educação básica, em especial para o ensino médio, trazidas pela proposta do Enem. Reinventar o ensino médio, tendo em vista os aspectos epistemológicos, políticos e pedagógicos que estão imbricados nessa reinvenção, implica o entrelaçamento de mãos e olhares entre a Universidade, enquanto instituição/espaço de formação, tanto inicial, como continuada, e as escolas, enquanto o lugar das singularidades dos protagonistas da educação: educadores e educandos. Nesse sentido, entendemos como defende António Nóvoa, que ensinar e aprender são ações sociais que não podem ser compreendidas sem falar de um investimento educativo dos projetos de escola. Nas suas palavras: As decisões no domínio educativo têm oscilado entre o nível demasiado global do macro-sistema e o nível demasiado restrito da micro-sala de aula. Emerge hoje em dia um novo conceito de instituição escolar, essa espécie de entredois onde se decidem grande parte das questões educativas. Definem-se aqui os contornos de uma territorialidade própria onde a autonomia dos professores se

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pode concretizar(NÓVOA, 1991)



É, portanto, nesse lugar, “essa espécie de entredois onde se decidem grande parte das questões educativas” (NÓVOA) que a Unicruz comprometese com a sua caminhada de formação, visando acompanhar e contribuir com as mudanças que emergem no contexto educacional hoje e compreender a relevância da tarefa do professor na construção dessas mudanças.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos. Resolução Nº 7, De 14 de Dezembro de 2010. Brasília, 2010. _____. Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino médio. Resolução n. Nº 2, DE 30 de janeiro. Brasília, 2012. _____. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96. Brasília, 1996. _____. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). Relatório Pedagógico ENEM 2009 a 2010. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2015.

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_____. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). Relatório Pedagógico ENEM 2007. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2015. _____. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). Relatório Pedagógico ENEM 2005. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2015. _____. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). Relatório Pedagógico ENEM 2008. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2015. _____. Orientações Educacionais e Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_interne Acesso em 21 mai. 2015. _____. Parâmetros curriculares nacionais do ensino médio. Brasília: MEC, 2000. Documento orientador do Programa Interinstitucional de Formação Continuada dos Trabalhadores em Educação da Região Macromissioneira – Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Universidade Federal da Fronteira Sul – Cerro Largo/RS, 2012. LINCK, I. M. D.; KLEIN, P. K.; LINCK, I. L. D.; ELY, L. M.: Equiparando o Ensino e

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Construindo Sonhos pela Extensão Universitária. Disponível em: http://extension.unicen.edu.ar/jem/completas/382.pdf. Acesso em: 21 mai. 2015. NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. Disponível em: http://core.kmi.open.ac.uk/download/pdf/12424596.pdf. Acesso em: 28 de mai. 2015. SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed,1998.

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A FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO FÍSICA – UM ESTUDO COM PROFESSORES DA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE CACHOEIRA DO SUL/RS. Filipi Michels Almansa Orientador: José Luís de Freitas Universidade Luterana do Brasil ULBRA Campus Cachoeira do Sul-RS [email protected]

O professor é o responsável direto na mediação do conhecimento em suas aulas, devendo caracteristicamente ser um estudioso, um profissional dedicado em sua formação, sempre buscando inovações com bases científicas, capaz de planejar suas aulas a partir de seus conhecimentos adquiridos e buscando auxílio em recursos de apoio atualizados, devendo ministrar suas aulas de acordo com as evoluções, assim irá alcançar resultados satisfatórios. O presente estudo visou verificar como ocorre a formação continuada de professores de Educação Física. Para desenvolver o trabalho, aplicou-se um questionário com questões abertas e fechadas aos docentes, esta abordagem envolveu problemas que estão relacionados com as suas 105

vivências em aulas, questionando-os se a sua formação inicial está coerente com as demandas de suas turmas e como o educador busca sanar as dificuldades formativas. O estudo revela que quando o educador busca a formação continuada, a sua primeira perspectiva é a realização profissional, isto não significa que não esteja relacionado com a aprendizagem, pois ao vivenciar novas áreas de conhecimento já estará beneficiando seus alunos. Além disso, constatamos o quanto é baixo, o número de professores participantes em eventos na área da educação, porém, na área específica da educação física o resultado foi considerável. No entanto, chama atenção a ausência do desenvolvimento de determinados conteúdos em sua graduação, a ênfase da maioria foi a educação inclusiva, como área de conhecimento com lacunas. Portanto, o educador deve adquirir conhecimentos, principalmente quando há lacunas de saberes para atuar, salientado a sua responsabilidade no propósito ao ensino-aprendizagem. O professor muitas vezes é observador, mediador, disciplinador, amigo e coerente com as realidades encontradas sendo este o processo da educação em prol da formação dos discentes. PALAVRAS-CHAVE: Formação Continuada, Professores de Educação Física, Educação 106

Inclusiva.

INTRODUÇÂO A partir das minhas participações nas escolas como estagiário ou nas atividades de horas complementares, percebe-se a diferença de escola para escola, tanto nos métodos de ensino como na preparação dos professores no desenvolvimento de suas aulas, surgindo assim uma dúvida referente à formação dos professores e quais os objetivos pretendidos na sua carreira. A formação de professores tem ocupado espaço nos discursos oficiais, no sentido de responder às exigências da sociedade, objetivando que a partir de suas atuações docentes contribuam para a formação de cidadãos. Neste aspecto, ganha destaque a formação de professores como um dos principais fatores que pode levar à melhoria da qualidade do ensino ministrado nas instituições escolares, assim como, a transformação da própria escola. Sobre isso Freitas (2004) realça que: A luta pela definição de uma política global de formação dos profissionais da educação, visando à sua profissionalização e valorização, é condição indispensável para a definição de

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políticas educacionais que buscam construir, de forma prioritária, novas relações no campo da escola, da formação e da educação. Essa política global deve contemplar, em condições de igualdade, a sólida formação inicial no campo da educação, condições de trabalho, salários e carreiras dignas e a formação continuada como direito dos professores e obrigação do Estado e das instituições contratantes.



METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa e quantitativa aplicada a professores da rede pública estadual do município de Cachoeira do Sul-RS, ministrantes de aulas de Educação Física no ensino médio. Para a coleta de dados, houve inicialmente um contato com a direção das escolas e a seguir, foi entregue para os professores um questionário com questões abertas e fechadas. Foram entrevistados dezesseis professores de sete escolas diferentes, onde obteve-se uma diversidade de contextos. Para o tratamento dos dados, foi utilizado o referencial teórico de Barros & Lehfeld (2000). 108

RESULTADOS

Verifica-se que 40% dos entrevistados se motivam através da possibilidade de realização profissional. Outros 35% são em prol da aprendizagem dos alunos e os demais 25% buscam o avanço da renumeração. A formação pode estimular o desenvolvimento profissional dos professores, no quadro de uma autonomia contextualizada da profissão docente. Importa valorizar paradigmas de formação que promovam a preparação de professores reflexivos, que assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que participem como protagonistas na implementação das políticas educativas (NÓVOA, 1997).

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Quando o professor está motivado para propor suas aulas e seu planejamento é adequado com a proposta pedagógica da instituição de ensino, a interação desses aspectos desenvolvem a tranquilidade do docente, a auto confiança em ensinar o certo no momento adequado, quem organiza-se com seus deveres da profissão, colherá bons retornos na sua vida profissional. A situação hoje dos professores, sendo protagonistas na formação curricular do aluno e como técnicos das práticas educativas, carregam um legado de compromissos em suas mãos, cabendo a eles refletirem acerca da complexidade de sua profissão. E assim subjugar com iniciativa as orientações já propostas, quando necessárias, com o propósito de adequar novas técnicas, acompanhando as tecnologias, pois o docente é autônomo em suas aulas, cabendo propor as metodologias mais coerentes.

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Foi relatado que nos últimos 3 anos, 35% dos entrevistados não participaram de eventos na área da educação; 25% participaram de 1 evento apenas; 15% frequentaram de 2 a 4 cursos e 25% frequentaram mais de 4 cursos de formação continuada. Os eventos frequentados são Jornada da Educação do Siprom; Si Educa; Formação continuada pela Escola (secretaria da Educação); Seminário Internacional pela SEDEC; Congresso Diocesano; Pós em Sociologia, Pacto pelo Ensino Médio; Curso de Formação de Gestores e Educação Inclusiva; Jornadas Pedagógicas de Formação Continuada de Professores. O educador físico deve possuir conhecimentos teóricos e desempenhos práticos que auxiliem a fundamentar o desenvolvimento das ações, no

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decorrer de todas as etapas do processo educativo, possibilitando a execução de procedimentos compatíveis com a natureza das atividades e com as necessidades dos praticantes. O docente em educação física não precisa ser um destacado praticante, mas necessita apresentar uma sólida formação cientifica e um profundo conhecimento técnico, para saber planejar, orientar e avaliar com eficácia a prática das atividades corporais. Sua prática deve levá-lo à formação de potencias de movimentos comprometidos com as exigências da mecânica corporal e com as perspectivas da educação para a saúde (MENESTRINA, 2005).

Para o educador físico é importante a participação em eventos na área da educação, pois este legado de conhecimentos, auxiliará principalmente nas suas aulas teóricas, onde a didática e as metodologias são diferentes das aulas práticas. Essa interação das práticas educativas, visando a construção do ensinoaprendizagem, reflete em um professor a flexibilidade de adaptação em qualquer campo de atuação. 112

Já na área da Educação Física, 15% dos professores não participaram de nenhum curso; apenas com a participação em um evento enquadram-se 50% dos entrevistados; com dois a quatro cursos estão 28% e com 7%, os que frequentaram mais de quatro eventos. Os eventos frequentados são Jornada Nacional de Atividades Físicas (ULBRA); Curso pela FUNDERGS de formação para atuar com alunos com necessidades especiais; Formação em Esportes Adaptados, pela Secretaria da Educação RS; Fórum - A tecnologia na Formação e Rendimento da Formação dos profissionais de Educação Física. Seja qual for a teoria de ensino ela perderá todo o seu valor se não forem entendidos os meandros da formação continuada de professores que, como verificamos, é o empecilho maior à transformação do que se faz em sala de aula. Portanto, o

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entendimento do processo de aprendizagem, da função social da escola, do papel do professor e do aluno e da decisão por programas ou conteúdos de ensino encontra-se em direita dependência do percurso de formação profissional ao qual o professor teve acesso (NEIRA, 2009).

Esta realidade demonstra, que os professores procuram dar continuidade aos estudos na área específica de atuação, onde o índice de participantes foi significativo. Referente à formação na área abrangente da educação, a participação dos docentes não é expressiva, possivelmente porque a aplicabilidade de suas aulas seja voltada para as práticas do movimento humano. Na formação continuada na área específica o professor apresenta uma filosofia diferente, buscando aprimorar seus conhecimentos e com acesso facilitado, a alguns eventos gratuitos promovidos pelo sistema educacional, sendo estes teóricos ou práticos.

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Assim analisamos que 15% dos entrevistados não tem tempo para estudo, 20% o problema está no financeiro, 50% responderam que não é nenhum destes motivos citados e 7% dizem que é por causa da logística(estrutura). O tempo para o estudo e o investimento financeiro para buscar a formação continuada são dois motivos distintos. Há de se concordar que a renumeração do professor e baixa pelo grau de responsabilidade do mesmo, mas quando o professor graduou-se já sabia da pouca valorização salarial. Sendo pouco, o tempo para estudo, pois a profissão é complexa, tendo que desempenhar em alguns casos uma ocupação. O investimento em dar continuidade em sua formação visa adquirir vivências para si mesmo e é com as dificuldades que vem as conquistas. A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva,

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que forneça aos professores os meios de um pensamento autónomo e que facilite as dinâmicas de auto-formação participada. Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e crítico sobre os percursos e os projectos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é uma identidade profissional (NÓVOA, 1997).

Quando questionados a respeito das carências emanadas da formação inicial em nível de graduação, os docentes relataram predominantemente a educação inclusiva como a área do conhecimento necessária de busca de formação. Além desta, foram mencionados os demais temas como lutas corporais, dança, futsal e psicologia de crianças e jovens. A qualidade de ensino ministrado na escola e seu sucesso na tarefa de formar cidadãos capazes de participar da vida em todas suas dimensões relacionam-se estreitamente à formação docente (inicial e continuada), condições de trabalho (recursos didáticos, recursos físicos e

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materiais, dedicação integral à escola, renumeração, número de alunos por turma, elementos indispensáveis à profissionalização do magistério (NEIRA, 2009).

A educação escolar, é o lugar onde as crianças e os adolescentes vão vivenciar conhecimentos, sendo eles contextualizados em forma da didática do professor, que ao ministrar suas aulas, utilizase de meios que facilitem a aprendizagem dos alunos, para que os objetivos previstos sejam alcançados, ou seja, responsável de proporcionar o máximo de vivências aos discentes, pois talvez a escola seja o único direcionamento científico na vida de um aluno. Relativo à metodologia os entrevistados ao serem questionados, revelam o método misto nas aulas práticas e a criação de situação problema. E nas teóricas, um integrante da população investigada utiliza-se da leitura prévia como prérequisito para a formulação de perguntas durante o processo em aula. A realidade encontrada é que a maioria dos educadores físicos, procura focar nas aulas práticas. Está realidade também está mudando, pois os projetos político-pedagógicos das escolas, estão mais diversificados, abrangendo novos 117

métodos. Por exemplo as avaliações estão em forma de conceitos, levando os professores, a avaliarem se os alunos conseguiram a construção satisfatória da aprendizagem na área. Saber como ensinar movimentos também não é suficiente. É preciso saber por que ensiná-los ou não a certa clientela, sob as circunstâncias de um certo contexto, em determinadas fases do processo ensino-aprendizagem. Isso implica decisões de natureza filosófica, sociológica, psicológica e biológica, teoricamente fundamentadas (novamente um processo intelectual). BETTI (2002).

Existem alguns processos que o professor deve seguir, um deles é sempre planejar suas aulas, nunca sentir-se com sua formação concluída. Pois ao chegar o momento da aula, pensar que apenas a sua experiência será suficiente, representa um menosprezo à responsabilidade com a educação. Além disso, com um planejamento flexível e de acordo com a realidade encontrada. E, se por ventura algum plano não alcançar seus objetivos, pode ser o processo de ensinagem que não está coerente. Esta habilidade de descoberta é do professor e será sua responsabilidade sanar tal 118

lacuna. A busca de continuar a formação, visa diminuir as dificuldades, assim resgata-se alguns conteúdos já esquecidos e acompanha-se as evoluções, pois a educação de um modo geral é um processo de evolução, que acompanha os conhecimentos informais, não-formais e formais, cabendo ao professor desenvolver a formalidade científica, sendo interessante seus conceitos estarem atualizados.

CONCLUSÃO Após o estudo, percebe-se a formação continuada como o maior objetivo quando os docentes procuram é a realização profissional, evidente que, está relacionado com o aprendizado dos alunos também, pois consequentemente os benefícios serão inúmeros. A remuneração salarial tenderá a ser compensatória, de acordo com a sua classe docente e o nível, além das oportunidades em outras instituições de ensino. Relativo à busca da formação continuada dos professores, na área abrangente da educação, encontra-se percentuais baixos, haja vista a responsabilidade do professor de Educação Física 119

no meio educacional, em estar preparado para as realidades. Vale ressaltar que dar continuidade em sua formação será sempre um desafio, o qual sabemos que não é tarefa nada fácil, ministrar aulas e estudar simultaneamente, mas se o educador adquirir novos conhecimentos irá refletir competentemente no processo de ensinoaprendizagem dos discentes. Chama a atenção, a ênfase que a maioria dos entrevistados, relata sobre a educação inclusiva, como a área de conhecimento que ficou lacunas em sua graduação, ou que deveria ter sido mais exigida, isso reflete a necessidade de inclusão que está acontecendo nas escolas e é dever do estado proporcionar ao professor estrutura e conhecimento para atender esta realidade. Somos levados a acreditarmos então que o caminho a ser percorrido é o da formação continuada, com a interação de novas vivências, a busca da realização profissional e do conhecimento para o alcance de uma nova educação, onde quem ganhará é o ensinar-aprender e o aprenderensinar. Assim sabe-se que a Educação não tem receita, cabe ao docente analisar a realidade de cada turma e pôr em prática seus conhecimentos pedagógicos.

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REFERÊNCIAS

BARROS, Aidil Jesus da Silveira, Fundamentado de Metodologia Cientifica 2 – Ed. Ampliada, Neide Aparecida de Souza Lehfeld, SP : Pearson Makron Books, 2000. FREITAS, Helen Costa Lopes. Novas políticas de formação: da concepção negada à concepção consentida. IN: BARBOSA, Raquel Lanzzarini Leite. Trajetórias e perspectivas da formação de educadores. São Paulo: Editora UNESP, 2004. GEBARA, Ademir. (Org.), Educação Física e Esportes, perspectiva para o século XXI /, Campinas, SP. Papirus, 9º Ed., 2002. MENESTRINA E., Educação física e saúde, 3º Ed. Ver. Ampl. Ijuí : Ed. Unijuí, 2005. NEIRA, Marcos Garcia, Educação física: Desenvolvendo competências, 3º Ed. – SP,Editora Phorte, 2009. https://www.google.com.br/chrome/antonionóvoa/formaçãodeprofe Acesso em: 08/07/2015

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RESSIGNIFICANDO A FORMAÇÃO CONTINUADA NO RIO GRANDE DO SUL A PARTIR A DO AUTO (RE)CONHECIMENTO DOCENTE PELA ESCRITA Ieda Márcia Donati Linck Unicruz/UFSM [email protected] Leandro Renner de Moura Unicruz [email protected] Odete Teresa Sutili Capelesso Unicruz [email protected]

A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas),mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de(re)construção permanente de uma identidade pessoal (Nóvoa). As discussões aqui apresentadas tem como base a referência anterior, pois tratamos da necessidade de se repensar a formação docente, considerando a necessidade de que ela venha a ser permanente, contínua, reflexiva e cooperativa. A partir do auto-reconhecimento, ciente do movimento interativo que faz diariamente, o sujeito 122

professor tem oportunidade de refletir sobre a sua prática, com sinalização para as suas potencialidades. Tem-se, então, como objetivo neste texto discutir a possibilidade de transformação da prática docente, a partir da (trans)formação pessoal do sujeito. Palavras-chave: Formação Cooperação. Mudança.

docente.



Introdução Ao se falar em educação de qualidade, com alcance social, é imprescindível fazê-lo com base na formação continuada de professores, que vem sendo considerada, juntamente com a formação inicial, uma questão das políticas públicas para a educação brasileira. Fundamentar esta ação pressupõe compreender os modos de vida, os movimentos, os tempos e, sobretudo, a formação e o exercício do sujeito que educa, como o ser e o fazer que conjugam a profissão de educar. A formação inicial, seja a nível médio, superior ou na pós-graduação, apresenta-se como fundamental para o ingresso na área de atuação, mas que ainda se mostra insatisfatória, dada a complexidade da tarefa no atual contexto. O ensino superior cumpre sua função na formação inicial, mas tem, ao lado desta, compromisso com 123

a formação continuada dos docentes já em serviço. Esta formação, por sua vez, não se limita aos cursos, simpósios, reuniões, estudos de atualização e outros movimentos, pensados com esta intenção. Requer, sim, o aprofundamento das questões de formação, tanto inicial como continuada, como condição de avanços aos desafios não somente da escola e seus sujeitos, mas da sociedade como um todo orgânico. Nesse sentido, a formação continuada deve ser um espaço de formação holística, integral. Deve ser pensada como busca do auto(re)conhecimento do sujeito professor, para que nesse processo ele atinja um nível de maturação capaz de o fazer perceber suas fragilidades, conduzir suas buscas, desvelar seus anseios e temores e em especial aproveitar suas possibilidades. E, no que tange a questão pessoal, deve ser dado ao sujeito professor o direito de se perceber como um ser humano, um ser social, que também tem problemas, que sofre, que precisa controlar suas emoções, que convive em um processo de interação rotineiro intenso, que necessita lidar com a diversidade, com as críticas e com as frustrações. Assim, ele compreenderá de que, como já sabido, a profissão docente é uma escolha, por natureza delicada e complexa, e também de que nunca foi fácil exercê-la. 124

O próprio local de trabalho é a ocasião e o veículo de aplicação eficaz para a formação docente, quando pensada de forma cooperativa, coletiva e ética. Assim, não compreendemos a formação continuada associada apenas à ideia de formação acadêmica, mas, sim, comprometida com o desenvolvimento pessoal e profissional do educador capaz de [...] estimular o desenvolvimento profissional dos professores, no quadro de uma autonomia contextualizada da profissão docente. Importa valorizar paradigmas de formação que promovam a preparação de professores reflexivos, que assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que participem como protagonistas na implementação das políticas educativas (NOVOA, 1997).



Reforçamos a necessidade de trabalhar a questão do reconhecimento do professor sobre si, porque a profissão docente é um trabalho que mexe com a questão emocional, que coloca o docente em situações instáveis da vida escolar, com sujeitos cada vez mais complexos, num 125

processo de banalização do ser em detrimento do ter (BIZARRO, 2010). A consciência disso, pautado em suas necessidades e preocupações, tem muita importância para que ele venha a participar efetivamente do seu processo de formação contínua, e, consequentemente, de sua transformação.

A formação continuada como processo: considerações necessárias

A formação docente é um processo que começa na formação inicial e não se acaba nunca. Por isso, como qualquer outra atividade do sistema escolar, requer definição de novos percursos a serem seguidos, pois uma das premissas básicas da sociedade contemporânea é o movimento constante. A vida do indivíduo muda, assim como ocorrem mudanças em seu pensamento e ação. O professor, como formador de pessoas desta sociedade, precisa colocar sua prática pedagógica igualmente em constante mudança. Todos os dias, algo diferente acontece no comportamento do ser humano social. Uma tecnologia nova, uma tendência cultural, “um dizer sobre”, ou mesmo um modismo influenciam a forma como cada sujeito aprende. E, para que o sujeito professor faça parte 126

deste movimento ele deve exercer a empatia, bem como deve ter ciência de que precisa ensinar algo significativo. Isso porque “as aprendizagens acontecem em função das necessidades e das vontades do indivíduo no meio social em que está inserido. Através de um processo de construção e reconstrução a partir de signos, símbolos, representações, ideias e discursos” (BINS, 2010, p.11). Em se tratando de formação, considerada como espaço de reflexão sobre si mesmo, Charlot (2000, p.78-79) entende que “a apropriação do mundo, a construção de si mesmo, a inscrição em uma rede de relações com os outros – ‘o aprender’ - requerem tempo e jamais acabam. (...) Esse tempo não é homogêneo, é ritmado por ‘momentos’ significativos, por ocasiões, por rupturas”, que ocorrem, mesmo que de forma singular, em situações diversas e simples, porém, planejadas. Assim sendo, a formação continuada a que nos referimos deve instaurar uma prática educativa pautada pelo diálogo intercultural, pela unidade estrutural do sistema (escola unitária), pela metodologia da relação teoria-prática, pela relação entre conhecimento, produção e relações sociais através da apropriação do saber científicotecnológico numa perspectiva histórico-crítica e 127

pela gestão democrática, compreendida como síntese superadora do dogmatismo e do espontaneísmo, requer incessante retroalimentação formativa. Tal processo tem como princípios norteadores o protagonismo dos respectivos profissionais, a relação teoria-prática, a metodologia pesquisa-ação, a dialética todoparte, a relação de mão dupla entre o local e o global, a interlocução entre profissionais de ensino e de pesquisa das diferentes áreas de conhecimento sobre as questões socialmente relevantes, o diálogo do conhecimento científico com outras formas de saber e a avaliação emancipatória e principalmente o olhar reflexivo do sujeito para consigo. Assim sendo, o contexto sociocultural dos envolvidos no processo em formação é um fator importante a ser observado. Diferentes contextos trazem necessidades e possibilidades diferentes, apresentam professores diferentes, que estão também em níveis de formação distintas. Há os que não estão dispostos a mudar, há os que fazem de conta (mas não mudam), há os que resistem firmemente, há também aqueles que não concebem sequer espaço para discussão, há, por sorte, aqueles que querem, e que apenas precisam ser instigados a mudar. É possível pensar em mudança com todos estes sujeitos, tão 128

diferentes? É possível gerenciar a heterogeneidade de um grupo de docentes, de uma escola, de uma sociedade, permitindo a todos que tenham uma transformação que lhes reverta em práticas capazes de trazer-lhes satisfação? A formação continuada dos/com os envolvidos pode responder algumas dessas questões. Essa prática é a maneira mais completa de iniciar a (trans)formação dos docentes atuantes em sujeitos preparados e adaptáveis para o contexto contemporâneo, passível de questionamentos, porém real. Nos grupos de formação, eles podem trabalhar suas próprias reflexões sobre esse contexto, e compartilhá-las com seus pares. Além disso, nos grupos de trabalho, incentivados a fazer essa reflexão na ação, entendem a importância da reflexão sobre o papel que estão a cumprir, bem como analisar o contexto em que estão inseridos. Nesse percurso serão convencidos de que: A tarefa de educar não se limita aos objetivos acadêmicos. (...) Educar é transformar, orientar, promover e desenvolver a saúde, a emoção, a socialização, a comunicação, a generosidade, solidariedade. Educar e formar é uma tarefa de negociação compartilhada e não

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uma tarefa impositiva. É participar da construção permanente das pessoas (CASADO, 2006, p. 46)”.

Chamamos a atenção para o uso de iniciar uma transformação tão referida neste texto. Em todos os níveis, desde a formação inicial dos professores até a prática dos professores já formados há algum tempo, a cultura da docência tem uma forte tendência à homogeneização, padronização de procedimentos, repetição dos métodos de sempre, poda dos pensamentos e hábitos alternativos. Nessa perspectiva, não haveria espaço para o novo, para o inusitado, necessários para a formação de sujeitos autônomos, protagonistas e emancipados. Não há culpados nisso. O que ocorre é que o professor se instalou em uma zona de conforto, que já faz parte da cultura da docência. Muitas vezes, ele não percebe que é preciso mudar. Outras, a recusa vem por conta do estabilizado, principalmente naqueles que estão há mais tempo na prática de ensino. Alguns creditam que estão absolutamente certos, e que não há por que mudar. Bolzan (2009, p. 124) entende a possibilidade de mudança nos docentes como processo, ou seja, “a tomada de consciência, para 130

repensar a sua prática, envolve um processo no qual o indivíduo rompe com a resistência (negação e contradição), dispondo-se a repensar as questões práticas à luz das teorias que construiu, mesmo que de forma empírica (...)”. Obviamente, a mudança necessária na educação não se fará de forma instantânea. A mudança é, sim, um processo, ocorre a partir de uma tomada de posição do professor, levando em conta sua formação inicial, a formação recebida, suas crenças, seus valores e saberes, bem como os conceitos que possui sobre ensinar e aprender. Ninguém escolhe não se transformar, não modificar a sua prática. Isso está imbricado no sujeito. E, estamos falando de sujeitos diferentes, justamente por terem sido constituídos ideologicamente em tempos e formas diferentes. Não nascemos professores, nos tornamos professores. Por isso, é preciso pensar em longo prazo, criando um processo gradual de mudança do próprio pensamento do professor e daquele que forma professores, pois “aceitar a formação profissional como um processo significa aceitar, também, que não existe separação entre formação pessoal e formação profissional (FÁVERO, 2011). O professor é uma pessoa, portanto, livre e autônoma. A formação profissional contínua não pode excluir essa 131

dimensão personalista, para que o professor passe a/possa refletir e agir de acordo com seu contexto, tornando-se sujeito do seu fazer. Ainda de acordo com Bolzan (2009), o processo de formação docente é singular, não é linear, sendo marcado por oscilações presentes, tanto na resistência, quanto na ruptura da resistência, as quais não se extinguem de imediato, mas passo a passo tornam-se mais tênues, quando partilhadas. O que deve ser levado em conta é a motivação manifestada, que pode ser caracterizada como a tão falada mudança. Ou seja: A construção do conhecimento pedagógico compartilhado vai se fazendo passo a passo, a partir dos conhecimentos individuais dos participantes, ao longo das formações, no contexto de seu ambiente pedagógico e social, orientando o processo de transformação e de apropriação, não só do conhecimento, como de sua estrutura, implicando a produção do novo (BOLZAN, 2009, p. 150).



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Para tanto, o processo de formação inicial do professor, bem como sua formação continuada devem ter um embasamento teórico pertinente para que o mesmo possa discutir o seu fazer pedagógico. Sem dúvida, vários autores iluminam o caminho do educador que está se (trans)formando, dando base para que ele exercite sua autonomia, no entanto, é preciso tomar cuidado para não cairmos no cientificismo, ou seja: Ao pensar a formação de professores em todos os níveis do ensino e como questão fundamental, fortemente colada à questão a docência no atual momento, não podemos mais restringir o ensinar e o aprender a aspectos técnico-instrucionais e nem tampouco transformar a ciência em matéria de ensino, pura e simplesmente. Atualmente, é necessário sublinhar o papel fundamental da investigação e destacar o significado e a importância da articulação do ensino e pesquisa na construção da docência (BOLZAN, 1994 apud SHIGUNOV NETO; MACIEL, 2009, p. 83).



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Pensar a importância da reflexão na ação, que pode/deve ocorrer na/pela formação profissional continuada também é condição fundamental a uma práxis ética do professor. É assim que ele cumprirá com seu papel social, sua função na construção de cidadão, que vai além de transferir, por upload, tomos de conhecimento para os alunos. A falta de uma postura ética é prejuízo eminente para o educando, que perde a oportunidade de crescer de forma holística, dentro do contexto educacional. Perrenoud et al. (2002) comenta sobre as posturas fundamentais que um professor, descrito como ético, deve desenvolver: a prática reflexiva e a implicação crítica: A prática reflexiva porque, nas sociedades em transformação, a capacidade de inovar, negociar e regular a prática é decisiva. Ela passa por uma reflexão sobre a experiência, favorecendo a construção de novos saberes. A implicação crítica porque as sociedades precisam que os professores envolvam-se no debate político sobre a educação, na escala dos estabelecimentos escolares, das regiões e do país. Esse debate

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não se refere apenas aos desafios corporativos ou sindicais, mas também às finalidades e aos programas escolares, à democratização da cultura, à gestão do sistema educacional, ao lugar dos usuários, etc. (PERRENOUD ET AL.2002).



Além disso, na formação permanente, ao que chamamos de formação continuada, deve haver um espaço de discussão e reflexão, no qual o professor possa colocar-se enquanto sujeito, cidadão social, com direito a criar e organizar ideias autonomamente, argumentar pelo que pensa e precisa, na interação com seus pares. Como fazer isso? A melhor forma de desenvolver estas habilidades é através da escrita, do registro, uma maneira completa de desenvolver o pensamento e a formação de ideias. Para tanto, o professor em formação precisa ser motivado a escrever, a desvelar-se, a materializar a sua prática pela narrativa reflexiva. Estamos dizendo que a reflexão do fazer docente perpassa pelo registro desse fazer, já que “o ensino fragmentado e especializado deve dar lugar a um conhecimento mais global, que não perde de vista as diferentes 135

áreas e abordagens, mas que promove um diálogo entre elas” (BRUNEL, p. 44). Nesse sentido, ressaltamos a relevância de alguns dos objetivos propostos no Programa de Formação Continuada dos Trabalhadores em Educação da Região Macro Missioneira-Noroeste do Rio Grande do Sul/Brasil, iniciado em 2014, com referência à escrita, sendo: construir a memória do processo de formação produzindo artigos, textos didático-metodológicos; Ressignificar a produção intelectual de fundamentos e sistematização e instigar a construção da autoria intelectual dos profissionais de educação, por meio da escrita de autobiografias, seus diários de bordo, e de atas das ações e eventos coletivos. Quando se trabalha com a reflexão na ação pela escrita, dentro dos grupos de formação continuada, o professor é motivado a registrar suas práticas educacionais, apresentar seus desejos, sonhos e angústias de forma natural, sem medo de ser avaliado por isso. Essa prática leva o sujeito professor a refletir eticamente o seu fazer, com base na materialidade por ele construída: o texto. Começando daí, não há necessidade de cobrar uma rigidez formal, mas é possível que tragamos os professores para um nível de escrita inicialmente subjetiva, para depois, 136

sustentá-la teoricamente. Essa possibilidade, no seu processo de formação, permite que ele crie conexões consigo mesmo, com seus pares, com o mundo e com a sua prática, no cotidiano da escola. Nessa perspectiva, reforçamos que não há como pensar formação continuada que favoreça o auto(re)conhecimento sem ênfase na escrita, por ser uma ação predominantemente do pensamento, visto como uma abordagem teórica dos problemas. Tanto com alunos, como com docentes, o aprendizado teórico dos conteúdos trabalhados em sala de aula, assim como a escrita, deve ser trabalhado junto com uma abordagem prática. Segundo Pimenta (2012, p. 57): É preciso, ainda, pensar a formação continuada em propostas que concebem o percurso formativo, alternando os momentos de formação bem como os momentos de aplicação dos conhecimentos adquiridos. Isso mostra que a teoria pratica estão presentes tanto na universidade quanto nas escolas. O nosso desafio é proceder ao intercâmbio, durante esse processo formativo, entre o que

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se teoriza e o que se pratica em ambas.



E, assim, retomamos a questão sobre ética na educação, ou seja, essa práxis está diretamente ligada à motivação e tomada de posição à mudança do professor. Refletir a prática docente com seus pares é o exercício da ética, atitude indispensável para uma prática exitosa. Essa consciência exige que ele (trans)forme-se com um nível de qualidade que só a reflexão na ação, a união entre teoria e prática, e a tomada de posição do próprio professor podem trazer. Isso porque, “os sentidos implícitos das ações dos indivíduos formam parte do reservatório comum de sentidos de um grupo, o que nos leva a acreditar que os sentidos e significados da prática são intersubjetivos e estão carregados das construções individuais e coletivas” (BOLZAN, 2009, p. 151). Sendo assim, não há como separar as premissas da educação da ética, cujo ator principal é o professor. É ele responsável pela plena formação do indivíduo, enquanto cidadão ético, pensante e autônomo. Apesar de a família dever estar presente, cabe ao educador grande parte do desenvolvimento intelectual do sujeito. Falar em formação é, então, parar de encontrar 138

culpados para os “não feitos” na educação. É, sim, reafirmar laços com a ética e o compromisso com o sujeito, permitindo que todos (seja aluno ou professor) tenham oportunidade de aprendizado, oportunidade para crescer como pessoas e cidadãos, e que tenham, dentro de si, o mesmo compromisso com a ética. Ou seja, o processo de formação continuada não pode ser pensado separadamente dos diferentes fatores que interferem de forma decisiva no processo educativo. É necessário ver a práxis docente como um lugar da produção do saber (NÓVOA, 1994) e da ética. A formação docente a que nos referimos deve contribuir com a otimização da educação na perspectiva de efetivação social do direito universal à educação de qualidade científica e social, de reflexão sobre as práticas e formações dos profissionais, de coordenação interinstitucional, de interdisciplinaridade e de interlocução entre os profissionais das Instituições de Ensino Superior, públicas e comunitárias, e os profissionais das escolas estaduais e municipais. Enfim, acreditamos que a construção de um mundo ético e justo, de indivíduos capazes, com mentes emancipadas, passa pelo fazer do sujeito professor. Isso porque, como ressaltamos ao longo deste trabalho, “o saber docente tem sua 139

referência na experiência ao longo dos anos” (COSTA; COSTA; FREITAS, p. 68, 2007). Ao sujeito que “formamos” professor não basta ser oferecido o conhecimento técnico, específico de sua área, é necessário dar-lhe formação pedagógica, para que se reconheça como pessoa que educa, que seja capaz de agir nas diferentes situações que ocorrem, para que exercite a ética contidamente, desenvolva metodologias para o aprendizado do aluno, mas que acima de tudo esteja preparado para refletir coletivamente sobre o seu fazer. Assim formado, será capaz de discutir situações ocorridas no seu (per)curso e quando necessário, parar e retomar, pensando sempre no aluno que tem direito a aprender com qualidade. Nestes momentos de discussão coletiva é que a teoria implícita nas ações se torna significativa e significada, não fazendo parte apenas de contextos formais de aprendizagem. Nesse sentido, a reflexão do professor sobre si, sobre sua prática e do seu papel no espaço escolar é o principal desafio na busca de novas propostas pedagógicas que visem garantir ao educando uma formação integradora, objetivando a aprendizagem significativa, a inserção na sociedade, bem como o acesso e permanência na escola desse aluno, para que o mesmo vivencie sua cidadania. 140

A educação propõe formar cidadãos para viver uma vida em sentido pleno, de modo que possa conhecer e transformar sua função social marcada pela complexidade, mostrar a necessidade de adotar o novo paradigma, a fim de que as ações educativas contribuam para a formação do homem pleno, uno, capaz de exercer sua cidadania. Esta é a tarefa árdua dos formadores e supervisores. Como tais, devem convencer o professor a fazer uma avaliação constante, crítica e reflexiva sobre seu trabalho. Isso pode ser feito através de registros diários das práticas, ação importante para avaliar os pontos positivos e/ou negativos e tomada de novas decisões, visando aprimorar a prática pedagógica de modo, a saber, se o planejamento e as intervenções são adequadas. Nesse sentido, apontamos a valorização do professor que deve ser enfatizada nas formações continuadas, pois mesmo quando adultos, apenas aprendemos algo quando o que querem nos ensinar significa, ou quando significamos. Ensinar e aprender é complicado e difícil, mas não podemos nos sentir esmagados pelo conhecimento acumulado e ficar imobilizados. Ser professor é uma tarefa complexa, mas insubstituível. Nada nem ninguém substituirá um professor bem preparado, equilibrado, que se (re)conhece, que reflete, que é tratado com 141

dignidade, com respeito. Se assim for, esse sujeito será protagonista da sua história. Vale registrar que “conceder a escola como um contexto para a construção e apropriação de conhecimentos e, consequentemente, da cidadania, leva-nos a supor que a aprendizagem mediada é um fator relevante para a construção dos saberes de professores a alunos” (BOLZAN, 2009, p. 20).

Considerações finais

É preciso pensar, com urgência, a função do sujeito professor e a sua a prática docente. É preciso oferecer formação continuada, na qual haja cooperação interativa, com espaços destinados à reflexão, à crítica e ao crescimento coletivo. Conforme Bolzan (2009, p. 14), “no transcorrer de uma conversação, os indivíduos têm oportunidade de dizer tanto seus entendimentos, quanto seus mal entendidos. A possibilidade de colocar os pensamentos em palavras favorece ao indivíduo à conscientização de sua compreensão, ou não, sobre temas em discussão”. Por isso, não há como pensar em formação 142

continuada sem espaços para o relato, para a troca, para questionamentos, e inclusive para a resistência, pois as vivências do cotidiano escolar apresentadas nos encontros de formação continuada são palco à investigação, uma vez que, através das interações sociais estabelecidas, buscamos os caminhos possíveis para a construção solidária de saberes. A partir da intervenção dos mediadores entre o conhecimento construído nas academias e a prática escolar é possível contribuir para a melhora da qualidade do ensino no país. É função do formador docente apresentar e refletir as teorias de forma mais simples, mais próxima do sujeito professor, pois ele é o ator social que deverá colocá-las em práticas; é também sua função instigar o docente a buscar sempre mais conhecimentos cognitivos, interativos e principalmente motivá-lo a conhecer a si mesmo. Consideramos que “a escola é um dos lugares, onde os conhecimentos podem ser compartilhados (BOLZAN, 2009, p. 15). Há um caminho longo a ser percorrido, uma vez que os obstáculos são muitos e as dificuldades não são poucas. Para dar conta do proposto, é preciso parar de encontrar desculpas, de colocar culpas, de justificar. Precisamos estar cientes de nossas responsabilidades, seja como formador ou 143

professor, afinal abraçamos esta causa com o propósito de fazer a diferença. Fizemos uma escolha, à qual temos respostas a dar, o que será possível quando nos reconhecermos que antes de sermos profissionais somos pessoas. Para reafirmar o exposto fazemos uso das palavras de um grande historiador: “ (...) Ser um profissional da educação significará participar da emancipação das pessoas. O objetivo da educação é ajudar a tornar as pessoas mais livres, menos dependentes do poder econômico, político e social. E a profissão de ensinar tem essa obrigação intrínseca (IMBERNÓN, 2002, p.27).

Referências Bins, K. L. G. ( 2010) -Alfabetismo e inclusão de jovens e adultos deficientes mentais na EJA. In: LOCH, Jussara Margareth de Paula, et al. EJA: planejamento, metodologias e avaliação. Porto Alegre: Mediação. Bolzan, D. P. (2009) - V. Formação de professores: compartilhando e reconstruindo conhecimentos. 2. ed. Porto Alegre: Mediação. Brunel, C. (2004) -Jovens cada vez mais jovens na educação de jovens e adultos. Porto Alegre: Mediação. Casado M. R. Educación para lasalud de jóvenes com discapacidad intelectual. Burgos: Publicaciones (2006) Universidad de Burgos. Costa, A. M. B.; COSTA, M. S. FREITAS; M. L. de Q. (2007) - A formação de professores(as): discutindo um

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antigo problema. In: FREITAS, Marinaide Lima de Queiroz. COSTA, Ana Maria Bastos (Orgs.). Proposta de Formação de Alfabetizadores em EJA: referenciais teórico-metodológicos. Maceió: MEC e UFAL. Fávero, M. de L. de A. (2011) - Universidade e estágio curricular: subsídio para discussão. in ALVES, Nilda. (Org). Formação de professores: pensar e fazer. 11a Ed. São Paulo: Editora Cortez. Imbernón, F. (2002) - Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 3ed. São Paulo, Cortez. Novoa A. A Formação de Professores e Profissão Docente. https://www.google.com.br/search? q=antonio+novoa+formação+professores&oq. Perrenoud, P. (2002 a) - A formação dos professores no século XXI. In: perrenoud, Philippe et al. As competências para ensinar no século XXI: a formação dos professores e o desafio da avaliação. Tradução de Cláudia Schilling e Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed. Pimenta, S. G.; LIMA, M. S. L. (2012) - Estágio e docência. Coleção: Docência em formação. Série: Saberes pedagógicos. 7ª ed. São Paulo: Cortez. Shigunov Neto, A.; MACIEL, L. S. B. (Org.). (2009) Desatando os nós da formação docente. 2. ed. Porto Alegre: Mediação. Sousa Santos, B. de. (2002 a) Roda Viva. São Paulo: TV Cultura/Fundação Padre Anchieta, 08 abr. Entrevista.

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SABERES ESPERADOS DE UM PROFESSOR DE LÍNGUA ADICIONAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Janaína da Silva Forte UFRGS Helena Vitalina Selbach UFRGS/UNIFRA Simone Sarmento UFRGS [email protected]

Partindo do ponto de vista de vários agentes da comunidade escolar de diferentes escolas de Porto Alegre, RS, apresentamos os saberes considerados necessários ao professor de língua adicional na educação infantil: relacionam-se à língua ensinada e a conhecimentos específicos do desenvolvimento infantil. Assim, propomos que os professores recebam formação inicial e continuada específica para que possam atender às expectativas quanto a sua atuação profissional. PALAVRAS-CHAVE: ensino educação infantil, saberes 146

de

inglês,



1.Introdução (...) devemos lutar para se fazer cumprir o propósito da educação: formar cidadãos críticos, responsáveis, conscientes de suas ações e do mundo que os cerca, capazes de atuar na sociedade em que vivem, em busca de seus interesses e de seu crescimento pessoal e profissional. Dentro dessa perspectiva, argüimos que, quanto mais cedo o fizermos, de maneira consciente, responsável e comprometida, melhor. Buscando possíveis encaminhamentos em direção a essa proposta, este trabalho pretende elaborar proposições teóricas que possam vir a contribuir para uma prática de ensino de LEC mais solidamente embasada e, por conseguinte, possivelmente mais efetiva. (ROCHA, 2006, p. 8)



Há muito se discorre sobre a importância de se iniciar a aprendizagem de uma língua adicional (doravante LA) na tenra idade à luz de paradigmas cognitivistas e sócio-culturais. A academia, em 147

sua vertente mais social, ocupa-se deste assunto também há alguns anos, questionando o “quanto mais cedo melhor” (GARCIA, 2011; LINGUEVIS, 2007; ZILLES, 2006; ROCHA, 2006; PIRES, 2001; SANTOS, 2005; ASSIS-PETERSON e GONÇALVES, 2000 e 2001). Em meio aos debates que ocorrem na esfera acadêmica e na mídia, nota-se, como bem diz Nóvoa (2007), o apagamento da presença dos professores. Fala-se muito das escolas e dos professores. Falam os jornalistas, os colunistas, os universitários, os especialistas. Não falam os professores. Há uma ausência dos professores, uma espécie de silêncio de uma profissão que perdeu visibilidade no espaço público (NÓVOA, 2007, p.9)

As reflexões acerca do papel do professor de LI na infância bem como a validade deste ensino na educação infantil (EI) esbarram nas questões legais, “uma vez que parece ser consenso entre teóricos da área que os benefícios do início da aprendizagem de línguas na infância não podem estar baseados no fator idade, isoladamente”, como afirma Rocha (2006, p. 19). Não há, ainda hoje, uma legislação que trate desse assunto (especificamente, a lei 9.394/96 – Lei de Diretrizes 148

e Bases da Educação Nacional) nem mesmo parâmetros para o ensino. Numa tentativa de aproximação, os profissionais da Linguística Aplicada utilizam-se dos Parâmetros Curriculares Nacionais (doravante PCN, 1998) e os Referenciais Curriculares estaduais (SCHLATTER e GARCEZ, 2009), bem como do Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI, 2010) a fim de tentar estabelecer nortes para o fazer de sala de aula. Desta forma, a qualidade deste ensino fica prejudicada devido a esta falta de parâmetros norteadores (LIMA e MARGONARI, 2010; ROCHA, 2006). Além disso, a formação destes profissionais é, consequentemente, faltante ou inadequada. As Licenciaturas oferecem hoje formação apenas para professores que irão atuar no Ensino Fundamental (EF) a partir do sexto ano, desconsiderando o contexto de EI e sua crescente demanda (AGÊNCIA ESTADO, 2010; ANTUNES e TODESCHINI, 2007). O curso de Pedagogia, por sua vez, não contempla o ensino e aprendizagem de línguas adicionais, questão já problematizada por Santos e Benedetti (2009), Rocha (2006) e Pires (2001), que apontam a formação do professor de LI para EI como aspecto fundamental para uma educação linguística de qualidade. 149

Atualmente se faz necessário ir além das questões de aprendizagem de uma língua adicional: se faz urgente discutir no âmbito acadêmico e dentro das instituições de ensino – quer sejam escolas de idiomas ou escolas regulares – a formação dos professores que atuam ou atuarão com ensino de LI na EI. Alguns autores já refletem e buscam alternativas para a situação que se apresenta com alunos alfabetizados (ROCHA, 2006 e 2010; SANTOS e BENEDETTI, 2009). É necessário ouvir os atores envolvidos nestas práticas e propor projetos efetivos e eficazes ao tema, sendo dever das universidades prover a formação adequada a eles. Se faz necessário mencionar que o ensino de LI na EI ainda é privilégio de muito poucos (GARCIA, 2011; ROCHA, 2010). Em Porto Alegre (RS), as escolas de EI e de educação básica que oferecem a aprendizagem de LI para crianças menores de seis anos são todas da rede privada de ensino. As escolas de idiomas que oferecem turmas para crianças desta faixa etária ou que são especializadas para este público cobram mensalidades discriminatórias. Nesse sentido, também objetivamos com este trabalho fomentar uma reflexão acerca do lugar e da importância deste ensino na EI; sendo ele uma realidade, o que o seu acesso, ou falta deste, implica às 150

famílias de alunos das redes pública e privada de ensino em tempos em que falamos em letramento (STREET, 1984; HEATH, 2001) e educação linguística (BAGNO e RANGEL, 2005) como práticas sociais que se complementam e compõem a noção de proficiência para fazer coisas no mundo em determinados contextos nos quais a consciência de que um determinado uso da língua (caso desejado) se faz necessário, permitindo o exercício da cidadania. Corroborando a Carta de Pelotas, que propõe que o ensino de outro idioma deva ser estendido até as séries iniciais do EF, esperamos que futuramente a EI nas escolas públicas possa também ser favorecida com um ensino efetivo de línguas adicionais.

2.Metodologia da pesquisa Os dados apresentados neste trabalho constituíram parte do corpus da dissertação de mestrado de Forte (2010) e foram gerados durante o ano de 2010 em sete escolas de Porto Alegre que oferecem ensino de inglês para crianças em idade pré-escolar: duas escolas de educação infantil, duas escolas de educação básica e três escolas de idiomas. Ao visitar os espaços e observar as aulas de língua inglesa destas instituições, conduziram-se entrevistas 151

semiestruturadas com seis professoras de LI, com três coordenadoras, duas diretoras, bem como com os pais ou responsáveis legais dos alunos (dez mães e uma avó). Almejamos verificar, através da análise das entrevistas, quais saberes são reconhecidos como necessários para a boa atuação do professor de LI na EI e contribuir para possíveis encaminhamentos quanto à formação de professores.

3.Afinal, quais saberes são necessários? A Política Nacional de Educação Infantil (PNEI, 2006) aponta a importância e a crescente complexidade da identidade e do papel do profissional da EI como distinto e complementar ao da família. A PNEI (2006) busca subsídios em pesquisas de diversas áreas sobre desenvolvimento, inteligência, aprendizagem nos primeiros anos de vida, culturas, história e pedagogia da infância, entendendo o contínuo histórico-cultural de ressignificação da criança e de seus direitos. O convívio da criança com seus pares e com crianças de outras idades, bem como com profissionais distintos da família, gera novas temáticas a serem pesquisadas por diferentes áreas de investigação. A prática, combinada à pesquisa, é apontada como capaz de “sustentar um projeto pedagógico que atenda à 152

especificidade da formação humana nessa fase da vida” (PNEI, 2006, p.7). O mesmo documento (ibid), bem como Santos (2005), ressalta ainda que os profissionais que atuam na EI devem ser “qualificados especialmente para o desempenho de suas funções com as crianças de 0 a 6 anos (grifo nosso)” (PNEI, 2006, p.18). Desta forma, a comunidade escolar – neste artigo, representada por professoras de LI, coordenadoras ou diretoras de escolas e pais de alunos da EI – entende que o profissional que ensina uma língua adicional na EI possui saberes específicos ou necessários a sua boa atuação em sala de aula. Gimenez e Cristovão (2004) apontam que as competências orientam a formação do professor, extrapolando a dimensão da sala de aula, e referem-se ao fruto da reflexão sobre seus saberes; incluem valores democráticos e a compreensão do papel social exercido pela escola. As autoras mencionam ainda o entendimento da pesquisa como possibilidade de reflexão sobre a prática e gerenciamento do próprio profissional. Por saberes, tomamos a conceituação de Tardif (2010) quando nos diz que o saber é produzido social e situadamente; relaciona-se com a 153

identidade do professor e é plural, compósito e heterogêneo, pois provém de fontes variadas e diferenciadas. Tardif classifica os saberes em três categorias: disciplinários, curriculares e experienciais ou práticos. Os saberes disciplinários, segundo Tardif (2010), estão relacionados aos conhecimentos que o professor adquire na sua formação inicial ou continuada e que são relativos à sua disciplina de atuação. De acordo com as entrevistas, podemos dizer que os saberes disciplinários do professor de LA na EI estão na fronteira entre dois cursos de formação inicial: Letras e Pedagogia. Elementos do curso de Letras, como ter conhecimento linguístico-teórico (SANTOS e BENEDETTI, 2009) sobre a língua (no sentido sistêmico) que ensina, são citados por duas professoras entrevistadas: “Tem que saber o que está ensinando.” (Professora) “A língua é importante (...) a criança está ali pra receber uma aprendizagem de qualidade. Não é porque é criança, porque vai ensinar vocabulário, que tem que ser uma pessoa que não tem muito conhecimento da língua.” (Professora)

Ao mesmo tempo, elementos do curso de Pedagogia também estão presentes nos saberes 154

necessários aos professores, como ter conhecimento sobre o desenvolvimento infantil, o que também vai ao encontro de Santos e Benedetti (2009). Tal saber está no dizer de professoras e coordenadoras, bem como das mães dos alunos: “as crianças, a cada ano que passa, são diferentes. Entende? (...) Então eu vou ter que fazer coisas diferentes, elas cresceram, elas amadureceram, elas receberam outros tipos de estímulos.” (Professora) “Eu acho que muitas vezes as gurias não estão preparadas para educação da infância. Acho que para séries iniciais até... é diferente a proposta.” (Coordenadora) “Eu acho que um professor para criança tem que ser como um professor da pré-escola: tem que ser amoroso, afetivo, que brinque, que deixe a criança feliz, que seja tudo lúdico.” (Mãe)



Desta forma, encontra-se, aqui, uma interface entre os cursos de Letras e Pedagogia, principalmente elaborado pelas coordenadoras de escolas. 155

“Eu acho que o conhecimento da língua é fundamental, já que eles estão aprendendo, então que aprendam da forma mais correta, a questão da criatividade, do lúdico, do brincar. (...) Encontrar tudo isso numa professora é uma coisa muito difícil. (...) são características bem diferentes.” (Coordenadora) “E infelizmente só com o tempo, só com a experiência que a gente consegue saber como lidar. Mas eu acho que o ideal seria que uma professora que trabalhasse com criança; idealizando muito, utopicamente, ela teria que ser formada em Pedagogia e em Letras. Eu acho que ela seria uma profissional completa. Assim, de formação.” (Diretora)



Ainda com relação aos saberes disciplinários, podemos elencar mais duas características mencionadas pelos entrevistados: o saber trabalhar na interdisciplinaridade e o saber partir do conhecimento prévio do aluno, em consonância com os princípios dos PCN (1998) e RCNEI (1998): 156

“Eu acho que tu não podes montar, digamos assim, um livro ou uma metodologia engessada pra ensinar as crianças. Eu acho que tu tens que aproveitar as oportunidades, do que tu estás fazendo para daí então estar ensinando”. (Professora) “Eu acho na verdade que elas tinham que dar ênfase para a vivência do inglês: notar o que tem de inglês na rua, onde é que elas usam o inglês, a palavra que elas usam na internet (...) o shopping, o outdoor, né? Que a gente tem o inglês como parte do nosso cotidiano que daí vai ficando muito mais fácil depois ela já vai reconhecendo o Seven Boys né? É, essa parte”. (Professora) Um bom professor de inglês é aquele que consegue detectar o que a pessoa não está conseguindo. Qual é a melhor forma dela aprender. Isso até pra nós adultos. (...) Então o importante é o professor detectar qual é a maior dificuldade tua (...), e, a partir da tua dificuldade, conseguir te ensinar ou te passar alguma coisa que tu consigas aprender. (...) Que seja uma aula

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de inglês, língua portuguesa, matemática, ele tem que detectar qual é o maior grau de dificuldade do aluno”. (Mãe)

Tardif (2010) ainda apresenta os saberes ditos curriculares, que dizem respeito ao conhecer a instituição na qual atua, seu currículo e particularidades. Podemos expandir tal conceito para a reflexão feita pelos professores sobre o papel que exercem dentro do espaço institucional, sua atuação como educadores/formadores. Notamos, abaixo, na fala da professora que possui pouca carga horária em sala de aula, sua identidade de educadora/formadora condicionada ao número de horas-aula. Possuindo ela trinta minutos semanais, acredita não interferir no processo pedagógico: “Como eu venho só meia hora por semana, não é assim, sabe. Se fosse mais tempo, eu me sentiria mais dona da sala de aula. Então eu não gosto de botar coisas minhas (...) Eu sou a teacher. Eu sou a teacher, todo mundo me chama de teacher. E meu papel acho que é tão pouco. Eu não me sinto uma pessoa assim que contribua, sabe. Porque é só uma vez na semana e eu acho pouquinho, é pouco tempo não da pra fazer uma

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influência maior nem menor”. (Professora)



Nos dois excertos abaixo, duas professoras, ao apontarem sua responsabilidade com a formação geral do aluno, contradizem o relato acima. É, portanto, importante ressaltarmos o contexto de trabalho em que atuam: diferentemente da primeira professora, possuem mais horas-aula em cada turma e têm o privilégio de acompanhar o desenvolvimento de seus alunos por vários anos: “Eu acho que a gente além de estar ensinando, a gente está educando de uma maneira geral. A gente passa três horas, duas seis horas por semana com eles e nosso papel ele é bem amplo”. (Professora) “Eu não posso pensar que eu sou só professora de inglês porque eu estou trabalhando com crianças em uma idade de formação né? Que eu também vou trabalhar com a criança o limite, que eu tenho que trabalhar com ela o sentar na mesa, o segurar o lápis, o aprender a cortar com a tesoura. E que tudo isso é aprendizado, embora muitas vezes eu não esteja usando o inglês (...) Eu

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tenho bem claro na minha mente que o meu papel como educadora é muito amplo. Ele não se restringe só ao idioma”. (Professora)



O educador/formador, através do uso da linguagem, pode sim, contribuir para a educação linguística e letramento dos aprendizes criança “para além dos muros da escola”, se compartilhar de uma ontologia que compreende a dimensão social da língua: fazer coisas no mundo. A compreensão da língua para além da sua estrutura sistêmica (visão corroborada pelos PCN, 1998) leva à consciência de que a LI não é mais estrangeira e “está entre nós”, é necessária para que façamos coisas no mundo, hoje, no Brasil. Seguindo o pensamento de Tardif (2010), os saberes experienciais ou práticos são aqueles saberes que o professor adquire ao longo de sua prática profissional. Acreditamos que, no caso do ensino de LI para crianças (para o qual não há, ainda, uma formação inicial específica ou continuada), os saberes experienciais parecem ser mais evidentes para os professores, devido a uma lacuna em sua formação. Vemos, na primeira entrevista abaixo, que muito do que dá certo em sala de aula vem de experimentações. Há casos, 160

como relatado no segundo excerto, em que a professora sente a necessidade de trocas com outros profissionais e deseja que sua aula seja observada. “A gente não tem formação pra isso. Então a gente que trabalha aqui que é formada em Letras não tem formação pra trabalhar com criança. Então às vezes tem aquela criança chorando na tua frente e tu não sabes o que fazer. E infelizmente só com o tempo, só com a experiência que a gente consegue saber como lidar”. (Diretora) “Tu achas que a tua aula não está boa. Até porque não tem ninguém controlando. E eu acho que quando tu trabalhas com criança tu sempre tens que ter vários olhos. Não pode ser só o teu. Tu tens que ver o que que o outro acha. Porque é muito difícil”. (Professora)



De maneira didática, tentamos separar os saberes dos professores em categorias. No entanto, nos é claro que muitos destes saberes encontram-se numa zona de fronteira (entre os disciplinários e experienciais, por exemplo) ou 161

podem pertencer a mais de uma categoria. Ainda, nos deparamos com saberes ditos pelos sujeitos entrevistados que parecem não pertencer aos saberes propostos por Tardif (2010), mas que são elencados por Santos e Benedetti (2009) como características e que estamos tomando como saberes, uma vez que eles fazem parte igualmente do “saber-fazer” que está em jogo aqui. “Tem que gostar de criança”. (Professora) “Tem que ter vocação. Vocação é importante”. (Professora) “Tem que ser uma pessoa afetiva. Acolhedora”. (Mãe) “Gostar e sentir prazer em cantar e começar com a coisa da música”. (Mãe) “Tem que ter um talento pra despertar na criança o interesse”. (Mãe) “Eu acho que é tanta coisa que a gente tem que ter: disposição, dinamismo, afetividade, paciência, empatia. Se colocar no lugar da criança”. (Professora)



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Acreditamos que o professor é um facilitador da aprendizagem, entendida como prática social, histórica e culturalmente situada que se dá na relação construída entre as pessoas e mediada pela linguagem (VYGOTSKY, (2008 [1984]). A escola é, portanto, o local privilegiado para promover aprendizados e o professor, um parceiro mais experiente na organização e mediação das aprendizagens da criança – de acordo com o RCNEI (1998). Para tanto, é fundamental que um dos saberes que este profissional possua esteja relacionado às formas particulares de como as crianças aprendem e apreendem o mundo, suas fases de desenvolvimento, para que suas intervenções, no caso deste estudo, em LI, sejam as mais efetivas possíveis. Ou seja, que sejam adequadas ao contexto particular de cada aluno, em cada sala de aula. Gimenez e Cristovão (2004) apontam a necessidade de haver efetivamente um curso que materialize as diretrizes em função do perfil de professor almejado e enfatizam que é “no âmbito de grupos específicos, encarregados de um curso, que esse perfil será definido” (p. 90). O ensino desta língua se justifica, na fala das diretoras e coordenadoras das escolas, pois é uma forma de ajudar na inserção cultural das crianças, uma forma de aproveitar a oportunidade 163

de “janelas abertas ao conhecimento”: “É que a gente vê o envolvimento deles e a pré-disposição que essas crianças têm pra aprender” e de poder prepará-los para o mundo. Porém, elas admitem a dificuldade de contratação de um profissional que seja qualificado para o trabalho com crianças, usando adjetivos como “diferenciado”, “especial”, “artigo raro”. Algumas relatam que a dificuldade também está presente no fato de que a maioria dos professores que atua no ensino de LI na EI está no seu primeiro emprego ou tem pouca experiência em docência e aponta o papel formador da escola que contrata o professor de línguas. “Então eu acho que tem que ser uma profissional muito especial, muito especial. E é difícil de encontrar. A gente já trabalhou muito com professoras, por exemplo, que têm um inglês maravilhoso mas não têm nenhum jeito com aquela criança, não conseguem sentar no chão, não conseguem descer ao nível do aluno que nem a gente diz”. (Coordenadora) “Não têm pessoas habilitadas e habilidosas em trabalho com inglês com criança pequena. Ou sabe inglês, mas não sabe operacionalizar com crianças (...)

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A gente tem feito várias seleções (...) Vêm pessoas formadas em publicidade que trabalham com inglês, em administração que trabalham com inglês, em contabilidade que trabalham com inglês, alguém que se diz autodidata em inglês e aí vem trabalhar. Eu não posso ter qualquer pessoa trabalhando com criança. É diferente de eu botar uma pessoa que é autodidata pra trabalhar com inglês com adultos. Muito difícil. Esse é um caminho que as universidades precisam repensar.” (Coordenadora) “A gente tem aqui (...) a maioria das nossas professoras estão em início de carreira. Ou são gurias recém formadas ou que ainda estão estudando e é o primeiro emprego delas. A G. até disse que a gente devia trabalhar como formação de professores porque (para) todas elas (...) é o primeiro emprego, o primeiro lugar que elas vão trabalhar. São raras as que já têm essa visão assim “não, eu trabalho com criança mesmo, eu gosto de trabalhar com criança, é isso que eu vou fazer”. E, por exemplo, a K., (...) que já é mais experiente

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e que gosta de trabalhar com criança. É difícil de ter uma profissional que assuma isso pra si. É um degrau pra depois eu chegar em algo melhor. Mas eu acho que isso não é só com o inglês, eu acho que a educação infantil toda é menosprezada, em geral”. (Coordenadora) “Então assim, encontrar tudo isso numa professora é uma coisa muito difícil. Tanto que ali a gente tem uma na educação infantil e a gente fica assim muito medroso: ah se a teacher quiser sair... realmente são características bem diferentes”. (Coordenadora) “Então eu acho que talvez as escolas que têm a proposta de ter um professor de ter inglês mais cedo sentem dificuldade de encontrar professor justamente por essa falta (...) de formação acadêmica. Está aqui a prova. A dificuldade da gente encontrar um outro professor para trabalhar junto, aqui dentro da escola”. (Professora)



A análise dos saberes elencados pelos participantes desta pesquisa pode, futuramente, 166

servir como base para o surgimento de diretrizes norteadoras para o ensino de LA na EI. No momento, vamos nos ater a alternativas e propostas para a questão da formação dos professores que atuam ou vão atuar neste âmbito de ensino. Pois, como afirma Santos (2005), esta atividade exige preparação diferenciada que “envolve comprometimento pessoal para a construção de uma identidade profissional sólida”. (SANTOS, 2005, p. 50). Com exceção dos saberes relacionados ao conhecimento linguístico da língua adicional, ousamos dizer que os saberes esperados dos professores de crianças pequenas são igualmente esperados dos professores titulares das turmas, citados, por exemplo, por Antunes (2004). Moita Lopes, já em 1994, ao chamar a atenção para o fato de a Linguística Aplicada restringir a reflexão sobre o papel da linguagem à formação do professor de línguas, advogava que a compreensão da natureza da linguagem merece atenção na formação de qualquer professor por ser a “linguagem em uso”, ou o “discurso/a interação” o meio pelo qual o ensino de qualquer disciplina se dá. O autor elenca três pontos que acredita que deveriam ser incluídos em programas de formação de professores: a) a centralidade da leitura na escola como grande diferencial entre o 167

mundo da escola e o da não-escola, questão também problematizada por Cameron (2003); b) o papel da interação na aprendizagem, como “processo essencialmente social mediado pela linguagem” que possibilita a aprendizagem/construção do conhecimento e c) construção social do significado, presente na relação entre as pessoas (grifo nosso), uma vez que o significado é resultado de um momento histórico, cultural e institucionalmente situado. Moita Lopes aponta ainda que a formação preocupa-se com conteúdos e com metodologias. Gostaríamos de chamar a atenção ao fato de que não há, nos documentos oficiais brasileiros, qualquer menção a conteúdos obrigatórios. Os próprios títulos dos documentos oficiais explicitam que se tratam de “referenciais”, ou “parâmetros”. Nossa experiência nas escolas nos mostra que há grande preocupação com “a lista de conteúdos”, cuja obrigatoriedade de sequência (que não conta com o respaldo dos documentos oficiais), muitas vezes, se sobrepõe às necessidades de aprendizado do aluno. Moita Lopes sugere que a formação de professores possua dois elementos mínimos: 1) o entendimento do ensino/aprendizagem como estando centrado na interação e 2) meios para que o professor reflita e investigue sua prática de sala de aula.

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O entendimento da língua como código sistêmico geralmente vem associado ao conteúdo a ser trabalhado em aula, com relação ao qual alguns professores demonstram grande preocupação em “dar conta”, muitas vezes “a qualquer custo” (ou seja, “descolando” o conteúdo do seu propósito social de ação), como mostra nossa experiência como professoras de LI na EI. Na EI na qual a LI não é sequer regulamentada faz-se necessário esta problematização e um amplo diálogo entre os professores que vão atuar em diferentes níveis de ensino. Desta forma, como é nossa proposta neste artigo, é fundamental repensar a formação oferecida pelos cursos de Letras para que possa abarcar esse escopo oferecido pela profissão nos dias atuais. Corroborando Cameron (2003), se faz necessário oferecer uma formação para aqueles que atuarão em sala de aula com estes jovens aprendizes, bem como aqueles que encontrarão alunos com os mais variados níveis de proficiência e (des)motivação com relação ao idioma alvo no segundo ciclo do EF. Promover uma formação abrangente e dialógica é o que consideramos satisfatória e sobre a qual discorremos na seção que segue, pois entendemos que a universidade deve, em primeiro lugar, reconhecer este novo contexto. Ao não dar as costas a esta área 169

emergente, a universidade será capaz de promover pesquisas a fim de que os professores que já atuam e os que pretendem atuar neste contexto possam debater formas eficazes de proporcionar educação às crianças – inclusive linguística; educação esta de qualidade, para cujo planejamento as crianças sejam centrais: entendidas em sua totalidade, como seres humanos completos (SANTOS e BENEDETTI, 2009; ROCHA, 2007; ZILLES, 2006; PIRES, 2001).

4.Uma alternativa para a formação de professores - promovendo políticas linguísticas O processo educacional que envolve língua e sociedade deve ser visto como um ato político. (SANTOS, 2005, p. 49)



No que diz respeito à formação de professores para trabalhar com língua adicional na educação infantil, nos encontramos num dilema de ordem institucional. Assim como nos relata Santos (2005) sobre a situação de sua cidade, Sinop (MT), podemos ampliar para o restante do país: o profissional habilitado para o trato com os jovens 170

alunos é o formado em Pedagogia que, de acordo com a sua grade curricular, não possui formação em língua estrangeira; por outro lado, o profissional das Letras, aquele que, assim se espera, detém o conhecimento linguístico, não tem acesso a disciplinas voltadas ao ensino de alunos não alfabetizados. Apesar de em Porto Alegre não haver a obrigatoriedade do ensino de outra língua na educação infantil, a oferta é cada vez maior. Não devemos negligenciar aos alunos que possam ser recebidos por profissionais qualificados, tampouco negligenciar aos professores que sejam amparados por instituições que ofereçam formação inicial e continuada desejada. Dessa forma, as universidades deveriam ter um papel decisivo nesta trajetória (LIMA e MARGONARI, 2010; SANTOS, 2011; TONELLI e CRISTOVÃO, 2010). Os cursos de formação inicial de professores existentes precisam passar por uma reforma, de modo que possam atender às novas demandas postas aos professores de LI. Torna-se importante incluir disciplinas (quer seja como disciplina obrigatória, eletiva, ou ainda como curso de extensão) que deem conta do ensino de LI para crianças (SANTOS e BENEDETTI, 2009; TONELLI e CRISTOVÃO, 2010). É a formação que deve proporcionar ao futuro professor (que já 171

deveria ter contato com salas de aula reais desde o primeiro ano, ao menos observando) o constante questionamento das práticas, da literatura existente, das políticas. Não há prática dissociada de teoria, e vice-versa. Acreditamos que o aluno de graduação precise ter a oportunidade de vivenciar salas de aula na EI, nos anos iniciais e finais da EF e no EM, nos seus mais variados contextos. O professor não pode ter acesso a essa gama de experiências apenas depois de ter saído da universidade. Precisa observar e participar de cada um desses ciclos durante a formação inicial. O que se necessita hoje é uma reflexão séria e embasada sobre o fazer do professor de LI na EI, e não somente cursos livres, workshops e palestras com sugestões de atividades, canções, brincadeiras etc. Não queremos dizer que não há lugar, tampouco validade nestas atividades; como professoras de LI na EI sabemos da importância de o professor contar com um amplo repertório de atividades e de formas de gerenciar as dinâmicas de sala de aula que mudam constantemente quando falamos de crianças pequenas. Este saber também se revela importante nas vozes de uma professora e uma coordenadora do nosso corpus. “E tem que ter muita - eu acho que muita carta na manga”.

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(Professora) “(...) a profe vai ter que ter realmente muito jogo de cintura pra trabalhar na nossa educação infantil”. (Coordenadora)



Queremos advogar que, além deste repertório, o professor precisa se armar de convicções a respeito de que língua é essa que está ensinando e porque, bem como a melhor maneira, de acordo com cada contexto, de fazer um convite à construção conjunta de conhecimento às crianças através de tarefas desafiadoras e estimulantes. Concordamos com a concepção de infância e de criança apresentada pela Política Nacional de Educação Infantil (PNEI, 2006), na qual a criança é concebida como “criadora, capaz de estabelecer múltiplas relações, sujeito de direitos, um ser sócio-histórico, produtor de cultura e nela inserido” (p.8). Entendemos, desta forma, o aluno como agente construtor de seu conhecimento, que ocupa um lugar no mundo, capaz de refletir e agir sobre este mundo em que vive; alguém que possui vivências anteriores ao contexto institucional da escola que devem ser valorizadas e, a partir das quais, novos saberes construídos (DCNEI, 2010; PCN, 1998). Uma proposta seria a reflexão de como 173

materializar a articulação dos princípios éticos, políticos e estéticos da EI previstos nas DCNEI (2010) com os princípios da área de Linguagens e Códigos propostos pelos PCN (1998) que afirmam que a “Língua Estrangeira (...) é parte da construção da cidadania” (PCN, 1998, p.41). A língua estrangeira favorece, assim, a construção da cidadania e do autoconhecimento através do contato com a cultura do “outro”. O professor precisa ser levado à consciência do que está fazendo para que ele mesmo possa fazer suas escolhas, apoderando-se de seu papel transformador, produtor cultural e ator político (FREIRE, 1996; RAJAGOPALAN, 2003; SANTOS, 2005). Iniciativas como o CILT - Centre for Information on Language Teaching Research, atuante no Reino Unido, nos faz crer que é possível um esforço conjunto de professores, pesquisadores e governo a fim de estabelecer parâmetros curriculares e políticas de ensino no âmbito das séries iniciais do EF (como é o caso da experiência britânica), bem como na EI. O que propomos é a formação de comunidades de prática para a formação inicial e continuada de professores de LA na EI, amparados por Gimenez e Cristovão (2004) e Nóvoa (2007 apud HUTCHINGS e HUBER) que caracterizam tais comunidades como espaços conceituais formados 174

por profissionais dedicados à pesquisa e inovação; nestes espaços, debatem-se ideias sobre ensino e aprendizagem e desenvolvem-se estratégias comuns aos “desafios da formação pessoal, profissional e cívica dos alunos” (p. 7). Nóvoa (2007) aponta ainda o sentimento de pertencimento e de identidade profissional como elementos fundamentais para a apropriação dos processos de mudança por parte dos professores, a fim de que possam converter tais processos em “práticas concretas de intervenção”. Gimenez e Cristóvão (2004) apostam no estreitamento das relações entre universidade, escola e comunidade, como forma de inserção dos futuros professores nas comunidades de prática, participando da realidade educacional. A escola, não vista mais como simples “campo de estágio”, “cria maior simetria entre as instituições e proporciona oportunidades de integração efetiva entre os diferentes níveis de ensino”. (p. 93) Acreditamos que uma mudança séria na conduta dos cursos de formação, não somente inserindo disciplinas sobre ensino de inglês para crianças ou tópicos do desenvolvimento infantil – que pensamos ser de suma importância – mas também promovendo a prática dos professoresalunos junto aos professores mais experientes e trazer tais diálogos para a universidade. Nóvoa 175

(2007) afirma que não conseguiremos evitar a “pobreza das práticas” se não tivermos políticas que reforcem os professores, os seus saberes e os seus campos de atuação, que valorizem as culturas docentes, que não transformem os professores numa profissão dominada pelos universitários, pelos peritos ou pela “indústria do ensino”. Para tanto, propõe “passar a formação de professores para dentro da profissão” e fazer com que fundamentalmente os professores formem seus pares, tornando a “comunidade dos formadores de professores” e a “comunidade dos professores”, “permeáveis e imbricadas” (NÓVOA, 2007, p.6). O autor cita a comunidade de prática dos médicos como exemplo e inspiração, e propõe que a escola e a universidade, da mesma forma, estudem cada caso profundamente (no caso escolar o insucesso na sala de aula), analisem coletivamente as práticas, possuam compromisso social e acreditem na intervenção como forma de auxiliar os alunos a obterem sucesso. Santos (2005) corrobora a visão de Nóvoa (2007): a de que a formação deve contemplar os pressupostos teóricos e práticos, subsidiando o professor com elementos linguísticos e metodológicos de forma reflexiva e contínua, a fim de que o professor, consciente de seu papel político, construa com seus alunos “situações de 176

aprendizagem numa perspectiva de criação coletiva”. Assim, o que propomos é “uma articulação mais eficiente entre os participantes da comunidade de prática, a saber: aluno-professor, professor supervisor, professor regente e seus alunos” (GIMENEZ e CRISTOVÃO, 2004, p. 92). Para tanto, seria necessário uma reformulação deste modelo “3+1” (três anos de teoria e o último ano da graduação de prática) nos currículos dos cursos de licenciatura em Letras (GIMENEZ e CRISTOVÃO, 2004; SANTOS e BENEDETTI, 2009) que não se mostra mais eficiente. Se entendemos que a prática e a teoria são indissociáveis, ou melhor, que a prática é a construção e materialização da teoria produzida conjuntamente em sala de aula, não cabe mais termos cursos de graduação com esta visão dicotômica que impõe teoria versus prática, uma vez que todas as disciplinas do currículo possuem um papel formador, seja explícito ou por meio do currículo oculto (GIMENEZ e CRISTOVÃO, 2004). Almeida Filho (2000) corrobora este pensamento acerca do currículo, e entende que ele deva ter o foco na formação de profissionais. Para isso, considera que “uma reforma curricular nos estudos da linguagem deveria minimamente cobrir esses domínios através de disciplinas, 177

enfoques e procedimentos em uma busca de formação inicial (sempre incompleta, por princípio – grifo nosso) de um profissional incomodado, íntegro, crítico, perceptivo, ativo, flexível e competitivo em sua esfera de ação” (ALMEIDA FILHO, op. cit., p. 44). Ao favorecermos a prática como um contínuo, a reflexão sobre e na prática, queremos a formação de professores pesquisadores e atuantes nas comunidades de prática (GIMENEZ e CRISTOVÃO, 2004; MAGALHÃES e FIDALGO, 2010, MIRANDA, 2012). Desta forma, pode-se valorizar os saberes dos professores em formação inicial ou continuada e promover o dialogismo na tomada de consciência, a fim de que os saberes e habilidades elencados neste trabalho possam gerar as competências do professor em ação. Como afirma Rocha (2006), o ensinoaprendizagem deve ser embasado em diretrizes que almejem o autoconhecimento em outra língua e integrem o aluno ao mundo no qual ele vive, de forma que “ele vá, sempre, adiante e além” (p. 261). Entendemos, assim, que um profissional crítico que constantemente revê sua prática e entende sua ação como política será capaz de criar condições para que os alunos construam experiências cidadãs. Este profissional será 178

formado na universidade se esta, ao prover educação linguística a todos os futuros professores, promova o diálogo entre as diferentes esferas reais de atuação destes profissionais (GIMENEZ e CRISTOVÃO, 2004). Gimenez e Cristovão (2004) entendem que “uma reforma curricular deveria, (...) abrir espaços para que os problemas da prática pudessem direcionar (embora não limitar) os conteúdos escolhidos” (p. 91). As autoras, que não trata especificamente da EI, sugerem disciplinas com base em contextos relevantes, ou seja, aqueles que estão em sintonia com a realidade profissional e que permitem extrapolar situações concretas a fim de promover inovações. Como exemplo, citam a demanda dos surdos; mencionam também os alunos da EJA e do contexto indígena. No caso da EI, um esforço de diálogo interdisciplinar com a área da Pedagogia será necessário, podendo começar com disciplinas sendo cursadas em ambos os cursos com o mesmo valor de disciplinas obrigatórias e não apenas complementares. Concordamos com Gimenez e Cristovão (2004), como já defendemos acima, que apontam como caminho o trabalho interdisciplinar, não havendo “motivo aparente para separar, por exemplo, alunos de língua materna e estrangeira na discussão sobre contexto escolar, objetivos de ensino, orientações curriculares gerais, etc.” (p. 179

92). Esperamos ter contribuído para a discussão acerca dos saberes do professor de LI que atua na EI tendo em vista a formação mais ampla e comum ao curso de licenciatura: a de professor, em primeiro lugar. Para finalizar, recorremos a Nóvoa, mais uma vez: No que diz respeito ao desenvolvimento profissional dos professores (…) é preciso dar passos concretos, apoiar iniciativas, construir redes, partilhar experiências, avaliar o que se fez e o que ficou por fazer. É preciso começar.” (NÓVOA, 2007, p. 10).



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entrevista

com

1.Na tua opinião, qual a importância de se iniciar a aprendizagem de uma língua estrangeira desde muito

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jovem? 2.Como se insere o ensino de língua estrangeira no plano global de ensino da escola? 3.Por que a opção de se ensinar inglês na educação infantil (ao invés de uma outra língua)? 4.Dentro da filosofia desta escola, o que é importante que o aluno aprenda nas aulas de língua inglesa na educação infantil? 5.Como tu caracterizas um bom professor de inglês para crianças?

Questões norteadoras para entrevista com pais ou responsáveis legais dos alunos: 1.Na tua opinião, qual a importância de se iniciar a aprendizagem de uma língua estrangeira desde muito jovem? 2.O fato de esta escola oferecer aulas de inglês na educação infantil pesou na tua escolha por este espaço para teu filho? (para escolas regulares e escolas de educação infantil) 3.O que te fez escolher este curso para teu filho? Qual foi o atrativo? (para escolas de idiomas) 4.O que tu achas importante que teu filho aprenda nas aulas de inglês?

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A CRIAÇÃO DE VERDADES SOBRE A PROFISSÃO DOCENTE: A SALVAÇÃO E O PARAÍSO NA EDUCAÇÃO

Michele Pedroso do Amaral [email protected]

Objetiva-se contextualizar sobre uma pesquisa realizada no primeiro semestre de 2015, em uma escola de Caxias do Sul/RS, com cerca de 120 alunos do Ensino Fundamental, que procurou analisar sob um viés genealógico, de que modo se constituem discursos de verdade sobre a profissão docente. Palavras-chave: Genealogia.

Docência.

Verdade.



INTRODUÇÃO: VERDADE, DOCÊNCIA E A LÓGICA DA SALVAÇÃO O que se valora, sob o título de verdade, não são nada mais e nada menos que criações de uma época, discursos constituídos em determinados contextos sociais, nas relações de poder. Vive-se em uma sociedade apegada a um modelo platônico de ser, ou seja, na busca insistente pela essência das coisas, como se 187

existissem e estivessem fora delas mesmas. Assim, nos constituímos apegados à lógica de uma dimensão deslocada de si mesma, por meio de modos de se autorrepresentar nos jogos de verdade, num constante movimento de forças. Dessa forma, pautamo-nos em perfis identitários tidos como melhores, aprendendo, ao longo da vida, nas práticas sociais, as verdades sobre as coisas, porém não há verdades à nossa espera, veladas em um nível superior da existência; o que há, são seus jogos, seus mecanismos de ação, suas regras, forças. Sendo assim, as práticas discursivas e não discursivas das verdades são acontecimentos fabricados, e não descobertas imutáveis. Nessa esteira, faz-se urgente pensar de que modo certos discursos vão se cristalizando no cenário educacional, especialmente os que giram em torno do que se espera do perfil da profissão docente, situados em uma sociedade que tem naturalizado a verdade de que a boa professora, ou o bom professor, é aquela ou aquele que desempenha o papel de quase “mãe” ou “pai” na escola, que detém o poder de “salvar” o(a) estudante do suposto estado de ignorância em que se encontraria. Destarte, o célere texto é fruto de uma pesquisa realizada durante o primeiro semestre de 2015, em uma escola pública da rede 188

municipal de ensino de Caxias do Sul/RS, com cerca de 120 estudantes pertencentes entre a Educação Infantil, o primeiro, segundo, sexto, sétimo e nono anos, sob a motivação de identificar que discursos de verdade são recorrentes por parte deles, quando o assunto é a profissão docente. Assim, procurou-se analisar de que forma(s) esses discursos poderiam, ou não, vincular-se, a uma tendência modernista de ensino, que, sob uma lógica de “rebanho”, situa, de um lado esse profissional como salvador das consciências e, de outro, os discentes à espera de salvação.

ASPESCTOS METODOLÓGICOS: DO DEVER E DA SALVAÇÃO Em Assim falou Zaratustra, na seção que tem por título “O Convalescente”, Nietzsche, por meio de sua personagem, busca uma maneira de transvalorar o seu próprio modo de expressão, para que pudesse ir além da submissão das palavras e da representação de algo. Ora, as palavras não carregam em si a essência do próprio referente (objetos, seres), mas a valoração de algo,a partir de certos discursos. Assim, de que modo pode-se pensar a profissão docente, sem enquadrá-la a certos padrões, que reduzem a dimensão da criação, diante da insistente vontade 189

de verdade e transvalorar essa necessidade de representação da própria profissão, como um espaço de deslocamento dionisíaco, de subversão de si mesmo? Nesse norte, situando a educação, por uma lógica que denomino da ordem do “dever e da salvação”, desde a tenra idade as crianças vão subjetivando modos de ser, agir e pensar nas instituições escolares, “dançando” ao som das verdades, calando o que é considerado mentira (entendido aqui como espaço de criação), e sorrindo muitas vezes como hienas para o logicismo científico da “majestosa educação para a vida”. E a lição? É a do dever para a salvação de si mesmo. Agora, já posso receber a bênção professora? Professor? Dessa forma, a situação vai se complexificando cada vez mais, pois ao passo em que há a expectativa da salvação subjetivada ao longo da escolaridade pelos estudantes, isso também ocorre com o profissional docente, especificamente os professores. Percebe-se que a influência das diversas categorias midiáticas, tais como a televisão (como é o caso das novelas exibidas pela emissora SBT “Carrossel” e “Chiquititas”, por exemplo), jornais, a internet, bem como outros meios de comunicação, propostas pedagógicas, leis e outros influenciam a 190

solidificação e (re)produção da representação idealizada do profissional docente, como aquele(a) que, geralmente, aparece por trás de grossas armações de óculos (símbolo de quem muito lê, estuda, logo é inteligente), carregado de materiais, trabalhos para corrigir, com um comportamento dócil, meigo, até maternal ou paternal; possuidor de repostas e soluções que vão desde a crise familiar às lições moralmente corretas. Por isso, duvidar da concepção instituída de verdade, sobre a profissão docente, do que se espera desse profissional, como deve portar-se, lugares que são mais adequados para frequentar, o que vestir, como e o que falar, sua opção sexual, etc., etc., é necessário, na medida em que motiva modos de resistência e respingos, diante das representações que habitam nossos próprios modos de pensar e ser profissional. Isso relaciona-se diretamente com as relações ético/estéticas da constituição existencial, diante de um cenário social que incumbe cada vez mais responsabilidades que não dizem respeito à educação, tampouco aos profissionais envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Esclareço que isso não quer dizer que agora devemos vestirnos de culpa, pois isso implicaria acreditar que fomos enganados, mas trata-se de reinventar-nos na própria prática docente. Cutuco agora: De que 191

modo se pode pensar a profissão docente, sua prática pedagógica, logo sua própria existência para além daquilo que a metralham constantemente como a verdade que deve ser?

APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS OU PARA ALÉM DELES A partir dessas reflexões, o corpus empírico da pesquisa preocupou-se em analisar discursos recorrentes que pudessem apontar de que ordem se valora essa profissão. De que modo esses sujeitos, que se inauguram nas práticas discursivas e não discursivas, “fixam verdades” sobre isso. De acordo com Fischer (2012, p.1314), quando se analisa um discurso sob a perspectiva de Foucault, exige-se uma postura de recusa diante de explicações unívocas, de fáceis interpretações ou aquelas que insistem em procurar um sentido oculto por trás do dito, para centrar-se no nível da existência das palavras. Para tal, de acordo com Foucault, e como explica a autora, faz-se necessário desprender-se de um entendimento de que os discursos são apenas um conjunto de signos e significantes que se referem a outras coisas, que se encontrariam sob um véu limitador entre o que se diz e o que isso quer dizer; que estaria, exatamente nesse espaço renegado, o abrigo da verdadeira intenção, da 192

essência do que se diz, que precisa ser revelada, mas que os discursos são exatamente práticas, o lugar que forma os objetos de que falam. A pesquisa foi realizada através da pergunta: Quando você pensa na profissão professora, professor, o que vem em sua mente? – e que foi entregue digitada aos alunos de uma turma de sexto, sétimo e nono anos, lida (pela pesquisadora, individualmente) e foram anotadas as respostas de cada aluno de uma turma de Educação Infantil, primeiro e segundo anos. Os do sexto ao nono anos, receberam a orientação de que listassem até três palavras, frases, etc. Da Educação Infantil ao segundo ano, não houve orientação quanto ao formato das respostas. O quadro a seguir apresenta as palavras que repetidamente apareceram associadas a profissão, nas respostas dos estudantes, por ordem decrescente: PALAVRAS RECORRENTES ASSOCIADAS À PROFISSÃO DOCENTE Palavras Repetições Legal 22 Inteligência 16 Paciência 14 Ensinar 14 Gostar 10

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Responsabilidade 9 Respeito 5 Compreensão 3 Bom exemplo 3 Criatividade 3 Alegria de ensinar 2 Dificuldades 2 Outras palavras menos correntes associadas à Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora (2015). profissão docente Integridade; Atitude; União; Dificuldades; Coragem; Brava; Atenção, Exigente, Persistente, Nos Organização; Sacrifício; Stress. quadros que seguem apresentam-se

algumas das respostas e dos relatos orais dos estudantes, categorizados a partir dos principais conceitos dos discursos. Ressalta-se que, a essas respostas, segue uma legenda específica para a identificação dos sujeitos, resguardando sua identidade, onde o primeiro caractere corresponde ao sexo (F para Feminino; M para Masculino), seguido do segundo, que corresponde à idade e do terceiro, que corresponde ao ano escolar do discente (Ed. I: Educação Infantil; 1º Primeiro ano; 2º: Segundo ano; 6º Sexto ano; 7º: Sétimo ano; 9º Nono ano). RESPOSTAS ASSOCIADAS À LÓGICA DO DEVER E DA SALVAÇÃO DIANTE DO PERFIL DA PROFISSÃO “Acho elas ótimas e legais, inteligentes, importantes

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para as crianças. Tudo o que os professores fazem temos que fazer.” (M; 5; Ed. I). “Eles merecem mais respeito dos alunos e da sociedade, porque eles estão fazendo o futuro das crianças, adolescentes.” (M; 16; 9º). “Vem em minha mente um exemplo de pessoa, no qual depende de cada professor, pois alguns são realmente um exemplo de pessoa e outros são aquilo que você sente pena por ser de tal jeito. ” (F; 12; 7º). “Uma pessoa que nos prepara para o futuro, que sofre com a mal educação dos pais em casa como respeito. Uma profissão difícil de desempenhar.” (M; 14; 9º). “Na minha mente vem que ser professor e dar uma educação melhor para os alunos que querem a aprender a estudar que querem ser alguém na vida que quer o seu melhor.” (F; 14; 6º). “Educador da sociedade. Responsável por tudo o que deve cumprir. Amigável com seus alunos.” (M; 11; 6º). Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora (2015). “Legais, espertas porque sabem de tudo. Elas nunca esquecem de qual é a data de hoje.” (M; 6; 1º). “Eu sonho em ser professora porque a gente tem que saber bastante.” (F; 5; Ed. I).



RESPOSTAS ASSOCIADAS À EXPECTATIVA POR UM PERFIL MATERNAL/PATERNAL DA PROFISSÃO “Penso que são minha mãe.” (M; 8; 2º). “Professora são as mulheres, homens são só guris.” (M; 6; Ed. I). “Ser um 2º pai, que também passa o conhecimento aos alunos sobre vida, lições já aprendidas na escola. Um livro falante que nos diz falando.” (F; 11; 6º). “Quer nosso bem como para os filhos.” (M; 7º;

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13). Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora (2015).

RESPOSTAS ASSOCIADAS À POSTURAS MORAIS (PUNIÇÃO, RECOMPENSA) ENVOLVIDAS COM A PROFISSÃO “Penso que, quando fazemos coisas erradas, eles não nos deixam ir para o recreio.” (F; 5; Ed. I). “As professoras que gostam de nós. A gente faz as coisas para elas gostarem de nós.” (M; 6; 1º). “Penso que são professoras inteligentes, legais, não se irritam se somos queridos, mas se a gente grita, ela fica brava; por isso é importante seguir o que elas dizem para que a gente possa aprender, para quando a gente crescer sermos inteligentes, então se alguém perguntar, vamos saber responder e ninguém Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora (2015). vai rir da gente, porque somos inteligentes! ” (M; 7; 1º). “Para me comportar para ser querido.” (M; 5; RESPOSTAS ASSOCIADAS AOS DESAFIOS DA Ed. I). PROFISSÃO “Não brigar, se bater no piá, pedir desculpas, daí as profes mandam bilhetes. Obedecer às “Para ser professor(a) não basta gostar do contato com as profes.” (M; 6; 1º). pessoas, exige também muita paciência para que entenda o “Eu penso nas atividades.” (F; 6; 1º). tempo de cada um para aprender. ” (F; 15; 9º). “Penso nas coisas que eles nos dão para “Tem que ser exigente e não misturar a sua vida pessoal com fazer.” (F; 6; 1º). a profissão. ” (M; 11; 6º). “Na minha mente vem várias coisas. Vem responsabilidade, ser organizada, ter criatividade para dar as tarefas e muito mais.(F; 12; 7º).

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“Me vem na mente uma pessoa batalhadora que ficou anos na faculdade para ajudar a transformar a vida dos seus alunos. Uma pessoa que quer o bem, que quer ensinar e principalmente ajudar. Uma pessoa que sofre na mão de alunos mal-educados, que não querem nada para sua vida, apenas perturbar a vida dos outros. Às vezes elas chegam a sofrer agressão tanto verbal como física, isso é muito triste. ” (F; 11; 6°). “Vem em mente que essa profissão é uma que precisa de muitos estudos e valorização, esforço. Se não existisse o professor não seríamos quem somos.” (F; 11; 6º). “Os alunos incomodando a professora. Os alunos gritando quando a professora fala. Os alunos não fazem os temas.” (F; 12; 6º). “Uma profissão boa e ruim. Bom porque você divide o seu conhecimento com as outras pessoas. Ruim porque tem pessoas que não querem aprender por mais que se tente.” (M; 13; 6º). “Vem que essa profissão foi feita para ensinar, mas também Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora (2015). aprender com seus alunos. Essa pessoa poderá ensinar os seus alunos com mais facilidade de que outras pessoas, mas também essa profissão não pode ser superior do que outras.” (M; 13; 7º). “Que essa profissão é uma cargo avançado e precisa de responsabilidade dos alunos e não é tão fácil quanto parece, pois precisa ter paciência com os desaforos e ameaças dos RESPOSTAS ASSOCIADAS A CERTA alunos.” (M; 11; 6º). ADMIRAÇÃO PELA PROFISSÃO DOCENTE “Eu acho que é uma profissão dura porque tem que aguentar “Quando penso no professor é uma profissão os alunos e não é muito valorizada. Ganham pouco dinheiro, legal, porque você está lá na frente educando os mas deve ser legal porque ensina as pessoas.” (M; 11; 6º). alunos. Gosto muito da profissão.” (F; 14; 6º). “Vem em minha mente orgulho de ser professor ou professora, pois é um sinal que quando estava na escola estudou muito para ser o que é hoje.” (M; 12; 6º).

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“Minhas inspirações, pois é o que eu quero ser por admirar muito. ” (F; 14; 6º).

Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora (2015).

Pode-se perceber, nas diferentes categorias escolhidas para a análise dos relatos, que aparecem diferentes níveis de escolarização. No quadro nomeado: Respostas associadas à lógica do dever e da salvação diante do perfil da profissão, são recorrentes as repostas tanto dos estudantes que frequentam a escola desde a Educação Infantil, quanto dos que estão prestes a sair da escola. Isso reafirma a possibilidade de que, ao longo da escolaridade, nessa instituição, os alunos vão se subjetivando de tal modo, a ponto de considerarem a profissão como da ordem da salvação, cabendo a eles o dever de aprender as verdades instituídas nesse espaço de aprendizagem. Da mesma forma, nas palavras repetidas e nos demais quadros, percebe-se, nos relatos, que a profissão docente remete a discursos que a inauguram enquanto sinônimo da ordem do maternal/paternal, do dever ou punição, os quais exigem certas posturas éticas/estéticas por parte dos estudantes, que reconhecem certos desafios vividos por estes profissionais, assim como os que demonstram por ela admiração. Qual seria a razão de problematizarmo-nos e 198

arriscarmo-nos a duvidar daquilo que é dado como salvação, calmaria? Seriam essas algumas das verdades criadas sobre a profissão docente, que estaria a correr atrás da própria sombra?

CONSIDERAÇÕES (FIM)INICIAIS Então só resta “chutar o balde” e ver no que vai dar, pois não há salvação, tampouco o paraíso na educação? Na medida em que certos padrões identitários vão sendo constituídos pelas práticas discursivas e não discursivas nas instituições escolares, como verdades fixas, torna-se mais difícil a criação de novas fissuras, pois se o modelo de ensino e o perfil docente estão dados como contínuos, heterogêneos, aconchegantes, que haverá no reinventar-se? Poderia ser exatamente a não razão, o espaço de criação de si enquanto professora, professor? Retomando o início da discussão, mas sem me direcionar a um final, como no poético texto de Nietzsche, ouso perguntar: De que modo pode-se convalescer na própria profissão docente e tornar-se para si mesmo uma nova lira, potente de novas canções?

REFERÊNCIAS FISCHER, Rosa Maria Bueno. Trabalhar com Foucault: arqueologia de uma paixão. São Paulo: Autêntica, 2012.

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FOUCAULT, Michel; MACHADO, Roberto. Microfísica do poder. 18. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2015. FOUCAULT, Michel. Conferência 1. In: ______. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau, 2003. p. 7-27. NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. São Paulo: M. Claret, 1999. SILVA, Tomaz Tadeu. Dr. Nietzsche, curriculista – com uma pequena ajuda do professor Deleuze. Disponível em: Acesso em 27 mai. 2014.

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EDUCAÇÃO MATEMÁTICA FINANCEIRA: O ESTUDO DO CARTÃO DE CRÉDITO

Pâmela Franco Fernandes Mestranda no Curso Profissionalizante em Ensino de Física e de Matemática do Centro Universitário Franciscano - Santa Maria, RS Brasil. [email protected] Valdir Pretto Professor do Curso de Pedagogia e do Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e de Matemática do Centro Universitário Franciscano - Santa Maria – RS Brasil. [email protected]

O presente trabalho apresenta um relato de experiência, realizado em uma turma de 2º ano do Ensino Médio de uma escola estadual do município de Tupanciretã, tendo como suporte teórico a Educação Matemática Crítica. A atividade realizada propôs uma análise crítica dos alunos à respeito do uso e manipulação do cartão 769

de crédito, sendo esta realizada em coletivo, por meio de discussões que gerassem a reflexão crítica dos alunos, sendo estes totais protagonistas de suas aprendizagens. Além disso, na atividade, trabalhou-se com as dimenssões do cartão de crédito relacionado à proporção áurea. Palavras-chave: Consumismo, Matemática Crítica, Proporção áurea.

Educação



1. Introdução A abordagem da matemática financeira relacionada com o cotidiano dos alunos permite que estes observem e interpretem fatos reais, além de perceberem a importância do ensino de matemática no seu dia a dia. Nesse artigo apresentamos um relato de experiência de uma das atividades da pesquisa de dissertação intitulada “Educação Matemática Financeira: uma abordagem socioeconômica no 2º ano do Ensino Médio Politécnico” do Curso de Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e de Matemática do Centro Universitário Franciscano de Santa Maria. A sequência didática apresentada, teve como foco a discussão e reflexão à respeito do uso adequado dos cartões de crédito. Ressaltando que as atividades 770

realizadas foram abordadas com o enfoque teórico da Educação Matemática Crítica - EMC, sendo esta, segundo Skovosmose (2008) marcada pelas preocupações que surgem de natureza crítica da educação matemática. Neste sentido, podemos afirmar que: O cotidiano está impregnado dos saberes e fazeres próprios da cultura. A todo instante os indivíduos estão comprando, classificando, quantificando, medindo, explicando, generalizando, inferindo e, de algum modo, avaliando, usando os instrumentos materiais e intelectuais que são próprios à sua cultura (D’ AMBROSIO, 2001, p.22).

O ensino de Matemática, partindo do princípio da atividade humana na realidade, oportuniza aos nossos alunos perceber o mundo com um olhar mais crítico, interpretando as situações que se fazem presentes na sociedade. Assim segundo Skovosmose (2007) além de lidar e aplicar noções matemáticas em diferentes contextos, o individuo será capaz de refletir sobre essas aplicações.

2. Metodologia 771



A presente pesquisa é de caráter qualitativo, adequando-se aos objetivos da pesquisa. Na pesquisa qualitativa apanha-se o lado subjetivo dos fenômenos, pois “após a coleta de dados, [...] os valores religiosos, morais e éticos influenciam na interpretação desses dados. [...] É impossível o pesquisador manter-se neutro, o que ele pode fazer é ser imparcial” (BONAT, 2009, p.12). Neste estudo foi delimitado o ensino de matemática financeira em uma turma de 2º ano, que possui 23 alunos, da Escola Estadual de Ensino Médio Joaquim Nabuco, localizada no município de Tupanciretã. Caracterizando a pesquisa, segundo aos objetivos, como exploratória, considerando um estudo de caso. Para Fiorentini e Lorenzato (2007, p.110) “o estudo de caso busca retratar a realidade de forma profunda e mais completa possível, enfatizando a interpretação ou a análise do objeto, no contexto em que ele se encontra, mas não permite a manipulação das variáveis e não favorece a generalização”.

3. Relato da atividade e Discussões A sequência didática realizada por meio da manipulação e estudo do cartão de crédito, teve 772

como objetivo introduzir a ideia do consumismo a partir das relações que o homem estabelece com o contexto social. A situação- problema apresentada, adaptada de Costa (2012), expõe três atividades, sendo as duas primeiras relacionadas a situações do dia a dia e que exigiam respostas de cunho pessoal, e a terceira atividade envolvendo a questão do formato do cartão de crédito, relacionando suas dimensões à Proporção Áurea. Toda a prática foi realizada no dia 06/05/2015, em duas horas aula de 50 minutos. Iniciou-se a atividade a partir da leitura coletiva da seguinte Situação- problema: Vamos trabalhar com uma situação hipotética. Certo dia, ao chegar em casa, havia recebido um cartão de crédito, mesmo sem ter solicitado junto ao banco. Mesmo estando escrito que o cartão estava bloqueado, ou seja, se eu não o utilizasse, logo não receberia nenhuma fatura. Gostaria de saber sua opinião. a) O que você faria se recebesse um cartão de crédito sem ter solicitado? Justifique sua resposta.

Quadro 1: Atividade 1 da sequência didática Em seguida, foi proposto que os alunos, individualmente fizessem uma segunda leitura e escrevessem sua opinião. Observou-se que 773

muitos alunos escreveram que iriam até o banco tentar resolver o problema, como é possível observar nas respostas a seguir:

Figura 1: Resposta da atividade 1

Figura 2: Resposta da atividade 1

Outro aluno, expos o seguinte: Figura 3: Resposta da atividade 1

A resposta desse último aluno remete a próxima atividade, o qual faz um questionamento sobre as taxas de serviços cobrados que não foram utilizados. 774

b) Os cartões de crédito geralmente cobram anuidade, que é uma taxa que o consumidor paga às empresas administradoras, sob a alegação dos serviços oferecidos aos clientes. Se você recebesse a cobrança de uma taxa de anuidade de um cartão que você não pediu e, caso você resolva não pagar, seu nome poderá ser inserido no cadastro junto aos órgãos de pessoas inadimplentes, como por exemplo, SPC e Serasa. Que atitude você tomaria se uma situação semelhante a esta acontecesse com você?

Quadro 2: Atividade 2 da sequência didática. Dentre as respostas dadas pelos alunos, verifica-se que a maioria tentaria resolver o problema de forma amigável, conversando com o gerente ou entrando em contado com a empresa emissora do cartão de crédito. Figura 4: Resposta da atividade 2

Figura 5: Resposta da atividade 2

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Após o registro escrito realizado pelos alunos foi proposta uma discussão sobre o contexto das duas perguntas. Iniciou-se perguntando aos alunos se alguém de seu grupo de convivência havia passado por uma das situações descritas na atividade. Logo um aluno manifestou-se contando que seu pai recebeu várias vezes cartões de um determinado banco, que por sinal, não possui agência na cidade de Tupanciretã. Nessa fala, o aluno associa um fato real ao tema estudado e a partir desta constatação realiza uma reflexão, remetendo assim a Frankenstein (2005. p. 107), o qual propõe uma discussão em relação à EMC e às questões epistemológicas propostas por Freire, apontando as “conexões entre conhecimento crítico e mudança social emancipatória”. Conhecimento crítico envolve a descoberta dos limites e das possibilidades de nossas ações para transformar o mundo. [...] recusemos aceitar a dominação como um fato da existência e em que usemos nossos conhecimentos do mundo para reconstruir a sociedade (FRANKENSTEIN, 2005. p. 107).



Para finalizar a segunda etapa desta atividade, foi exposto que assim como a maioria escreveu, 776

seria interessante procurar o banco e buscar informações sobre o cartão ou as taxas de anuidade se fosse o caso. Durante a atividade, também foi relatado aos alunos um caso verídico de cobrança de taxa de anuidade de um cartão de crédito nunca desbloqueado, aonde optou-se por ir até o banco e após conversa com o atendente, o valor cobrado foi estornado imediatamente. O problema foi resolvido de forma rápida e tranquila, evitando futuros constrangimentos. Porém, foi ressaltado que se o problema não fosse resolvido poderia ser tomado outras medidas evitando que o nome fosse inserido no cadastro junto aos órgãos de pessoas inadimplentes, como por exemplo, SPC e Serasa. A terceira parte desta atividade foi iniciada a partir da seguinte situação-problema:

c) Você já parou para pensar por que o cartão de crédito possui estas dimensões? Quadro 3: Atividade 3 da sequência didática. Na sequência foi entregue diversos tipos de cartões para os alunos: de crédito, de débito e de lojas, sendo proposto que os alunos desenhassem 777

o contorno do cartão em uma folha. Após, foi perguntado para os alunos porque motivo os cartões tinham as mesmas dimensões, alguns responderam que seria para facilitar sua fabricação. Assim foram indagados: “Mas não poderiam ter outro formato? Ser maior ou arredondado, por exemplo? Eles ficaram por minutos pensando, então foi pedido que medissem as dimensões do cartão e fizessem a razão do comprimento pela altura.

Figura 6: Resposta da atividade 3

Todos encontraram valores próximos ao número irracional 1,618033..., que é o numero (phi), também chamado número de ouro, “cuja representação geométrica pode ser obtida por meio da divisão de um segmento em média e extrema razão” (AZEVEDO, 2003, p. 13). Observou-se que nenhum dos alunos havia conhecimento sobre o assunto, sendo necessária 778

uma exposição breve sobre o número de ouro e sua presença na natureza, na estética facial e corporal, na arquitetura e nas artes. “Obviamente, qualquer objeto que apresente uma proporção não-áurea não será mais ou menos bonito. Entretanto, aquele que apresente o número de ouro em sua composição certamente será fruto da beleza da matemática” (AZEVEDO, 2003, p.45). Em seguida, os alunos verificaram a presença da proporção áurea em seus corpos, por meio da razão entre a medida do comprimento do braço pela medida do ombro até o cotovelo. Os alunos motivaram-se para encontrar outras medidas em seus corpos que tivessem essa proporção. Por fim, realizamos uma reflexão em relação as dimensões do cartão de crédito, sem embasamento cientifico, constatou-se que seu formato facilita o manuseio, consequentemente instiga ao consumo. Desta forma, salientou-se que é necessário ter cuidado com o uso do cartão de crédito, pois este poderá trazer problemas financeiros prejudicando o bem estar das pessoas.

Considerações Finais A sequência didática apresentada tinha como objetivo introduzir a ideia do consumismo a partir das relações que o homem estabelece com o contexto social e isso aconteceu de forma 779

satisfatória. Pois ao ser utilizado a EMC como suporte teórico para aplicação das atividades percebeu-se que há uma preocupação desta com as questões sociais, podendo ser transpostas didaticamente por meio de aulas que possibilite a nossos alunos momentos de total protagonismo, instigando-os à curiosidade e encaminhando-os à criticidade, em um processo dinâmico de construção e reconstrução. Para Sá (2012, p.54) “a Matemática pode e deve apresentar informações que reflitam questões significativas na e (da) sociedade, as quais, na maioria das vezes, não são aproveitadas pelos professores.” Skovsmose (2008) apresenta a alfabetização matemática como uma condição necessária na sociedade, mencionando o trabalho de Paulo Freire ao usar o termo “libertação” para demonstrar a importância dessa alfabetização na interpretação de mundo de cada indivíduo. Neste sentido, entende-se que o trabalho desenvolvido com os alunos, por meio da sequência didática apresentada nesse artigo, contribuiu para a alfabetização matemática, pois promoveu momentos de discussão, relatos e reflexão sobre questões econômicas. Acredita-se ainda esta atividade apresentou aos alunos não apenas a perspectiva educacional, mas também filosófica e sociológica, termos 780

utilizados na EMC, segundo Skovosmose (2007). Frankenstein (2005. pp. 111-112), comenta a importância do professor desenvolver uma pedagogia crítica, considerando o conteúdo como emancipador e, por sua vez, o método como libertador, subsidiando o aluno a fim desse “tornarse sujeito capaz de usar seu conhecimento crítico para transformar seu mundo”. Freire traz contribuições valiosas nesse sentido: A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital. Como manifestação presente à experiência vital, a curiosidade humana vem sendo histórica e socialmente construída e reconstruída (FREIRE, 2002, p.15).

A EMC pode ser pensada, desta forma, como uma possibilidade de relacionar a Matemática formal no contexto social, tornando seu ensino próximo da realidade do aluno, pois é esta matemática que o acompanhará, independentemente de suas escolhas profissionais e pessoais, durante toda sua vida. 781

Campos (2013) instiga a reflexão sobre qual Matemática e qual Educação Matemática desejamos nas nossas aulas, se compactuamos com uma educação pautada na domesticação ou se olhamos para o horizonte, possibilitando ao aluno desenvolver atitudes críticas.

Referências bibliográficas AZEVEDO, Natália de Carvalho de. O Número de Ouro e Construções Geométricas. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- graduação do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade Federal de Goiás: Goiânia, 2013. BONAT, Debora. Metodologia da Pesquisa. Curitiba: IESDE Brasil S. A, 2009. COSTA, Luciano Pecoraro. Matemática financeira na educação de jovens e adultos. Disponível em:http://www.ufjf.br/mestradoedumat/files/2011/09/ProdutoEducacional-Luciano.pdf. Acesso em: 03/08/2014. D’ AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática: Elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. FIORENTINI, Dario; LORENZATO, Sergio. Investigações em educação matemática: percursos teóricos e metodológicos. Campinas: Autores Associados, 2007. FRANKENSTEIN, Marilyn. Educação Matemática crítica: uma aplicação da Epistemologia de Paulo Freire. In: BICUDO, M. A. V. (org). Educação Matemática. 2 ed. São Paulo: Centauro, 2005. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Editora Paz

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e Terra, 2002 SÁ, Ilydio Pereira de. A educação matemática crítica e a matemática financeira na Formação de professores Tese de Doutorado. Tese apresentada ao Programa de Pós graduação Stricto Sensu em Educação Matemática da Universidade Bandeirante de São Paulo, 2012. SKOVOSMOSE, Ole. Educação Crítica: Incerteza, Matemática, Responsabilidade. São Paulo, SP: Cortez, 2007. SKOVOSMOSE, Ole. Desafios da reflexão em Educação Matemática Crítica. Campinas, SP: Papirus, 2008.

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PRESSUPOSTOS DO EDUCAR PELA PESQUISA EM UMA UNIDADE DE APRENDIZAGEM SOBRE COMPOSIÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS ALIMENTOS

Lorita Aparecida Veloso Galle Maurivan Güntzel Ramos Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) [email protected] [email protected]

Este artigo relata os resultados de uma investigação em que o objetivo foi Identificar os pressupostos do Educar pela Pesquisa, por meio da participação dos estudantes em uma Unidade de Aprendizagem (UA) sobre composição e funcionamento dos alimentos. Participaram da pesquisa 20 estudantes da 8ª série do Ensino Fundamental, de uma escola pública do município de Três Coroas, Rio Grande do Sul. A coleta de dados constituiu-se de perguntas produzidas pelos sujeitos, produções textuais elaboradas pelos estudantes durante o desenvolvimento da UA e os registros do diário de aula produzidos ao longo a 784

atividade, bem como entrevistas gravadas em áudio realizadas com seis sujeitos ao final das atividades. Os dados coletados foram analisados por meio da Análise Textual Discursiva. Emergiram informações que possibilitaram a organização de três categorias: importância do questionamento, constituição de argumentos e comunicação dos saberes. Os resultados contribuem para afirmar que a UA representa uma forma potencial de desenvolver o Educar pela Pesquisa, pois estimula o questionamento dos estudantes, uma vez que por meio das perguntas é possível mobilizar o aprendizado de forma consistente, gerando a construção de argumentos, capazes de permitirem novos conhecimentos, bem como a superação de conhecimentos que os estudantes já têm sobre o tema, derivados muitas vezes do senso comum. Desenvolvida a partir dos questionamentos dos estudantes a UA valoriza os seus conhecimentos, propõe atividades diferenciadas; investe no diálogo, na escrita e na leitura. Assim, os estudantes constroem compreensões sobre o objeto de estudo e reconstroem seus conhecimentos acerca do assunto, superando falhas conceituais e desenvolve competências capazes de lhes permitirem a aprender a aprender, mesmo fora da sistemática escolar.

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Palavras-chave: Educar pela Pesquisa. Unidade de Aprendizagem. Ensino de Ciências.

INTRODUÇÃO A escola da atualidade não pode mais estar voltada para o armazenamento de conceitos e dados, pois muitas informações estão disponíveis, de forma atualizada, no universo cibernético, onde cada vez mais se tem acesso facilitado. Portanto a preocupação da escola passa a ser outra, ou seja, como operar com tais informações (BRASIL, 2012). Nessa perspectiva, a pedagogia centrada na figura do professor como o detentor do conhecimento cai por terra, e outro modelo surge, dando mais autonomia à figura do aprendente, transformando estudantes e professores companheiros de uma jornada e não mais como alguém que precisa aprender algo que não sabe, em contrapartida a alguém que detém o conhecimento, no caso o professor (DEMO, 2007). Dessa forma, Educar pela Pesquisa, destaca-se como princípio pedagógico, pois possibilita desenvolver no estudante capacidades que lhe permitem selecionar e manipular as informações que se encontram acessíveis nos espaços formais e informais de educação (BRASIL, 2012). 786

Ao desenvolver habilidades para manejar com o conhecimento, o ser humano pode intervir com propriedade nas realidades que o cercam, efetivando as modificações que essas necessitam (DEMO, 2012). Assim, a escola tem uma tarefa de destaque, não mais como o local de mera transmissão de conhecimento pronto e acabado (DEMO, 2007), mas como um ambiente no qual as capacidades de manejo do conhecimento disponível são desenvolvidas, propiciando ao educando uma leitura efetiva da realidade para poder intervir com propriedade. Para Demo, a proposta do Educar pela Pesquisa apresenta pelo menos quatro pressupostos decisivos: - a convicção de que a educação pela pesquisa é a especificidade mais própria da educação escolar e acadêmica; - o reconhecimento de que o questionamento reconstrutivo com qualidade formal e política é o cerne do processo de pesquisa; - a necessidade de fazer da pesquisa atitude cotidiana no professor e no aluno; - a definição de educação como processo de formação da competência histórica humana”.

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(DEMO, 2007, p. 5).



O processo do Educar pela Pesquisa encontra três momentos distintos: o questionamento, que representa o primeiro passo, pois, conforme Moraes, Galiazzi e Ramos (2012, p.13), “o movimento do aprender através da pesquisa inicia-se com o questionar”; a reconstrução de argumentos, que se ampara na interpretação de novas informações e sua explicitação; a realização da comunicação do conhecimento reelaborado. Os autores reforçam que este não é o passo final e estático do processo, mas que representa uma possibilidade para encaminhar novos aprendizados refazendo o ciclo. Na figura 1 são representados os três momentos envolvidos no Educar pela Pesquisa. Figura 1- Momentos do Educar pela Pesquisa



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Fonte: Moraes, Galiazzi e Ramos (2012, p. 12).



Na dinâmica do Educar pela Pesquisa, o professor é o companheiro desta busca, pois ele colabora com seus conhecimentos e vivências no direcionamento das atividades, indicando caminhos, estimulando os estudantes na sua caminhada e aprendendo com eles. Tal princípio possibilita que o estudante conquiste a sua autonomia e continue aprendendo por toda a vida, mesmo quando fora da escola formal (DEMO, 2007). Uma UA apresenta-se como um princípio macroestruturante de pesquisa, pois problematiza o conhecimento inicial dos estudantes, estimula o questionamento dialógico e reconstrutivo, contribui para a reconstrução de argumentos e promove a sua comunicação (MORAES; GALIAZZI; RAMOS, 2012). Portanto, por meio da organização e desenvolvimento de uma UA é possível concretizar o Educar pela Pesquisa ou da pesquisa em sala de aula. A dinâmica da UA representa um modo de recusar a organização linear dos conteúdos, muitas vezes obedecendo ao que ditam os livros 789

didáticos, sendo um dos fatores que desestimula o aprendizado, pois se trata de algo imposto pelo professor sem que o estudante participe da sua construção, expondo seus saberes e apresentando suas dúvidas sobre o assunto. A falta de criatividade de grande parte dos professores em não realizar o rompimento com a forma sequencial do conteúdo, assumindo a organização dos livros didáticos e repetindo um discurso já pronto, torna as aulas pouco produtivas e descontextualizadas da realidade dos alunos, que não encontram prazer em aprender (GALIAZZI; GARCIA; LINDEMANN, 2004). Uma UA não desvaloriza os livros didáticos, mas dialoga com eles e com tantos outros artefatos do conhecimento, agregando, sistematizando, ampliando diálogos teóricos e práticos, configurando desta forma, não só a figura do professor, mas de todos os participantes, com competência para mudar a escola. Assim sendo, no desenvolvimento de uma UA é possível identificar os pressupostos do Educar pela Pesquisa: questionamento, argumentação e comunicação. No presente estudo, as perguntas produzidas pelos sujeitos, suas produções textuais elaboradas durante o desenvolvimento da UA e os 790

registros do diário de aula produzidos ao longo a atividade, bem as entrevistas gravadas em áudio realizadas com seis sujeitos ao final das atividades, serão objeto de análise para identificar os pressupostos do Educar pela Pesquisa, por meio da participação dos estudantes em uma Unidade de Aprendizagem (UA) sobre composição e funcionamento dos alimentos.

METODOLOGIA A UA sobre o tema Alimentos constituiu-se em um conjunto de atividades realizadas na sala de aula e fora dela. Dentre as atividades organizadas nesta investigação, pode-se citar: a problematização do conhecimento dos estudantes a partir de perguntas elaboradas por eles sobre o tema; leitura e discussão de textos; pesquisas bibliográficas; organização e apresentação de seminários; produções textuais sobre as atividades; aulas experimentais; relatos orais no grande grupo; vídeos produzidos pelos estudantes sobre as aprendizagens mais significativas e organização de um folder sobre os principais passos para uma alimentação saudável. Participaram da pesquisa vinte estudantes de uma turma de 8ª série do Ensino Fundamental de uma escola pública de Três Coroas, Rio Grande 791

do Sul. Os estudantes tiveram a autorização de seus responsáveis por meio do termo de consentimento livre esclarecido. Para este trabalho, a designação dos estudantes se deu por meio das letras iniciais do nome e do último sobrenome, em formato maiúsculo. O grupo de sujeitos foi constituído por 11 meninos (55%) e nove meninas (45%). A média de idade dos sujeitos é 14 anos, variando de 13 a 16 anos. Três sujeitos estavam cursando a 8ª série pela segunda vez. Inicialmente, foi aplicado um instrumento para coleta de perguntas sobre o tema “Alimentos”, que expressassem o que os estudantes gostariam de aprender/compreender. Essas perguntas tinham por finalidade, após a sua análise, constituírem categorias amplas com vistas a delinear a UA sobre o tema Alimentos. As categorias que emergiram a partir da análise das perguntas formuladas pelos estudantes foram: a) composição e funcionamento dos alimentos; b) benefícios dos alimentos; c) prejuízo dos alimentos. O presente artigo busca analisar os materiais coletados na primeira categoria, ou seja, composição e funcionamento dos alimentos. Após o desenvolvimento da UA, que teve duração de dois meses, foram realizadas 792

entrevistas com seis estudantes, gravadas em áudio e posteriormente transcritas para análise. Constituíram também instrumentos de coleta de dados algumas produções textuais dos estudantes e o conjunto dos registros do diário de aula da pesquisadora. A análise deste material foi realizada por meio da Análise Textual Discursiva – ATD (MORAES; GALIAZZI, 2013), que se apresenta organizada em unitarização dos textos, categorização das informações, produção de metatextos e interpretação. Segundo os autores, A Análise Textual Discursiva pode ser entendida como o processo de desconstrução, seguido da reconstrução, de um conjunto de materiais linguísticos e discursivos, produzindo-se a partir disso novos entendimentos sobre o fenômeno e discursos investigados. (MORAES; GALIAZZI, 2013, p.112)

O questionário foi um instrumento importante, pois a partir dele foi possível identificar necessidades em termos de conhecimento, bem como interesses em aprender sobre o tema apresentado. A escolha da entrevista se deu em função da sua possibilidade em conhecer as 793

reconstruções discursivas apresentadas pelos estudantes, bem como a avaliação sobre o desenvolvimento da UA. Os dados anotados no diário de aula possibilitaram o registro de narrativas que ocorrem durante as atividades desenvolvidas, possibilitando compreender a reconstrução do conhecimento dos estudantes no componente curricular de Ciências.

RESULTADOS Do processo de análise dos dados coletados por meio dos instrumentos já referidos, no domínio do estudo da Composição e Funcionamento dos Alimentos, emergiram as seguintes categorias: importância do questionamento, reconstrução de argumentos e a comunicação dos saberes. A seguir são apresentados os metatextos que expressam os entendimentos das categorias.

Importância do questionamento Nesta categoria foi possível perceber que os estudantes apresentaram questionamentos pertinentes sobre a temática Composição e Funcionamento dos Alimentos, revelados nas perguntas, manifestaram pressupostos e demandas como se pode observar na pergunta apresentada pelo estudante JF: Qual a quantidade 794

ideal de calorias para consumir por dia? Nesta pergunta é possível perceber que o estudante revela saber que há uma quantidade ideal de calorias que para ser ingerida por dia. Dessa forma, é possível compreender que os sujeitos apresentam um conhecimento inicial em suas demandas, conforme referem Moraes, Galiazzi e Ramos (2012, p. 14): “Ninguém é vazio de conhecimento, de saber fazer as coisas, de ter seu conjunto de valores e atitudes. Tomar consciência do que somos e do que pensamos é um momento inicial que precede o questionamento”. Em outro exemplo, também é possível compreender que as perguntas revelam pressuposições capazes de mostrar que o estudante, em seus questionamentos, manifesta conhecimentos, seja do senso comum ou dos sistematizados pela escola. O estudante AG, por exemplo, apresentou a questão: Por que o nosso corpo sem alimento sobrevive mais tempo do que sem água? Nesta pergunta o estudante compreende que a falta de água é mais prejudicial ao organismo que o alimento, porém quer compreender o porquê desta situação. Dessa forma, “perguntar é situar-se ante o que se conhece e o que não se conhece” (FERNÁNDEZ, 2001, p.54), ou seja, por meio das 795

perguntas é possível compreender o que os estudantes já sabem e o que desejam conhecer. Quando questionados sobre como o fato de perguntas auxiliou no processo de aprender sobre o tema o estudante VA revela que: Sim, colaborou sim, por que deixou a gente curiosa, se a gente tem uma dúvida de alguma coisa a gente sempre vai quere saber o que ela é. Eu acho que teve bastante gente que ficou interessada no assunto por causa disso, por que a gente mesmo fez as perguntas, não foram perguntas dadas. Eu acho que isso faz o aluno se interessar mais pela matéria.



Essa afirmação confirma a ideia que o questionamento desperta a curiosidade e mobiliza o interesse dos estudantes, enfatizando o primeiro movimento do Educar pela Pesquisa. Para Freire e Faudez (1985), o ato de conhecer tem início como resposta a um questionamento, que é capaz de desencadear a procura pela solução da dúvida. As perguntas dos estudantes sobre o tema Composição e Funcionamento dos Alimentos representam a matéria-prima para a busca de respostas, para a investigação. Tal busca se torna 796

mais prazerosa e dinâmica, conforme o estudante VA ressaltou em sua afirmação.

Construção de argumentos Na categoria construção de argumentos é possível perceber que os estudantes desconstruíram algumas verdades como revelam as afirmações do estudante AG: “Eu pensei que a vitamina C só era encontrada em frutas como laranja, bergamota, limão..., mas com a experiência que fizemos na aula com o iodo, vimos que ela está presente em outras frutas, como o kiwi, o mamão e o abacaxi”. Neste relato é possível compreender que houve a superação de um conhecimento anterior do estudante, por meio da experiência vivenciada foi possível superar a ideia precedente, ou seja, houve a reconstrução de argumentos que possibilitaram ao estudante avançar em seu entendimento, no caso sobre a vitamina C.

Outro exemplo nos permite evidenciar a reconstrução de uma verdade Eu pensava que o Sol é que dá vitamina D para as pessoas, mas quando pesquisei pude ver

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que não é assim. O Sol ajuda a processar a vitamina D no organismo das pessoas. Era uma coisa errada que eu pesquisei e pude ver que não era como eu pensava. (Estudante CD)

O enunciado do Sujeito CD mostra a reconstrução de um conhecimento, que, muito provavelmente se apropriou nas conversas cotidianas. Com frequência, ouvimos dizer que o Sol é importante para a vitamina D. No entanto, o estudante, por meio de seus questionamentos e do processo de busca de informações por meio de várias fontes, conseguiu reconstruir o que pensava, superando as fragilidades de suas “verdades”. Em algumas falas é possível compreender como o desenvolvimento da UA promoveu a sistematização da escrita desses argumentos como relata o estudante DS: “No início eu não conseguia escrever muitas coisas, ficava travado, parecia que não ia sair nada, mas depois eu consegui escrever mais com as minhas próprias palavras sobre o assunto.”. Essa afirmação possibilita compreender que o desenvolvimento do trabalho da UA forneceu elementos capazes de auxiliar na construção de argumentos pelos sujeitos. 798

Também é possível perceber por meio de perguntas realizadas antes e após as atividades como a capacidade de argumentação dos estudantes evolui. Por exemplo, o Estudante CD apresentou inicialmente a seguinte pergunta: “Necessitamos comer carne?”. A seguir são apresentadas respostas que este estudante apresentou antes e depois da UA: Resposta em 30.03.2015 (anterior às atividades da UA): Sim, por que carne é proteína. Resposta em 05.05.2015 (posterior as atividade da UA) A carne é uma fonte de proteína, é essencial, mas há pessoas vegetarianas que trocam a carne por uma quantidade de outros alimentos (verduras), Sendo assim eu acho que não é necessária, pois pode ser substituída por outros alimentos, como a soja, que também contém proteínas.



Se compararmos as resposta encaminhadas pela estudante CD antes e após as atividades da UA, é possível compreender que sua capacidade de argumentação foi superada. Na primeira 799

resposta não há a presença de muitos argumentos para defender a sua afirmação de que a carne é necessária, apenas que a devemos comer carne, por que essa é uma fonte de proteína. Na segunda resposta, após a realização da UA, é possível encontrar observar uma resposta mais consistente e argumentos mais claros para defender a resposta, quando se refere que a carne pode ser substituída por outras fortes de proteína como, por exemplo, a soja. Fica evidente, portanto, que o desenvolvimento de uma UA possibilita a reconstrução de argumentos, que se constitui em um dos momentos do Educar pela pesquisa, que consiste na superação dos conhecimentos que o sujeito já possui (RAMOS, 2012).

Comunicação dos saberes Esta categoria apresenta manifestações dos estudantes acerca da comunicação dos aprendizados realizados na UA, ou seja, não basta questionar e desenvolver a argumentação. É preciso integrar os novos saberes efetivamente no discurso. Assim, se pode evidenciar que as atividades realizadas durante o desenvolvimento da UA habilitaram os estudantes para inserirem-se no discurso cotidiano, não apenas como alguém que tem uma informação sobre algo, mas como 800

sujeitos que superaram essa mera informação e agora passam dessa condição “à de informante, informativo, informador” (DEMO, 2007, p.24). Assim, se pode destacar no relato apresentado pela estudante: Em casa eu já falei sobre o vegetarianismo por que eu prestei atenção sobre a carne. Por que lá em casa a gente come muita carne. Em excesso, ela pode fazer mal, tem gente que não se importa com isto [...]. Sobre as vitaminas, as funções delas, eu tenho muito parente doente que se tivesse mais vitamina na alimentação iria melhora,... daí eu consigo falar, principalmente meu tio tem depressão, e problemas no estômago, tem que comer isto ou aquilo que eu aprendi. (Estudante CD)



Nesse enunciado, a estudantes manifesta que a UA lhe possibilitou apropriar-se de conhecimentos, que lhe capacitaram interferir no discurso familiar, no sentido de conduzir uma discussão com mais propriedade, levantando um problema e oferecendo argumentos consistentes sobre o assunto. Para Moraes (2012), a intervenção no 801

discurso permite também a intervenção para transformar a realidade próxima. Em outro relato, é possível identificar mudanças de hábitos as quais também constituem apropriação dos conhecimentos alcançados na UA: [...] sobre as vitaminas, em casa eu separo as coisas para ver sobre as vitaminas que eu estou comendo para ajudar no meu dia a dia. Presto atenção nessa coisa de dose diária que a gente precisa. Assim, eu cuido para melhorar a minha saúde, para eu não ficar doente ou minha mãe ter que se preocupar. (Estudante CF).

A situação descrita demonstra que a estudante utiliza os conhecimentos para modificar a sua forma de organização alimentar, por exemplo, evidenciando que os aprendizados proporcionados nas atividades possibilitaram reelaborar rotinas, no sentido que lhe permitiram realizar uma nova compreensão da realidade (PÀDUA, 2003). Os estudantes destacam os trabalhos realizados em sala de aula, onde apresentaram tarefas após 802

pesquisas bibliográficas realizadas, utilizando as perguntas que eles mesmos propuseram no início da UA: Foi ótimo apresentar os trabalhos sobre as perguntas! A gente aprende mais, não só sobre o conteúdo, mas também a falar o que aprendemos. Também se aprende ouvindo o que os outros têm para dizer sobre o que estudaram. (Estudante CA)



Por meio desse depoimento é possível compreender que a estudante manifesta simpatia em realizar a socialização da aprendizagem a partir da apresentação de um seminário. Também compreende que é possível aprender por meio da socialização de produções dos colegas. Dessa forma, é possível evidenciar o papel das interações sociais para o aprendizado dos estudantes, nas quais as funções mentais superiores, como o pensamento, a resolução de problemas e a imaginação são desenvolvidas por meio da relação como os pares (VYGOTSKY, 1984). Outro aspecto apontado pela estudante CA é o fato da comunicação de resultados ter mobilizado a nova informação que ela trousse para o grupo, e 803

também o fato de “falar o que aprendemos”. Por meio dessa afirmação a estudante mostra ter compreendido que a comunicação auxiliou a expressar-se, desenvolvendo a sua capacidade de expressão e crítica que representam a “base da cidadania” (MORAES, 2012, p. 159). Portanto, o desenvolvimento de uma UA permite que o terceiro momento do Educar pela Pesquisa seja concretizado dentro da sala de aula, o qual é capaz de validar as verdades construídas e mobilizar para novos questionamentos e novas investigações, que permitem dar movimento ao processo.

CONCLUSÕES A presente investigação teve por objetivo identificar os pressupostos do Educar pela Pesquisa, por meio da participação dos estudantes em uma UA sobre composição e funcionamento dos alimentos. Para a identificação de tais pressupostos, realizou-se uma análise das entrevistas realizadas ao final da UA, das produções textuais dos estudantes e das observações no diário de aula da pesquisadora. Assim, constatou-se que os pressupostos do Educar pela Pesquisa estão presentes na organização e no desenvolvimento da UA, sendo 804

possível evidenciar todos os momentos do Educar pela Pesquisa, de forma clara por meio da análise dos dados obtidos. Na primeira categoria é possível compreender que o questionamento está presente, sobretudo, no momento inicial do desenvolvimento da UA, pois são as perguntas que marcam o início da organização do processo de investigação. Os estudantes expressam suas necessidades e também revelam seus saberes por meio das indagações. Assim, o primeiro movimento da UA está diretamente relacionado com o primeiro momento do Educar pela Pesquisa, o questionamento. Os estudantes aprovaram este trabalho, evidenciando que ao partir das necessidades dos estudantes é possível desenvolver um trabalho consistente que estimula a participação dos estudantes. A segunda categoria apresenta a construção de argumentos, ou seja, após o questionamento, os estudantes partem para a elaboração de argumentos ou reconstrução do que conhecem. Tal reconstrução permite a superar os conhecimentos já existentes, reelaborando-os de forma mais consistente. Nesse sentido, os estudantes apresentaram reconstruções de destaque que tiveram como base o questionamento inicial. Esta construção foi 805

possível por meio das vivências exploradas na UA, nas quais os estudantes participaram de palestras, aulas expositivas, aulas experimentais, pesquisa bibliográfica, entre outras atividades. Finalizando o processo, pode-se compreender na terceira categoria que tais conhecimentos que foram construídos ao longo da UA permitiram aos estudantes inserir-se em novos discursos com propriedade, pois superaram saberes existentes, que muitas vezes faziam parte do senso comum e eram aceitos como “verdades”. A comunicação representa o último momento do Educar pela Pesquisa, que acaba por gerar novos questionamentos como apresenta a estudante CD: “Eu fiquei com vontade de fazer mais perguntas no final por que a gente ia vendo o que os outros falavam e nas experiências”. Desse modo, é possível compreender a dinâmica da UA, que revela os momentos do Educar pela Pesquisa, constituindo-se uma forma de viabilizar este processo, permitindo que o estudante se torne sujeito efetivo de seu próprio saber, que possa aprender a aprender, mesmo fora do ambiente escolar, obtendo e analisando informações que se encontram cada vez mais acessíveis. Recomenda-se a continuidade de pesquisas 806

com vistas a compreender mais bem o Educar pela Pesquisa, que visem a desenvolver tanto o potencial dos estudantes quanto subsidiem as reflexões do professor, fazendo-o avançar como pesquisador e contribuindo para a melhoria do ensino.

REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação da Educação Básica. Brasília: MEC, 2012. DEMO, P. Educar pela Pesquisa. 8. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2007. DEMO, P. Pesquisa como Princípio Educativo na Universidade. In: MORAES, R.; LIMA, V. M. R. (Org.). Pesquisa em sala de aula: Tendências para a educação em novos tempos. 3. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012. FERNÁNDEZ, A. O Saber em jogo: a psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Porto Alegre; Artmed, 2001. FREIRE, P.; FAUNDEZ, A. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. GALIAZZI, M. C., GARCIA, F. A.; LINDEMANN, R. H. Construindo Caleidoscópios: organizando Unidades de Aprendizagem. In: MORAES, R.; MANCUSO, R. Educação em ciências: produção de currículos e formação de professores. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 2004. MORAES, R. Educar pela Pesquisa: exercício de

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aprender a aprender. In: MORAES, R.; LIMA, V. M. R. (Org.). Pesquisa em sala de aula: tendências para a educação em novos tempos. 3. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012. MORAES, R.; GALIAZZI, M. C.; RAMOS, M. G. Pesquisa em Sala de Aula: fundamentos e pressupostos. In: MORAES, Roque; LIMA, V. M. R. (Org.). Pesquisa em sala de aula: tendências para a educação em novos tempos. 3. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012. MORAES, R.; GALIAZZI, M. C. Análise textual discursiva. 2.ed. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 2013. PÁDUA, E. M. M. Metodologia da pesquisa: abordagem teórico-prática. 9. ed. Campinas: Papirus, 2003. RAMOS, M. G.. Educar para a pesquisa é educar para a argumentação. In.: MORAES, R.; LIMA, V. M. R. (Org.). Pesquisa em sala de aula: tendências para a educação em novos tempos. 3. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012. VYGOTSKY, L. S.. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

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EDUCAÇÃO E SAÚDE

VIDA SAUDÁVEL: UM EXERCÍCIO INTERDISCIPLINAR, MATEMÁTICA E EDUCAÇÃO FÍSICA

Eduarda Maria Sebastiani da Costa Acadêmica do Curso de Matemática da Universidade de Passo Fundo [email protected] Jaqueline Simon Acadêmica do Curso de Matemática da Universidade de Passo Fundo [email protected] Rosí de Fatima Oliveira Portella Professora Supervisora do Grupo PIBID Matemática da Universidade de Passo Fundo na E.E.E. Médio Mário Quintana [email protected]

Este artigo visa relatar a experiência vivenciada pelos acadêmicos bolsistas do PIBID/Matemática/Educação Física, em um exercício interdisciplinar entre estas disciplinas na 809

escola Mario Quintana de Passo Fundo. Foi organizada pelos bolsistas uma ação no ensino fundamental que oferecesse orientações para uma vida saudável, sendo que em matemática foi explorado o cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC). A referida proposta exigiu dos bolsistas o estudo das ideias essenciais para apropriação dos conceitos matemáticos presentes no IMC, planejamento e a previsão de um sequenciamento didático com foco em uma vida saudável associada à aprendizagem da matemática. Nos encontros com os estudantes foi realizada a medição da altura e a pesagem dos mesmos, sendo que esta atividade permitiu explorar junto a eles o conteúdo de sistema de medidas de comprimento e massa. Posteriormente através da aplicação de um questionário sobre a rotina dos alunos, foram analisados os dados e feito um debate com estes sobre o que é uma vida saudável. Na sequência foi possível explorar o conceito de razão para que os alunos compreendessem sua presença no IMC e o que significa em cada caso: abaixo do peso, normal ou sobrepeso. Posteriormente cada um recebeu uma “carinha” onde havia o IMC de um colega não identificado, deveriam identificar o respectivo IMC com a intenção da elaboração de um gráfico de pictograma. Em um momento seguinte os alunos participaram de uma palestra ministrada por 810

acadêmicas do curso de Nutrição da UPF sobre Vida Saudável. Ao término do trabalho foi possível identificar o envolvimento dos alunos e uma significativa compreensão dos conteúdos matemáticos presentes no tema do trabalho. Associa-se a isso a consciência adquirida por todos da necessidade de se buscar uma vida saudável. Palavras–chaves: Interdisciplinaridade, Vida saudável.

Matemática,

Introdução O Programa PIBID/CAPES/UPF, é um programa que conta com a participação dos acadêmicos das licenciaturas da Universidade de Passo Fundo (UPF). Cada subprojeto é supervisionado pelos professores das escolas cadastradas, tendo ainda um coordenador de área representante de cada curso. No curso de Matemática, os bolsistas são separados por escola, em grupos de cinco acadêmicos e um professor supervisor. O planejamento é direcionado as series finais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio. O objetivo principal do programa é proporcionar aos acadêmicos a qualificação profissional da 811

docência desde o início da licenciatura, o contato direto com o ambiente escolar e a familiarização com as metodologias de ensino, contribuindo com resultados positivos para a aprendizagem dos estudantes. O PIBID está estruturado em torno de quatro eixos, sendo o primeiro deles, a contextualização do ambiente escolar e da educação básica, o qual visa de forma exploratória, ações de aproximação do acadêmico com o ambiente escolar e a comunidade envolvente. O segundo eixo, o da investigação das práticas de ensino-aprendizagem matemática busca avançar os estudos exploratórios com vistas à realização de práticas investigativas que permitam adentrar o espaço da sala de aula, desvendando as diversas dinâmicas de ensinar e aprender. No terceiro eixo, ações/inovações pedagógicas objetiva elaborar propostas de intervenção em sala de aula e em espaços alternativos, possibilitando condições de intervenção nos processos de ensinoaprendizagem, por meio de diferentes ações. A transversalidade dos três eixos será concretizada no quarto e ultimo eixo, com a interação, sistematização, avaliação e difusão, ao instaurar uma rotina de reflexão sistemática sobre os processos vivenciados no programa. Pensando

na

contextualização 812

e

na

interdisciplinaridade, o PIBID Matemática elaborou uma atividade juntamente com o PIBID Educação Física, e a partir do tema foram identificados os conteúdos matemáticos e de que forma poderiam ser abordados, já que na passagem da infância para a adolescência os alunos se preocupam com as mudanças do corpo, então se optou por trabalhar o Índice de Massa Corporal (IMC). Essas ações proporcionaram aos bolsistas saberes importantes em relação aos conceitos matemáticos de razão, construção e interpretação de gráficos e principalmente, saberes para sua formação docente. A ação teve como objetivo estudar a causa, consequência e prevenção para uma vida saudável, com a finalidade de identificar a matemática escolar presente neste estudo, na perspectiva de contribuir para a formação do estudante cidadão.

Metodologia

A experiência vivenciada é resultado da investigação feita como bolsista PIBID/Matemática/Educação Física, na escola Mário Quintana, na cidade de Passo Fundo, a qual apontou a existência de dificuldades dos alunos 813

em relação à aprendizagem matemática, a falta de motivação em aprendê-la e a preocupação com certos hábitos dos alunos que estão ligados diretamente com a qualidade de vida. Diante disso, os bolsistas foram desafiados em planejar uma ação no sexto e sétimo ano da escola contribuísse com orientações para uma vida saudável, para a formação de cidadão consciente em relação aos hábitos de saudáveis e que ao mesmo tempo explorasse a matemática presente no cálculo do índice de massa corporal (IMC). A proposta exigiu dos bolsistas o estudo, inicialmente, sobre ideias essenciais para apropriação dos conceitos matemáticos presentes no IMC, planejamento e sequências pedagógicas, tendo como foco a importância de ter uma vida saudável e a aprendizagem matemática. Assim, escolhemos como estratégia o exercício interdisciplinar que contou com as contribuições dos acadêmicos do PIBID Educação Física e como ferramenta para auxiliar na compreensão dos conteúdos foram utilizados materiais didáticos e pedagógicos como quadro branco, cartazes, gráficos, trenas, balanças, bolas de voleibol e basquete, entre outros.

Apresentação dos resultados 814



Visando atender as dificuldades enfrentadas pelos alunos da educação básica e que contribua para a formação do estudante cidadão, os acadêmicos do curso de Matemática e Educação Física da UPF buscaram estratégias que potencializem o ensino e a aprendizagem. Pensando em contemplar esses objetivos, foi proposto aos acadêmicos PIBID/CAPES/UPF realizar uma ação interdisciplinar. O que não é uma tarefa fácil, já que exige conhecimentos de outras disciplinas e buscar a estratégia adequada para abordar todos os elementos presentes no tema. Segundo o autor Fazenda (2000), o processo metodológico de uma ação interdisciplinar é dito como: A metodologia interdisciplinar em seu exercício requer como pressuposto uma atitude especial ante o conhecimento, que se evidencia no reconhecimento das competências, incompetências, possibilidades e limites da própria disciplina e de seus agentes, no conhecimento e na valorização suficientes das

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demais disciplinas e dos que a sustentam. Nesse sentido, tornase fundamental haver indivíduos capacitados para a escolha da melhor forma e sentido da participação e sobretudo no reconhecimento da provisoriedade das posições assumidas, no procedimento de questionar. Tal atitude conduzirá, evidentemente, à criação de expectativas de prosseguimento e abertura de novos enfoques ou aportes. E, para finalizar, a metodologia interdisciplinar parte de uma liberdade cientifica, alicerça-se no diálogo e na colaboração, funda-se no desejo de inovar, de criar, de ir além e exercitar-se na arte de pesquisar – não objetivando apenas uma valorização técnico – produtiva ou material, mas, sobretudo, possibilitando uma ascese humana, na qual se desenvolva a capacidade criativa de transformar a concreta realidade mundana e histórica numa aquisição maior de educação em seu sentido lato, humanizante e liberador do próprio sentido de ser- no-mundo. (p. 69-70).



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Com base na fala do autor a interdisciplinaridade permite a interação de várias disciplinas e com isso o conhecimento não fica restrito apenas a uma, assim ele pode perpassar por várias áreas. A postura dos professores é outra questão importante não só em um projeto interdisciplinar, mas em qualquer aula. É importante dizer que os professores são os mediadores de todo o processo de aprendizagem do aluno e o objeto de conhecimento. Portanto ter o domínio das competências de sua disciplina e saber os limites da mesma é fundamental para desenvolver a ação em questão. Sendo assim, o grupo entendeu que a interdisciplinaridade seria a melhor forma de trabalhar o tema proposto. Segundo os parâmetros curriculares nacionais: A interdisciplinaridade supõe um eixo integrador, que pode ser o objeto de conhecimento, um projeto de investigação, um plano de intervenção. Nesse sentido, ela deve partir da necessidade sentida pelas escolas, professores e alunos de explicar, compreender, intervir, mudar, prever, algo que desafia

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uma disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um olhar, talvez vários (BRASIL, 2002, p. 8-89, grifo do autor).



Dessa forma a ação desenvolvida na escola irá estar diretamente ligada a realidade e ao contexto da mesma, com isso estará colaborando para a formação de alunos capazes de estabelecer relações, fazer generalizações, ou seja, ter uma visão global de mundo.

O PIBID proporciona para os acadêmicos uma oportunidade de exercitar a interdisciplinaridade, preparando o acadêmico para a ação docente. Nas escolas os professores têm encontrado muitas dificuldades para implantar esta prática, primeiro porque não receberam formação para isto e segundo é necessário tempo para que eles possam se reunir e planejar as atividades. A ação interdisciplinar se caracteriza por um planejamento e uma ação em conjunto. Muitos entendem por interdisciplinaridade, cada um fazer o seu planejamento envolvendo os conteúdos de duas ou mais disciplinas e aplicar individualmente, o que é um equívoco, isto não é interdisciplinaridade.

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Um aspecto facilitador é deixar que o aluno determine o tema a ser trabalhado, o papel do professor é fazer com que ele se sinta parte da atividade e o conduza a aprendizagem construindo seus próprios conceitos, dessa forma o aluno irá trabalhar e aprender sobre conceitos de seu interesse, o que o tornará muito mais participativo e ativo no processo de ensino aprendizagem. Para obter sucesso em qualquer atividade a ser realizada, especialmente na educação, é necessário que haja planejamento, pois segundo Oliveira, “planejar é pensar sobre aquilo que existe, sobre o que se quer alcançar, com que meios se pretende agir.” (2007. p.21). Na elaboração dos sequenciamentos percebemos que a ação interdisciplinar poderia explorar ainda mais o tema e cativar o aluno para as atividades propostas. Como diz Japiassu: Nos dias atuais diversos estudiosos da educação defende a idéia de que a prática interdisciplinar é um esforço de superar a fragmentação do conhecimento, tornar este relacionado com a realidade e os problemas da vida moderna. Muitos esforços têm sido feitos neste sentido na educação

819

(1976, p.59).



Pensando nesta proposta interdisciplinar e numa melhor maneira de atingir os alunos, organizamos o projeto encontro por encontro, sendo que no primeiro momento realizamos a medição da altura e a pesagem dos alunos, a partir dessa ação exploramos o conteúdo dos sistemas de unidades de medida de comprimento e massa. No segundo e terceiro encontro aplicamos um questionário com questões investigativas da rotina dos alunos, discutimos e então dividimos as turmas em grupos para que construíssem um painel com imagens de revistas que representam uma vida saudável. No quarto e quinto encontro, explicamos o que é uma razão, quais sistemas de medidas eles conhecem, e por fim o que é e como calculamos o IMC. Em seguida, distribuímos para cada aluno uma tabela com seu peso e altura (algumas aulas atrás o PIBID Educação Física realizou a medição e pesagem) e pedimos que cada aluno conferisse se suas medidas estavam corretas. Com isso eles puderam ter uma ideia mais clara de número, de sistema de unidade de medidas de comprimento e de sistema de medidas de unidades de massa. Após pedimos que cada aluno calculasse seu índice de massa corporal. Esta atividade foi orientada e supervisionada pelas acadêmicas do 820

PIBID matemática, que atenderam os alunos individualmente sanando suas dúvidas referentes ao cálculo solicitado. No encontro seguinte, explicamos construção de gráfico, abordando quais são os dados necessários e para que serve um gráfico. Neste momento, os alunos estudaram através da interpretação de um gráfico pronto confeccionado pelos pibidianos com os dados retirados do questionário que foi aplicado, com base na idade dos alunos. Depois disso, cada aluno recebeu uma folha quadriculada para que com base nas respostas da pergunta do questionário: “Toma água com frequência? Qual o número de copos por dia?”, fizessem um gráfico de barras. O exercício envolveu os alunos em uma questão do seu cotidiano, o que fez com eles se interessassem por realizar o gráfico. Feito isso, se deu continuidade ao projeto onde cada aluno recebeu uma carinha de menino ou menina que atrás havia o cálculo do IMC de algum aluno das séries (foi misturado em uma caixa todos os cálculos do IMC das três turmas para nenhum aluno pegar seu valor, para não causar constrangimento aos mesmos) com isso cada aluno deveria interpretar o valor que havia atrás da carinha e identificar na tabela que estava no quadro se era: abaixo do peso, normal ou 821

sobrepeso e colar no painel confeccionado pelo grupo do PIBID, dessa forma construímos um gráfico de pictograma com a contribuição de todas as turmas envolvidas no projeto. No encontro seguinte, todos os alunos participantes do projeto foram convidados a assistir uma palestra com o tema: Vida Saudável, que contou com a participação das acadêmicas do curso de Nutrição da UPF, que se dispuseram a ministrar a palestra. Os alunos puderam sanar dúvidas e ter acesso a uma série de amostras que cada alimento traz em sua composição, como por exemplo, a quantidade de açúcar, gorduras, que os alimentos contêm. No encerramento do projeto, praticamos atividades físicas, onde realizamos o jogo de basquete, dinâmica com balões, jogo com bolas envolvendo os números e dança. No fim das atividades físicas realizamos uma confraternização, organizando uma mesa de frutas. A finalidade de desenvolvermos essas atividades era mostrar para os alunos que fazer exercícios físicos pode ser divertido e que ter uma vida saudável não é algo impossível, mas sim uma questão de mudança de hábitos que farão uma grande diferença na vida de todos. Uma pessoa que possui alimentação correta e que prática atividades físicas com certeza terá mais êxito nas 822

tarefas diárias que cada um precisa realizar. A ação teve um resultado satisfatório, os alunos, se envolveram na atividade e percebemos que além de compreender os conteúdos matemáticos os mesmos se motivaram a mudar seus hábitos em busca de uma vida saudável. Durante a pesagem e o cálculo do IMC houve resistência por parte de algumas alunas, que se julgam acima do peso, mas realizaram a atividade com a condição de não divulgarem suas medidas, explicamos que era apenas uma atividade matemática e não tinha um intuito de expor os mesmos. Esse episódio nos mostrou o quanto os alunos são frágeis e muitas vezes não reconhecem seu valor como ser humano, se julgam pela aparência e não pelo seu caráter. Então, percebeu-se que o trabalho com os conteúdos foi importante, embora se houvesse apoio de um psicólogo, teríamos potencializado tais resultados. Lembrando que todos os dados que utilizamos para os cálculos e representações gráficas eram dos próprios alunos, que vivenciaram a experiência, ou seja, foram os autores de toda a ação. Sendo assim, percebemos que a intervenção feita através do programa institucional de bolsa de 823

iniciação a docência foi válida e atingiu seus objetivos iniciais. Notamos que a ação contribuiu para a melhoria na qualidade de vida dos estudantes, que segundo relatos de uma professora da escola mudaram alguns hábitos alimentares, como por exemplo, o consumo exagerado do refrigerante e dos salgadinhos na hora do lanche.

Conclusões/recomendações

A experiência vivenciada pelos bolsistas na elaboração da ação como recurso de ensino e de aprendizagem mostrou que o trabalho em equipe é uma ótima alternativa. Nesse caso o envolvimento da disciplina de Educação Física foi fundamental para a realização do trabalho e alcançar o objetivo pretendido. Sendo que o acompanhamento de um psicólogo potencializaria os resultados da atividade. Percebemos que além de contribuirmos para o entendimento de vários conceitos matemáticos que estão presentes no cálculo do índice de massa corporal também colaboramos na vida pessoal de cada um com várias ações incentivando a qualidade de vida. Apesar da complexidade de realizar uma ação interdisciplinar e das adaptações necessárias para 824

tornar a atividade possível, conseguimos atingir o objetivo, no qual provocamos o aluno a perceber a importância de ter uma vida saudável, e ainda, estabelecer relação com conceitos matemáticos. Quanto às aulas de educação física, passaram a ter um significado ainda maior.

Referências BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 2002a. FAZENDA, Ivani C. Arantes. Interdisciplinaridade: História, teoria e pesquisa. 5ª edição. Campinas/SP: Papirus Editora, 2000. JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e Patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976. OLIVEIRA, Dalila de Andrade. Gestão Democrática da Educação: Desafios Contemporâneos. 7ª edição. Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 2007.

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ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL: CONCEPÇÕES DE ESTUDANTES DO 4º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Fábio Alves Rodrigues Lorita Aparecida Veloso Galle José Luís Schifino Ferraro Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) [email protected] [email protected] [email protected]

As taxas de obesidade e sobrepeso vêm aumentando no Brasil e no mundo, sendo assim, discussões sobre essa temática com crianças mostram-se importantes nas escolas. Neste sentido, apresentamos os resultados de uma investigação que pretendeu responder à seguinte questão: Quais as concepções de estudantes do 4º ano do Ensino Fundamental sobre alimentação saudável? Participaram da pesquisa 48 alunos de duas turmas do 4º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública do município de Cachoerinha, Rio Grande do Sul, com média de 10 anos de idade. A atividade foi realizada durante as aulas do componente curricular de Diversidade, o qual 826

visa abordar temáticas contextualizadas à realidade dos estudantes. Por meio de uma atividade de interpretação sobre uma tira em quadrinhos cuja temática era alimentação, os estudantes responderam um questionário constituído de quatro questões que objetivam dar resposta ao problema de pesquisa. As respostas foram analisadas a partir da Análise Textual Discursiva (ATD), e foram identificadas as principais concepções dos estudantes sobre alimentação saudável. As categorias que emergiram desta análise foram: (a) alimentos saudáveis, (b) alimentos não saudáveis e (c) hábitos de vida saudável. Os resultados obtidos indicam que os estudantes, de uma forma geral, reconhecem os alimentos que fazem parte de uma alimentação saudável, bem como os que não fazem, assim como hábitos alimentares saudáveis, contudo, suas práticas alimentares evidenciam um consumo de alimentos pouco saudáveis. Dessa forma compreende-se a necessidade de uma maior dedicação a este tema por parte da escola, considerando seu viés formador de opiniões e hábitos, especialmente nesta etapa da vida dos estudantes. Palavras-chave: Alimentação Saudável, Concepção dos estudantes, Educação Básica. 827

INTRODUÇÃO Um dos grandes desafios para a sociedade do século XXI é o cuidado com a saúde. Podemos pensar inicialmente em hospitais e cuidados médicos, mas antes disso, nossa saúde é definida pelas nossas escolhas. Atualmente, estudos têm revelado com mais frequência que tanto uma vida saudável quanto um envelhecimento benéfico relacionam-se diretamente com as características dos alimentos, considerando desde o momento de seu cultivo até o seu consumo (BOFF; HAMES; FRISON, 2010). Dessa forma, um enfoque sistemático sobre essa discussão representa uma demanda relevante para a formação dos estudantes desde a Educação Básica. Debates acerca de bons hábitos, de um modo geral, são importantes para crianças e adolescentes, porque os costumes que eles constroem nessa etapa de vida vão influenciar na fase adulta posteriormente (LOUZADA; MENNABARRETO, 2004). Sendo assim, o cuidado com a dieta se configura como fator de extrema relevância para a manutenção de uma saúde satisfatória. Os alimentos que ingerimos, ou que deixamos de ingerir, afetam diretamente nosso bem-estar. Como afirmam Ramos e Stein (2000), os 828

familiares devem fornecer uma [...] adequada introdução dos novos alimentos no primeiro ano de vida, com uma correta socialização alimentar, a partir deste período, bem como a disponibilização de variados alimentos saudáveis em ambiente alimentar agradável, permite à criança iniciar a aquisição das preferências alimentares responsáveis pela determinação do seu padrão de consumo (p. 230).



Desta forma, orientação e incentivo a uma dieta variada mostram-se necessários para o pleno desenvolvimento da criança. A partir disso, evidenciamos o papel da escola que não pode eximir-se de sua responsabilidade em oferecer aos estudantes possibilidades para a construção de hábitos alimentares saudáveis, no sentido de oportunizar aprendizados e decisões conscientes, “responsáveis e críticas sobre a alimentação cotidiana a ser utilizada [...]” (BOFF; HAMES; FRISON, 2010 p. 10,), assim aproximando a teoria do exercício da prática. Neste sentido, a educação nutricional, desde a escola, tem um papel relevante para que os 829

estudantes estabeleçam práticas alimentares compatíveis com saúde e bem-estar, que possam ser perpetuadas ao longo de suas vidas. Segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira (BRASIL, 2014, p.8), “a alimentação adequada e saudável é um direito humano básico que envolve a garantia ao sucesso permanente e regular, de forma socialmente justa [...]”. É fato comum estudantes irem para as escolas sem estarem alimentados adequadamente. Muitos que estudam no turno da manhã acordam cedo, não tomam café da manhã - seja por falta de tempo, hábito ou recursos - e passam em média quatro horas sem se alimentar. Ao meio dia, alguns almoçam e outros apenas fazem um lanche, ingerindo alimentos de baixo valor nutricional e geralmente com muitas calorias. Gambardella et al. (1999) relatam em seu estudo que 56% dos 153 adolescentes da pesquisa não tomavam o café da manhã, não realizavam o lanche da manhã e o lanche da noite, permanecendo um longo período em jejum, ou seja, do jantar de um dia ao almoço do dia seguinte. As bebidas açucaradas, como refrigerantes e sucos industrializados, também são responsáveis pelo aumento das taxas de obesidade. Em seu estudo, Estima et al. (2011) verificaram o consumo de bebidas por adolescentes de uma escola 830

pública de São Paulo (SP), concluindo que o mesmo “foi frequente entre adolescentes, especialmente o refrigerante. Essas bebidas são disponíveis e consumidas tanto em casa como na escola e consideradas saborosas” (p. 41). Em conversas informais com estudantes, percebemos que muitos bebem refrigerantes em quase todas as refeições, inclusive no café da manhã. A partir do que foi exposto justifica-se o presente trabalho, que tem como objetivo identificar as concepções de estudantes do 4º ano do Ensino Fundamental sobre alimentação saudável, assim como quais tipos de alimentos estas crianças ingerem com maior frequência.

METODOLOGIA Para a realização deste trabalho, utilizou-se uma tira em quadrinhos do agrônomo e comunicador social Alexandre Beck. O ilustrador ganhou destaque por seu personagem Armandinho, realizando publicações em diversos jornais da região Sudeste e Sul do Brasil, assim como na Internet (BECK, 2014). Na tira em quadrinhos empregada na pesquisa (Figura 1), os pais do menino Armandinho estão conversando sobre qual bebida seu filho levaria para a escola, suco de melancia ou refrigerante. O 831

pai do menino não vê o motivo da dúvida, uma vez que a única vantagem do refrigerante seria a praticidade, pois, segundo ele, o suco é mais gostoso, saudável e nutritivo. Contudo, o menino acaba levando um refrigerante como parte do lanche. Figura 1: Tira em quadrinho utilizada na pesquisa.

Fonte: BECK, 2014, p. 35.

Acompanhando a imagem, os estudantes receberam quatro perguntas, sendo elas: “Explique a situação que está ocorrendo na tira em quadrinhos.”, “Você e sua família bebem mais suco natural ou refrigerante?”, “Que lanches você costuma levar ou comprar na escola?” e “Escreva um texto sobre a temática da tira em quadrinhos.”. Com estas perguntas, pretendeu-se compreender as concepções sobre alimentação saudável que os estudantes possuem, sendo este o objetivo geral deste artigo.

832

As respostas foram analisadas por meio da Análise Textual Discursiva (MORAES; GALIAZZI, 2011). Esta metodologia é realizada em três etapas, sendo a primeira delas uma fragmentação das respostas que serão analisadas; a segunda etapa corresponde a uma elaboração e organização de categorias de sentido e por último temos a escrita de metatextos que interpretam e dialogam com autores as ideias identificadas.

RESULTADOS Na primeira questão, onde os estudantes deveriam explicar a situação que estava ocorrendo na tira em quadrinhos, a maioria interpretou corretamente a ironia presente, ou seja, embora o suco natural seja mais nutritivo e saudável, a praticidade se sobrepôs e o menino levou refrigerante para a escola. Uma das respostas que manifesta esta afirmação foi a seguinte: “Pai vê como única diferença entre suco de melancia e refrigerante, a praticidade”. A falta de tempo para realizar as tarefas representa uma das dificuldades que as famílias têm atualmente para preparar alimentos saudáveis, pois esses requerem muitas vezes, um tempo que muitos não querem dispor (BRASIL, 2014). 833

A análise da segunda questão “Você e sua família bebem mais suco natural ou refrigerante?”, mostra que a maioria dos estudantes e seus familiares consomem, com maior freqüência, refrigerante e suco artificial, conforme é mostrado abaixo (Tabela 1): Tabela 1 – Percentual de tipo de bebidas mais consumidas pelas famílias Bebidas consumidas pelos Percentual de estudantes consumo Refrigerante 30% Suco artificial 27% Suco natural 25% Suco e refrigerante 18% Fonte: Dados organizados pelos autores.

É importante destacar que, muitas vezes um suco industrializado apresenta em seu rótulo a inscrição natural, com objetivo de promover a sua comercialização como um produto sem conservantes e, portanto saudável. É possível que alguns estudantes tenham este entendimento sobre um suco saudável. A terceira questão, “Que lanches você costuma levar ou comprar na escola?”, os estudantes citaram dez tipos diferentes de alimentos. Por meio da segunda tabela é possível compreender 834

que os lanches mais frequentemente consumidos por eles são bolos, bolachas, pizzas, salgadinhos e sanduíches, apenas um estudante manifestou não consumir nenhum alimento de lanche, o que representou 2% do total. Dessa forma prevalece o consumo se alimentos industrializados, ricos em gordura saturada e com baixos nutrientes. Observou-se que nenhum estudante relatou trazer frutas como lanche. Tabela 2 – Lanches que os estudantes costumam levar para a escola Tipo de lanche que os Percentual estudantes constumam levar de para a escola consumo Bolo 23% Saldadinho 21% Bolachas 19% Pizza 13% Sanduíche 8% Pão 5% Pastel 3% Doces 2% Cachorro-quente 2% Fonte: Dados organizados pelos autores. Enroladinho 2% Nada 2% Dos 48 estudantes, 65% (31 sujeitos) manifestaram consumir algum tipo de bebida na 835

hora do lanche, sendo refrigerante, suco artificial e água as bebidas citadas. Na tabela 3, são apresentados os percentuais de consumo destas bebidas no universo de sujeitos que revelaram ingerir algum tipo de bebida durante o lanche. Desse modo é possível perceber que a maior taxa corresponde a refrigerantes e sucos artificiais. É importante ressaltar que 28% dos estudantes deste grupo optam por beber água durante o lanche escolar. Bebidas consumidas Percentual de pelos estudantes consumo Refrigerante 36% Suco artificial 36$ Água 28% Fonte: Dados organizados pelos autores.

A quarta questão solicitava aos estudantes que escrevessem um texto sobre a temática da tira em quadrinhos. Após sua análise, emergiram três categorias, as quais foram construídas por meio das unidades de sentido que revelaram as concepções dos estudantes sobre alimentação saudável: (a) alimentos saudáveis; (b) alimentos não saudáveis e; (c) hábitos de vida saudável. A seguir são apresentados os metatextos sobre estas categorias. 836

Alimentos saudáveis Esta categoria apresentou o maior número de indicações e nos mostra que os estudantes compreendem que uma alimentação saudável é constituída de alimentos in natura, sendo os mais citados legumes, verduras e frutas, como relata um dos estudantes: “Alimentação saudável é comer frutas diariamente e hambúrguer e cachorro-quente às vezes.”. Aqui, podemos identificar também a frequência indicada por ele quanto a ingestão de frutas, diariamente, sendo esta uma informação correta e importante. Ainda analisando a frequência, ele ressalta que comer hambúrguer e cachorro-quente pode fazer parte de uma dieta saudável, desde que não sejam ingeridos frequentemente. Este raciocínio é muito relevante, uma vez que muitas pessoas pensam que é preciso parar de comer certos tipos de alimentos para termos uma saúde melhor, isso nem sempre é verdadeiro. Alimentos como arroz, feijão e carne também foram citados nesta categoria. Um estudante cita alimentos que provavelmente fazem parte da sua alimentação cotidiana como saudáveis, em “Arroz, feijão e carne são alimentos saudáveis”. Os estudantes também relacionaram a alimentação saudável diretamente com a saúde, 837

como é descrito a seguir: “Alimentação saudável não só para emagrecer, mas para estar bem se saúde”. Neste fala, evidencia-se a percepção da relação entre a realização de uma alimentação saudável com a boa saúde, sendo o emagrecimento uma possível consequência. Logo a concepção de alimentação saudável esta relacionada diretamente ao consumo de alimentos saudáveis como frutas, verduras, carne, feijão e arroz por exemplo.

Alimentos não saudáveis Nesta categoria foram apresentadas concepções sobre alimentos que constituem uma alimentação não saudável, revelando que industrializados não fazem parte desse cenário, principalmente por perceberem que estes alimentos apresentam grande quantidade de açúcar. Os estudantes conseguiram exemplificar corretamente muitos alimentos não saudáveis, como mostrado no fragmento a seguir: “O que não faz bem para a saúde é refrigerante, bala, chiclete, bolacha recheada, suco em pó, tem muito açúcar.”. Em outro relato, podemos identificar uma compreensão semelhante, que alimentos como “Chocolate, xis, salgadinho não é saudável”, 838

reforçando a concepção que industrializados não constituem uma alimentação saudável. Na afirmação “Suco natural é mais saudável que o de caixinha, pois tem mais fruta e menos açúcar”, a estudante manifesta que o suco industrializado apresenta menos fruta e mais açúcar, o que representa ser menos saudável. Neste sentido, revela-se o entendimento de que alimentos industrializados apresentam um menor valor nutricional. Dessa forma, é evidente que para os estudantes uma alimentação saudável não pode apresentar alimentos industrializados, pois os mesmos justificam que estes alimentos são desaconselháveis por apresentarem muito açúcar e baixos nutrientes.

Hábitos de vida saudável Neste grupo os estudantes destacam os hábitos de vida saudável relacionando estes com uma alimentação saudável: “Para ser saudável tem que se exercitar fazer polichinelo, jogar sapata, pegapega, esconde e correr”. Nesta fala, o aluno reitera a importância de realizar atividades físicas, que juntamente com o cuidado com a alimentação proporciona uma melhor condição de saúde (McARDLE, W. D., KATCH, F. I., KATCH, V. L., 839

1998). Estabelecer horários para as refeições também foi revelado como um hábito de vida saudável como descrito a seguir: “Fazer todas as refeições nos horários”. Nesta afirmação é possível evidenciar a manifestação da necessidade de realizar todas as refeições. Ainda, são apontados pelos estudantes alguns hábitos alimentares que devem ser evitados pelas pessoas: “Não comer ou beber algo com muito açúcar” e também “Evitar gorduras”. O exemplo familiar é referido como algo capaz de modificar hábitos alimentares. Assim um deles destaca Antes eu comia muita besteira, salgadinho, bolachinha recheada, refrigerante, chocolate, etc., mas minha mãe entrou para uma academia e eu, meu pai e minha mãe também começamos a fazer um regime, começamos a comer coisas saudáveis, e combinamos que só no fim de semana vamos comer besteiras. Ao destacar a família, alguns estudantes também revelam que sua alimentação recebe a vigilância dos responsáveis, o que demonstram julgar ser importante como revela o seguinte trecho de um dos textos: “Minha alimentação é super cuidada pelos meus pais”. Aqui é possível 840

compreender a relevância do papel da família na construção de hábitos de vida saudável, especialmente no que se refere à alimentação saudável.

CONCLUSÕES Após a análise das concepções dos estudantes, foi possível perceber que os mesmos apresentam ideias bem claras do que representa uma alimentação e hábitos saudáveis, revelando em suas falas já possuírem conhecimento sobre o tema. Também foi possível perceber e compreender a existência de um distanciamento entre as concepções de alimentação saudável desses estudantes e suas práticas alimentares reveladas. Algumas crianças permanecem muito tempo em frente à televisão e a outros meios eletrônicos, evidenciando a persuasão da mídia em geral sobre o consumo de alimentos, principalmente quando se trata do público infantil (MIOTTO; OLIVEIRA, 2006). Em síntese, percebe-se que esta investigação foi capaz de manifestar o conhecimento dos estudantes sobre o tema, revelar suas práticas alimentares desvinculadas, em sua maioria, das concepções sobre alimentação saudável que eles 841

apresentaram. Os elementos que emergiram deste estudo podem servir de matéria-prima para que o professor possa desenvolver um trabalho consistente dentro da sala de aula, com o objetivo de aproximar os entendimentos dos estudantes com suas práticas alimentares, desenvolvendo atividades contextualizadas sobre a temática, voltadas à realidade dos estudantes em questão. É importante que as crianças e seus responsáveis percebam os problemas ocasionados pelas substituições de refeições, as quais podem ser explicadas pela dificuldade dos pais em conciliar e programar seus horários e que pode interferir também na realização das refeições em família. O ritmo de vida está muito acelerado ultimamente, e a praticidade e a economia de tempo não podem ser determinantes no momento da escolha e do preparo dos alimentos. Dessa forma compreende-se a necessidade de desenvolver na escola o tema Alimentação Saudável com maior dedicação, estimulando tal prática e trazendo para a discussão elementos que auxiliem os estudantes na realização de escolhas alimentares apropriadas e saudáveis.

REFERÊNCIAS BECK, A. Armandinho Dois. Florianópolis, SC: Arte &

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Letras comunicação, 2014. BOFF, Eva Teresinha de Oliveira; HAMES, Clarinês; FRISON, Maria Dallagnol. (Org.). Situação de estudo: alimentos, produção e consumo – alimentação humana. Ijuí: Editora Unijuí, 2010. BRASIL, Ministério da Saúde, Guia Alimentar para a População Brasileira. 2ª Edição, Brasília – DF, 2014. ESTIMA, C. C. P., PHILIPPI, S. T., ARAKI, E. L., LEAL, G. V. S., MARTINEZ, M. F. e ALVARENGA, M. dos S. Consumo de bebidas e refrigerantes por adolescentes de uma escola pública. Rev Paul Pediatr; 29(1): 41-5, 2011. GAMBARDELLA, A.M.D., FRUTUOSO, M.F.P., FRANCHI, C. Prática alimentar de adolescentes. Reviews Nutrition, New York, v.12, n.1, p.55-63, 1999. LOUZADA, F.; MENNA-BARRETO, L. Relógios biológicos e aprendizagem. São Paulo: Edesplan, 2004. McARDLE, W. D., KATCH, F. I., KATCH, V. L. Fisiologia do Exercício, energia, nutrição e desempenho humano. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1998. MIOTTO, A. C., OLIVEIRA, A. F. A influência da mídia nos hábitos alimentares de crianças de baixa renda do Projeto Nutrir. Revista Paulista de Pediatria; 24(2) :11520, 2006. MORAES, R; GALIAZZI, M. do C.. Análise Textual Discursiva. Ijuí: Ed. Unijuí, 2011. RAMOS M; STEIN, L. M. Desenvolvimento do comportamento alimentar infantil. Jornal de Pediatria. Rio de Janeiro, v. 76, supl. 3, p. 229-237, 2000.

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FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES E A PSICOLOGIA: RELATO DE EXPERIÊNCIA Natálie Dall Bello dos Santos Marcele Schreiner Tonet ULBRA – Universidade Luterana do Brasil Edna Linhares Garcia UNISC - Universidade de Santa Cruz do Sul [email protected] [email protected] [email protected]

A Formação Continuada de Professores é uma rede nacional, criada pelo Ministério da Educação em 2004, que visa contribuir na melhoria de professores e alunos. Nessa Formação, muitas vezes, é priorizada a dimensão técnica dos professores, deixando de lado o sujeito professor em sua totalidade. Nesse contexto, este trabalho tem por objetivo demonstrar a intervenção do psicólogo em formações continuadas de professores e investigar a demanda dos professores ao solicitar o apoio do psicólogo no momento da Formação Continuada. Para a realização deste artigo o método utilizado foi o relato de experiência de uma das psicólogas 844

autoras do trabalho, a partir de quatro atividades desenvolvidas, com aproximadamente noventa professores, em três escolas da rede pública do município de Cachoeira do Sul. As atividades tiveram como temas: Desenvolvimento Infantil, Desenvolvimento Cognitivo e Perceptual e Comunicação Interpessoal. Os assuntos foram solicitados pela supervisão pedagógica de cada escola, a fim de proporcionar a visão da psicologia quanto a temática e a relação na atuação do professor. Os resultados obtidos mostraram que a atuação do psicólogo na formação de professores possibilita que estes ampliem seu conhecimento acerca da psicologia contribuindo assim, para a elaboração de propostas que resultem em melhorias da sua prática e do processo ensinoaprendizagem, e ainda, resgata os professores como sujeitos, mediando processos em que possam se apropriar de suas histórias e reconstruírem seus fazeres. A partir dessas atividades foi possível perceber que os trabalhos de formação de professores devem focar não apenas no aspecto teórico-prático, mas ampliar a intervenção da psicologia, buscando oportunizar momentos de reflexão do professor como um sujeito e agente de mudança dentro do contexto escolar. Palavras-chaves:

Formação 845

Continuada,

Professores, Psicologia.

Introdução No contexto escolar, surgem diversas implicações, que acabam por dificultar o processo de ensino-aprendizagem. O processo de Formação Continuada, segundo o Ministério da Educação - MEC, é uma rede nacional que foi criada em 2004 com o objetivo de contribuir para a melhoria da formação dos professores e alunos. Segundo Ibiapina, 2009 “a reflexão implica a imersão consciente do homem no mundo da sua experiência, supõe análise e uma proposta totalizadora que orienta a ação para a mudança” (p.39). No entanto, nessa rede muitas vezes, é priorizada a dimensão técnica dos processos de ensinar e apreender em detrimento do sujeito professor em sua totalidade (ALVES; SASS, 2004). Daí surge a necessidade de oportunizar espaços de reflexão coletiva para que os professores possam socializar seus conhecimentos através do diálogo com seus pares (IBIAPINA, 2009). O ato de refletir não ocorre de forma natural. O homem aprende a refletir interagindo com o meio no qual vive e no convívio com seus semelhantes e, assim, constrói conhecimentos e transforma sua 846

realidade. Sendo assim existe a necessidade dos professores estarem constantemente refletindo sua prática e socializando conhecimentos (IBIAPINA, 2009). Por ser o professor implicado nas questões sociais de seus alunos e o contexto no qual vivem, é de suma importância que estes possam ter um espaço aberto, dentro da Formação Continuada para o diálogo de tais questões e debate reflexivo de suas vivências na educação e fora de seu âmbito. Para Chimentão, 2009, a Formação Continuada poderá ser capaz de provocar mudanças na postura e no fazer pedagógico dos professores, quando, através dos programas de formação continuada, formarem-se profissionais competentes, dotados de uma fundamentação teórica consistente e com capacidade de análise e reflexão crítica acerca de todos os aspectos que compõem e influenciam o contexto escolar” p. 01.

Segundo Molon, 2002 o trabalho psicológico nas escolas está focado na resolução de problemas, relacionado às dificuldades das crianças, com 847

dificuldades e queixas escolares. No entanto a autora acredita que a psicologia e a educação necessitam dialogar formas ou tipos de conhecimentos, para a construção de um novo mundo, anunciando processos de subjetivação diferenciados que contemplem a diversidade e a pluralidade sem perder a orientação ética e epistemológica que reconhece a conflituosidade de saberes, fazeres e emoções. Vygostky, 2000 enfatiza que a vontade é uma função psicológica superior que potencializa e operacionaliza as demais funções. Com isso desenvolve-se a base afetivo-volitiva na qual os pensamentos serão movidos por desejos, necessidades, motivação e emoções que se realizam através das palavras e são simbolizadas no pensamento. Pensando nisso é buscado, segundo Molon, 2002, na formação continuada, possibilitar aos professores expressar e (re) encontrar a sua base afetivo-volitiva presente e/ou ausente nas suas trajetórias e compartilhar os sentidos das suas escolhas para que na dinâmica dialógica possam produzir significações e apropriações de experiências e conhecimentos, visando a constituição de um grupo de referencia e acolhimento, uma guarida para suas angústias e inseguranças existenciais e profissionais, para 848

seus dilemas e conflitos educacionais e para os obstáculos epistemológicos. A partir disso foi desenvolvido o presente trabalho onde, através da comunicação com os professores, foi possível ressaltar a importância de fortalecer as relações e ações docentes para romper com a alienação e silêncio. Ao “ouvir” o professor se procura interpretar, compreender, explicar e propor transformações objetivando criar um canal aberto ao diálogo e a reciprocidade e promover professores e equipe mais conscientes de suas possibilidades e limitações.

Método O presente trabalho foi realizado como parte do estágio e atuação profissional da psicóloga autora deste artigo. É um relato de experiência a partir de quatro trabalhos desenvolvidos com aproximadamente 90 professores que atuam em três escolas da rede pública do município de Cachoeira do Sul. Estes locais contam com professores que atuam no ensino fundamental e médio e ainda com educação especial. Foram realizadas quatro atividades com professores sobre os seguintes temas: Desenvolvimento Infantil, Desenvolvimento Cognitivo e Perceptual, e Comunicação Interpessoal. Os temas abordados foram 849

solicitados pelas escolas através da supervisão pedagógica das instituições. O objetivo dos encontros foi proporcionar a visão da psicologia sobre os temas e a relação na atuação do professor.

Resultados No primeiro semestre do ano 2014 foi realizada uma formação continuada na qual a autora deste trabalho foi convidada para participar com a atividade sobre “Desenvolvimento Infantil”, em uma instituição de educação Especial do município de Cachoeira do Sul. Este momento com os professores teve como objetivo possibilitar o contraponto entre desenvolvimento normal e patológico dos indivíduos. Foram apresentados tópicos do desenvolvimento motor, comportamental, cognitivo e emocional na faixa etária de zero a seis anos. Segundo a Supervisora Pedagógica do local essa temática teria sido requisitada em reunião de professores que estão habituados apenas com situações atípicas do desenvolvimento. O encontro durou em torno de duas horas na modalidade de palestra expositiva. Estavam presentes, aproximadamente, trinta pessoas dentre educadores, profissionais da saúde e demais funcionários da instituição, que participaram ativamente com depoimentos de experiências e perguntas sobre o tema. Como 850

resultado deste trabalho pode-se perceber que os professores encontram-se, em alguns momentos, focados apenas na doença/deficiência sem parâmetros em relação ao comportamento esperado para cada fase do desenvolvimento. O professor diante do aluno com NEE se depara com este sofrimento e com isso necessita colocar limites ao seu desejo de tornar igual o diferente. Esse encontro, porém, poderá ser enriquecedor ao professor se realizado através de uma abertura de encontro com o outro, sem estigmas e com aberturas para o imprevisto (STOBAUS; MOSQUERA, 2004). Os mesmos autores, afirmam ainda que a prática dos professores que atendem alunos com NEE é um processo em construção, pois constituem uma nova prática sem um modelo construído de como lidar com esses alunos e suas diferenças. Com isso, percebe-se que apesar de ser positivo a visão dos professores quanto às limitações de cada aluno e promoverem o progresso dentro do que cada um consegue responder, nota-se que perder o parâmetro do que é desenvolvimento adequado do indivíduo é uma forma de defesa psíquica em relação à frustração causada ao trabalho contínuo realizado por eles 851

que resultam em pequenos e lentos progressos nos alunos. Segundo Stobaus & Mosquera (2004) o professor da prática de educação de pessoas com necessidades especiais de educação (NEE) propõem uma avaliação de ensino diferenciada que considere a dificuldade do aluno. Uma das professoras entrevistadas na pesquisa dos autores citados revela que existe um sentimento de frustração por querer que o aluno de NEE aprenda a escrever e faça todas as demais tarefas propostas. Essa frustração sentida pelo professor quando este se depara com as diferenças dos alunos pode estar relacionada ao que o professor espera de si mesmo como profissional e também o que a instituição e os pais estariam esperando dele como professor (STOBAUS; MOSQUERA, 2004). Smeha e Ferreira (2008) referem que quando as condições de trabalho não propiciam ao aluno e ao professor um atendimento digno de uma efetiva inclusão, o docente apresentará queda e frustração como resultado de seu desempenho e poderá desenvolver consequências físicas e emocionais. Enfim, Smeha; Ferreira (2008) concluem que frustração, angústia, impotência e medo são 852

sentimentos dos professores ao se depararem com as limitações na aprendizagem, já que foram preparados para trabalharem com crianças que “aprendem”. Entre as necessidades apresentadas pelas professoras, estavam as relacionadas à maneira de se trabalhar com os alunos desmotivados, além da própria desmotivação delas, decorrente, principalmente, das limitações relativas aos materiais disponíveis, infraestrutura e aos conhecimentos pedagógicos, acrescentam Logarezi & Alves (2009). No segundo semestre de 2014, foi realizada Formação Continuada para as professoras e monitoras de uma EMEI – Escola Municipal de Educação Infantil, com o objetivo de realizar uma orientação do desenvolvimento cognitivo e perceptivo das crianças, a fim de proporcionar conhecimento e ferramentas às educadoras para desenvolver adequadas atividades pedagógicas de acordo com cada faixa etária. O encontro que se desenvolveu como palestra expositiva, contou com a presença de, aproximadamente, vinte cinco funcionárias da EMEI, que participaram com exposições de situações vivenciadas no dia a dia. Este momento de reflexão com os professores da EMEI mostrou-se diferente dos demais encontros nas outras escolas. Observou-se uma resistência 853

do grupo em acolher um momento de aprendizagem e reflexão sobre sua própria prática, situação que não ocorreu nas outras escolas participantes deste estudo. As professoras da educação infantil mostraramse desestimuladas a pensarem sobre suas atividades, isto pode ter ocorrido em função do não-reconhecimento destas profissionais enquanto educadoras. Percebe-se que, em muitos momentos em escolas de educação infantil, as professoras são vistas apenas como tias, cuidadoras ou babás, anulando a auto-imagem da importância de seu papel no desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças. Paulo Freire (1997) afirma que recusar a identificação da figura do professor com a da tia significa retirar algo fundamental ao professor: sua responsabilidade profissional de que faz parte a exigência política por sua formação permanente. Segundo o autor, ensinar é profissão que envolve certa tarefa, certa militância, certa especificidade no seu cumprimento enquanto ser tia é viver uma relação de parentesco. Ser professora implica assumir uma profissão enquanto não se é tia por profissão. De certa forma essa dicotomia pode ser aplicada na figura que as professoras da Educação Infantil assumem 854

ao desempenharem tarefas de cuidadoras. Mesmo que esta também seja uma profissão, as professoras deixam, igualmente, a sua função de ensinar, ao qual são qualificadas, para atenderem às mais variadas necessidades de seus alunos, sendo reduzidas apenas a condição de cuidadoras o que causa prejuízos na motivação destas profissionais (FREIRE, 1997). Em fevereiro de 2015, foram realizadas duas atividades de Formação continuada em diferentes instituições, na ocasião de retorno ao ano letivo. O objetivo dos encontros foi aprimorar os relacionamentos interpessoais, para as atividades que estariam iniciando. Para tal, elaborou-se uma capacitação que abordou a comunicação interpessoal e as relações eficazes. Nesta Formação foi utilizada palestra expositiva de conceitos sobre a temática e a importância da adequada comunicação para desenvolver relacionamentos interpessoais eficazes. Foram realizadas dinâmicas de grupo para melhor expor e debater o assunto. Ambos os grupos de aproximadamente trinta pessoas, foram convidados a participar ativamente do encontro e assim o fizeram com grande aderência. A avaliação destes encontros deu-se de forma dinâmica, na qual cada participante deveria descrever em três palavras a sua opinião sobre 855

atividade. Na Escola de Educação Especial (este momento foi o segundo convite para participar da Formação Continuada na mesma instituição citada anteriormente) obteve-se como resultado os adjetivos: divertido, feliz, alegria, descontraída, dinâmica, comunicativa, agradável, produtiva, enriquecedora, criativo, esclarecedor, excelente, reflexão, positiva, interessante, carisma, segurança, emoção, atualizada, desconfiança, simpatia. A segunda Formação do mesmo tema realizouse em uma Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio e como resultado da Dinâmica de Avaliação do Encontro, os participantes descreveram: acessível, simpática, assunto maravilhoso, satisfatório, dinâmico, interessante, “bom demais”, “muito produtivo”, objetivo, importante, ótimo, saudável, integração, domínio do assunto, técnica utilizada diferente, reflexivo, estimulante, organizado, proveitoso, maravilhoso, renovador, alegre, descontraído, animado, divertido, comunicativo, prazeroso, criativo, “desempenhou ótimo trabalho”. Apesar dos adjetivos positivos em ambos encontros, pode-se perceber que foram citadas dificuldades em relação a “fofocas” entre colegas, o que dificulta o relacionamento em equipe e o desenvolvimento do trabalho. 856

Segundo Gouveia, et al. (2011) desde os primórdios da humanidade a fofoca está presente nas relações sociais. Alguns autores consideram que a sua utilização é importante para as relações sociais, pois a ideia de que a palavra é utilizada para comunicar diversos e alternativos significados, permite, também, o intercâmbio de conhecimentos e mútuo entretenimento (GOUVEIA, et al., 2011). Ou seja, “... fofocar é uma forma importante de comunicação e de aprendizagem social que serve para unir as pessoas e para compartilhar informações sobre si e sobre os outros” (GOUVEIA, et AL, 2011, p. 618). Nesse contexto os autores afirmam que a fofoca se apresenta como discussão de avaliação entre pessoas familiarizadas entre si sobre as particularidades de uma terceira pessoas que está ausente. A ênfase à fofoca vai depender da área de estudo. Enquanto que para a antropologia ela é considerada um instrumento de manutenção de grupos, a psicologia a vêem como uma atitude, positiva e negativa, em detrimento dos interesses individuais (GOUVEIA, et al., 2011). Ao citarem Foster (2004) admitem que a percepção social é frequentemente afetada pela fofoca já que os indivíduos em boa parte de suas 857

interações participam de uma ou de outra forma de fofoca. “Assim de acordo com a intensidade e direção (positiva e negativa) a fofoca gera impacto social em vários níveis de organização, e pode mudar no espaço e no tempo.” (GOUVEIA, et al., 2011, p. 619). Como o ato de fofocar está à serviço do grupo, os autores esperam que o poder de controle social do grupo que dissemina a fofoca será proporcional a aceitação e difusão do assunto, ou seja, o tema da fofoca (GOUVEIA, et al., 2011). Lipp (2002) afirma que quando o trabalho não preenche os desejos e necessidades do professor, ele sente-se impotente diante de suas expectativas iniciais e com isso perde seu idealismo (SMEHA & FERREIRA, 2008). Para as autoras, cansaço e frustração assumem posição diante do entusiasmo inicial fazendo com que o professor questione sua competência e suas habilidades para lidar com as diferenças. Com isso, gradativamente, vai perdendo sua autoconfiança. No inicio, esse sentimento de frustração é quase imperceptível, mas com o tempo, um stress crônico e prolongado se instala e conduz o professor a uma série de sintomas com relação ao seu trabalho Como os professores não têm muitos momentos 858

de debate e trocas sobre seus sentimentos e receios, as fofocas podem ser uma forma de defesa a possíveis situações vivenciadas e um sintoma que demonstra que algo não está bem. As dúvidas, falta de momentos de esclarecimento e reflexão, pode ter como conseqüência a fofoca para ser utilizada para justificar e antecipar possíveis falhas. Molon (2006) afirma, ainda, que os trabalhos de formação de professores devem enfocar não apenas o aspecto racional, mas ampliar a sensibilidade da imaginação e da criação. Devem sair do campo coercitivo, dos padrões estáticos fundamentados em concepções normatizadoras, para abrir-se ao espaço da ética e da criatividade (ALVES; SASS, 2004). Assim será possível contribuir com a potencialização não só de professores, mas de todos envolvidos nos processos educativos (GESSER; NUERNBERG, 2011). Em pesquisa realizada para avaliar o processo de formação de professoras em um município da grande São Paulo, identificou-se que as atividades são pensadas anteriormente, “sem a realização de um trabalho que identifique as dificuldades vivenciadas no cotidiano da sala de aula e sem a devida participação dos professores em seu planejamento” (ALTENFELDER, 2006. p.00). A 859

partir de relatos das professoras entrevistadas, a autora relata que na participação desses encontros emergem sentimentos como os de “sentir-se perdida”, “vazio” bem como a dificuldade de colocar os conhecimentos apreendidos em prática. Contudo existe a necessidade de ampliar momentos de reflexão acerca das relações interpessoais e socialização das dificuldades, de forma a integrarem-se com seus colegas e demais membros da equipe da escola, de forma ampla. O papel da psicologia seria a de mediação, objetivando a resolução de conflitos.

Considerações Finais Diante dos resultados apresentados percebe-se a importância da Psicologia no contexto da Formação Continuada de Professores a fim de acolher esses profissionais, auxiliar e promover reflexões nas suas atividades docentes. A atuação do psicólogo na formação de professores deve possibilitar o acesso a conhecimentos psicológicos que possam contribuir para a elaboração de propostas que resultem em melhorias da prática e do processo de ensino 860

aprendizagem. No entanto, faz-se urgente ir além disso, pois existe a necessidade de se compreender o professor como um sujeito historicamente construído, mediado pelo contexto social. A Psicologia deve contribuir no processo de resgate do processo de constituição do professor como sujeito, mediando parâmetros em que estes possam se apropriar de suas histórias e reconstruírem seus fazeres. Ouvir o professor é uma forma de compreender, explicar e propor transformações a fim de criar novas alternativas de relações e trabalhos.

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SÍNDROME DE BURNOUT: UM ESTUDO DE CASO EM UMA ORGANIZAÇÃO EDUCACIONAL Gilmar Luiz Colombelli ULBRA Cachoeira do Sul [email protected] Natália Beskow Barros ULBRA Cachoeira do Sul [email protected] Adriana Porto ULBRA Cachoeira do Sul [email protected] Cláudia de Freitas Michelin ULBRA Cachoeira do Sul [email protected]

Os objetivos deste trabalho são identificar os fatores que desencadeiam a Síndrome de Burnout, como esses fatores manifestam-se e quais as vivências de sofrimento relacionada a esta síndrome na vida dos profissionais da educação da universidade Ulbra/ Cachoeira do 864

Sul. A metodologia utilizada nesta pesquisa pautase pela abordagem quantitativa com pesquisa exploratória e descritiva e utiliza como método o estudo de caso. Conforme a variável “Exaustão Emocional”, conclui-se que os professores da ULBRA/ Cachoeira do Sul, não apresentam nenhum problema como esgotamento, falta de energia para enfrentar projetos, falta de motivação e incentivo. De acordo com a variável “Despersonalização”, verificou-se que alguns profissionais encontram-se menos flexíveis e emocionalmente abalados, com alguns riscos de desenvolverem frustração e podendo ter um baixo desempenho humano perante suas atividades. Segundo a variável “Realização pessoal no trabalho”, constatou-se que os professores têm facilidade de identificar o que seus alunos necessitam, conseguindo assim, criar uma atmosfera tranquila e ficar estimulados após um dia de aula. Portanto, recomenda-se através dos resultados obtidos em cada dimensão, que a área de gestão de pessoas, desenvolva alguma medida para incentivar mais os profissionais, passando a eles mais energia e confiança para sua rotina de trabalho. Portanto, prevenir a Síndrome de Burnout, não é uma tarefa que cabe somente aos educadores, mas sim, uma ação conjunta entre os educadores e a instituição de ensino, buscando assim, implementar projetos motivacionais para 865

unir forças na obtenção de um maior resultado com foco, pensamentos e energia.

1. INTRODUÇÃO As mudanças no cenário mundial, em um mundo globalizado e capitalista tem levado o indivíduo a criar novas formas de se adaptar às organizações, visto que as mudanças tecnológicas têm acelerado a produção, exigindo que o trabalhador seja mais flexível e polivalente. Esse fato vem provocando mudanças radicais no funcionamento físico e emocional dos trabalhadores. Essas mudanças se refletem na educação, exigem novas alternativas nos sistemas educativos, afetam diretamente o trabalho docente, visto que em suas relações profissionais aumentaram as cobranças dos gestores, dos alunos e da sociedade em geral, repercutindo na qualidade de vida pelo estresse gerado com as mudanças de papéis, ou seja, pela multiplicidade de papéis que deve exercer no trabalho docente. Cada dia mais os profissionais da educação são foco de pesquisas devido a sua responsabilidade perante a sociedade brasileira. Portanto, devido ao desgaste provocado pelo trabalho paulatino, pelo contato diário e excessivo ao qual o docente 866

submete-se na interação com seus alunos e pela discrepância entre as metas estipuladas e as condições reais de executá-las, foi escolhido como tema de estudo a Síndrome de Burnout nos profissionais da educação. A Burnout de professores é conhecida como uma exaustão física e emocional que começa com um sentimento de desconforto e pouco a pouco aumenta à medida que a vontade de lecionar gradualmente diminui. Sintomaticamente, a Burnout geralmente se reconhece pela ausência de alguns fatores motivacionais: energia, alegria, entusiasmo, satisfação, interesse, vontade, sonhos para a vida, ideias, concentração, autoconfiança e humor. Trata-se de um conjunto de sinais e sintomas agrupados em três dimensões distintas, relacionados, mas independentes. Burnout é um processo que se desenvolve sequencialmente. Por isso, as suas três dimensões - exaustão emocional, despersonalização e baixa realização no trabalho - devem ser consideradas para que possa se caracterizar esta síndrome. Assim, o presente trabalho irá se orientar pelo seguinte problema de pesquisa: “Que fatores desencadeiam a Síndrome de Burnout, como esses fatores manifestam-se e quais suas 867

implicações na vida dos profissionais da educação da universidade Ulbra Cachoeira do Sul?”. Em função do problema apresentado foram definidos os seguintes objetivos de pesquisa: conhecer em profundidade os pressupostos teóricos referentes à Síndrome de Burnout;, descrever quais fatores desencadeiam a Síndrome de Burnout, verificar a presença da Síndrome de Burnout entre os profissionais da universidade ULBRA/Cachoeira do Sul analisando se existe interferência frente ao desempenho profissional dos sujeitos e propor uma gestão adequada caso for diagnosticada a Síndrome de Burnout nos professores da universidade.

2. REFERENCIAL TEÓRICO Este segmento tem como objetivo apresentar o referencial teórico, no qual, serviu de suporte para o presente trabalho, ou seja: a gestão de pessoas, os subsistemas de Administração de Recursos Humanos, a Síndrome de Burnout e como esta síndrome afeta os profissionais da educação.

2.1 Gestão de Pessoas O contexto gestão de pessoas é formado por pessoas e organizações. As pessoas passam boa 868

parte de suas vidas trabalhando dentro de organizações. Estas dependem daquelas para poderem funcionar e alcançar sucesso (CHIAVENATO, 2005). Entendendo-se por gestão de pessoas uma associação de habilidades e métodos, políticas, técnicas e práticas definidas com objetivo de administrar os comportamentos internos e potencializar o capital humano. Tem por finalidade selecionar, gerir e nortear os colaboradores na direção dos objetivos e metas da empresa. Boudreau e Milkovich (2000) compreendem a gestão de pessoas como uma série de decisões integradas que formam as relações de trabalho; sua qualidade influência diretamente a capacidade da organização e de seus empregados atingirem seus objetivos, pois é a função que permite a colaboração eficaz das pessoas, empregados, funcionários, recursos humanos, talentos ou qualquer denominação utilizada, para alcançar os objetivos organizacionais e individuais. As pessoas constituem o principal ativo da organização, daí a necessidade de tornar as organizações mais conscientes e atentas para seus funcionários. Segundo Chiavenato (2005), as organizações bem-sucedidas estão percebendo que apenas podem crescer, prosperar e manter sua continuidade se forem capazes de otimizar o 869

retorno sobre investimento de todos os parceiros, principalmente dos empregados. As pessoas podem aumentar ou reduzir as forças e fraquezas de uma organização dependendo da maneira como elas são tratadas. Elas podem ser a fonte de sucesso como podem ser a fonte de problemas. É melhor tratá-las como fonte de sucesso. De acordo com Chiavenato (2005), para que os objetivos de gestão de pessoas sejam alcançados é necessário que as pessoas sejam tratadas como elementos básicos para a eficácia organizacional. A moderna gestão de pessoas consiste de várias atividades integradas, como descrições e análise de cargos, planejamento de RH (Recursos Humanos), recrutamento, seleção, orientação e motivação das pessoas, avaliação do desempenho, remuneração, treinamento e desenvolvimento, relações sindicais, segurança, saúde e bem-estar e outras, que são chamados de subsistemas. A seguir pode-se observar os subsistemas de recursos humanos e o modo como eles funcionam basicamente.

2.1.1 Subsistemas de Gestão de Pessoas 870

A Administração de Recursos Humanos (ARH) é dividida em cinco subsistemas. Pode e deve ser abordada sistemicamente. De um modo genérico, pode-se observar na Figura 1 que a ARH é composta por cinco subsistemas, a saber:

Figura 1: A administração de recursos humanos e seus subsistemas. Fonte: Adaptada, Chiavenato (1997).



De acordo com Chiavenato (1997), os subsistemas de ARH podem ser tratados dentro de um continuum que vai desde um modo precário, rudimentar e subdesenvolvido até um modo refinado, sofisticado e superdesenvolvido, no outro extremo. Alguns autores dividem em cinco as áreas de atuação da administração de recursos humanos. Elas são denominadas de subsistema de provisão, 871

subsistema aplicação, subsistema manutenção, subsistema desenvolvimento e subsistema monitoração. Nos próximos tópicos seguem as descrições das principais atividades de cada subsistema.

2.2 Profissão professor Professor ou docente é uma pessoa que ensina uma ciência, arte, técnica ou outro conhecimento. Para o exercício dessa profissão, requerem-se qualificações acadêmicas e pedagógicas, para que consiga transmitir/ensinar a matéria de estudo da melhor forma possível ao aluno. É uma das profissões mais antigas e mais importantes, tendo em vista que as demais, na sua maioria, dependem dela. Já Platão, na sua obra A República, alertava para a importância do papel do professor na formação do cidadão. Desta forma afirmam Sacristán e Pérez Gómez (1996) que: É preciso transformar a vida da aula e da escola, de modo que possam vivenciar-se práticas sociais e intercâmbios acadêmicos que induzam à solidariedade, à colaboração, à experimentação compartilhada, assim como a outro tipo de

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relação com o conhecimento e a cultura que estimulem a busca, o contraste, a crítica, a iniciativa e a criação.

Segundo Demo (2005), professor não é quem dá aula. Professor é quem cuida da aprendizagem dos alunos, tomando o termo “cuidar” em seu sentido forte. Saber cuidar significa dedicação envolvente e contagiante, compromisso ético e técnico, habilidade sensível e sempre renovada de suporte do aluno, incluindo-se ai a rota de construção da autonomia. De acordo com Bordenave e Pereira (2010), devido à falta de preparação didática, muitos professores demonstram insegurança em seu relacionamento com os alunos e, para manter a sua autoridade e sua autoimagem, recorrem a atitudes protetoras, tais como comunicações muito formais com os estudantes, exagerado nível de exigência nas provas, emprego de ironia e sarcasmo para dominar os rebeldes, e outras. Pérez e Castillo (1999), destacam que a mediação pedagógica busca abrir um caminho a novas relações do estudante: com os materiais, com o próprio contexto, com outros contextos, com seus companheiros de aprendizagem, incluído o professor, consigo mesmo e com o seu futuro. 873



2.3 Síndrome de Burnout De acordo com Mazon; Carlotto e Camara (2008), o termo burnout foi utilizado primeiramente por Freudenberger, um médico psicanalista que teve uma vida profissional permeada de frustrações e dificuldades que o levaram à exaustão física e emocional. Segundo Castro (2012), sua principal característica é o estado de tensão emocional e estresse crônicos provocado por condições de trabalho físicas, emocionais e psicológicas desgastantes. A síndrome se manifesta especialmente em pessoas cuja profissão exige envolvimento interpessoal direto e intenso. De acordo com o autor, os estressores mais importantes presentes na organização de trabalho que predispõem os trabalhadores ao problema de Burnout são: o papel conflitante, a perda de controle ou autonomia sobre o seu fazer, a ausência de suporte social e a sobrecarga. Profissionais das áreas de educação, saúde, assistência social, recursos humanos, agentes penitenciários, bombeiros, policiais e mulheres que enfrentam dupla jornada correm risco maior de desenvolver o transtorno (CASTRO, 2012). A dedicação exagerada à atividade profissional 874

é uma característica marcante de Burnout, mas não a única. O desejo de ser o melhor e sempre demonstrar alto grau de desempenho é outra fase importante da síndrome: o portador de Burnout mede a autoestima pela capacidade de realização e sucesso profissional. O que tem início com satisfação e prazer, termina quando esse desempenho não é reconhecido. Nesse estágio, necessidade de se afirmar, o desejo de realização profissional se transforma em obstinação e compulsão o paciente nesta busca sofre alem de problemas de ordem psicológica também forte desgaste físico gerando fadiga e exaustão. De acordo com Castro (2012), a definição de Burnout compreende um conjunto de três dimensões essenciais que especificam e demarcam o fenômeno: a exaustão emocional, a desepersolanização e a perda de realização profissional. Especificamente, a Burnout de professores é conhecida como uma exaustão física e emocional que começa com um sentimento de desconforto e pouco a pouco aumenta à medida que a vontade de lecionar gradualmente diminui. Sintomaticamente, a Burnout geralmente se reconhece pela ausência de alguns fatores motivacionais: energia, alegria, entusiasmo, satisfação, interesse, vontade, sonhos para a vida, 875

idéias, concentração, autoconfiança e humor.

3. MÉTODO DE TRABALHO Este trabalho caracterizou-se por uma pesquisa de abordagem quantitativa. De acordo com Gil (2002), este tipo de pesquisa é um estudo estatístico que se descreve as características de uma determinada situação, medindo numericamente as hipóteses levantadas a respeito de um problema de pesquisa, ou seja, é especialmente projetada para gerar medidas precisas e confiáveis. Quanto aos objetivos, o trabalho caracterizou-se como exploratório e descritivo. Acompanhando o objetivo e o método deste trabalho, os sujeitos desta pesquisa foram 15 (quinze) professores. A escolha dos mesmos foi fruto, fundamentalmente, da afinidade e disponibilidade do entrevistado acerca do relativo contexto. Foi utilizada a técnica de amostragem não probabilística intencional que são utilizadas quando não se conhece a probabilidade de um elemento da população a ser escolhido para participar da amostra. Desta forma, o estudo teve a proposta de identificar a presença da síndrome 876

de Burnout nos professores. O presente trabalho de pesquisa utilizou, ainda, para método de coleta de dados o questionário fechado aplicado aos professores, que consiste basicamente em traduzir os objetivos específicos da pesquisa em itens bem redigidos (GIL, 2010). O instrumento desta pesquisa é denominado “Maslach Burnout Inventary”, constituído de 22 itens e foi elaborado em 1986 nos Estados Unidos, objetivando atender as demandas assistenciais. Sua escala de resposta segue o modelo Likert de 7 (sete) pontos, onde “0”pontuação mínima- equivale a “nunca” e 6 (seis)pontuação máxima- equivale a “todos os dias”. Na abordagem quantitativa o processo de análise dos dados envolve diversos procedimentos: codificação das respostas, tabulação dos dados e cálculos estatísticos. Após, ou juntamente com a análise, ocorre também a interpretação dos dados, que consiste, fundamentalmente, em estabelecer a ligação entre os resultados obtidos com os outros já conhecidos, quer sejam derivados de teorias, quer sejam de estudos realizados anteriormente.

4. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS Para um melhor entendimento da apresentação 877

dos resultados as questões propostas no questionário serão expostas e classificadas por cada variável (exaustão emocional, despersonalização e exaustão emocional no trabalho), apresentando seus respectivos resultados confrontados com o referencial teórico.

4.1 Exaustão Emocional A Exaustão Emocional é caracterizada pela falta ou carência de energia, entusiasmo e por sentimento de esgotamento de recursos. Os profissionais acreditam que já não têm condições de despender mais energia para o trabalho ou das demais pessoas como faziam antes. O Gráfico 1 avalia o nível de variável exaustão emocional dos sujeitos demonstrando o estado emocional dos professores de acordo com a variável em análise.

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Gráfico 1: Exaustão emocional. Fonte: Pesquisa



De acordo com o Gráfico 1, afirma-se que 28,88% dos professores nunca apresentaram os sintomas da exaustão emocional, 8,17% uma vez ao ano ou menos, 13% uma vez ao mês ou menos, 20% algumas vezes ao mês, 2,96% uma vez por semana, 13,33% algumas vezes por semana e 13,33% todos os dias. Conforme a resposta dos professores pode-se afirmar que se teve uma grande variação de opiniões, destacando que é provável o início do desenvolvimento da síndrome. Cherniss (1989) destaca os fatores organizacionais que incluem 879

sobrecarga laboral, falta de inovação e estímulo, pouca autonomia, relações interpessoais negativas entre colegas e entre estes e os superiores e interações problemáticas com os clientes, e ainda pressões burocráticas e falta de feedback como elementos organizacionais importantes para o surgimento do Burnout.

4.2 Despersonalização A despersonalização é caracterizada pelo fato do sujeito adotar atitudes de descrença, distância, frieza e indiferença em relação ao trabalho e aos colegas de trabalho, tratando eles como se fossem objetos. O Gráfico 2 demonstra se existe e o nível desenvolvimento da Síndrome de Burnout com dos professores em relação aos seus colegas de trabalho.

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Gráfico 2: Despersonalização. Fonte: Pesquisa



De acordo com o Gráfico 2, pode-se afirmar que 31,08% dos professores nunca tiveram sintomas de despersonalização, 10,81% uma vez ao ano ou menos, 12% uma vez ao mês ou menos, 8,12% algumas vezes ao mês, 6,75% uma vez por semana,17,57% algumas vezes por semana e 13,52% todos os dias. A despersonalização corresponde ao desenvolvimento por parte do profissional de atitudes negativas e insensíveis em relação às pessoas com as quais trabalha tratando-as como objetos. Através deste Gráfico pode-se afirmar que apresenta um fato considerável, pois uma parte dos sujeitos apresentam sintomas de despersonalização. Pode-se considerar que alguns dos profissionais estão na “área de risco” para desenvolver, ou já podem ter desenvolvido, a síndrome de Burnout, que é considerada a doença do professor.

4.3 Realização Pessoal no Trabalho A falta de realização pessoal no trabalho 881

constitui-se como a tendência desses profissionais a avaliar-se negativamente e, de forma especial, essa avaliação negativa afeta a habilidade na realização do trabalho e a relação com as pessoas que atendem. Os trabalhadores sentem-se descontentes consigo mesmos e insatisfeitos com seus resultados no trabalho. O Gráfico 3 demonstra o nível de realização pessoal no trabalho.

Gráfico 3: Realização pessoal no trabalho Fonte: Pesquisa



De acordo com o Gráfico 3, realização pessoal no trabalho, 31,08% responderam que nunca, 20,81% uma vez ao ano ou menos, 12% uma vez ao mês ou menos, 8,12% algumas vezes a mês, 6,75% uma vez por semana, 17,57% algumas vezes por semana e 13,52% todos os dias. 882

A falta de realização pessoal no trabalho constitui-se como a tendência desses profissionais a avaliar-se negativamente e, de forma especial, essa avaliação negativa afeta a habilidade na realização do trabalho e a relação com as pessoas que atendem. Os trabalhadores sentem-se descontentes consigo mesmos e insatisfeitos com seus resultados no trabalho. Portanto, de acordo com as questões realizadas em relação a está variável pode-se afirmar que grande parte dos profissionais não estão com sintomas relativos a está situação. Contudo devese evitar algumas situações de estresse, organizar o tempo de trabalho e outras áreas de vida e saber dar a devida importância a si próprio.

5 CONCLUSÕES O presente trabalho teve como objetivo geral identificar os fatores que desencadeiam a Síndrome de Burnout, como esses fatores manifestam-se e quais as vivências de sofrimento relacionada a esta síndrome na vida dos profissionais da educação da universidade ULBRA/Cachoeira do Sul. O estudo considerou as variáveis “Exaustão Emocional”, “Despersonalização” e “Realização Pessoal no 883

Trabalho”, buscando assim, responder o problema de pesquisa proposto: Que fatores desencadeiam a Síndrome de Burnout, como esses fatores manifestam-se e quais suas implicações na vida dos profissionais da educação da universidade Ulbra Cachoeira do Sul? Assim, as conclusões são apresentadas conforme as variáveis do estudo, então na variável “Exaustão Emocional”, conclui-se que os professores da ULBRA/ Cachoeira do Sul, não apresentam nenhum problema como esgotamento, falta de energia para enfrentar projetos, falta de motivação e incentivo. Alguns resultados pouco negativos, mas que podem ser considerados normais para uma profissão exclusivamente voltada para a transmissão de conhecimentos e experiências. De acordo com a variável “Despersonalização”, verificou-se que alguns profissionais encontram-se menos flexíveis e emocionalmente abalados, com alguns riscos de desenvolverem frustração e podendo ter um baixo desempenho humano perante suas atividades. A formação docente é considerada uma das profissões de mais risco emocional, de maior estresse. Esta afirmativa tem como fundamento os resultados de pesquisas realizadas recentemente, sendo identificados estressores que contribuem para tornar as 884

condições de trabalho dos professores inadequadas para a saúde, segurança e qualidade de vida. Segundo a variável “Realização Pessoal no Trabalho”, constatou-se que os professores têm facilidade de assimilar o que seus alunos necessitam, e assim conseguem criar uma atmosfera tranquila. Neste caso o processo de esgotamento profissional analisado, caracteriza-se pela “captação” e pela “fusão” do psíquico individual ao ideal organizacional. Um importante aspecto nesta hipótese sobre este processo de queima de energias é que, no momento em que se fala de “captação” e de “fusão” se enfatiza a existência de um processo. O funcionamento psíquico torna-se, constituído pelo modelo funcional prescrito pela organização de trabalho, com suas exigências, e cada vez mais, o profissional passa a funcionar de acordo com o modelo da sua organização. Essa hipótese permite considerar a existência de um processo de distanciamento entre o que o sujeito projeta e deseja para si e aquilo que a organização deseja ou exige que o sujeito seja e faça. Desde a Teoria das Organizações, Burnout é entendido como consequência de um desajuste entre as necessidades do trabalhador e dos interesses da empresa. 885

Por fim, recomenda-se, primar por uma ação mais humanística permeando a complexibilidade do sistema educacional, em específico, ao sistema universitário. Criar ações e reuniões informais, aonde os profissionais possam interagir entre eles, criando um atmosfera, viagens motivacionais etc. Só assim, será possível proporcionar o devido suporte para que esse trabalhador acredite e prossiga com seus projetos, sinta-se realizado pessoal e profissionalmente. É importante ressaltar que o presente trabalho não teve o objetivo de esgotar o assunto sobre os temas aqui tratados, sendo que esta área possui uma inesgotável fonte de informação. Sugere-se a realização de estudos qualitativos sobre a Síndrome de Burnout, visando identificar comportamentos, motivações e valores desses indivíduos.

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INDISCIPLINA E VIOLÊNCIA NA ESCOLA

CONVIVÊNCIA ESCOLAR E A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO DIÁLOGO RESTAURATIVO Ana Cristina Fabianovicz SEEDPR [email protected]

Este artigo traz uma reflexão a respeito da utilização da prática pedagógica do diálogo restaurativo na forma de educação entre pares na transformação da convivência escolar. O objeto estudado, portanto, é a utilização do diálogo restaurativo na convivência escolar. O trabalho se justifica pela percepção da convivência escolar como a interação entre alunos diferentes, a efetivação do diálogo restaurativo como prática pedagógica transformadora é um instrumento eficaz no compartilhar de significados que permeiam as relações interpessoais. Buscou-se o conceito de convivência em Garcia (2014) entendido como o compartilhar de condições que 889

sustentam a vida, em Dubet (2002) o conjunto de elementos que compõem a convivência escolar e em Jares (2008) a ideia de escola como artífice cultural. Em Wachtel (2013) o entendimento de que a utilização de práticas restaurativas na escola gera um impacto cumulativo e criam o que pode ser descrito como um meio restaurador, um ambiente que promove a consciência de forma consistente, a empatia e responsabilidade. Em Rogers (1973) entender a aprendizagem envolvida em um compartilhar de significados que permeiam as relações interpessoais. O diálogo restaurativo possui fundamento na justiça restaurativa e visa a restauração das relações, para Zehr (2008), enfatiza a dignidade, uma visão do bem e de como os indivíduos estão interligados, isto é, o que as pessoas fazem afeta todas as outras pessoas e vice versa. Assim, o diálogo na forma da educação entre pares apresenta a perspectiva de um sistema ético de valores universais. Utilizou-se a análise textual discursiva como método, como resultado da pesquisa percebeu-se que, o eixo de transformação da convivencia é a comunicação entendida como diálogo restaurativo. Palavras-chave: Educação. Convivência. Prática restaurativa.

Introdução 890

As condições organizativas do trabalho docente presentes nas relações entre professores e alunos, as formas de comunicação, os aspectos afetivos e emocionais, as dinâmicas das manifestações na sala de aula fazem parte da convivência escolar, de modo que, as relações de troca entre pessoas, envolvem representações repletas de valores e significados que atingem a subjetividade dos indivíduos. Neste artigo estudamos a maneira pela qual a convivência escolar pode ser transformada, através da utilização da prática pedagógica do diálogo restaurativo na forma de educação entre pares. Para isso, utilizamos de análise textual discursiva dos diversos autores que tratam do tema. Na primeira parte apresentamos o conceito de convivência em Garcia (2014), em Dubet (2002) o conjunto de elementos que compõem a convivência escolar, estudamos em Thorsborne (2005) a convivência como cultura escolar, e em Jares (2008) a ideia de escola como artífice cultural. Na segunda parte exploramos em Wachtel (2013) o entendimento de que a utilização de práticas restaurativas na escola gera um impacto cumulativo e criam o que pode ser descrito como 891

um meio restaurador, um ambiente que promove a consciência de forma consistente, a empatia e responsabilidade. Na terceira parte, estudamos Rogers (1973), Thorsborne e Cameron (2001), Timmermans (2013) para entender como a convivência escolar pode ser transformada através de uma aprendizagem mais socialmente útil. No mundo moderno o próprio processo de aprendizagem é uma contínua abertura à experiência e à incorporação da mudança. A convivência escolar aponta para a interação entre alunos diferentes e a probabilidade de aferição dos conflitos no âmbito da experiência vivida é inerente a toda forma de vida em sociedade, sendo assim, a prática pedagógica não deve simplesmente reproduzir um modelo, mas auxiliar na resolução de situações e, em alguns casos, criar, reinventar soluções.

Convivência escolar A educação como ato social pressupõe o educar para o coletivo. Dessa forma, a convivência relaciona-se com a cultura escolar na medida em que implica em pensar em transformações de condutas e de valores sociais que reconheçam o adolescente como protagonista de sua própria 892

história, procurando canalizar construtivamente suas energias como agente de mudança pessoal e social. O termo convivência pode ser entendido como o compartilhar de condições que sustentam a vida (GARCIA, 2014), nesse sentido, envolve relações de interação e troca entre pessoas, no caso da convivência escolar, podem ser entendidos como a comunidade escolar, quais sejam: professores, alunos, funcionários, pais e responsáveis, administração. Além de relações interpessoais, a convivência escolar envolve elementos de representações e significados, valores de liberdade e respeito, bem como identidade e subjetividade. Dubet (2002, p. 104) entende que o conjunto de elementos que compõem a convivência escolar visam a três objetivos: uma socialização para a interiorização de uma disciplina escolar, uma aprendizagem de conhecimentos e saberes e uma subjetivação das crianças que deve se desenvolver na escola. Significa dizer que, os atores envolvidos no ambiente escolar devem estar atrelados a esses elementos e o trabalho de integração é essencial na construção da atividade profissional de educar e aprender. O processo formal de escolarização começa, 893

segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na primeira infância (0 a 6 anos). É nessa etapa da vida que a criança começa a adquirir e desenvolver habilidades e competências que serão pré-requisitos para seu desempenho escolar. A ausência dessa oportunidade irá marcar o futuro escolar da criança/adolescente, como desvantagem. Os processos educacionais e, nesse contexto, a educação formal, ampliam a capacidade do sujeito de posicionar-se frente aos desafios, de se relacionar melhor com os eventos que envolvem a sua vida, fortalecendo os recursos internos na construção e realização dos seus objetivos (projeto de vida). A convivência deve ser o elemento de ligação entre as relações sociais dos indivíduos, segundo Jares (2008, p. 25) é possível considerar que ao longo da vida, os indivíduos experimentem diversas maneiras ou modos de conviver. Para Jares (2008, p. 26) o sistema educacional é o segundo grande âmbito de socialização em nossa sociedade, para o autor a escola como artífice cultural, gera ritos que deixam vestígios na convivência. Através de estratégias educacionais, dos formatos organizativos e estilos de gestão, do modelo de professorado e de avaliação, entre outros fatores, os professores estimulam 894

determinados modelos de convivência. Quanto a escola como artifice cultural entendese que a gestão da cultura (e, portanto, mudança de cultura) no dizer de Thorsborne (2005, p. 4) refere-se ao gerenciamento de mensagens. Isto é, é preciso estar atento as ações da equipe administrativa e daqueles considerados entre o grupo de liderança, pois, enviam mensagens para as pessoas sobre o que é esperado em torno da escola. No caso de práticas restaurativas, Thorsborne (2005, p. 3) descreve que devem se concentrar na qualidade das relações entre todos os membros da comunidade escolar. Reparar danos implica em aprender com a experiência que levou ao conflito e examinar atitudes, crenças e comportamentos que contribuíram para isso. Este desafio de mentalidades é onde começa a verdadeira mudança de cultura. Entender a educação como uma ferramenta para a convivência democrática, no dizer de Raga e Martin (2011, p. 531) passou de uma questão pedagógica, para se tornar um desafio educacional de primeira ordem. À educação cabe a construção de uma cidadania participativa, crítica e responsável, além de capacitar centros escolares como locais ideais para a aprendizagem 895

dos valores democráticos, o novo currículo definido pelo ensino deve ser baseado no desenvolvimento de competências de base, que é uma profunda reavaliação dos elementos da cultura escolar.

A prática restaurativa na Escola As ações educativas exercem uma influência edificante sobre a vida do adolescente de modo que, preparar os jovens para o convívio social implica na elaboração de objetivos e critérios metodológicos próprios de um trabalho social reflexivo, crítico e construtivo, mediante processos educativos orientados a transformação das circunstâncias que limitam a integração social, a uma condição diferenciada de relações interpessoais, e, por extensão, à aspiração por uma maior qualidade de convívio social. Na Escola, as práticas restaurativas se realizam através de “Diálogos Restaurativos”, onde o educador é chamado de “educador entre pares”. No contexto de convivência escolar o educador entre pares é responsável por ajudar o grupo a desconstruir ideias preconceituosas e atitudes discriminatórias associadas às diversidades, além de desenvolver capacidades relativas à concentração, respeito, ausência de julgamento, 896

aceitação de valores e conceitos diferentes dos seus. A utilização de práticas restaurativas informais reduz drasticamente a necessidade de mais práticas formais demoradas, segundo Wachtel (2013, p. 9). O uso sistemático de práticas restaurativas informais tem um impacto cumulativo e cria o que pode ser descrito como um meio restaurador, um ambiente que promove a consciência de forma consistente, a empatia e responsabilidade de uma forma que é susceptível de provar muito mais eficaz para alcançar disciplina social do que a dependência atual de punição e sanções. De acordo com Brasil (2010, p. 19) este é um processo de ensino e aprendizagem em que adolescentes e jovens atuam como facilitadores de ações e atividades com e para outros adolescentes e jovens, ou seja, os pares. Esse termo veio do inglês peer educator e é utilizado quando uma pessoa fica responsável por desenvolver ações educativas voltadas para o grupo do qual faz parte. Quanto a organização de grupos de encontros na escola, Rogers (1973, p. 144) explica que quando é frutífera a experiência, ela toma caráter profundamente individual, do que resultam 897

comunicação mais direta pessoa a pessoa, auto compreensão extremamente acentuada, maior autenticidade e independência de cada um, crescente compreensão e aceitação dos outros. Embora reste muito a aprender sobre a experiência intensiva de grupo, em todas as suas formas, dá se como certo que ela ajuda a criar na maior parte dos membros do grupo atitudes que, entre outras coisas, são capazes de conduzir à aprendizagem experiencial. As razões por se optar pelo diálogo restaurativo na educação entre pares dizem respeito ao modo como jovens conversam de “igual para igual” com seus pares sobre diferentes assuntos, e o conhecimento que têm na própria comunidade em que vivem. Sendo assim, conhecem a realidade dos outros adolescentes e jovens e organizam atividades mais próximas da cultura local. Ainda, um programa de educação entre pares faz parte de uma iniciativa mais ampla, envolvendo muitas organizações, setores, órgãos públicos e agências internacionais. Sellman (2011, p. 13) cita estudos de Bernstein para explicar que a teoria de transmissão cultural é útil na elucidação deste processo: na atividade tradicional, a arbitragem do professor, é caracterizada por “classificação e enquadramento”, onde são aplicadas regras e 898

sanções rígidas, as relações entre os indivíduos são claramente definidas (árbitro e arbitrado) e a estrutura de comunicação revela o poder de um para o outro. Por outro lado, quando a classificação e enquadramento ocorre entre partes iguais, horizontalmente relacionados, esses acordam uma solução entre si. A atividade inovadora de mediação de pares representa uma média entre estas abordagens contrastantes. Pode-se compreender a transformação da atividade tradicional como um processo em que há abandono de algum poder do professor para os alunos e, consequentemente, um enfraquecimento da ‘classificação e enquadramento “entre os dois grupos. Para Garcia (1999. p. 106) o ambiente escolar deve ser verdadeiramente humano no sentido de constituir um espaço democrático onde se cultiva o diálogo e a afetividade, em que se pratica a observação e garantia dos Direitos Humanos. Nessa perspectiva, a situação de aprendizagem aponta a interação entre alunos diferentes, para aumentar a probabilidade de aferição dos conflitos no âmbito da experiência vivida, favorecendo sua conscientização. Conhecer as estruturas de poder, os espaços de decisão e os mecanismos de participação e controle social é a essência da democracia. 899

Situações de risco são típicas nas instituições escolares e, soluções apontadas pelos círculos restaurativos que incluem toda a comunidade escolar e principalmente os jovens envolvidos, representam um instrumento valioso de intervenção social e um objetivo a ser perseguido, indicando a possibilidade de reparação, de solução de conflitos e de conciliação e reconciliação.

Transformando a Convivência escolar A utilização da prática pedagógica do diálogo restaurativo na forma de educação entre pares para a transformação da convivência escolar, deve orientar-se pelo respeito a diversidade como fator fundamental a um processo educacional de valor humano, a um processo de pedagogia que possa servir a inserção da pessoa em determinado grupo, ou mesmo ao reconhecimento de atos que afetaram as normas de convivência. Para Dubet (2002, p. 9) a socialização é um processo contínuo e toda atividade social, todo trabalho, daquele que participa da socialização dos indivíduos em sociedade, sua formação e transformação, deve resgatar a maneira de agir de cada um, sua identidade e, aquilo que se 900

considera como o eu mais profundo. Desobediência contínua, abuso verbal e agressão física são inaceitáveis, mas às vezes eles também são características de protesto. A forma como as escolas respondem a estes incidentes é uma importante oportunidade para os jovens aprenderem a responder de forma adequada e eficaz para o conflito. Garcia (2007, p. 7133) orienta que as expressões de indisciplina estariam comunicando uma insatisfação em relação a práticas mais centradas nos professores. Isto é, a indisciplina seria a resposta a práticas onde a participação dos alunos estaria restrita a mera obediência a imposição às normas de conduta. A participação das práticas restaurativas na convivência escolar deve ser um processo educativo e participativo. Quanto maior a participação de todos, maior o conhecimento adquirido e, com isso, é maior a possibilidade de mudanças. Nessa situação, o educador aprende a utilizar vários conhecimentos na organização de uma ação na comunidade; a tomar iniciativas e, sobretudo, a comprometer-se consigo mesmo e com a realidade à sua volta. Para Brasil (2014, p. 23) a disciplina restaurativa não nega as consequências do mau 901

comportamento; ao contrário, ela busca levar ao jovem a compreensão do dano causado por suas ações e, como combina alto controle e apoio, ela leva o jovem a reflexão. Por isso, práticas restaurativas fundadas no diálogo desenvolvem no jovem o pensamento crítico, as habilidades para solucionar problemas, a assertividade, a empatia pelos outros e a solução de problemas através de processos de cooperação, ao contrário dos métodos punitivos que pouco fazem para reduzir a reincidência ou os comportamentos negativos na escola. De acordo com Varnham (2005, p. 89) mediação pelos pares pode ser considerado como a oferta de uma abordagem positiva a problemas de conflito entre alunos nas escolas . A lógica por trás da mediação entre pares é a de capacitar os alunos para trabalhar as diferenças de forma construtiva e de trabalhar em prol de soluções por conta própria e não através dos mecanismos disciplinares da escola. Para Thorsborne e Cameron (2001, p. 183) planos de gestão de comportamento da escola têm se concentrado em grande parte, no que deve acontecer para infratores quando as regras (escolares) estão quebrados, com apenas limitada compreensão do impacto sobre aqueles na comunidade escolar do comportamento ofensivo. 902

A prática restaurativa no ambiente escolar, vê a falta, não como regra-escola-quebra, e, portanto, uma violação da instituição, mas como uma violação contra pessoas e relacionamentos na escola e mais ampla, na comunidade escolar. Para Timmerman (2013, p. 15), superar crises , transformando em “oportunidade”, procurar continuamente maneiras de resolver conflitos, pode se tornar uma prática básica, estabelecendo este tipo de treinamento nos programas escolares; materializando o aprender de competências sociais e cívicas na escola podendo ancorar no sistema escolar a longo prazo. Assim como para Rogers (1973, p. 152), a aprendizagem mais socialmente útil, no mundo moderno, é a do próprio processo de aprendizagem, uma contínua abertura à experiência e à incorporação, dentro de si mesmo, do processo de mudança. Portanto, na medida em que a juventude sempre procurou ocupar espaços de diversas formas, reivindicando para si a participação como um direito, articular práticas de diálogo restaurativo na convivência escolar através da implantação de uma política pública que melhore a convivência em ambiente escolar, é estratégia para ampliar o alcance do conhecimento das origens dos 903

problemas, bem como, das alternativas para solucioná-los.

Considerações finais A convivência escolar revela que a mudança na prática docente pede a articulação do trabalho pedagógico com outras formas de luta, outros enfoques no sentido da transformação social pois, uma das maiores tarefas colocadas atualmente para a sociedade no seu conjunto é conseguir articular uma efetiva visão de futuro positiva para a juventude. Nesse sentido, a finalidade maior do processo educacional é a realização do cidadão. A escolarização contribui para o desenvolvimento de habilidades e competências para a participação nos processos de geração de bens e serviços na vida coletiva. A utilização de práticas restaurativas nas escolas é muito mais do que conferência de uma falta grave. A comunidade escolar tem a longo prazo relações profundas entre todos os seus membros que precisam coexistir de uma forma saudável para que os resultados de aprendizagem sejam cumpridos. Isso requer uma série de processos proativos e reativos que fortaleçam relacionamentos, que transformem a abordagem 904

relacional para resolução de problemas. A implementação do diálogo, na forma de educação entre pares propõe o compartilhar da existência sob o paradigma da restauração, descreve a maneira pela qual o aluno pode tornarse ser humano auto determinado, agente de sua própria história, capaz de solidariamente construir o seu destino. O diálogo restaurativo possui fundamento na justiça restaurativa e visa a restauração das relações, fato que, para Zehr (2008, p. 265) enfatiza a dignidade, uma visão do bem e de como os indivíduos estão interligados, isto é, o que as pessoas fazem afeta todas as outras pessoas e vice-versa. Assim, o diálogo na forma da educação entre pares apresenta a perspectiva de um sistema ético de valores universais. Seguindo os objetivos propostos por Dubet (2002, p. 104) a efetivação do diálogo restaurativo como prática pedagógica transformadora é um instrumento eficaz no compartilhar de significados que permeiam as relações interpessoais. A utilização de meios de socialização para a interiorização da disciplina escolar, a aprendizagem de conhecimentos e saberes e o desenvolvimento da subjetivação das crianças fazem parte da construção de rituais de 905

convivência e do compromisso com a elaboração de respostas aos conflitos e melhoria da qualidade da participação dos elementos que compõem a comunidade educativa.

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IMPORTÂNCIA DA DISCIPLINA NO PROCESSO FORMATIVO DAS CRIANÇAS

Ana Lúcia de Aráujo Claro UTP [email protected]

O presente trabalho apresenta uma discussão teórica em torno da construção da disciplina escolar no âmbito da Educação Infantil, e tem como propósito analisar algumas perspectivas sobre a disciplina naquele nível de ensino. Este estudo é um recorte da pesquisa de mestrado intitulada “Uma investigação sobre a indisciplina na Educação Infantil” que foi desenvolvida em 2014, com um grupo de professoras que atuavam na região metropolitana de Curitiba com crianças na faixa etária de 4 a 5 anos .O estudo deste conceito se justifica por ele estar relacionado a um dos conceitos centrais da pesquisa que é a indisciplina escolar. Conforme, Garcia (2010, p.5),“ a disciplina e indisciplina estão relacionadas ao tecido das relações em sala de aula”. A metodologia escolhida foi à revisão teórica dos autores que discutem a temática trabalhada. 909

Inicialmente, aborda o conceito de disciplina, o qual é apresentado a partir de algumas perspectivas teóricas, buscando, assim, entender a sua importância no processo educativo.Em seguida exploramos a proposta de DeVries e Zan (1998) que sugerem a disciplina numa perspectiva construtivista. O referencial teórico baseia-se nos estudos de DeVries e Zan (1998), Frazatto (2011), Freinet (1996) e Montessori (1965), Vinha (2009) entre outros. Os estudos realizados sugerem que é possível construir uma disciplina autônoma, que implica levar em consideração a participação das crianças sobre as questões das normas, das regras, dos combinados que são estabelecidos em sala de aula. Entretanto, para que as crianças tornem protagonista nesta construção da disciplina implica também rever a prática pedagógica dos professores, bem como as relações que são tecidas entre a criança e o adulto, uma vez que há uma necessidade de estabelecer uma relação de respeito às vozes das crianças, nesta construção da disciplina. Palavras-chave: Educação. Educação Infantil. Disciplina.

Introdução 910

O presente trabalho apresenta uma reflexão teórica sobre disciplina escolar no contexto da Educação Infantil. A construção da disciplina neste ambiente educativo é vista como um elemento indispensável para que as crianças possam construir a noção de regras e o senso de limites. Para tanto, faz-se necessário que ela seja educada em um ambiente de respeito mútuo. Além disso, “é preciso que a criança tenha a oportunidade de participar da elaboração das regras, que possa discutir estabelecer relações, tomar decisões e assumir pequenas responsabilidades”. (VINHA, 2009, p. 19). Assim, ao proporcionar esse momento de participação as crianças estarão aprendendo a desenvolver a autonomia. Tendo em vista como afirma Vinha “autonomia não é mesmo que individualismo, ou liberdade para fazer o que se quer; significa coordenar os diferentes fatores relevantes, para decidir qual o melhor procedimento” (p. 19). Portanto, neste artigo inicialmente, aborda o conceito de disciplina, o qual é apresentado a partir de algumas perspectivas teóricas, buscando, assim, entender a sua importância no processo educativo. Em seguida exploramos a proposta de DeVries e Zan (1998) que sugerem a disciplina numa perspectiva construtivista. As autoras 911

propõem algumas diretrizes que podem auxiliar o trabalho dos professores que trabalham com a Educação Infantil. Finalizando estas discussões apresenta as considerações sobre a questão da disciplina escolar no ambiente da Educação Infantil.

Explorando o conceito de disciplina

Alguns pesquisadores que investigam a Educação da Infância questionam o modo como a disciplina tem sido trabalhada no ambiente escolar. Na obra de DeVries e Zan (1998), A Ética na Educação Infantil, há reflexões importantes sobre a disciplina na perspectiva construtivista. Essas autoras destacam como um dos aspectos que deve ser levado em consideração na construção da disciplina é o ambiente em sala de aula a partir de uma acepção social e moral, enfatizando-o como elemento fundamental na construção da disciplina e, consequentemente, no desenvolvimento moral e social das crianças. As autoras também sugerem alguns princípios que podem nortear a construção da disciplina, não de forma autoritária, ou pelo, “disciplinamento dos corpos”, mas numa perspectiva de construir a disciplina com as crianças por meio de um 912

ambiente de acolhimento, de cooperação e respeito sobre as potencialidades das crianças. Outra perspectiva interessante sobre a importância do ambiente em sala de aula, para o desenvolvimento integral da criança, bem como para a construção da disciplina, encontramos nos estudos do educador Célestin Freinet (1996). Para esse autor, o meio desempenha um papel fundamental para o êxito da aprendizagem, sendo assim o mesmo deve ser atraente para despertar na criança a busca, o desejo pelo conhecimento. Portanto, se esse meio for assim, a construção da disciplina acontecerá de forma espontânea, não como uma imposição. Para isso, o professor precisaria refletir e analisar que tipo de clima está se estabelecendo em sua sala de aula e como isso acontece: Se você conseguir transformar assim o clima da sua aula, se você deixar desabrochar a atividade livre, se souber dar um pouco de calor no coração, como um raio de sol, que desperta a confiança e a esperança, você ultrapassará a corvéia de soldado e o seu trabalho renderá cem por cento. (FREINET, 1996, p. 20).



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O clima na sala de aula, na perspectiva freinetiana, constitui-se um elemento imprescindível na relação do adulto com a criança. Dessa forma, necessitamos educar as crianças numa perspectiva mais humana, numa relação em que a atmosfera da sala de aula seja pautada no respeito pelo que elas podem fazer a cada momento. Conforme argumenta Freinet, o educador tem uma tendência de não esperar o tempo e o ritmo da criança e acaba agindo com elas como se fossem adultos, devendo observar que “o adulto caminha apressado, sem reparar na criança a seu lado que tem de dar três passos enquanto ele dá um” (FREINET, 1996, p. 23). Segundo o autor, ainda se exige das crianças as mesmas possibilidades e conhecimentos iguais aos de um adulto. Entretanto, é necessário conhecer quem é essa criança que propomos educar e que compreensão se tem sobre a infância: Se você não voltar a ser como uma criança [...] não entrará no reino encantado da pedagogia [...]. Ao invés de procurar esquecer a infância, acostumese a revivê-la; reviva-a com os alunos, procurando compreender as possíveis diferenças originadas pela diversidade de meios e pelo trágico dos

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acontecimentos que influenciam tão cruelmente a infância contemporânea. Compreenda que essas crianças são mais ou menos o que você era há uma geração. Você não era melhor do que elas, e elas não são piores do que você: Portanto, se o meio escolar e social lhes fosse mais favorável, poderiam fazer mais do que você, o que seria um êxito pedagógico e uma garantia de progresso. (FREINET, 1996, p. 23).



Dessa maneira, compreender como essa criança interage nesse meio pode ser um caminho para trabalhar a questão da disciplina. Assim, a criança precisa sentir-se livre para que possa desenvolver sua autonomia. Para Freinet, as atividades para as crianças devem despertar desejos, cuja melhor técnica é “aquela que incita as crianças a se exprimirem pela palavra, pela escrita, pelo desenho, pela gravura” (FREINET, 1996, p. 24). De acordo com este autor, é importante oferecer atividades que despertem e façam florescer, o entusiasmo pelo conhecimento como um desejo inusitado. Tal postura pode contribuir para que a disciplina aconteça de forma espontânea, colaborando, desse modo, para que 915

ocorra uma “disciplina cooperativa do trabalho” (p. 110). Segundo Freinet, a disciplina quando trabalhada de forma rígida pode dificultar o desenvolvimento da autonomia da criança, pois o que se considera é a obediência, o silêncio em sala de aula. Assim sendo, o desejo de disciplina passa pela forma como se organizam as atividades para as crianças, sendo que estas devem despertar o entusiasmo, a curiosidade, pois elas ficam mais concentradas: [...] quando estão compondo ou imprimindo o jornal de classe. Decorando a sala de aula, fazendo cerâmica, definindo o plano de trabalho, fazendo recorte ou montagens elétricas. Então você poderá sentir como e quando a noção de disciplina muda de sentido. (FREINET, 1996, p. 110).



Na perspectiva de Freinet (1996, p.110), a disciplina é concebida como uma forma de organização cooperativa, de liberdade, de expressão, de pensamento e de ação. Para esse autor, disciplina consiste em organizar atividades que despertem na criança o desejo pelo conhecimento, por meio de um trabalho organizado que estimule a vontade para 916

aprender.Nesse sentido, a escola desempenha um papel fundamental para a construção da disciplina. Portanto, nesse ambiente educativo: [...] deve-se conservar ordem, disciplina, autoridade e dignidade, mas ordem que resulta uma melhor organização do trabalho, a disciplina que se torna solução natural de uma cooperação ativa no seio de uma sociedade escolar, a autoridade moral primeiro, técnicas e humanas depois, que não se consegue com ameaças ou castigos, mas por um domínio que leva ao respeito; a dignidade de nossa função comum de professores e de alunos, a dignidade do educador que não se pode conceber sem o respeito total pela dignidade das crianças que ele quer preparar para a função de homens. (FREINET, 1996, p. 92).



Outra importante contribuição sobre disciplina, bem como a respeito do papel do professor na construção desta, é encontrada na obra Jean Piaget (1977), O julgamento moral da criança. Embora não trate desta questão especificamente, 917

o autor abre um parêntese e apresenta uma valiosa contribuição sobre a importância da disciplina no processo formativo das crianças, e afirma que o professor é [...] um colaborador mais velho e se tem envergadura para isto, deve ser um simples companheiro para as crianças. Só então surgirá a verdadeira disciplina, consentida e desejada pelas próprias crianças. [...] É verdade que o problema da disciplina é solidário de toda a questão da educação funcional. Só concebemos uma disciplina autônoma e interior numa classe escolar à medida que o trabalho admite a maior parte de iniciativa e de atividade espontânea por parte da criança. (PIAGET, 1977, p. 314-315).



Piaget, em sua argumentação, instiga-nos a refletir como estamos construindo disciplina com as crianças e ainda sugere que seja construída uma disciplina autônoma, fruto de um trabalho que desperte o interesse da criança. Tal pensamento de Piaget é convergente com as perspectivas de disciplina defendida tanto por, Freinet (1996) como 918

por Montessori (1965). Portanto, ao discutirmos sobre disciplina, não poderíamos deixar de registrar a importância da obra de Maria Montessori, considerando-a como uma das maiores educadoras do século XX. Para Montessori (1965, p. 287), a disciplina é fruto de um trabalho espontâneo em que cada criança se envolve, por meio de interesse e da vontade. Logo, a criança disciplinada não seria aquela, obediente, mas é uma criança que evoluiu que conseguiu transpor os limites próprios de sua faixa etária. Ou seja, é uma criança que se sente entusiasmada no espaço escolar, que compartilha algo extraordinário com outras crianças, alegra-se com o progresso alheio, não dando espaço para disputa entre elas, pois há um clima de harmonia e de liberdade para aprender, há cumplicidade e respeito entre crianças e professores. A disciplina de acordo com esta autora não deve surgir a partir de ordens ou de discursos, pois tal postura evidencia uma falsa ilusão de obediência, uma vez que “não é com palavras que se obtém a disciplina: o homem não se disciplina só com ouvir outros falarem: a preparação exige a aplicação integral de um método de educação” (MONTESSORI, 1965, p. 285). A autora ainda postula que a disciplina:

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[...] nascerá quando a criança concentrar a sua atenção no objeto que a atrai e permite não só um útil exercício, mas a verificação do erro. Graças a estes exercícios, cria-se uma admirável coordenação individual infantil, pela qual a criança se torna calma, radiosamente feliz, ocupada, esquecida de si, por conseqüência, indiferente aos prêmios ou recompensas materiais. (MONTESSORI, 1965, p. 218).



Segundo Montessori, a verdadeira disciplina surge a partir do interesse, das atividades com as quais as crianças são envolvidas, pela forma como elas são apresentadas e trabalhadas. Assim, “quando uma criança toma interesse pelo trabalho, à expressão de seu semblante, a atenção, a constância de seu exercício, comprova sua aplicação. Esta criança acha-se no caminho da disciplina” (MONTESSORI, 1965, p. 285). Desse modo, a disciplina, para Montessori, manifesta-se como consequência de um trabalho bem feito, organizado, que estimule e desperte a vontade das crianças em realizar as atividades propostas. 920

Montessori (1965) destaca ainda que o êxito da disciplina em sala de aula está associado à forma como ela é desenvolvida com as crianças. Por isso, não deve ser trabalhada de forma arbitrária, mas como meio para que a criança desenvolva sua autonomia. Nesse sentido, para que a criança siga esse caminho com êxito, precisará da ajuda do professor que deve orientá-la, educá-la, não de forma autoritária, rígida, com um controle disciplinar, mas entender que “uma simples ordem não pode regular o sistema psicomuscular de um indivíduo em vias de evolução” (MONTESSORI, 1965, p. 286). Assim, para que o professor desenvolva disciplina em sala de aula precisa considerar que, ao se tratar de uma criança pequena, necessita “ensiná-la a coordenar todos os movimentos, analisando-os e desenvolvendoos paulatinamente” (MONTESSORI, 1965, p. 286). Entretanto, isso requer paciência para acompanhar e respeitar o tempo e o espaço em que a criança vivencia suas experiências educativas, além de refletir sobre que ponto de vista o adulto olha para criança. Montessori (1965), ao analisar a postura que os adultos têm perante a criança, argumenta que sempre olhamos sob nosso ponto de vista e não sob a perspectiva da criança, segundo essa autora, há situações que não ajudamos a criança 921

a desenvolver sua autonomia, pois o adulto tem uma tendência de realizar coisas que deveriam ser feitas pelas crianças, então: [...] vestimos e lavamos a criança, tiramos-lhes das mãos objetos, que elas gostam de pegar, damos lhe de comer. E depois disto, tachamo-las de incapazes. Achamos que são impacientes, quando fomos nós que não tivemos paciência de esperar que seus gestos obedecessem às leis do tempo, diferentes das nossas; julgamoslas tirânicas, quando, na realidade, nós agimos tiranicamente com relação a elas. (MONTESSORI, 1965, p. 291).



Tal postura do adulto ou do professor em relação à criança não contribui para o seu desenvolvimento cognitivo, moral e social. Essa forma autoritária, disciplinadora, impede a liberdade de pensamento da criança, além de produzir um sentimento de incapacidade e de baixa autoestima, uma vez que é necessário como sugere a autora respeitar o seu tempo, seu ritmo. A criança, segundo a autora, se encontra em 922

pleno desenvolvimento, mas necessita que o adulto a acolha como um “ser” que está em constante transformação. (MONTESSORI, 1965, 287). A disciplina na perspectiva de DeVries e Zan (1998, p. 193), não deveria ser vista ou trabalhada no ambiente escolar como uma forma de controlar e de punir as crianças. Para elas, essa questão disciplinar é analisada sob outra perspectiva, que é trabalhar “com as crianças enquanto elas constroem gradualmente suas próprias convicções sobre as relações com outros” (p. 193). Para isso, o papel do professor é fundamental para observar como as crianças vão se desenvolvendo na interação com seus pares. Assim, o professor deve “desenvolver estratégias para o manejo de uma classe de crianças e lidar com inevitáveis rupturas na cooperação” (DEVRIES; ZAN, 1998, p. 193). Diante disso, faz-se necessário que o professor esteja atento a esses momentos de ruptura e de cooperação, os quais devem ser vistos como um acontecimento natural dessas relações sociais, caso contrário, poderá assumir posturas coercitivas de controle que irão impedir a criança de desenvolver sua autonomia. Com isso, a compreensão desse processo deve propiciar um ambiente de aula em que a criança sinta-se 923

estimulada a participar de forma cooperativa, principalmente na construção das regras, uma vez que “as regras sociais construídas pelas próprias crianças estão enraizadas em suas experiências pessoais no dia-a-dia” (DEVRIES; ZAN, 1998, p. 193). A disciplina, portanto, é vista pelas autoras em uma perspectiva de cooperação, em que o professor leva em conta o ponto de vista da criança: “isto é, o professor estabelece uma atmosfera na qual as crianças sentem que o professor preocupa-se com elas, gosta quando estão juntos e as respeita, levando seus sentimentos, interesses e ideias em consideração” (DEVRIES; ZAN, 1998, p. 194). Assim, a atitude do professor, numa postura de “cooperar”, pode ser uma alternativa para trabalhar de forma ativa e dinâmica a disciplina na Educação Infantil, sobretudo na construção das regras sociais e morais com seus pares. Tendo em vista que esse momento de socialização pode ser revelador para observar e “ajudá-las a controlar seus impulsos, pensar além do aqui e agora, tornarem-se capazes de refletir sobre as consequências de suas ações, isso envolve o descentramento necessário para considerar visões e sentimentos de outros” (DEVRIES; ZAN, 1998, p. 194). Nesse sentido, deve se oferecer um ambiente que acolha e promova a participação e a 924

cooperação das crianças nas atividades propostas que envolvam a construção das regras, dos combinados para que aos poucos elas vão desenvolvendo a auto-regulagem.

Diretrizes alternativas construtivista para trabalhar a disciplina na sala de aula.

De acordo com DeVries e Zan (1998), é preciso que o professor propicie um ambiente social e moral em que as crianças vejam as consequências de suas ações de maneira mais positiva e não como uma forma punitiva. Dessa forma, o ambiente escolar “mais desejável é aquele que promove em termos ótimos o desenvolvimento da criança-social, moral, afetivo e intelectual” (p. 13). Assim, as autoras sugerem algumas diretrizes, alternativas construtivistas para se trabalhar a disciplina em sala de aula no ambiente da Educação Infantil: 1 – Evite sanções expiatórias ou de punição – Do ponto de vista do desenvolvimento psicológico da criança, as punições são arriscadas e estão mais propensas a ser contraprodutivas, se o adulto deseja

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promover o desenvolvimento moral da criança. 2 – Encoraje a apropriação das consequências lógicas pelas crianças. O professor pode ajudá-las a se conscientizarem de um problema, garantir que as crianças concordam e realmente acreditam na existência do problema e pedir-lhes opiniões acerca do que fazer sobre o problema, com uma ênfase na prevenção de ocorrências futuras. 3 – Quando as crianças sugerem uma consequência demasiadamente severa, peça para quem errou dizer como se sente e apóie este sentimento. Ao consultar as crianças sobre consequências, o professor deve estar preparado para sugestões expiatórias (punitivas). 4 – Verbalize a relação de causa-efeito quando ocorrem consequências naturais. As crianças nem sempre percebem a conexão de causa-efeito, quando ocorrem consequências naturais. (Um tom casual e não crítico de voz evita a possibilidade de as crianças ouvirem isto como repreensão). 5 – Permita, seletivamente, a

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ocorrência de consequência natural. Muitas vezes, os professores impedem que as crianças sintam as consequências naturais e perdem uma oportunidade de que elas construam a relação entre ação e consequência. 6 – Ofereça oportunidades para a compensação. Significa que, no momento de um conflito com um colega de turma, é preciso oferecer à criança uma relação de ajuda e de autorrespeito para que ela possa reconhecer sua falta perante o colega. 7 – Quando a exclusão é utilizada, abra caminho para a readmissão. A exclusão como consequência jamais deve ser invocada pelo professor sem indicar como ou quando a criança poderá ser readmitida como participante do grupo. 8 – Quando as crianças excluem outra, ajude o excluído a encontrar um modo de reingressar na brincadeira e melhorar a relação com os componentes. O professor pode ajudar a criança excluída a encontrar um papel que será valorizado pelas outras crianças.

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9 – Evite consequências indefinidas. Uma consequência deve ser clara e definida, para que a criança saiba o que fazer para evitá-la no futuro e o que fazer para retratar-se quando ela for aplicada. (DEVRIES; ZAN, 1998, p. 200-205).

Segundo DeVries e Zan (1998), as diretrizes, ao serem efetivadas como alternativas para a construção da disciplina estimulam a autonomia das crianças, uma vez que as atividades que trabalham a “disciplina centram-se em estratégias de apoio à construção, pelas crianças, de convicções sobre o relacionamento cooperativo com outros” (DEVRIES; ZAN, 1998, p. 206). Conforme essas autoras, tais princípios têm como finalidade fazer com que as crianças sintam as consequências de seus atos, não de forma arbitrária e punitiva, mas sim numa perspectiva de construção e de cooperação mútua, de modo a desenvolver sua autonomia e contribuir para o desenvolvimento moral e social da criança. Entretanto, para que isso aconteça faz-se necessário que o professor reflita sobre a postura adotada em sala de aula no momento da construção da disciplina. Para estas autoras, o professor deveria assumir uma postura de cooperar juntos com as crianças, portanto, isso requer que nesse ambiente esteja presente o 928

respeito pelas crianças, segundo DeVries e Zan (2004, p. 54) “o respeito do professor pelas crianças é o ponto principal para a criação do ambiente seguro e confiável em que as crianças relaxam e buscam seus interesses intelectuais e sociais”. As autoras asseveram que é preciso que haja uma transformação básica na atmosfera da sala de aula, que significa sair da postura do autoritarismo para a cooperação, da abordagem do “faça o que eu digo” para o “vamos fazer juntos”. Adotando essa postura, “ele sai da condição de autoria da ação docente e cria um ambiente acolhedor” (p. 237). Para isso, o professor deve estar atento as suas ações, consultando as crianças e estimulando para que as mesmas participem ativamente da construção da disciplina. Frazatto (2011) também destaca a importância do ambiente em sala de aula e ressalta que trabalhar a disciplina com crianças em idade préescolar demanda “pensar na idade delas, em suas capacidades e como podemos organizar as atividades para que tenham maior participação e mais atenção” (p. 174). Assim, faz-se necessária uma preparação do ambiente em que as crianças serão educadas, uma vez que as crianças na faixa etária da EI ainda não conseguem ficar paradas por muito tempo. Ou seja, elas têm dificuldades de 929

ouvir longas explicações, fato que se justifica por estarem, conforme afirma Piaget (1977), no estágio pré-operatório, e sentem dificuldade por não conseguirem descentrar, isto é, ver o ponto de vista do outro. Conforme Frazatto o ambiente deve se constituir em um lugar acolhedor, em que as crianças sintam desejo, interesse em permanecer e em participar das atividades, as quais devem ser claras e objetivas, e voltadas a despertar o encantamento nas crianças. A autora ressalta que é importante que: [...] no dia–a-dia da creche e da pré-escola, procure organizar as atividades, buscando equilibrar os momentos de maior concentração e pouco movimento físico com aqueles mais agitados, em que a criança se movimenta mais livremente. [...] Caso contrário, estaremos contribuindo para que as crianças fiquem desatentas, bagunceiras, irritadiças. Em suma, só uma palavra: indisciplinadas. (FRAZATTO, 2011, p. 174).



Frazatto ainda destaca a relevância das atividades, devendo ser bem planejadas, 930

explicitadas, mostrando o que fazer e como fazer. Tal postura do professor propiciará a participação da criança na construção de regras. Ao partilhar dessa construção, ela começará a sentir-se parte desse grupo, desenvolvendo assim sua autonomia, além de aprender a comportar-se nos diversos momentos da rotina. Para a autora, as “regras são de fundamental importância para o desenvolvimento das atividades, pois é com o contato com elas que as crianças poderão se orientar e saber como devem agir nos diversos momentos de sua rotina” (FRAZATTO, 2011, p. 175). Porém, é importante que o educador compreenda os limites da criança no cumprimento das regras, pois é natural que ela expresse dificuldade. Para Frazatto (2011) respeitar o combinado é um exercício difícil até para os adultos, e para as crianças essa dificuldade pode ser maior, porque a criança “ainda está desenvolvendo essa habilidade de entender e respeitar regras de convivência social”. Portanto, trabalhar a disciplina na instituição de Educação Infantil requer como afirma esta autora um exercício longo de paciência, é preciso respeitar o tempo, o ritmo de cada criança.

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Considerações finais Os estudos aqui apresentados apontam a necessidade de trabalhar a disciplina com as crianças, numa perspectiva de cooperação, sobretudo, dar vozes as crianças para que elas possam contribuir na construção das regras, dos combinados em sala de aula. Além disso, existe outro aspecto que precisa ser revisto, que é a relação pedagógica que em algumas instituições ainda continuam centrada na ação do professor. Entretanto, defendemos uma relação pedagógica pautada no respeito pela as singularidades das crianças. Por fim, argumentamos que a disciplina na Educação Infantil deve ser trabalhada numa perspectiva de construção e de participação das crianças, e não de forma disciplinamento dos corpos, mas como sugere DeVries e Zan (1998), numa perspectiva de construir a disciplina com as crianças por meio de um ambiente acolhedor em que o clima de cooperação e de respeito mútuo esteja presente na ação docente. Portanto, a construção da disciplina na Educação Infantil se constitui como um elemento indispensável para o processo formativo das crianças, tendo em vista que é partir da Educação 932

Infantil, que as crianças começam a vivenciar suas primeiras experiências educativas. Assim sendo, é preciso como argumenta Vinha (2009) explicitar às crianças o porquê do cumprimento das regras, mesmo em se tratando de crianças tão pequenas, elas têm de aprender desde cedo à noção de limites.

REFERÊNCIAS DEVRIES, R.; ZAN, B. A ética na Educação Infantil: o ambiente sócio moral na escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. ______. O currículo construtivista na educação infantil: práticas e atividades. Porto Alegre: Artmed, 2004. FRAZATTO, L. Pensando a disciplina. In: ROSSETTIFERREIRA, M. C. et al. (Org.). Os fazeres da Educação Infantil. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2011. p. 174-176. FREINET, C. Pedagogia do bom senso. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996. GARCIA, J. Indisciplina e crise de confiança na relação professor-aluno. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO - SIEDUCA, 1 5. 2010, Cachoeira do Sul. Anais... Cachoeira do Sul: ULBRA, 2010. p. 1 -10. MONTESSORI, M. Pedagogia científica. São Paulo: Flamboyant, 1965. PIAGET, J. O julgamento moral da criança. São Paulo: Mestre Jou, 1977.

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VINHA, T. P. O educador e a moralidade infantil: uma visão construtivista. Campinas, Mercado das letras, 2009.

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ELEMENTOS DE CONVIVÊNCIA ESCOLAR NA AVALIAÇÃO ESCOLAR

Tatiana Laiz Freitas Fonseca Oliveira UTP-PR [email protected]

O presente artigo traz uma análise a respeito de como os processos de observação envolvidos no ato avaliativo afetam a convivência entre o professor e o aluno. O interesse por esta discussão surgiu a partir da realização do Curso de Mestrado, em que, ao pesquisar sobre a temática Práticas Avaliativas de Aprendizagem, dentre os vários aspectos relevantes observados, destacamos se há, efetivamente, elementos de convivência nas práticas avaliativas e como isto ocorre dentro da prática docente. Para essa finalidade, exploramos um conjunto de proposições conceituais encontradas nos textos de alguns dos principais teóricos da avaliação e da convivência escolar na atualidade. Dentre os pesquisadores, encontram-se os autores Vasconcellos (2009), Luckesi (2013), Díaz-Aguado (2005), Estrela (2002), Mendes (2012), entre outros. Dessa forma, exploramos a ideia de 935

avaliação através de um mapa de ideias derivado da literatura conceitual desta noção. Do mesmo modo, exploramos a ideia de convivência, para, no final, concluirmos que a essência da avaliação tem a ver com a observação, em que a coleta de informações deve ocorrer através de um processo interativo, por meio do qual os alunos e os professores aprofundam sua convivência escolar, durante o processo de avaliação e de construção do conhecimento. Assim, a observação deve ser um exercício na prática do docente, como parte integrante na relação professor-aluno, uma vez que ela tem o propósito da melhoria da aprendizagem através das relações, havendo, ainda, o fortalecimento da convivência professoraluno. A intervenção pedagógica humanizadora, como atividades, clima de aula, interesse, forma de organizar a turma em grupos, práticas de avaliação diferenciada, permitirá uma melhora relevante no processo de construção da aprendizagem. Palavras-chave: Convivência.

Educação.

Avaliação.



Introdução O processo de avaliação de ensino e de 936

aprendizagem são formas sofisticadas de observação, as quais ocorrem por meio da convivência entre professor aluno, que envolve interesse, atitudes e habilidades. Segundo Joel Martins (apud HOFFMANN, 2000, p.18), “o que deveria estar presente no paradigma de avaliação do aluno e do professor, como indivíduos humanos, é que a essência do relacionamento fosse sempre um encontro em que houvesse uma modificação entre os participantes”. Essa ideia, geradora de teorias e práticas, tem inspirado importante transformação no contexto da avaliação escolar, denunciando a fragilidade da avaliação e a necessidade de transformar a natureza deste processo. Entendemos que a escola é um lugar onde, também, se dão as contradições sociais que ocorrem na sociedade em ela está situada, por isso ela participa dos processos sociais (LUCKESI, 1994, p. 164). Ainda para Luckesi, as transformações sociais que ocorrem dentro da escola fazem com que devamos usá-la como espaço de luta para que as desigualdades desapareçam, preparando um caminho para uma nova sociedade. É na escola que o processo de observação se assume como uma capacidade essencial para o 937

uso, sendo fulcral na análise e avaliação das prestações dos alunos, e como tal, na própria atividade do docente. (ARANHA, 2007 apud MENDES, 2012, p. 59). Neste artigo, iniciaremos examinando o processo de avaliação através da prática de observação, a qual fortalece a convivência escolar professor-aluno, com base particularmente em Luckesi (1994, 2013), Vasconcellos (1989, 2009), Estrela (2002), Diaz-Aguado (2005). Em seguida, exploraremos o conceito de avaliação escolar com os teóricos Luckesi (1994, 2013), Vasconcellos (2009). Na sequência, uma visão particular e crítica quando concebermos a prática de avaliação cujos elementos de convivência fazem parte. E, ao final, concluímos que a observação é parte integrante da avaliação e a essência no exercício da convivência escolar.

Relação Professor-Aluno A observação deve ser um exercício na prática do docente, como parte integrante na relação professor-aluno, uma vez que ela tem o propósito da melhoria da aprendizagem através das relações. A essência do exercício da observação está através do interesse que o professor deposita sobre seus alunos, humanizando o modo como se relacionam. 938

Para Estêvão (2008), a escola deve organizarse de modo a levar os seus alunos a reaprenderem a depender do outro, sem se transformarem em escravos, mas com partilha do poder: [...] a não substituírem a alegria de viver pelo prazer de aplicar uma medida ou de cumprir normas; a saberem acompanhar os educandos, evitando apassivá-los; a aprenderem a cooperar, a partilhar, a respeitar diferenças, a ser solidários, a ser tolerantes; a desenvolverem as pessoas, não enfocando o trabalho educativo somente no rendimento acadêmico; a promoverem a confiança (não criando barreiras, por exemplo, entre os que sabem e os que não sabem); a praticarem uma pedagogia diferenciada no desenvolvimento do currículo comum; a fomentarem a reciprocidade e a justiça do reconhecimento; a dinamizarem a participação; a educarem para a autonomia que não anule a rebeldia (ESTÊVÃO, 2008, p. 507).

Ainda para Estêvão (2008, p. 510), uma escola 939

assim apresentaria uma organização comunicativa atenta à rede da dialogicidade com diferentes argumentações, da igualdade e dos direitos frente à diferença e pluralidade. No sentido de caracterizarmos melhor uma escola comunicativa e convivencial, assim como os seus potenciais contributos para o tema que estamos aqui a desenvolver, algumas das virtualidades facilitadoras da convivência, considerando a bibliografia disponível, são: [...] o respeito e tolerância; prioridade aos mais fracos; a capacidade e predisposição para se colocar no lugar do outro; o diálogo como enriquecimento mútuo e como solução para os conflitos: o exercitar o poder com e não o poder contra; o fomento da autoestima e do autoconceito; o compromisso com o bem comum de caráter global; a aceitação do pluralismo, da diversidade; a mobilização de uma pedagogia participativa e motivadora; a abertura de canais de participação; a consideração da divergência e da criatividade como fatores positivos; a prática do direito à ternura e o tratamento dos alunos com afabilidade e generosidade a conciliação da autonomia e da

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rebeldia; o incentivo à disciplina democrática (ESTÊVÃO, 2008, p. 508).

Segundo Luckesi (1994, p. 165), a relação professor-aluno é um meio necessário da elevação cultural do educando e, assim, é na prática escolar que ocorre esta relação. No processo educativo, o professor é o que detém o conhecimento e o que possui autoridade pedagógica. Logo, o processo adequado de apropriação cultural pelo aluno é dado através do cotidiano vivido, pela convivência revivida e analisada, levando em conta elementos da cultura sistematizada: A relação professor-aluno deve ser participativa, necessária no processo de aquisição cultural; logo, a autoridade cultural do professor não deve transformar-se em autoritarismo. A autoridade pedagógica é participativa, está articulada com a elevação cultural, e o autoritarismo, disciplinador, está articulado com o disciplinamento moral (LUCKESI, 1994, p. 166). Essa perspectiva garante, no processo de ensino-aprendizagem, independência, reciprocidade ao aluno, sendo esse o maior objetivo do professor: transformar o aluno independente, recíproco, através das relações de troca, da convivência diária em sala de aula. 941

Para Estrela (2002, p. 36), é por meio do contato interpessoal que se gera a relação pedagógica; nesse sentido, a relação pedagógica ocorre num sentido restrito entre professor-aluno e alunoaluno. Ainda para Estrela, é nas relações pedagógicas que ocorrem os aspectos formativos e sociais do desenvolvimento do aluno, aquisição dos saberes. Não somente os saberes dos conteúdos, mas também um saber transformador do mundo. “O papel do professor deixa de ser mero transmissor para se transformar em organizador da aprendizagem e o estimulador do desenvolvimento cognitivo e sócio-afetivo o aluno” (ESTRELA, 2002, p. 39). Díaz-Aguado (2005, p. 22) afirma que o trabalho cooperativo permite uma melhora no rendimento escolar mais que os outros, como os individualistas e os competitivos, e a boa convivência entre os colegas e professores na resolução de trabalhos diários em sala de aula incentiva a colaboração no processo da construção da aprendizagem.

Processo de avaliação A avaliação deve ser considerada como um ato amoroso, no sentido de que é um ato acolhedor e inclusivo. Tem por base acolher uma situação para dar suporte de mudança, se necessário. A 942

avaliação, como ato diagnóstico, tem por objetivo a inclusão e não a exclusão; a inclusão e não a seleção (que obrigatoriamente conduz à exclusão). O diagnóstico tem por objetivo aquilatar coisas, atos, situações, pessoas, tendo em vista tomar decisões no sentido de criar condições para a obtenção do objetivo, a aprendizagem que se esteja ou construindo (LUCKESI, 2011). Avaliar é algo inerente à natureza humana; o tempo todo expressamos valores, mas quando expressamos esta palavra – avaliar – logo nos remetemos à aprendizagem escolar. Observação e avaliação são dois processos interligados que permitem detectar indicadores e identificar, com base nestes, a causa para o comportamento observado. É através da observação que a avaliação consegue registrar as informações recolhidas (MENDES, 2012, p. 62). A avaliação implica um conceito de reorientação do processo de ensino-aprendizagem: “A avaliação implica uma reflexão crítica sobre a prática, no sentido de captar seus avanços, suas resistências, suas dificuldades e possibilitar uma tomada de decisão sobre o que fazer para superar os obstáculos” (VASCONCELLOS, 1989, p. 53). Mas o que avaliar, como avaliar, o que considerar como forma de avaliação, quais 943

conceitos devem prevalecer no processo de ensino-aprendizagem? Para Vasconcellos (1989), é mais fácil manter a avaliação como forma de pressão, finalidade de contornar o problema disciplinar em sala de aula, do que ressaltar as dificuldades que a avaliação escolar apresenta e o que suas consequências podem trazer para a educação, havendo, portanto, uma inversão na avaliação, que deixa de ser uma construção natural do processo educacional. Segundo o autor: “A avaliação que deveria ser um acompanhamento do processo educacional acabou se tornando o objetivo deste processo, da prática dos alunos e da escola, resumindo no famoso estudar para passar” (VASCONCELLOS, 1989, p. 32). Ainda para Vasconcellos (1989, p. 83), a avaliação Sócio-Afetiva, que é estabelecida por atitudes, valores, interesse, esforço, participação, iniciativa, etc., não deve ser vinculada à nota, para não haver uma distorção, em função do uso autoritário dessa nota. Ao avaliarmos o desenvolvimento de uma criança ou de um aluno, estamos também analisando e refletindo sobre o conjunto de oportunidades de aprendizagens que foram planejados pelo professor (GODOY, 2009). A 944

observação é um instrumento descritivo e também um recurso de investigação, planejamento e reflexão. Para o acompanhamento e desenvolvimento do aluno, valorizar o momento onde ele exerce sua manifestação espontânea ou não pode revelar ou desvelar saberes, desejos e intenções sobre si mesmo e sobre o mundo. (GODOY, 2009). Para Vasconcellos (2009), não obstante as avaliações intuitivas e espontâneas costumem ter uma carga de preconceito inconsciente, é importante para o aluno que a escola o avalie como um todo. Para o autor, o aluno: • Antes de tudo, ele é um todo; • Estamos comprometidos com sua formação integral, numa perspectiva de educação democrática, não ficamos indiferentes diante de um aluno que tem um ótimo aproveitamento, que domina bem os conceitos, mas, por exemplo, não se relaciona bem com os colegas (VASCONCELLOS, 2009, p. 243).

Com relação a atribuir nota a avaliação socioafetiva, Vasconcellos (2009, p. 245) diz que 945

“devemos avaliar, sim, a dimensão socioafetiva, mas, sem vinculá-la ao sistema classificatório e excludente (aprovação / reprovação), avaliar sem atribuir nota”. Ao valorizar a “participação” do aluno, o professor pode interpretar como uma participação estereotipada (frouxa, frágil, sem significado maior para si) só para alcançar o tal ponto. Vasconcellos (1989) reitera que a avaliação não deve ser tratada como problema de disciplina, muito menos ser ameaçada com nota. Mas o aluno que tiver problemas de disciplina, por exemplo, deve ser “privado de convivência com o grupo” e orientado, até que retome nova postura. Com isso, devemos considerar as situações de aprendizagens analisadas através dos progressos e dificuldades a partir de um trabalho organizado de observação durante o processo de construção do aprendizado. Ao relacionar avaliação e convivência, propomos que todos os envolvidos no processo educacional criem uma nova forma de conhecimento, por meio da observação, definindo as reais necessidades dos alunos ou até buscando soluções para os problemas comuns. Para Abramowicz (2004, p. 44), esta reflexão faz com que possamos antever uma nova concepção de participação, relacionada com avaliação, 946

significando algo criativo e transformador, crítico e ativo, conjunto e solidário, na busca dos “sonhos possíveis”. Para Godoy (2009), uma dificuldade apontada constantemente pelos professores é “o que considerar importante” para compor o registro de cada criança: Quando “o observado” parte do planejado a pergunta a priori é o que elas podem aprender ou vivenciar diante da prática planejada que se justifique tal fazer, ou seja, qual o objetivo do que está sendo proposto. Mas, devemos também considerar que as crianças aprendem mesmo quando não temos a intenção de ensiná-las e que sabem muitas coisas que não foram ensinadas por nós ou no convívio da escola (GODOY, 2009, s/d).

Conforme o entendimento de Abicalil (2002), todos os processos avaliativos possuem um objetivo, conforme a instituição que as realiza, com os objetivos e as metas a que se referem, podendo inferir algumas finalidades, entre as quais se situam: certificação; comparação; seleção/classificação/ progressão; diagnóstico e controle.

947

Para Demo (2001, p. 45), se focarmos no campo educativo, não basta olhar para a avaliação quantitativamente, mas qualitativamente. Quando avaliamos se um aluno sabe matemática, queremos saber até que ponto a matemática é componente processual da cidadania do aluno; assim, a aprendizagem formal é importante, porém, o mais importante é averiguar a aprendizagem política, que encerra os objetivos éticos do processo educativo. Retornando ao pensamento Luckesi (2011, p. 172), o qual é enfático ao afirmar que a “avaliação de aprendizagem deve ser considerada como um ato amoroso, no sentido de que a avaliação é um ato acolhedor e inclusivo”, vamos considerar então que, ao avaliarmos, devemos levar em conta todas as práticas de convivência do aluno, para que possamos prepará-lo para a sociedade.

Conclusão Podemos concluir que é com o processo de observação − o qual deve ser planejado e efetuado para se entender o que ocorre no ambiente escolar − que haverá o fortalecimento da convivência professor-aluno. A intervenção pedagógica humanizadora, como atividades, clima 948

de aula, interesse, forma de organizar a turma em grupos, práticas de avaliação diferenciada, permitirá uma melhora relevante no processo de construção da aprendizagem. Quando Vasconcellos (1989, p. 83) afirma que a avaliação Sócio-Afetiva “é estabelecida através de: atitudes, valores, interesse, esforço”, infere-se que não deve ser atribuída nota, mas devemos repensar, pois se preparamos nossos alunos para inseri-los na sociedade em que vivemos, e ainda segundo Luckesi (2011, p. 172), se a escola é lugar de contradições sociais, devemos preparar nossos alunos para essas contradições através das avaliações socioafetivas, atribuindo, sim, a nota. Díaz-Aguado (2005) menciona, em seu artigo, que o trabalho colaborativo permite uma melhora na construção do aprendizado do aluno, e parte desta melhora é resultado da boa convivência estabelecida entre professor-aluno e aluno-aluno. Boa convivência, bom relacionamento, colaboração, trabalho em grupo são características fundamentais necessárias para um bom desenvolvimento em sala de aula. Vasconcellos (1989), ao falar sobre a avaliação, afirma que não se deve tratar como problema de disciplina, porém, o aluno que apresentá-lo deve 949

ser retirado da convivência com o grupo e orientado, até que restabeleça a postura ideal. Entretanto, esta postura de privar o aluno de convivência com o grupo não seria uma forma de excluir o aluno rotulado como diferente por ser indisciplinado? Não seria privar o aluno da convivência do grupo para poder aprender a se socializar e viver em sociedade? Sair do registro meramente comportamental para um que seja abrangente e ao mesmo tempo particular, que respeite o aluno enquanto sujeito, com suas potencialidades cognitivas, sociais, artísticas e afetivas e também como um ser que se relaciona com os objetos e o mundo, redimensiona o olhar do observador (GODOY, 2009). Ao praticarmos a avaliação socioafetiva, destacando e exaltando as atitudes, o interesse, o esforço, a participação, a iniciativa, a colaboração, a autonomia, estaremos incentivando e preparando o aluno para ser um cidadão crítico e criativo, não reduzindo simplesmente a disciplina ou indisciplina do aluno, rotulando e privando da convivência com o grupo? Não dar o direito à nota seria o mesmo que ignorar o aluno como um todo. Deveremos, então, olhar para a convivência como parte integrante da avaliação, atribuindo valores aos elementos do grupo, como trocas afetivas, 950

cognitivas, participação, iniciativa, colaboração, autonomia, etc.

REFERÊNCIAS ABICALIL, C. A. Sistema Nacional de Educação Básica: nó da avaliação? Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, p. 255-276, 2002. ABRAMOWICZ, M. Participação e avaliação em uma sociedade democrática multicultural. Série Idéias, São Paulo, n. 22, p. 35-44: FDE, 2004. DEMO, P. Avaliação sob o olhar propedêutico. Campinas: Papirus, 2001. DÍAZ-AGUADO, M. J. Como Mejorar La convivencia Escolar Ante Los Retos de La Educacion em El Siglo XXI. 2005. Disponível em: http://www.schoolbullying.eu/doc/Convivencia_escolar.pdf. Acesso em: 28 mai. 2015. ESTRELA, M. T. Relação Pedagógica, disciplinar e indisciplina na aula. Porto: Porto Editora, 2002. ESTÊVÃO, C. V. Educação, conflito e convivência democrática. Ensaio: Aval. Pol. Públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 16, n. 61, p. 503-514, out./dez. 2008. HOFFMANN, J. Avaliação: Mito ou Desafio? São Paulo: Mediação, 2000. LUCKESI, C. C. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994. ______. Avaliação da aprendizagem: componente do ato pedagógico. São Paulo: Cortez, 2013. MENDES, R. et al. Observação como instrumento no processo de avaliação em Educação Física. Revista

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Exedra, n. 6, p. 57-69, 2012. Disponível em: http://www.exedrajournal.com/docs/N6/04-Edu.pdf. Acesso em: 13 abr. 2015. VASCONCELLOS, C. S. (In) Disciplina: construção da disciplina consciente interativa em sala de aula e na escola. 18. ed. São Paulo: Libertad, 1989. ______. Indisciplina e disciplina escolar: Fundamentos para o trabalho docente. São Paulo: Cortez, 2009.

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UM ESTUDO SOBRE O IMPACTO DAS MANIFESTAÇÕES DE INCIVILIDADE NO CURRÍCULO PRATICADO NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR

Simone Francescon Cittolin UTFPR [email protected]

Este artigo apresenta um estudo teórico que discute o impacto das manifestações de incivilidade no currículo praticado pelos professores da Educação Superior. Essa discussão tem como aporte teórico os estudos de Appleby (1990), Morrissette (2001), Feldmann (2001), Clark (2007), Clark e Springer (2007), Patron e Bisping (2008), Marchand-Stenhoff (2009), Wingert e Molitor (2009), Willianson (2011), Alkandari (2011), Robertson (2012), Marlow (2013) e Thompson (2013), que discutem as manifestações de incivilidade na Educação Superior e suas implicações, além de autores como Sacristán (2000), Pedra (1993), Moreira (2011), Garcia (2007, 2010) e Ennis (1996), que discutem currículo. A diversidade de fatores aos 953

quais a incivilidade neste contexto está relacionada nos desafia a examinar como as práticas dos professores relacionadas ao fenômeno podem interferir no currículo praticado, influenciando nas decisões sobre conteúdos e gestão da sala de aula. O artigo inicia trazendo alguns conceitos de incivilidade condizentes com este contexto para, em seguida, apresentar algumas concepções de currículo e suas diferentes formas de expressão, e finalizar discutindo o impacto que as manifestações de incivilidade podem ter no currículo praticado pelos professores na Educação Superior. Conclui-se apontando que somente com uma formação pedagógica voltada para um professor reflexivo poderá o professor universitário empreender ações efetivas no enfrentamento e na prevenção da incivilidade neste contexto, minimizando, assim, o impacto desse fenômeno no currículo praticado. Palavras-chave: Educação. Incivilidade. Educação Superior. Currículo Praticado.

Introdução É notório que o professor universitário da contemporaneidade se depara com diversas questões que transcendem a indispensável 954

competência científica, e que vivencia em sala de aula, inúmeras situações e desafios, para os quais, muitas vezes, não está preparado. Uma dessas questões é a incivilidade. A incivilidade tem ocupado um espaço cada vez maior no cotidiano das instituições de Educação Superior (APPLEBY, 1990; BOICE, 1996; MORRISSETTE, 2001; FELDMANN, 2001; NILSON & JACKSON, 2004; RUDOLPH, 2005; BARTELS et. al., 2009; CLARK, 2007, 2009; ALAKANDARI, 2011; WILLIANSON, 2011; ROBERTSON, 2012; MARLOW, 2013), e vem se tornando um desafio para professores e gestores educacionais que não sabem como proceder para prevenir ou responder aos conflitos presentes que se manifestam nas relações dos alunos entre si, dos alunos com os professores e com suas atividades pedagógicas. Segundo Marchand-Stenhoff (2009, p. 13), as manifestações de incivilidade têm duplicado, quem sabe triplicado, nos últimos dez anos e atingido proporções alarmantes, interferindo no processo de ensino e aprendizagem, comprometendo assim, o bem-estar do corpo docente, dos alunos e do processo educacional como um todo. Dentre as inúmeras implicações das manifestações de incivilidade no contexto da Educação Superior apontadas pelos autores que discutem a questão, 955

destaca-se o impacto que as manifestações de incivilidade exercem no currículo praticado. Segundo Garcia (2010, p. 50), o currículo praticado, que é aquele realmente desenvolvido pelos professores em sala de aula, “é suscetível às decisões cotidianas dos professores” e, portanto, em sala de aula, este é “reconfigurado através de negociações entre professores e alunos” (ERIKSON e SHULTZ, 1992 apud GARCIA, 2007, p. 718). Assim sendo, apesar de refletir as expectativas do currículo oficial, o currículo praticado pode apresentar-se distante do que está proposto no currículo oficial, em virtude dessas negociações que ocorrem entre professores e alunos estarem sujeitas a diversas forças de transformação que atuam sobre as decisões que definem o currículo praticado. Dentre essas forças de transformação, que implicam um repensar sobre o currículo, mudanças de rumo, ênfases e omissões, sugerese que a incivilidade dos alunos é capaz de influenciar as decisões sobre o currículo, de forma quantitativa e qualitativa. Ennis (1996) aponta, através de estudos realizados com o ensino secundário, que professores, ao prever situações de confronto em sala de aula, por exemplo, desistem de abordar determinados conteúdos em virtude de seus desdobramentos, modificando o 956

currículo planejado para evitar conflitos com os alunos. Este artigo, portanto, apresenta um estudo teórico que discute o impacto das manifestações de incivilidade no currículo praticado pelos professores da Educação Superior. Essa discussão tem como aporte teórico os estudos de Appleby (1990), Morrissette (2001), Feldmann (2001), Clark (2007), Clark e Springer (2007), Patron e Bisping (2008), Marchand-Stenhoff (2009), Wingert e Molitor (2009), Willianson (2011), Alkandari (2011), Robertson (2012), Marlow (2013) e Thompson (2013), que discutem as manifestações de incivilidade na Educação Superior e suas implicações, além de autores como Sacristán (2000), Pedra (1993), Moreira (2011), Garcia (2007, 2010) e Ennis (1996), que discutem currículo. A diversidade de fatores aos quais a incivilidade neste contexto está relacionada nos desafia a examinar como as práticas dos professores relacionadas ao fenômeno podem interferir no currículo praticado, influenciando nas decisões sobre conteúdos e gestão da sala de aula. O artigo inicia trazendo alguns conceitos de incivilidade condizentes com este contexto para, em seguida, apresentar algumas concepções de currículo e suas diferentes formas de expressão, e 957

finalizar discutindo o impacto que as manifestações de incivilidade podem ter no currículo praticado pelos professores na Educação Superior.

Incivilidade na Educação Superior Laterman (2002, p. 3) aponta em seus estudos a incivilidade como uma forma de violência e, segundo a autora, essas ações de desrespeito que agridem a todos, desorganizam o ambiente no cotidiano das instituições de ensino, criando um sentimento de insegurança em todos os envolvidos. Laterman compreende a incivilidade nos termos propostos por Debarbieux (2007; DEBARBIEUX & BLAYA, 2002) que entende a incivilidade como atos e comportamentos que rompem com as regras elementares da vida social. Para o autor, “as incivilidades sugerem as violências, elas permitem pensar as microviolências, isto é, elas preparam um ambiente que pode favorecer os atos de violência” (DEBARBIEUX, 1996 citado por SOUZA, 2011, p. 45), especialmente se ignoradas. Segundo ele, a incivilidade quebra o pacto social das relações humanas e as regras de convivência. No mesmo sentido, o teórico francês Bernard Charlot (2002, p. 437), entende as incivilidades 958

como um tipo de violência que se refere a condutas que se contrapõe às regras da boa convivência. As grosserias, as desordens, as ofensas verbais tão bem quanto o absenteísmo, recusa ao trabalho e indiferença ostensiva para com o ensino, estariam entre as incivilidades destacadas no cotidiano do ambiente educacional consideradas um ataque ao direito de cada um, seja aluno, professor ou funcionário, de ver respeitada sua pessoa. (CHARLOT, 2002, p. 437). Abramovay e Castro (2006) indicam que a incivilidade, considerada pelas autoras uma microviolência, está presente no ambiente educacional através das humilhações e falta de respeito que rompem com as regras sociais estabelecidas dentro da instituição de ensino. Boice (1996, p. 456) destaca a relutância das instituições em divulgar eventos de incivilidade. Em geral, os professores podem estar relutantes em discutir as manifestações de incivilidade, temendo que eles serão vistos como incompetentes e incapazes de gerenciar o ambiente de sala de aula. (MORRISSETTE, 2001, p. 3; HIRSCHY & BRAXTON, 2004, p. 71). Segundo Sorcinelli (1994, p. 2) e Marlow (2013, p. 52) professores muitas vezes ignoram ou hesitam intervir em manifestações de incivilidade por que muitas vezes eles verdadeiramente não sabem o 959

que fazer. Assim, o que acontece nas salas de aula é raramente discutido. Responder desta maneira, ignorando tais manifestações, segundo Morrissette (2001, p. 4), no entanto, pode ser muito perigoso, pois os alunos podem começar a capitalizar sobre sua nova sensação de poder dentro da sala de aula e tentar intimidar os professores. Feldmann (2001, p. 138) reforça que quando professores erroneamente ignoram as manifestações de incivilidade estão na verdade arriscadamente enviando uma mensagem para os alunos que está tudo bem se esse tipo de incivilidade se repetir, isto é, que esse tipo de manifestação é aceitável. (SORCINELLI, 1994, p. 2; CLARK, 2009, p. 3). Para Morrissette (2001, p. 1), a incivilidade no contexto da Educação Superior é entendida como o comportamento intencional de alunos com o objetivo de atrapalhar e interferir com o processo de ensino e aprendizagem dos outros. Nesse mesmo sentido, Feldmann (2001), cujo conceito é adotado neste estudo, entende a incivilidade como “qualquer ação que interfere com o ambiente de aprendizagem harmonioso e cooperativo da sala de aula”. (p. 137). Clark (2007, p. 458) ainda acrescenta que estas ações podem variar desde o mau uso de celulares em sala de aula e comentários grosseiros e sarcásticos, até 960

ameaças físicas e verbais. Clark e Springer (2007, p. 93) chegam a afirmar que algumas demonstrações de incivilidade podem ser tão perturbadoras e afetar o ambiente acadêmico tão radicalmente, que a aprendizagem pode ser efetivamente interrompida. Assim como Boice (1996), Feldmann (2001) apresenta que manifestações como conversas em voz alta para distrair a atenção do restante da sala, fazer comentários sarcásticos ou expressões de descontentamento, e ter explosões emocionais inesperadas em sala de aula, perturbam não apenas professores como também os outros alunos. Feldmann complementa ainda, reforçado por Alkandari (2011, p. 262) que os professores em especial ficam incomodados por alunos que não participam ou demonstram interesse em sala de aula; vêm para a aula despreparados; se impõem ao professor exigindo prazos extendidos para entrega de trabalhos ou realizações de provas; chegam tarde ou simplesmente saem antes, no meio da explicação; se ausentam das aulas; atendem ou respondem a mensagens de celular em sala de aula; e demonstram completa falta de atenção ao fazerem atividades ou leituras de outras matérias durante suas aulas. Dentre as demonstrações de incivilidade enunciadas anteriormente, pesquisas de Rudolph 961

(2005), Bjorklund e Rehling (2010), Clark (2007), Patron e Bisping (2009) e Thompson (2013), apontam que enviar mensagens de texto e atender a ligações telefônicas em sala de aula, usar o computador para fazer atividades alheias às da sala de aula, chegar tarde e sair antes da aula terminar, conversar em voz alta para distrair a atenção dos outros, fazer leitura ou atividades de outras matérias durante as aulas e fazer comentários sarcásticos são as que ocorrem com mais frequência nos contexto por eles pesquisados. Como já constatado em pesquisas realizadas neste contexto, tais manifestações, que podem variar desde o mau uso de aparelhos celulares, chegar tarde e sair cedo, comentários grosseiros e sarcásticos e humilhações até agressões físicas e verbais, podem comprometer o processo educacional como um todo, prejudicando o desempenho de professores, a aprendizagem de alunos, bem como interferir no currículo praticado pelos professores na Educação Superior.

Impactos da incivilidade no currículo praticado na Educação Superior Para iniciar esta reflexão sobre o impacto das manifestações de incivilidade no currículo 962

praticado na Educação Superior, propõe-se apresentar algumas concepções de currículo, para posteriormente conceituar diferentes formas de expressão do currículo, como por exemplo, o currículo praticado, noção destacada neste trabalho, e que tem como referência o currículo oficial. Ao recorrer à literatura educacional, percebe-se que o termo currículo tem diferentes concepções. Moreira (2011, p. 12) apresenta uma noção de currículo que envolve a apresentação de conhecimentos e inclui um conjunto de experiências de aprendizagem que visam favorecer a assimilação e reconstrução desses conhecimentos. Para Sacristán (2000, p. 101), o currículo é um campo de atividades que envolve a participação de múltiplos agentes, e “é o resultado de uma série de influências convergentes e sucessivas, coerentes ou contraditórias” (p. 102). O currículo pode também ser entendido como “uma seleção de conhecimentos, atitudes, valores e modos de vida, presentes na cultura de uma determinada sociedade”, (PEDRA, 1993, p. 32), e que é reproduzida no cotidiano das instituições escolares. Nas diferentes instâncias de currículo, destaca963

se a noção do currículo oficial, termo usado para designar o “conjunto de elementos ou expectativas de aprendizagem que formalmente compreendem o currículo na escola” (GARCIA, 2010, p. 48). Garcia complementa ainda, dizendo que o “currículo pode ser entendido como um conjunto de promessas sobre o que os alunos irão aprender na escola” (ibid, p. 48). A noção que pretende-se destacar neste trabalho é a de currículo praticado. Este refere-se àquele currículo realmente desenvolvido pelos professores em sala de aula, no contexto das práticas pedagógicas. Segundo Garcia (2010, p. 50), o currículo praticado “é suscetível às decisões cotidianas dos professores” e, portanto, em sala de aula, este é “reconfigurado através de negociações entre professores e alunos” (ERIKSON e SHULTZ, 1992 apud GARCIA, 2007, p. 718). Assim sendo, apesar de refletir as expectativas do currículo oficial, o currículo praticado pode apresentar-se distante do que está proposto no currículo oficial, em virtude dessas negociações que ocorrem entre professores e alunos estarem sujeitas a diversas forças de transformação que atuam sobre as decisões que definem o currículo praticado.

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Dentre essas forças de transformação, que implicam um repensar sobre o currículo, mudanças de rumo, ênfases e omissões, sugerese que a incivilidade é capaz de influenciar as decisões sobre o currículo, de forma quantitativa e qualitativa, seja ao modificar atividades, conteúdos ou experiências sociais de aprendizagem em sala de aula, ou na mudança de tempos destinados à realização de atividades. Ennis (1996) aponta, através de estudos realizados com o ensino secundário, que professores, ao prever situações de confronto em sala de aula, desistem de abordar determinados conteúdos em virtude de seus desdobramentos, modificando o currículo planejado para evitar conflitos com os alunos. Os professores preferem excluir conteúdos que acreditam não ser do interesse dos alunos, que se recusam a aprender, ou que geram discussões para as quais os professores não se sentem preparados. Appleby (1990, p. 41), menciona que docentes que percebem que irão se deparar com manifestações de incivilidade durante as aulas podem começar a dedicar tempo e energia para o planejamento de estratégias de enfrentamento da incivilidade ao invés de focar em material didático para o desenvolvimento de sua aula. A fim de evitar conflitos, Clark e Springer (2007, p. 94) salientam que alguns professores inclusive podem mudar sua metodologia, modificar critérios de 965

avaliação, facilitar atividades ou mudar como as perguntas são formuladas nas avaliações e até mesmo deixar de lado as discussões sobre os tópicos para prevenir perturbações desnecessárias em sala de aula. A influência dos alunos sobre o currículo praticado pelos professores compreende a forma como aqueles participam e alteram as atividades que pode ser de tal forma a desviar os professores daquilo que estava planejado como currículo (WALTER & SOLTIS, 1992, p. 5), implicando “até mesmo um esvaziamento da importância dos conteúdos oficiais” (GARCIA, 2007, p. 724). Apesar de alguns dos autores até o momento mencionados direcionarem seus estudos para os níveis primário e secundário (GARCIA, 2007, ENNIS, 1996), sugere-se neste trabalho que as manifestações de incivilidade, que têm ocupado um espaço cada vez maior no cotidiano das instituições, também influenciam as decisões sobre o currículo praticado na Educação Superior. A incivilidade constrange e assusta professores universitários (BOICE, 1996) cuja fragilidade de saberes e habilidades para enfrentar o fenômeno os impede de avaliá-lo e trabalhar em direção às soluções mais adequadas. Morrissette (2001) e Alkandari (2011) apontam 966

em seus estudos sobre incivilidade que enfrentar tal fenômeno em sala de aula subtrai tempo das aulas destinado ao desenvolvimento das atividades planejadas. Sugere-se que essa situação provoca uma mudança de tempos praticados no currículo, tais como, por exemplo, do tempo da explicação, da exemplificação ou do debate, como comenta Garcia (2007, 2010). O currículo praticado pode ser, então, abreviado. Morrisette (2001) e Marchand-Stenhoff (2009) ainda acrescentam que professores que sabem que enfrentarão eventos de incivilidade em suas aulas podem escolher dedicar seu tempo e energia no planejamento de estratégias de sobrevivência para lidar com a questão, ao invés de concentrar seu tempo e energia no planejamento de atividades e materiais didáticos para suas aulas. O currículo praticado pode ser, então, simplificado. Robertson (2012) assinala que alunos podem manifestar descontentamento quando professores alteram objetivos, atividades e critérios préestabelecidos sem comunicação prévia. Sugerese que tal descontentamento pode acarretar em resistência a determinadas aprendizagens e negação em realizar atividades propostas, demonstrando o controle que pode ser exercido pelos alunos sobre aquilo que estava planejado 967

como currículo. O currículo praticado pode ser, então, negado ou esvaziado. Vale ressaltar, porém, que a incivilidade pode também ter uma influência positiva sobre o currículo. Este também pode ser ampliado, atualizado e contextualizado. É possível que os conteúdos do currículo sejam trabalhados de um modo a não alimentar confrontos (GARCIA, 2007, p. 719). O currículo praticado também pode ser transformado de forma a atender melhor as expectativas e necessidades dos alunos. A incivilidade, portanto, pode repercutir sobre a construção do currículo praticado de um modo a gerar diferentes sujeitos e cenários.

Considerações finais A partir das discussões propostas neste trabalho, percebe-se que os eventos de indisciplina, que têm ocupado um espaço cada vez maior no cotidiano das instituições de Educação Superior, podem influenciar as decisões sobre o currículo praticado pelos professores universitários. Sugere-se que a prática pedagógica desses professores que se sentem assustados e frágeis ao enfrentar o fenômeno, impedindo-os de avaliálo e trabalhar em direção às soluções mais 968

adequadas, pode acarretar na simplificação, abreviação, negação ou esvaziamento do currículo. Assim sendo, as características necessárias aos professores universitários hoje, extrapolam – e muito – os limites do conhecimento aprofundado da matéria de sua especialização e a aquisição de habilidades necessárias à condução de pesquisas, e seguem-se a dimensões muito mais amplas, que nos levam a argumentar em favor da importância da formação pedagógica do professor universitário. Como pode ser percebido o processo que envolve a prática pedagógica do professor reflexivo é complexo e envolve uma série de ações permeadas e subsidiadas pela reflexão, que somente uma formação pedagógica consistente podem proporcionar. Transformar as ações do professor não reflexivo em ações reflexivas, requer reposicionamentos, reconstrução de concepções e, acima de tudo, necessita primeiramente que o professor assuma uma postura crítica frente a sua prática, às necessidades de seu trabalho, às necessidades de se pesquisar e reconstruir sua prática pedagógica, a fim de empreender ações efetivas no enfrentamento e na prevençãilidadeo da inciv no contexto da Educação Superior, já que o 969

fenômeno é capaz de implicações para o currículo.

trazer

diferentes

Conclui-se, portanto, que somente com uma formação pedagógica voltada para um professor reflexivo, poderá o professor universitário empreender ações efetivas no enfrentamento e na prevenção da incivilidade neste contexto, minimizando, assim, o seu impacto no currículo praticado. Somente a partir do conhecimento da epistemologia da prática profissional que desenvolve, o professor universitário poderá fazer uma leitura diferente e menos limitada de uma questão tão desafiadora como a incivilidade e da influência que tal fenômeno pode ter no currículo praticado, e assim ser capaz de transformá-lo para melhor atender as expectativas e necessidades dos alunos.

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JUSTIÇA RESTAURATIVA NAS ESCOLAS PÚBLICAS: UMA ALTERNATIVA PARA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

Clara Celina Ferreira Dias [email protected] No contexto atual observamos o aumento no número de episódios de violência em algumas escolas, e com a expectativa da inserção de práticas que diminuam os conflitos nos ambientes escolares, procura-se desenvolver ações que busquem uma alternativa pedagógica para a solução dos conflitos. Neste sentido, a mediação de conflitos no ambiente escolar pode apresentar ações, com base em uma comunicação não violenta, que possibilite a pacificação e resolução de conflitos gerados em uma comunidade, bairro ou escola, com base em valores fundamentais, como o respeito, a participação, a responsabilidade, a humildade e o diálogo. Tendo tudo isso em vista, procuramos responder com esta pesquisa o seguinte questionamento: Como as práticas restaurativas podem contribuir para a construção da humanização e pacificação do ambiente escolar e seu entorno? Com esta preocupação, gestores, pais/responsáveis, alunos, 975

professores e funcionários unem-se visando uma cultura para a paz. Esta nova perspectiva na resolução de conflitos, a Justiça Restaurativa desenvolve suas ações voltada para a vítima, agressor e comunidade. Alicerçada no diálogo e na mediação, uma mudança nas atitudes, no comportamento, valores e na comunicação verdadeira, tem transformado a realidade de disputa e violência em algumas escolas. Uma proposta que restaura as relações rompidas e repara o prejuízo. A partir dessas colocações como deve-se realizar estas práticas? Como identificar as várias formas de violência que ocorrem em nossas escolas? Como trabalhar com as diferentes formas de violência? É importante trazer à reflexão estas e outras questões para buscar respostas coletivas frente a este fenômeno. É necessária a formação de Redes Internas com o envolvimento de todos os segmentos escolares, parcerias com profissionais, entidades sociais e órgãos públicos. Palavras-chave: Cultura da Paz; Justiça Restaurativa; Mediação de Conflitos.

1 INTRODUÇÃO 976

Reconhecemos que a escola é o ambiente onde professores e alunos passam a maior parte do tempo do seu dia. Consequentemente, é neste espaço que convergem ideias, pensamentos, a construção coletiva de saberes e também a troca de experiência entre os atores deste cenário e, assim, é natural a presença de conflitos. Neste contexto escolar, gestores, educadores, funcionários e coordenação pedagógica devem promover a prática da comunicação da não violência, tanto na sala de aula como em outros espaços da escola, e desta forma criar um ambiente de pacificação. O ideal de promover uma cultura de paz nas escolas, é cercado por questionamentos: que ações implantar? Como? Quem serão os parceiros? Em que momento? E com estas indagações, algumas vezes, queremos receitas prontas e a curto prazo. Deste modo, podemos afirmar que a paz é um dos assuntos mais debatidos atualmente. Uma cultura de paz parece apontar para a promoção e desenvolvimento do diálogo inclusivo e respeitoso no ambiente escolar, resultando num espaço seguro e saudável para a comunidade escolar e local. Portanto, uma educação que opere nos moldes de uma cultura de paz tende a contribuir no desenvolvimento de políticas sociais 977

preventivas de situações de violência. Diante dessa perspectiva de educação, encontra-se a Justiça Restaurativa com seus pressupostos teóricos e metodológicos específicos que podem auxiliar na construção de uma cultura de paz nas escolas. Como gestores, pais, alunos, funcionários, professores, supervisores escolares e orientadores educacionais podem adotar atitudes que minimizem a violência escolar? Com esta preocupação, é importante a busca de práticas que contemplem a realidade escolar, que caminhem na prevenção da violência nos espaços escolares fortaleçam as relações da comunidade escolar e local e contribuam na restauração e humanização do ambiente escolar e seu entorno. Para este estudo faremos uma pesquisa bibliográfica embasada principalmente nos seguintes autores BRANCHER (2009), DIAS (2010), EDNIR (2007), LÜCK (2009) E ZEHR (2008). O presente artigo quer mostrar a mediação de conflitos por meio dos pressupostos teóricometodológicos da Justiça Restaurativa, como alternativa de lidar com as situações de violência e restauração de conflitos. As pessoas envolvidas são alunos, professores e funcionários da escola. Encontramos nos pressupostos da Justiça 978

Restaurativa objetivos, valores e princípios que podem restaurar e/ou melhorar as relações interpessoais.

2 GESTÃO ESCOLAR PARTICIPATIVA

A Educação é uma das mais importantes Políticas Públicas e suas ações estão voltadas para garantir uma escola para todos e de qualidade. Ampliar o acesso e permanência das crianças, jovens e adultos tem sido um processo histórico com muitas lutas buscando garantir o direito de todos de aprender. A expansão da democratização do ensino contribui para a formação de cidadãos éticos, participativos, críticos e criativos. Neste sentido, as leis que regem a educação têm contribuído para diminuir as desigualdades sociais com fortes fundamentos democráticos oportunizando as pessoas que tem diferentes papéis na escola, por serem sujeitos, efetivarem o princípio da gestão democrática do ensino público através da tomada de decisões coletivas no espaço escolar. Os desafios e problemas educacionais são amplos e complexos, por isso a necessidade da 979

equipe diretiva e pedagógica desenvolverem ações planejadas, participativas e democráticas. Com o envolvimento da comunidade escolar e local, por meio da tomada de decisões, pode-se melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem e encontrar soluções em conjunto para os conflitos diários. Para Lück (2009): Participar implica compartilhar poder, vale dizer, implica compartilhar responsabilidade por decisões tomadas em conjunto como uma coletividade e o enfrentamento dos desafios de promoção de avanços, no sentido da melhoria contínua e transformações necessárias. (LÜCK, 2009, p.44).



2.1 EQUIPE PEDAGÓGICA NA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

A equipe pedagógica precisa desenvolver ações que afetem diretamente a melhoria da qualidade da educação básica, e que devem estar fundamentadas em princípios democráticos e valores éticos, contempladas no projeto político pedagógico da instituição de ensino. 980

Deste modo, a gestão pedagógica deve criar condições para preparar o jovem para raciocinar, para compreender as causas e consequências, para exercer seus direitos, para cuidar de sua saúde, ter pensamento crítico, aplicar as tecnologias de comunicação e informação; assim concretizamos uma educação para a cidadania. O trabalho pedagógico tem um papel fundamental, pois deve implantar ações includentes de melhorias de aprendizagem voltadas para todos e refletir como efetivar a participação e uma Cultura de Paz nos espaços escolares. Mais do que isso afirma MILANI (2003, p. 2): No que se refere à escola, a abordagem da Cultura de Paz ressalta diversas necessidades e estratégias: uma relação educador-educando fundamentada no afeto, respeito e diálogo; um ensino que incorpore a dimensão dos valores éticos e humanos; processos decisórios democráticos, com a efetiva participação dos alunos e de seus pais nos destinos da comunidade escolar; implementação de programas de capacitação continuada de professores; aproveitamento das

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oportunidades educativas para o aprendizado do respeito às diferenças e a resolução pacífica de conflitos; abandono do modelo vigente de competição e individualismo por outro, fundamentado na cooperação e trabalho conjunto etc. (MILANI, 2003, p. 2).



A Educação para a Paz implica em mudanças nas atitudes e comportamentos, por isso é importante adotarmos uma comunicação de não violência na escola, e adotarmos práticas que apontem para a promoção e o envolvimento do diálogo inclusivo e respeitoso na comunidade escolar, resultando num ambiente seguro e saudável. A equipe escolar não consegue resolver os problemas isoladamente, no entanto como lideranças, podem articular, mediar, sensibilizar, dialogar, escutar, tendo em vista a unidade e a participação de todos os envolvidos no contexto escolar. O ambiente escolar mediado pelo diálogo potencializa algumas ações, como: o trabalho conjunto; a relação professor-aluno sedimentada no respeito, afeto e escuta; fortalece a participação dos pais/responsáveis nas práticas 982

escolares; (re) significa valores, como ética, justiça e solidariedade; implanta qualificação profissional e possibilita práticas diárias para concretização pacífica dos conflitos através da restauração das relações sociais. Novas formas de superar conflitos devem ser pensadas no contexto escolar, buscando eliminar o jogo de poder que se expresse negativamente, para que se possa restaurar as relações, através da mediação.

3 JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO PRÁTICA PEDAGÓGICA Com uma nova perspectiva na resolução de conflitos, a Justiça Restaurativa desenvolve suas ações voltadas para a vítima, agressor e comunidade. Baseada em uma comunicação não violenta busca pacificar e resolver conflitos gerados pela violência em uma comunidade, bairro ou escola, com base em valores fundamentais, como o respeito, a participação, a responsabilidade, o empoderamento e a humildade.

3.1 ORIGEM A Justiça Restaurativa é uma prática que vem 983

crescendo nos últimos trinta anos e os primeiros registros surgiram nos Estados Unidos na década de 70. No Brasil, em 2005, as cidades de São Caetano do Sul (SP), Brasília (DF) e Porto Alegre (RS), em parceria com a Secretária de Reforma do Judiciário, desenvolveram o projeto piloto denominado Promovendo Práticas Restaurativas, que teve destaque no 3º Fórum Social Mundial, realizado na capital gaúcha, em 2003. A resolução de conflitos, no Rio Grande do Sul, iniciou em 1999, com o encontro entre o professor e sociólogo Pedro Scuro Neto e o Juiz Leoberto Brancher coordenador do projeto Justiça para o Século XXI.

3.2 CONCEITOS

A Organização das Nações Unidas (ONU) na sua Resolução 1999/26, julho de 1999, chamada: “Desenvolvimento e Implementação de Medidas de Mediação e Justiça Restaurativa na Justiça Criminal”, e as resoluções de números 2000/14 e 2002/12, com a dedicação de especialistas definiram Justiça Restaurativa. Para o Juiz BRANCHER (2008) a Justiça Restaurativa,

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É um processo através do qual todas as partes envolvidas em um ato que causou ofensa reúnem-se para decidir coletivamente como lidar com as circunstancias decorrentes desse ato e suas implicações para o futuro. (BRANCHER, 2008, p. 21).

Após pronunciar inúmeras conferências e debates, Zehr (2008) descreve a Justiça Restaurativa do seguinte modo: A justiça restaurativa trata de danos e necessidade bem como das obrigações decorrentes, e envolve todos os que sofrem o impacto ou tem algum interesse na situação utilizando, na medida do possível, processos cooperativos e inclusivos. (ZEHR, 2008, p. 258).



Na justiça restaurativa o foco ocorre no dano ocasionado à vitima, e deixa de ser no agressor. O Juiz Leoberto Brancher, em uma entrevista à Revista Pátio afirma: A proposta reposiciona nossa visão de justiça, mas, ao contrário da maioria das críticas ao sistema penal, que apenas

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desconstituem e deslegitimam o que está aí, sem oferecer perspectivas, a Justiça Restaurativa também oferece um caminho pragmático, um o que fazer e um como fazer as coisas de maneira diferente, o que é encantador. (CAMARGO, 2009, apud BRANCHER, 2009, pag. 34).



A prática restaurativa prima pelo resgate das relações que foram rompidas por um problema, um conflito ou infração. A dinâmica instaurada oportuniza a reconstrução do malfeito e depende da vontade das partes: vítima e agressor. Esta maneira de recuperar as relações fragilizadas visa o futuro e não o passado e busca reparar os relacionamentos sem focalizar a culpabilidade. Nessa perspectiva, Pinto (2005, pag. 22) afirma o seguinte “A justiça convencional diz: você fez isso e tem que ser castigado! A justiça restaurativa pergunta: o que você pode fazer agora para restaurar isso?”. É importante destacar que durante a dinâmica restaurativa a adesão é voluntária e cabe aos participantes relatarem os fatos, perceberem que chegou o momento de solucionar o conflito, ou interromper o processo. 986

Sendo assim, implantar práticas restaurativas, como alternativa para resolução de conflitos, em diversos ambientes, especialmente nas escolas, é possibilitar uma educar para a democracia, para o diálogo e para a paz.

4 O CÍRCULO RESTAURATIVO

Durante o circulo restaurativo uma pessoa capacitada acompanha o processo, que é o facilitador/coordenador. Possivelmente os participantes (vitima, ofensor, familiares) podem apresentar sentimentos variados como raiva, medo, insegurança, vergonha, neste momento é importante o papel do facilitador/coordenador, este vai articular coletivamente a tomada de decisões em relação ao que causou o conflito, e vai ajudar a construir soluções. Segundo Ednir (2007, apud VAN NESS e STRONG, s/d, p. 14) uma perspectiva restaurativa é composta por três eixos principais: 1. Reparação de danos: O foco é a ofensa, a infração. Entender quais são as necessidades da vítima e encontrar uma forma coletiva e de troca de reparar a perda e também restaurar as relações. 987

2. Envolvimento dos afetados e membros da sua comunidade: Para efetivar a resolução futura do conflito é preciso a participação da vitima, ofensor, familiares e amigos de ambos, e comunidade local. 3. Transformação das pessoas, lideranças, comunidade e governo: rever valores, as normas de convivência, a responsabilidade e atitude das pessoas envolvidas diante da violência e das infrações. 4.1 Etapas restaurativo

que

compõem

o

processo

Para a eficácia do processo restaurativa é fundamental que os participantes, sejam valorizados e suas necessidades ouvidas por todos. O processo restaurativo orienta-se por valores, princípios e objetivos que apontam um novo caminho para a resolução do conflito. As etapas que compõem o processo restaurativo:

4.1.1 Pré-Círculo Nesta etapa o facilitador/mediador vai fazer uma exploração do caso, vai apropriar-se dos elementos disponíveis e trazer com clareza os fatos ocorridos. 988

O convite para participação do círculo pode ser ampliado para outras pessoas indicadas pelo ofensor (autor do ato), vítima (receptor do ato) ou pelo próprio coordenador/mediador. Sendo no ambiente escolar é importante a presença do responsável e da coordenação pedagógica.

4.1.2 Círculo

No círculo acontece o encontro das pessoas envolvidas no dano. Para a mediação deste encontro é muito importante a preparação do facilitador/coordenador, pois a linguagem, a postura e o olhar devem ser acolhedores com todos os presentes. Tal atitude transmite segurança e cria espaço para manifestações. A partir dos escritos de Carolyn Boyes-Watson & Kay Pranis, disponível no Guia de Práticas Circulares (2011, p. 37), neste momento, é pertinente a presença de “um objeto, chamado de objeto da palavra, que é passado de pessoa para pessoa, a fim de regular o fluxo do diálogo (quem fala e quando)”. Nessa perspectiva é importante que os participantes tenham clareza quanto ao significado do objeto da palavra, pois aquele que estiver de posse do objeto, poderá falar sem ser interrompido, será escutado e respeitado, visto 989

que somente a pessoa que o possuir poderá falar. O objeto facilita a participação de todos e o prosseguimento do círculo, no entanto algum participante poderá passá-lo sem falar. O Manual, citado anteriormente, apresenta sugestões a fim de facilitar a mediação da fala. Caso o grupo não se conheça pode-se solicitar a apresentação de cada um. Em seguida o facilitador responde aos questionamentos “Como você está se sentindo hoje? Existe alguma coisa que você sinta que é importante que saibamos sobre como você está?”. Outra sugestão é o facilitador iniciar o círculo socializando histórias de sua própria vida. Desta forma, as pessoas são encorajadas a participar. O círculo pode se tornar uma atividade pedagógica, que pela mediação de conflitos podemos encontrar soluções. Conforme a situação pode-se nominá-lo de Círculo da Paz, Círculo de Valores, Círculo de Trabalho, Círculo da Conversa ou Circulo da Escuta.

4.1.3 Pós- Círculo

É importante destacar novamente que o Círculo é um convite e acontecerá voluntariamente. O 990

papel do facilitador, nesta etapa, será como mediador, visto que a construção da restauratividade se deu desde o Pré-Círculo. O facilitador deve continuar valorizando a presença dos participantes, através da acolhida que dará a todos. O foco é a avaliação do Acordo. Conforme estudos, o facilitador pode iniciar o círculo com a seguinte pergunta aos participantes: “O que deseja que o outro saiba sobre como você está, neste momento, em relação ao Acordo e suas consequências?”.

5 POR QUE FAZER JUSTIÇA RESTAURATIVA NAS ESCOLAS? Encontramos na grande maioria dos regimentos escolares medidas punitivas, para controlar a indisciplina e a violência escolar. Em alguns casos fica a cargo do Conselho Escolar medidas como suspensão e até transferência para outra instituição escolar. A violência nas escolas tem sido divulgada amplamente e com isso alguns episódios são banalizados pela sociedade, como agressões verbais, físicas, xingamentos, ameaças, apelidos e outros. No entanto, as medidas punitivas adotadas pelas escolas não têm surtido efeito. Observa-se neste cenário educacional que a prática punitiva 991

de advertências, estabelecidas pelas escolas, tem elevado a violência nas instituições educacionais. De tal modo, o aluno após ter sido punido, tende a voltar à escola agressivo com os colegas e professores, e algumas vezes ocasiona dano ao patrimônio público, indo da ameaça. A Educação para a Paz implica em mudanças nas atitudes e comportamentos. Os gestores sozinhos não conseguem resolver os problemas que surgem na escola, mas como lideranças, podem articular, mediar, sensibilizar, dialogar, escutar, tendo em vista a unidade e a participação de todos os envolvidos no contexto escolar na tomada de decisões. Ao constatarmos a existência de episódios de violência torna-se urgente implantar atividades de enfrentamento à violência. Neste sentido Milani (2003) diz que: Um ambiente escolar violento prejudica a capacidade de aprendizado, provoca falta às aulas e cancelamento de atividades, o que aumenta as chances de repetência e/ou evasão. O fracasso escolar pode levar à frustração, agressividade e à violência. (MILANI, 2003, p.43).



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Entende-se que para restaurar as relações e administrar conflitos na sala de aula, o professor deve favorecer o diálogo. Neste sentido Rabbani (2003, p.75) afirma que “através do diálogo, educadores e educandos têm a oportunidade de refletir sobre a condição uns dos outros”. Utilizar no ambiente escolar uma linguagem não violenta, para resolução de conflitos e danos amplia o diálogo e possibilita humanizar as relações interpessoais no contexto educacional. Nesta nova abordagem na resolução de conflitos, algumas escolas têm obtido sucesso, em favor da pacificação e humanização das escolas públicas.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A maioria das escolas adotam medidas punitivas quando acontecem os conflitos, que vão desde advertências (orais ou escritas), suspensões, até a transferência do aluno para outra escola. Observase que tais medidas acarretam mais descontentamentos, agressões, humilhação e algumas vezes ameaças às equipes gestoras, aos professores, aos alunos e as vítimas. Assim como é profícuo buscar alternativas para melhorar a 993

qualidade do ensino e aprendizagem na educação básica, é imprescindível implantar práticas que humanizem o ambiente escolar. Neste artigo procurou-se apresentar uma alternativa para a mediação de conflitos escolar. É urgente e necessário sensibilizar equipes gestoras, supervisores, orientadores educacionais, professores, pais e responsáveis, funcionários e alunos, para uma nova abordagem. Deste modo, a comunidade escolar terá uma alternativa para humanizar e pacificar os espaços escolares e seu entorno. Um novo olhar para prevenção e resolução de conflitos está surgindo, este modelo cria espaço para a escuta sensível onde os atores sociais envolvidos terão a oportunidade de restaurar relações que foram rompidas por algum conflito. Este estudo é relevante para as escolas mediarem os seus conflitos diários, de forma pacífica. Por fim, este estudo sugere que a aplicação dessa nova perspectiva possa promover mudanças em nossas famílias, escolas e trabalho.

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INCIVILIDADE E FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DE PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS

Simone Francescon Cittolin UTFPR [email protected]

Este artigo apresenta um estudo teórico que tem como objetivo discutir a questão da formação pedagógica de professores universitários para o enfrentamento da incivilidade no contexto da Educação Superior. A fim de fundamentar a discussão, inicialmente o texto apresenta o conceito de incivilidade na Educação Superior à luz de autores como Amada (1986), Boice (1996), Sorcinelli (1994), Morrissette (2001), Feldmann (2001), Hirschy e Braxton (2004), Clark e Springer (2007), Clark (2009), Black et al. (2011) e Marlow (2013), para posteriormente discutir a formação pedagógica dos professores universitários, dialogando com estudiosos do assunto como Masetto (1998, 2002, 2012), Alarcão (2003), Pachane e Pereira (2004), Pimenta e Anastasiou (2010), Pirola e Ferreira (2007) e Cunha (2004, 997

2006, 2009). A carreira universitária se estabelece na perspectiva de que a formação do professor requer esforços apenas na dimensão científica do docente, o que revela que para ser professor universitário, o importante é o domínio do conhecimento de sua especialidade e das formas acadêmicas de sua produção. No entanto, a diversidade de fatores aos quais a incivilidade neste contexto está relacionada nos desafia a refletir sobre a atual fragilidade dos saberes e habilidades dos professores para lidar com esse fenômeno, decorrente da lacuna existente na sua formação profissional. Afirma-se, que somente com uma formação pedagógica voltada para um professor reflexivo poderá o professor universitário empreender ações efetivas no enfrentamento e na prevenção da incivilidade neste contexto. Palavras-chave: Educação. Incivilidade. Educação Superior. Formação Pedagógica.

Introdução O presente artigo apresenta um estudo teórico que tem como objetivo discutir a questão da formação pedagógica de professores universitários para o enfrentamento da incivilidade no contexto da Educação Superior. Para tanto recorremos aos estudos de Masetto (1998, 2002, 998

2012), Alarcão (2003), Pachane e Pereira (2004), Pimenta e Anastasiou (2010), Pirola e Ferreira (2007) e Cunha (2004, 2006, 2009) que discutem formação pedagógica, além de autores como Amada (1986), Boice (1996), Sorcinelli (1994), Morrissette (2001), Feldmann (2001), Hirschy e Braxton (2004), Clark e Springer (2007), Clark (2009), Black et al. (2011) e Marlow (2013) que discutem incivilidade na Educação Superior. A diversidade de fatores aos quais a incivilidade neste contexto está relacionada nos desafia a refletir sobre a atual fragilidade dos saberes e habilidades dos professores para lidar com esse fenômeno, decorrente da lacuna existente na sua formação profissional. A carreira universitária se estabelece na perspectiva de que a formação do professor requer esforços apenas na dimensão científica do docente, materializada pela pós-graduação stricto sensu, nos níveis de mestrado e doutorado, o que revela que para ser professor universitário, o importante é o domínio do conhecimento de sua especialidade e das formas acadêmicas de sua produção (CUNHA, 2009, p. 84). Exige-se do professor universitário, portanto, cada vez mais capacitação permanente em cursos de pós-graduação da área de conhecimento, mas está ele preparado para o exercício acadêmico? 999

São frequentes os relatos de que o professor sabe o conteúdo, porém não sabe como apresentá-lo ou desenvolvê-lo (BEHRENS, 2002, p. 65), de que não sabe como conduzir a aula e não sabe lidar com situações adversas, como por exemplo, com os eventos de incivilidade, ou que não se preocupa com a docência, priorizando seus trabalhos de pesquisa, que parecem fazer parte da “natureza”, ou da “cultura”, de qualquer instituição de Educação Superior. Diferentemente dos outros graus de ensino, o professor universitário se constitui, historicamente, tendo como base a profissão que exerce ou exercia no mundo do trabalho. A idéia de que quem sabe fazer sabe ensinar deu sustentação à logica do recrutamento dos mais variados profissionais à carreira universitária, sem preocupações mais profundas com a necessidade do preparo pedagógico do professor (MASETTO, 1998, p. 11; CUNHA, 2009, p. 84). No entanto, é notório que o professor universitário da contemporaneidade se depara com diversas questões que transcendem a indispensável competência científica, e que vivencia em sala de aula, inúmeras situações e desafios, para os quais, muitas vezes, não está preparado. Uma dessas questões é a incivilidade.

1000

A incivilidade, entendida como “qualquer ação que interfere com o ambiente de aprendizagem harmonioso e cooperativo da sala de aula” (FELDMANN, 2001, p. 137), tem ocupado um espaço cada vez maior no cotidiano das instituições de Educação Superior e vem se tornando um desafio para professores e gestores educacionais que não sabem como proceder para impedir, prevenir ou minimizar os conflitos presentes, tanto nas instituições de ensino públicas ou privadas, e que se manifestam nas relações dos alunos entre si, dos alunos com os professores e com suas atividades pedagógicas, ambiente, patrimônio, e que preocupa não somente os professores em início de carreira, mas também aqueles que tem uma vasta experiência de ensino. Uma vez que a formação do professor universitário não está ligada, necessariamente, à formação pedagógica, e que não há tal exigência no currículo dos programas de pós-graduação, os professores quando chegam à docência na universidade trazem consigo inúmeras experiências do que é ser professor e como lidar com situações adversas, como por exemplo, com as manifestações de incivilidade, que adquiriram como alunos, com seus inúmeros professores ao longo de sua vida escolar (CUNHA, 2006, p. 258), 1001

e acabam dominando e reproduzindo códigos de um saber pedagógico que vem da tradição com que foram formados (CUNHA, 2009, p. 85), e como comenta Cunha (2004), podem ser bastante influenciados em suas atitudes e ações pelos seus antigos professores e “certamente, poderão influenciar os que virão” (p. 91). Vale ressaltar ainda, segundo o mesmo autor, o quanto se aprende pela convivência com outros colegas e pela troca de experiências, e se isso tem aspectos positivos, há também o risco da repetição de práticas sem uma reflexão sobre elas. Ao entrar na sala de aula, o professor universitário espera encontrar pessoas com apenas duas características: maduras e dispostas a aprender. No entanto, geralmente encontra um numeroso grupo de jovens bastante diferente do que esperava encontrar (PIMENTA e ANASTASIOU, 2010, p. 228; UDEFI, 2009, p. 06), um público cada vez mais heterogêneo que pode, por um lado, não estar tão bem preparado, tanto emocional quanto intelectualmente, para o ingresso na Educação Superior; um público talvez mais jovem, mais imaturo, e, por vezes, pouco motivado e comprometido com sua aprendizagem, tendo em vista que a Educação Superior hoje não é mais garantia de um emprego estável no futuro, mas um público que pode, por outro lado, ser 1002

muito mais exigente quanto à qualidade do curso oferecido, tendo em vista especialmente o alto grau de competitividade do mercado de trabalho. Portanto, além de preparar-se para agir neste meio, para trabalhar com o novo perfil de alunos que chegam ao ensino superior, é imprescindível a este professor conhecer esta realidade e saber entendê-la e analisá-la, ou seja, torna-se necessário que o professor desenvolva estratégias que permitam a ele refletir sobre sua docência e o contexto mais amplo no qual ela se acha inserida. Na sequência, o texto apresentará algumas das características da incivilidade no contexto da Educação Superior e que exigem dos professores universitários características pedagógicas que salientam a lacuna na formação desses professores.

Incivilidade na Educação Superior A incivilidade no contexto da Educação pode ser entendida, segundo Debarbieux (2007) e Charlot (2002), como atos de grosseria, indelicadeza e descortesia, que demonstram o desrespeito e a desconsideração nas relações dos cidadãos entre si. Tais atos agridem a todos, desorganizam o ambiente no cotidiano das instituições de ensino, pois contrapõem às regras elementares da vida 1003

social, e portanto, da boa convivência. Para Morrissette (2001, p. 1), a incivilidade na Educação Superior é entendida como o comportamento intencional de alunos com o objetivo de atrapalhar e interferir com o processo de ensino e aprendizagem dos outros. Nesse mesmo sentido, Feldmann (2001) entende a incivilidade como “qualquer ação que interfere com o ambiente de aprendizagem harmonioso e cooperativo da sala de aula” (p. 137). Clark e Springer (2007, p. 93) chegam a afirmar que algumas demonstrações de incivilidade podem ser tão perturbadoras e afetar o ambiente acadêmico tão radicalmente, que a aprendizagem pode ser efetivamente interrompida. Para Feldmann (2001), as expressões ou manifestações de incivilidade na Educação Superior podem ser reunidas em 4 (quatro) grupos. O primeiro e maior grupo, normalmente identificado por ações individuais como chegar tarde para a aula e sair antes da aula terminar, dormir em sala de aula, responder a chamadas telefônicas em sala de aula, e provocações como jogar jogos de computador, navegar na internet, ou exibir falta de atenção ao realizar atividades ou leituras de outras matérias, não consistem em sérias interrupções no processo de ensino e aprendizagem. Porém, cada uma dessas ações 1004

individuais tem um pequeno impacto que, no conjunto, deteriora o ambiente de aprendizagem, especialmente se nenhuma ação é tomada no sentido de minimizar tais manifestações (CLARK, 2009, p. 1; BLACK et al., 2011, p. 23). O segundo grupo é definido como expressões de terrorismo de sala de aula, caracterizado por interrupções com perguntas e comentários alheios ao do assunto de interessse e ao restante da classe, por conversas em voz alta que distraem a atenção dos outros ou ainda por demonstrações verbais de intolerância às ideias e opiniões de outros colegas ou do professor. Segundo Feldmann (2001, p. 138), as expressões de terrorismo de sala de aula interferem diretamente com o processo de ensino e aprendizagem e devem ser resolvidas fora da sala de aula em uma conversa particular. O terceiro grupo envolve alunos que se utilizam de estratégias de intimidação na tentativa de obter algum tipo de poder sobre o professor. Tais expressões incluem ameaças de avaliar negativamente o professor ou o curso nas avaliações institucionais, ou fazer reclamações não verdadeiras a instâncias superiores da qualidade do ensino do professor ou da sua forma de avaliar. Feldmann (2001, p. 138) aponta que a regra número um para essas tentativas de 1005

chantagem emocional é não se mostrar intimidado, permanecer calmo e mostrar-se disposto a discutir os fatores que estão gerando tais situações. O autor considera o último grupo, o das agressões físicas ou verbais contra o professor ou contra os alunos, como as mais sérias expressões de incivilidade e as percebe como um ataque direto à capacidade do professor, podendo, tais eventos, interromper por completo com o processo de ensino e aprendizagem no momento da sua ocorrência. É fundamental que professores não permitam que essas ações provoquem reações das quais possam se arrepender posteriormente. Boice (1996, p. 456) destaca a relutância das instituições em divulgar eventos de incivilidade quando descreve os relatos de professores que se sentiram desprevenidos e sem formação adequada para lidar com esse tipo de situação. Em geral, os professores podem estar relutantes em discutir as manifestações de incivilidade, temendo que eles serão vistos, pelos colegas professores e pela administração, como incompetentes e incapazes de gerenciar o ambiente de sala de aula (MORRISSETTE, 2001, p. 3; HIRSCHY & BRAXTON, 2004, p. 71). Ou ainda, como comenta Amada (1986, p. 223) por se sentirem assustados, com medo de represálias e 1006

hesitantes, por não terem clareza dos seus direitos e do que é permitido fazer na ocorrência dessas manifestações. Assim, o que acontece nas salas de aula é raramente discutido, pois professores podem sentir que é seu dever resolver problemas de forma independente. Ou ainda, relataram ignorar tais manifestações na esperança de que iriam desaparecer antes de ultrapassarem os limites da sala de aula, por exemplo, através de queixas às coordenações ou aos departamentos de ensino. Finalmente, professores hesitam intervir em manifestações de incivilidade por que muitas vezes eles verdadeiramente não sabem o que fazer (SORCINELLI, 1994, p. 2; MARLOW, 2013, p. 52). De qualquer modo, em todos os casos em que a incivilidade na Educação Superior é percebida, deve-se considerar cuidadosamente o contexto em que ela ocorre, seu significado e o intuito de cada uma dessas demonstrações de incivilidade.

Formação pedagógica de professores universitários e incivilidade Até a década de 1970, apesar de inúmeras 1007

universidades brasileiras já estarem em funcionamento e a pesquisa já ser um investimento em ação, exigia-se do candidato a professor da Educação Superior apenas o bacharelado e o exercício competente de sua profissão (MASETTO, 2002b), baseado no princípio inquestionável de que “quem sabe, automaticamente, sabe ensinar” (p. 11). Ensinar significava, e para muitos significa ainda, ministrar grandes aulas expositivas sobre um determinado assunto, acompanhado de exercícios a serem resolvidos para mostrar na prática como se faz. Historicamente, portanto, o professor da Educação Superior se constitui tendo como base a profissão que exerce ou exercia no mundo do trabalho. A ideia de que quem sabe, sabe ensinar deu sustentação à lógica do recrutamento dos mais variados profissionais à carreira universitária, sem preocupações mais profundas com a necessidade do preparo pedagógico do professor (MASETTO, 2002b, p. 11; CUNHA, 2009, p. 84; MASETTO, 2012, p. 14, VEIGA, 2011, p. 457). Atualmente, exige-se do professor universitário cada vez mais capacitação permanente em cursos de pós-graduação na área de atuação, pois a carreira universitária tem se estabelecido na perspectiva de que a formação do professor requer esforços apenas na dimensão científica do 1008

docente, materializada pela pós-graduação stricto sensu, nos níveis de mestrado e doutorado, o que revela que para ser professor universitário, o importante é o domínio do conhecimento de sua especialidade e das formas acadêmicas de sua produção (CUNHA, 2009, p. 84). O prestígio desse professor alicerça-se, basicamente, nas atividades de pesquisa, incluindo participações em eventos qualificados, pela atividade de orientação de dissertações e teses que realiza, participação em bancas e processos ligados à pós-graduação. Observe-se, inclusive, como apontam Cunha (2004, p. 45), Pachane e Pereira (2004, p. 2) e Pimenta e Anastasiou (2010, p. 40), a inexistência de amparo legal que estimule a formação pedagógica dos professores universitários. A própria LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) é omissa em relação à formação pedagógica do professor universitário, como segue: “Art. 66. A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.” Assim, não encontrando amparo na legislação maior, a formação pedagógica dos professores universitários fica a cargo dos regimentos de cada instituição responsável pelo oferecimento de cursos de pós-graduação, e programas de 1009

capacitação aos seus docentes refletindo, e ao mesmo tempo regulamentando, a crença na não necessidade de que esta formação seja oferecida. Os programas de pós-graduação, de maneira geral, tendem a priorizar em suas atividades a condução de pesquisas, tornando-se responsáveis, mesmo que não intencionalmente, por reproduzir e perpetuar a crença de que para ser professor basta conhecer a fundo determinado conteúdo ou, no caso específico da Educação Superior, ser um bom pesquisador. Para Pachane e Pereira (2004, p. 05), os programas de pós-graduação não oferecem, necessariamente, melhoria na qualidade docente. Como a pesquisa e a produção de conhecimentos são objetivos da pós-graduação, os professores, quando participam desses programas, sistematizam e desenvolvem habilidades próprias ao método de pesquisa, deixando de lado o desenvolvimento das características necessárias para o desenvolvimento do ensino. Assim, podemos perceber que os cursos de formação em nível de Pós-Graduação, quando voltados exclusivamente para a realização de pesquisas, não atendem às necessidades específicas dos professores no tocante a suas atividades de docência. Ou seja, a qualificação 1010

oferecida pelos cursos de pós-graduação, como atualmente estruturados, possibilitam aos professores a titulação, porém, a maior titulação não significa, necessariamente, melhoria na qualidade docente (MASETTO, 2012, p. 200). Para Cunha (2009), é preciso considerar que os programas de pós-graduação stricto sensu em Educação, que têm sido procurados progressivamente por professores universitários de todas as áreas, são um espaço de formação onde, além de cumprir o processo de formação valorizado na carreira do professor universitário, atingindo o grau de mestre e/ou doutor, assumindo a pesquisa como objetivo principal, o professor encontre também possibilidades de cumprir sua necessidade de conhecimentos ligados à sua condição docente, entre eles os relacionados às manifestações de incivilidade no contexto da Educação Superior. Uma pesquisa realizada por Cunha (2009) mostrou que professores universitários, das mais diferentes áreas do conhecimento, estão à procura de saberes pedagógicos em Programas de Pósgraduação em Educação. Quando estimulados a revelarem motivos para escolher tais programas, o de maior destaque foi a vontade de compreender melhor o que fazem enquanto docentes, explicitando uma certa insatisfação com as 1011

práticas que vinham realizando, o que demonstra que sua base profissional não é suficiente para o enfrentamento dos desafios da docência no contexto da Educação Superior, em especial no que diz respeito à incivilidade. Pensar sobre a incivilidade no contexto da Educação Superior é pensar também na necessidade de se atuar na formação pedagógica do professor universitário através dos programas de capacitação docente desenvolvidos pelas instituições de Educação Superior, como um caminho propiciador de reflexões e mudanças. De acordo com Pirola e Ferreira (2007, p. 92) e Pimenta e Anastasiou (2010, p. 91), é necessário pensar nessa formação pedagógica do professor universitário concebendo-a através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas, em que o professor posssa buscar a integração de conhecimentos teóricos com a ação prática num processo contínuo de ação-reflexão, que permitirá que a incivilidade neste contexto possa ceder lugar a um espaço de participação, diálogo, e produção de conhecimento, realçando o verdadeiro sentido da universidade. Destaca-se então, a importância da construção de uma prática reflexiva na formação de professores universitários que possibilite a 1012

reformulação de conceitos, a contestação de conhecimentos e que favoreça a participação crítica do educador, desmistificando a concepção de que o professor é um mero transmissor, renovando sua identidade enquanto profissional. Tornar o professor reflexivo sobre sua prática pedagógica requer projetos que envolvam os professores em encontros nos quais possam se aproximar de metodologias inovadoras, possam discutí-las, aplicá-las, avaliá-las, reaplicá-las, rediscutí-las, e que possam colocar suas dificuldades e coletivizar seus êxitos. As transformações das práticas docentes somente se concretizarão à medida que o professor ampliar sua consciência sobre a própria prática (CUNHA, 2006, p. 259), a de sala de aula e a da universidade como um todo, e cultivar uma atitude permanente de questionamento, de busca de soluções, de investigação sobre sua prática. Segundo Alarcão (2003), um professor reflexivo, frente às manifestações de incivilidade como propõe esse trabalho, levantará uma série de hipóteses e questões que deverão instigá-lo a uma observação reflexiva, posteriormente a uma conceptualização do problema investigado, e como finalização desse processo de reflexão ocorrerá a experimentação ativa, que é a ação ou mudança desencadeada por este momento de 1013

observação, investigação e reflexividade. Conceber a reflexão como parte indissociável da prática docente, não é uma tarefa tão simples como pode vir a parecer, visto que muitos professores tem enraizados concepções atrasadas acerca do próprio trabalho e da incivilidade no contexto educacional, sem interesse em transformá-las.

Considerações finais A partir das discussões propostas neste trabalho, percebe-se que as características necessárias aos professores universitários hoje, extrapolam – e muito – os limites do conhecimento aprofundado da matéria de sua especialização e a aquisição de habilidades necessárias à condução de pesquisas, e seguem-se a dimensões muito mais amplas, que nos levam a argumentar em favor da importância da formação pedagógica do professor universitário. Como pode ser percebido o processo que envolve a prática pedagógica do professor reflexivo é complexo e envolve uma série de ações permeadas e subsidiadas pela reflexão, que somente uma formação pedagógica consistente podem proporcionar. Transformar as ações do professor não reflexivo em ações reflexivas, requer reposicionamentos, reconstrução de 1014

concepções e, acima de tudo, necessita primeiramente que o professor assuma uma postura crítica frente a sua prática, às necessidades de seu trabalho, às necessidades de se pesquisar e reconstruir sua prática pedagógica, a fim de empreender ações efetivas no enfrentamento e na prevenção da incivilidade no contexto da Educação Superior, já que a incivilidade é capaz de trazer diferentes implicações, inclusive para o currículo. Conclui-se, portanto, que somente com uma formação pedagógica voltada para um professor reflexivo, seja nos programas de pós-graduação stricto sensu ou nos programas de capacitação dos docentes das instituições de Educação Superior, poderá o professor universitário empreender ações efetivas no enfrentamento e na prevenção da incivilidade neste contexto.

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ÉTICA DO CUIDADO E A CONVIVÊNCIA NA ESCOLA

Vanessa Kokott Universidade Tuiuti do Paraná [email protected] Viviane Cristina Medeiros Universidade Tuiuti do Paraná [email protected]

Este artigo apresenta um estudo teórico sobre a convivência entre alunos, nos anos iniciais do Ensino Fundamental. O objetivo é analisar o papel do conhecimento mútuo na construção das relações de cuidado para a transformação da convivência na escola. Nesta elaboração, utilizamos uma investigação bibliográfica, com base em um conjunto de textos teóricos sobre Convivência na Escola (FIERRO, 2013; FIERRO et al, 2013; FIERRO e TAPIA, 2013; FIERRO e CARBAJAL, 2003) e Ética do Cuidado na perspectiva proposta por Nel Noddings (2003). 1019

Além disso, para complementar os estudos referentes ao tema, foram utilizados outros autores, visto que a pesquisa busca compreender melhor o contexto, em diferentes enfoques. O artigo está organizado da seguinte forma. Inicialmente abordaremos a Convivência na Escola, que vê nas interações cotidianas entre os sujeitos, seu principal objetivo, levando em consideração o encontro e o diálogo com o outro. Na seção seguinte, exploramos a Ética do Cuidado, a qual supõe que, cuidar e ser cuidado, é uma necessidade humana. Em seguida analisamos o papel do conhecimento mútuo na construção das relações de cuidado, discutidas por Chaux, Daza e Vega (2005), as quais destacam que, uma relação somente pode ser denominada relação de cuidado quando os sujeitos demonstrarem: comportamento pró-ativo em favor do outro; comunicação aberta e bidirecional, permitindo assim o conhecimento mútuo; e reciprocidade, essencial nas relações de cuidado. Nas considerações finais, pudemos constatar que as relações de cuidado tem grande importância no desenvolvimento da convivência na escola, sendo assim, devemos aproveitar as múltiplas oportunidades que podem ser desenvolvidas no interior da escola para promover as relações de cuidado. Portanto, destacamos a construção das relações de cuidado, como objeto 1020

principal, para possíveis mudanças da convivência na escola. Palavras-Chave: Educação. Convivência na Escola. Ética do Cuidado.

Introdução A sociedade contemporânea atravessa uma crise civilizacional, marcada pelo individualismo e pela solidão, manifestando emergente necessidade de um novo paradigma de convivência, no qual o cuidado pelo outro, transforme a vida em sociedade. Aprender a conviver é um dos desafios fundamentais para a Educação do século XXI, ressaltado no relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI (DELORS, 2010). Assim, se faz necessário pensar a construção da convivência na escola, com um novo olhar, por uma nova ética. A educação no século XXI é uma educação para a vida em sociedade, para uma vida entre os diferentes, e a escola é uma comunidade de diferentes. Estas diferenças já estão postas dentro da escola, por isso não se pode mais adiar a necessidade de se lidar com essas diferenças, mas ainda há muitas 1021

teorizações e práticas pedagógicas desenvolvidas alheias a esta questão; ao contrário, a escola tenta confirmar a inexistência das diferenças, ensinando dentro de um currículo homogêneo, com explicações iguais à todas as crianças, mesmas provas, mesmas perguntas, mesmas atividades. Com isso, a escola afirma que todas as crianças são iguais. Nesta direção, este estudo tem como objetivo analisar o papel do conhecimento mútuo na construção das relações de cuidado para a transformação da convivência na escola. Nesta elaboração, utilizamos uma investigação bibliográfica, com base em um conjunto de textos teóricos sobre Convivência na Escola (FIERRO, 2013; FIERRO et al, 2013; FIERRO e TAPIA, 2013; FIERRO e CARBAJAL, 2003) e Ética do Cuidado na perspectiva proposta por Nel Noddings (2003). Além disso, para complementar os estudos referentes ao tema, foram utilizados outros autores, visto que a pesquisa busca compreender melhor o contexto, em diferentes enfoques. O artigo está organizado da seguinte forma. Inicialmente abordaremos a Convivência na Escola, que vê, nas interações cotidianas entre os sujeitos, seu principal objetivo, levando em 1022

consideração o encontro e o diálogo com o outro. Na seção seguinte, exploramos a Ética do Cuidado, a qual supõe que, cuidar e ser cuidado é necessidade humana. Em seguida analisamos o papel do conhecimento mútuo na construção das relações de cuidado, discutidas por Chaux, Daza e Vega (2005), as quais destacam que, uma relação somente pode ser denominada relação de cuidado quando os sujeitos demonstrarem: comportamento pró-ativo em favor do outro; comunicação aberta e bidirecional, permitindo assim o conhecimento mútuo; e reciprocidade, essencial nas relações de cuidado. Nas considerações finais, pudemos constatar que as relações de cuidado tem grande importância no desenvolvimento da convivência na escola, sendo assim, devemos aproveitar as múltiplas oportunidades que podem ser desenvolvidas no interior da escola para promover as relações de cuidado. Portanto, destacamos a construção das relações de cuidado, como objeto principal, para possíveis mudanças da convivência na escola.

Um Olhar sobre a Convivência na Escola O tema convivência escolar, e seus avanços, agregam um amplo grupo de pesquisadores, dispostos a colaborar na compreensão e na melhora das condições das relações entre os 1023

sujeitos na escola. Estudos sobre a convivência escolar têm avançado em diversos países, inclusive no Brasil, tendo em vista os problemas enfrentados nas relações interpessoais, no interior da escola. Segundo Garcia (2008, p. 4533), “uma das principais fontes de motivação para esse avanço, entretanto, reside na intensidade e complexidade dos problemas de convivência que as escolas vêm experimentando”. Fierro (2013, p. 104) reconhece que: a prevenção é o foco central para o qual devem se dirigir os esforços de todos os sujeitos envolvidos. Porém, é necessário contar com mais e melhores instrumentos que permitam fazer aproximações distintas à convivência escolar, a partir de várias posturas teóricas, que considerem a perspectiva de diferentes sujeitos, assim como as diversas dimensões que estas podem abordar.



Pode-se entender a convivência escolar como um processo de construção contínua, no qual a criança e o adulto convivem com o outro, e ao conviver transformam seu modo de viver, 1024

tornando-se mais congruente com o outro. “A vida compartilhada nas escolas está de fato mais complexa, devido aos processos de mudança social, econômica e cultural que vive a sociedade” (FIERRO; TAPIA, 2013, p. 74). O formato da escola que temos há séculos, não comporta mais os novos sujeitos e as práticas que se apresentam. A maneira como são conduzidos os saberes cotidianos, se mostram insuficientes diante da diversidade dos sujeitos e da heterogeneidade das práticas. Assim, se faz necessário: desvendar e compreender a convivência como fenômeno relacional e como uma experiência subjetiva dos sujeitos. O caráter situado na convivência remete a necessidade de compreendê-la, dentro dos processos históricos, sociais e culturais mais amplos. Esta perspectiva oferece as coordenadas analíticas para o estudo da convivência como campo do conhecimento (FIERRO; TAPIA, 2013, p. 74).



Esse enfoque analítico tem como característica principal, compreender e interpretar o que 1025

acontece nas interações entre os sujeitos no interior da escola, levando em consideração todos os setores envolvidos nos processos educativos. Segundo Fierro e Tapia (2013, p.81): a convivência se entende como um processo construtivo contínuo, com base em transações, negociações de significados, elaboração de soluções, os quais vão criando um referencial comum, construído historicamente que gera um sentido de familiaridade, que chega a fazer parte da identidade do grupo e de quem participa dele.



Dentro desse enfoque podemos destacar duas dimensões: a social e a intersubjetiva. A social está presente na multiplicidade das interações cotidianas entre as pessoas, que se sucedem, em um tempo e local compartilhado; e a intersubjetiva, é a experiência da participação nas interações cotidianas com outros, inseridas nas características de cada um. (FIERRO; TAPIA, 2013, p. 81-82). Assim, Fierro e Tapia (2103, p. 80) definem a convivência, visto sua funcionalidade, como: um conjunto de práticas

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relacionais entre os agentes que participam da vida cotidiana das instituições educativas, as quais se constituem num elemento substancial da experiência educativa, tanto quanto as qualificam. Estas práticas relacionais – observáveis nos processos de ensino, na administração de normas, na construção de acordos, na solução de conflitos, na avaliação, no reconhecimento ou não das diferenças, no tratamento com os pais, nas interações com os estudantes e com seus docentes -, dão lugar a processos de inclusão e de exclusão, de participação ou segregação, de resolução pacífica ou violenta das diferenças, entre outros. (FIERRO; TAPIA, 2013, p. 80).



A definição de convivência escolar na perspectiva analítica se afasta de uma visão unificada, no sentido de se ter uma imagem acabada do conceito de convivência e de uma única maneira de intervir sobre ela. Podemos dizer que não existe somente uma convivência, mas sim, um aglomerado de convivências escondidas atrás de um conceito único de convivência. E este 1027

conceito corre o risco de não dar conta do caráter complexo, múltiplo, móvel e contraditório do que acontece nas relações diárias com os sujeitos.

A Ética do Cuidado

Quando cuidamos percebemos a importância que damos, não somente a nós mesmos, mas a vida. Assim, nos conscientizamos da necessidade de equilibrar as relações e a natureza. Mas é preciso que o cuidar se torne presente em nossas ações de forma natural, intrínseco ao nosso ser. Assim, podemos dizer que: cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro (BOFF, 2012, p. 37).



Segundo Heidegger (1989 apud BOFF 2012, p. 38), “o cuidado é algo mais, do ponto de vista existencial, o cuidado se acha a priori, antes de toda atitude e situação do ser humano, o que significa dizer que ele se acha em toda atitude e 1028

situação de fato”. Isto significa reconhecer o cuidado “como um modo-de-ser essencial, sempre presente e irredutível à outra realidade anterior” (BOFF, 2012, p. 38). O cuidado é essencial ao ser humano, sem ele deixamos de ‘ser humanos’, pela necessidade de se relacionar e expressar os sentimentos. Para Noddings (2003, p. 40), “cuidar é agir, não por uma regra determinada, mas por afeto e consideração”. Podemos perceber, que as ações de quem cuida, são guiadas, não por regras determinadas, mas pelo sentimento expresso ao objeto de cuidado e pela situação na qual se encontra. Não se pode agir esperando um elogio ou reconhecimento, e sim em prol do bem estar do outro. Temos que agradar o objeto do cuidado, pelo desejo natural e não esperando um reconhecimento. Somos às vezes colocados diante do conflito, do que achamos ser melhor ao objeto de cuidado, e o que ele deseja. Podemos dizer que: o cuidado envolve sair da própria estrutura de referência pessoal para entrar naquela do outro. Quando cuidamos, consideramos o ponto de vista do outro, suas necessidades objetivas e o que ele espera de nós. Nossa atenção, nossa

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absorção mental está no objeto do cuidado, não em nós mesmos (NODDINGS, 2003, p. 40).



Toda ação em prol do objeto do cuidado deve levar em conta suas necessidades e o momento. Devemos ter consciência que podemos não agir conforme as regras da moralidade. “Comportar-se eticamente não é comportar-se em conformidade com qualquer descrição de moralidade” (NODDINGS, 2003, p. 44). Assim, podemos crer que, construir uma ética baseada no cuidado parece ser coerente e relevante, pois, “sua ênfase não está nas consequências dos nossos atos [...]. Mas, uma ética do cuidado situa a moralidade, fundamentalmente, na consciência prévia do ato da cuidadora” (NODDINGS, 2003, p. 46). Para Noddings, a prática do cuidado deve ser analisada numa perspectiva fenomenológica, não de uma maneira formal, mas sim, “como um fenômeno que se mostra, manifesta e revela em seu próprio acontecer” (VERDERA, 2009, p. 80). Podemos entender então, na perspectiva de Noddings, que o cuidado não pode ser analisado de uma maneira abstrata, mas sim, como uma vivência. 1030

“A vivência do cuidado são as relações interpessoais que acontecem entre a pessoa que cuida e aquela que é cuidada” (VERDERA, 2009, p. 80). Nesta perspectiva: a interdependência relacional que se estabelece entre “quem cuida” e “quem é cuidado” obriga a uma “imersão total”, a um “compromisso total com as necessidades, interesses e preocupações da pessoa que precisa do cuidado”. Não se trata apenas das atitudes que ambos revelam, - de cada um para com o outro – que sendo importantes, não bastam, pois é fundamental que o Cuidado se objetive em Ação, em mudança, tendo que ser reconhecido, para se legitimar (MARINHO, 2004, p. 80).



Mas como saber se uma relação de cuidado é genuína. Conforme Noddings, não existe um conjunto de regras que determinam se a relação de cuidado é autêntica ou não, por isso, precisamos analisar as relações individualmente. O que possibilita identificar as relações de cuidado é: 1031

a forma como a pessoa que cuida recebe os desejos e necessidades do outro para apreender sua realidade, e como isto motiva seu interesse em favor do outro. A pessoa que cuida não projeta sua realidade sobre a pessoa que recebe o cuidado, e sim, acolhe a realidade do outro como uma possibilidade de sentir sua realidade, [...] (VERDERA, 2009, p. 81).



Podemos entender que, para que as relações de cuidado aconteçam, é necessário que a pessoa que cuida se torne receptiva ao outro, o que não significa se colocar no lugar do outro, mas sim, receber o outro, compartilhar seus sentimentos, conhecer o outro em sua plenitude, assim, quem cuida, pode ver e sentir a realidade através dos olhos do outro.

O papel do conhecimento mútuo na construção das relações de cuidado O cuidado é uma atitude essencial aos seres humanos. Faz-se necessário estabelecer afeto e consideração pelo bem estar do outro. Há uma 1032

relação de interdependência de quem cuida e de quem é cuidado. Comportar-se eticamente não está atrelada a moralidade, mas esta deve ser a consciência prévia do cuidador. É por meio da interação entre os sujeitos que o cuidado se constrói. Pode-se dizer que uma relação é uma relação de cuidado quando: a interação acontecer pela troca de informação de ambas as partes, numa comunicação de via dupla. Faz-se imprescindível a percepção da necessidade concreta do outro, assim, é preciso perguntar, escutar e observar o objeto do cuidado. E, quem cuida deve estar disposto a expor as suas necessidades, pensamentos e emoções, facilitando o conhecimento mútuo e a comunicação entre os sujeitos. Para Chauz, Daza e Vega, 2005, p. 128: cada uma das partes envolvidas sente e expressa um genuíno interesse pelo bem estar do outro. Este interesse motiva a um questionamento constante sobre as possibilidades que se tem em melhorar a situação da outra pessoa.



Também, por meio da comunicação aberta e bidirecional, na qual cada um dos sujeitos envolvidos na relação sabe o que necessita, como 1033

se expressar, ler e interpretar os sinais enviados, e sabe como se comportar corretamente em resposta as situações. “Cada pessoa tem diferentes formas de expressar-se e estas variam conforme a situação” (CHAUZ; DAZA; VEGA, 2005, p. 128). A comunicação bidirecional é o centro das relações de cuidado, desde os primeiros anos de vida. Os sinais que o sujeito que está sendo cuidado emite, confirmando a ação do cuidado, dão respaldo ao cuidador. É recíproco. A reciprocidade é um elemento fundamental nas relações de cuidado. “Cada um dos envolvidos contribui para a relação e ambos são responsáveis pela sua formação e manutenção” (CHAUZ; DAZA; VEGA p. 128). Por meio das relações de cuidado entre pares, os sujeitos podem exercitar o real interesse uns pelos outros, de um modo concreto e pró-ativo, com base em conhecimento mútuo. Para Noddings (2003a apud VERDERA, 2009, p. 81): o que permite identificar as relações de cuidado é a forma como a pessoa que cuida recebe os desejos e necessidades do outro para apreender sua realidade, e como isto motiva seu interesse em favor do outro.

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A pessoa que cuida não projeta sua realidade sobre a pessoa que recebe o cuidado, sendo que acolhe a realidade do outro como uma possibilidade de sentir sua realidade [...].



Podemos dizer que a prática do cuidado compreende em acolher, escutar e conhecer o outro, sendo a reciprocidade essencial para que se possa responder as necessidades expressas pelo outro.

Considerações finais Neste estudo pudemos constatar que as relações de cuidado tem grande importância no desenvolvimento da convivência na escola, sendo assim, devemos aproveitar as múltiplas oportunidades que podem ser desenvolvidas no interior da escola, para promover as relações de cuidado. A escola é um espaço privilegiado para a construção de relações de cuidado. É na escola que as crianças aprendem e incorporam novas competências e habilidades para relacionar-se, principalmente, com os pares. Portanto, a escola deve oferecer as crianças 1035

espaços que estimulem as relações de cuidado, no qual tenham a possibilidade de explorar e enfrentar novos desafios, enfatizando o contexto social e a interação entre os pares, facilitando processos de colaboração. Podemos concluir que é uma necessidade do ser humano cuidar e ser cuidado. Sentir-se cuidado pelo outro, e ser capaz de mostrar as necessidades ao outro para que se tenha um retorno, é essencial ao desenvolvimento. A capacidade de cuidar é algo que se aprende e se conquista na relação com o outro. As relações de cuidado favorecem: bem estar pessoal; construção da confiança em si e no outro, sabendo se capaz de cuidar do outro e ter a confiança de que o outro também irá cuidar; desenvolvimento de competências essenciais à construção do comportamento moral; convivência pacifica e construtiva entre os sujeitos, pois remete a capacidade de consolidar as interações entre os sujeitos baseadas no afeto, no respeito, na tolerância e na prevenção e atenção com atitudes de violência.

REFERÊNCIAS

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BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. CHAUX, Enrique; DAZA, Berta Cecilia; VEGA, Laura. Las relaciones de cuidado en la aula y la institución educativa. In: TORO, Jose Bernardo; ROJAS, Claudia Patricia. La educación desde las éticas del cuidado y la compasión. Bogotá: Pontificia Universidad Javeriana, 2005. p. 127-146. DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Brasília: Representação no Brasil, 2010. FIERRO, Cecília et al. Conversando sobre la convivencia en la escuela: una guia para el autodiagnóstico de la convivencia escolar desde las perspectivas docentes. Revista Iberoamericana de Evaluación Educativa, Madrid, v. 6, n. 2, 2013, p. 103124. FIERRO, Cecilia; TAPIA, Guillermo. Hacia un concepto de convivencia escolar. In: FÚRLAN, Alfredo; SCHWARTZ, Terry Carol Spitzer (Org.). Convivencia, disciplina y violencia en las escuelas 2002-2011. México: ANUIES, 2013. p. 73-87. FIERRO, Cecilia. Convivencia inclusiva y democrática. Una perspectiva para gestionar la seguridade escolar. Sinéctica, San Pedro Tlaquepaque, n. 40, p. 1-8, enero/junio. 2013. FIERRO, Cecilia; CARBAJAL, Patricia. El docente y los valores desde su práctica. Sinéctica, San Pedro Tlaquepaque, p. 3-11, febrero/julio. 2003. GARCIA, Joe; DAMKE, Anderléia Sotoriva. O esvaziamento da disciplina na escola. In: Congresso Nacional de Educação da PUCPR - EDUCERE, 8., 2008, Curitiba. Anais... Curitiba: Editora Champagnat, 2008, p. 4533-4542.

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GARCIA, Joe. Convivência na Escola: Teorias e Práticas Inovadoras. Curitiba: Disciplina Especial do Curso de Mestrado da UTP, 2014. Notas de aula. MARINHO, Manuela. Olhares femininos sobre a ética: Carol Gilligan e Nel Noddings. Intervenção Social, Lisboa, n. 29, p. 71-82, 2004. NODDINGS, Nel. O cuidado: uma abordagem feminina à ética e à educação moral. São Leopoldo: Unisinos, 2003. VERDERA, Victoria Vázquez. La educación y la ética del cuidado em el pensamento de Nel Noddings. 284 f. Tese (Doutorado em Filosofia e Ciências da Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências da Educação, Universidade de Valência, Valência, 2009.

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CONVIVÊNCIA NA ESCOLA ENTRE ALUNOS DE DIFERENTES IDADES

Viviane Cristina Medeiros Universidade Tuiuti do Paraná e-mail: [email protected] Vanessa Kokott Universidade Tuiuti do Paraná e-mail: [email protected]

Este artigo apresenta um estudo teórico sobre a convivência na escola, no contexto dos anos iniciais do Ensino Fundamental, entre alunos de diferentes idades. O objetivo é analisar quais os avanços na convivência entre alunos, quando estes interagem com pares de idades diferentes. É preciso repensar a função da escola na atualidade, frente ao contexto mundial que apresenta um cenário de exclusão social, conflitos e violência, portanto, a aprendizagem da convivência é uma necessidade. A escola deve ensinar a conviver, e, portanto, precisa superar formas de organização tradicional, onde divide, classifica e segrega alunos de acordo com critérios etários. Para a elaboração deste trabalho 1039

utilizou-se uma investigação bibliográfica, resultando na elaboração de uma síntese do conhecimento sobre o objeto de pesquisa. Com base na elaboração teórica realizada neste artigo pretendemos apresentar algumas contribuições para o estudo da convivência escolar. Primeiramente, a fim de fundamentar a discussão, é abordado o conceito de convivência, de acordo com documento da Unesco (1996), no qual “aprender a conviver” é definido como um dos quatro pilares para a Educação do Século XXI. Também consideramos o conceito de convivência escolar proposto por Fierro (2012, 2013) e Mena (2008). Em seguida, exploramos a importância da organização de agrupamentos de diferentes idades na escola, na perspectiva de Katz (1996) e Kinsey (2001). Ao final, apresentamos os avanços na construção da convivência escolar quando pares de idades diferentes interagem. Entre os resultados, podemos destacar os seguintes avanços: a prática de valores de solidariedade e cooperação, respeito à diversidade e, portanto, apresenta qualidades inclusivas. Palavras – chave: Educação. Convivência escolar. Idades diferentes.

Introdução O cenário mundial na contemporaneidade é 1040

marcado por desigualdades sociais, culturais e econômicas, gerando cada vez mais exclusão em grande parte da população. Os indivíduos são divididos e classificados de acordo com alguns critérios de segregação, entre eles: classe, gênero e raça. Estas divisões reforçam preconceitos, levam à intolerância, aos conflitos e a atitudes de extrema violência nas relações humanas. Este cenário é reproduzido na escola, e uma das maiores preocupações de gestores, equipes pedagógicas e corpo docente são as relações tensas de convivência escolar, gerando situações de indisciplina e violência, pois influenciam o processo de ensino-aprendizagem. Nos Projetos Políticos Pedagógicos as escolas assumem uma concepção progressista de educação, mas na prática reafirmam práticas de segregação, entre elas, a divisão etária de alunos. A preocupação é com o controle, por isso são organizados agrupamentos homogêneos, e consequentemente, os alunos não aprendem a conviver na diversidade. A sociedade é marcada pela heterogeneidade, e esta complexidade de relações humanas também está presente na escola, por isso os alunos devem aprender a conviver na diversidade. Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo analisar quais são os avanços observados na convivência 1041

entre alunos, quando estes interagem com pares de idades diferentes na escola. Quanto à metodologia, usada na elaboração deste artigo, foi utilizada uma investigação bibliográfica, primeiramente foi realizado um levantamento de produções teóricas, em seguida, a seleção dos autores e suas obras, e, após uma leitura crítica foi elaborada uma síntese do conhecimento sobre o objeto de pesquisa. Em relação ao desenvolvimento do presente artigo, primeiramente será abordado o conceito de convivência, com base em documento da Unesco (2010), Fierro (2014) e Mena (2008). Em seguida, exploramos a importância da organização de agrupamentos de diferentes idades na escola, na perspectiva de Katz (1996) e Kinsey (2001). Ao final, argumentamos quais os avanços observados na convivência entre alunos de diferentes idades na escola.

O conceito de convivência Primeiramente é preciso buscar a compreensão da palavra convivência, que de acordo com a etimologia significa “viver com”, de COM, “junto”, mais VIVERE. A definição encontrada no dicionário de Língua Portuguesa consta como “ação ou efeito de conviver”, “trato diário” e “familiaridade”. 1042

O relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre a educação para o século XXI, apresenta quatro pilares fundamentais para educação, entre eles, aprender a conviver com os outros. É uma aprendizagem que acontece no campo dos valores e atitudes. De acordo com Fierro e Tapia (2013, p.73) é preciso aprofundar o conceito, buscando compreende-lo de uma maneira mais ampla, pois conviver implica na necessidade da condição humana em viver junto, em grupo, onde o homem se faz no contato com o outro. Nesta relação com o outro, na vida em sociedade, o indivíduo, para viver junto, precisa buscar um equilíbrio entre as suas vontades e a necessidade que atenda o grupo ao qual está inserido. O desenvolvimento da capacidade da convivência entre as pessoas gera a interação entre elas, e busca conciliação entre distintos interesses. Os seres humanos, ao conviver juntos, tem a necessidade de encontrar um equilíbrio entre a satisfação das próprias necessidades e as do outro, que os leva a gerar uma série de dimensões pessoais, que permitem avançar na

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convivência, ou “conduta moral”. (MENA e RAMÍREZ, 2003, p.45).



Estas interações são sociais, portanto, devem ser aprendidas, primeiramente na família, e em seguida em outros ambientes da sociedade. As relações de convivência ao longo da vida vão sendo diversificadas, são complexas, buscam o equilíbrio entre os interesses individuais e coletivos. Mena e Ramírez (2003, p. 45-46) sugerem que há três dimensões pessoais envolvidas no desenvolvimento da convivência: a capacidade de compreender o outro, a empatia e o juízo moral. A primeira dimensão sugere a necessidade de compreender, ao conviver com o outro, o que este pensa e sente de maneira diferente, de acordo com sua trajetória de vida e, portanto, deve ser respeitado na sua singularidade. A dimensão da empatia envolve uma “ressonância afetiva” (p. 46), pela qual a pessoa sente uma conexão afetiva com o outro. Segundo as autoras, a capacidade de empatia está na base da solidariedade, da compaixão e do perdão (p. 46). Quanto à dimensão do “juízo moral” – expressão usada por Piaget (1994) -, esta se refere à capacidade de discernir aquilo que é correto em determinada situação (p. 46). 1044

Desta maneira, a convivência é algo construído nas relações humanas, no contato com o outro, em um ambiente que promova a interação com os diferentes. A convivência envolve aprendizagem e isso torna necessária uma reflexão sobre quais valores se deseja inserir nessa experiência, e que sociedade esperamos como resultado desse processo. A partir das considerações anteriores é possível entender convivência, portanto, como uma experiência de interação humana, que envolve aprendizagem, compreensão do outro, empatia e consciência moral.

Convivência Escolar A sociedade contemporânea é marcada pelas desigualdades econômicas, sociais e culturais que causam à exclusão, a segregação, a intolerância as diferenças e a violência. Este cenário é reproduzido na escola, preocupando docentes e gestores, pois afetam o cotidiano da escola. Diante desta situação, os autores Fierro e Tápia (2013, p.74), consideram a convivência escolar uma categoria emergente. De acordo com a abordagem da convivência escolar em pesquisas, Fierro e Tapia (2013, p.74) apontam uma diversidade de disciplinas e enfoques sobre o tema, entre elas: a Educação para a Paz e os Direitos Humanos, Educação e 1045

Democracia, Educação Inclusiva, Educação de Gênero, Educação e Valores, Educação Cívica e Ética, entre outros. As revisões sobre trabalhos apontam dois enfoques gerais: normativoprescritivo e analítico. Quanto ao primeiro enfoque, o normativoprescritivo, aborda a convivência na perspectiva da prevenção da violência ou da qualidade da educação, visando práticas que possam intervir na construção da convivência escolar. (FIERRO, TAPIA, 2013, p.75). O estudo sobre a convivência de “caráter remedial” ou de “prevenção” podem apresentar estratégias e ações restritas ou amplas. Em relação às estratégias restritas, elas são de efeito imediato, que apresentam pouco sucesso nos resultados duradores, pois são verticalizadas. Quanto às estratégias amplas buscam a prevenção, e para isso, a compreensão de todos os determinantes que possam interferir nas manifestações da violência escolar, e não atribuir unicamente ao sujeito. A relação entre convivência e qualidade da educação, considera a influência no processo ensino-aprendizagem e a necessidade da construção de um clima favorável onde os alunos possam aprender. Podem ser abordadas em três dimensões: inclusiva, democrática e paz. (FIERRO, TAPIA, 2013, p.79). 1046

A convivência inclusiva parte do pressuposto que a sociedade é heterogênea, portanto, a diversidade deve ser valorizada na escola. Sendo os processos fundamentais para a inclusão, o sentimento de pertencimento, reconhecer e valorizar a própria identidade e perceber a importância da singularidade dos sujeitos. (FIERRO, 2012, p.11). A convivência democrática destaca a importância da construção coletiva das normas e regulamentos da vida em comum, assim como resolver os conflitos por meio do diálogo. Quanto à convivência pacífica, em função das anteriores, estabelecer relações interpessoais baseadas no respeito e cuidado com o outro e os espaços compartilhados. (FIERRO, TAPIA, 2013, p. 81). Em relação ao enfoque analítico, a convivência é abordada como fenômeno relacional ou como experiência subjetiva. A primeira está presente na diversidade das relações compartilhadas em determinado tempo e espaço, construídas no cotidiano. Quanto à experiência subjetiva, referem-se às experiências dos sujeitos que vivenciam o espaço escolar, abordado no conceito de “clima escolar” (FIERRO, TAPIA, 2013, p.81). O conceito de convivência, com base nos autores Fierro et al (2012, p. 106), “conjunto de práticas relacionais entre os sujeitos que 1047

participam da vida cotidiana das instituições educativas, as quais constituem um elemento substancial da experiência educativa, em ambos qualificados”. Estas práticas relacionais, observáveis nos processos de ensino, no manejo das normas, na construção de acordos, na solução dos conflitos, na avaliação, no reconhecimento das diferenças, no tratamento com os pais, nas interações entre os estudantes, e com seus professores dão lugar a processos de inclusão ou exclusão, de participação ou segregação, de resolução pacifica ou violenta das diferenças, entre outros. (FIERRO et al, 2012, p.106-107).



Desta maneira, as práticas relacionais construídas no cotidiano por toda a comunidade escolar influenciam a convivência entre os sujeitos. Assim, a convivência é um conceito aglutinador por se referir as interações que cercam e enlaçam a vida na escola. Sem dúvida, vai muito além, não somente no contexto ensino e

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aprendizagem, sendo o que remete ao espaço da vida compartilhada com os outros, portanto, oferece vivencias fundamentais para a formação sócio-afetiva e ética, supõe a capacidade de trabalhar com os outros, de resolver as diferenças e conflitos que se apresentam na vida escolar, de reconhecer e apoiar situações que possam demandar o apoio e a solidariedade dos companheiros, a capacidade da escuta ativa e de diálogo, assim como a empatia, que dizer, a capacidade de colocar-se no lugar de outra pessoa. (FIERRO, 2012, p. 10).

É preciso compreender a convivência de uma maneira ampla, ultrapassando o contexto do processo ensino aprendizagem, mas como forma de se descobrir com o outro, compartilhando valores e atitudes comuns. De acordo com Fierro et al (2012, p.107) o conceito da convivência, partindo da perspectiva analítica, está distante de uma definição única e de uma interferência linear, pois sempre será um “conglomerado” de convivências. Portanto, não pode ser reduzido a um único conceito, mas “um fenômeno que podemos acessar de uma maneira indicativa, parcial e temporária” (p. 107). 1049

Desta maneira, conviver não é inato ao ser humano, é algo que se aprende nas relações com o outro, portanto, a função da escola é ensinar como conviver. Na perspectiva analítica, a convivência é um fenômeno relacional ou subjetivo, que é construído nas relações humanas e interfere na qualidade dos processos de inclusão ou exclusão na escola. A convivência na escola diz respeito ao compartilhamento da vida em comum, nas relações de escuta e diálogo, no conhecimento do outro, onde este passa a significar algo, e, portanto, são estabelecidas relações de empatia entre os sujeitos.

Agrupamentos de diferentes idades na escola no contexto dos anos iniciais do Ensino Fundamental De acordo com a LDB 9394/96, no Art. 32. O Ensino Fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que

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se fundamenta a sociedade; III o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.

Dentre as premissas citadas para a formação básica do cidadão, somente a primeira está especificamente relacionada ao processo ensino aprendizagem do saber sistematizado, quanto às demais, remetem à aprendizagem da convivência visando à formação básica do cidadão. Portanto, é preciso formar um sujeito que saiba conviver, estabelecendo interações baseadas em valores humanos. Em relação aos anos iniciais do Ensino Fundamental, que compreende do primeiro ao quinto ano, e atende alunos a partir dos seis anos de idade, tradicionalmente, as turmas são organizadas de acordo com alguns critérios, entre eles, o etário. A maioria do arranjo tempo e espaço escolar permite a convivência somente com pares da mesma idade, restando poucos momentos para a interação entre os alunos mais velhos e mais novos. Entre estes períodos, 1051

destacam-se o recreio, Feira Cultural de Ciência, os Jogos Escolares, assim como os horários de entrada e saída da escola. Em relação à justificativa da relevância de agrupamentos de diferentes idades na escola, estudos de Katz (1998), apresentam que as interações entre crianças de diferentes idades na sociedade atual são limitadas. A autora aponta algumas razões, entre elas: a diminuição do tamanho das famílias e o aumento da permanência da carga horária diária em que as crianças passam na escola, na qual, o tempo e espaço escolar são organizados de acordo com a divisão de grupos etários, desta maneira, as crianças passam mais tempo segregadas por idades. Em relação aos agrupamentos de diferentes idades na escola, Katz (1998), aponta os benefícios da mistura de idades, tanto para as crianças mais velhas quanto para as mais novas, e também para os professores, sendo estes sociais e intelectuais. Quanto aos benefícios sociais, para as crianças mais velhas, Katz (1998, p. 2-3) apresenta algumas possibilidades destas interações, entre elas: atitudes de liderança, pois se sentem menos ameaçados, ensinam o outro, melhoram o 1052

comportamento quando encorajados a ajudar os menores, os imaturos sentem-se menos rejeitados e os tímidos mais confiantes. Em relação aos benefícios para os mais novos (p.3-4), aprendem a importância do cuidado e do carinho como habilidades para a vida, e que todos temos limitações, inclusive os adultos, assim, sempre precisaremos do outro. Katz (1998, p. 5-6) aponta entre os benefícios intelectuais para os mais velhos, podem ser citados, os momentos no qual podem explicar algo para os mais jovens, tendo a possibilidade de desenvolver a autoestima. Quantos aos benefícios intelectuais para os mais novos (p.5-6), podemos abordar a participação em jogos e atividades mais complexas, onde o desenvolvimento é mais estimulado. Em relação às pesquisas sobre o tema, Kinsey (2012) faz um levantamento dos estudos acadêmicos sobre os agrupamentos “multiidades”, evidenciando que ainda há muito a avançar nas pesquisas em relação ao tema, apontando entre as dificuldades, a própria definição do conceito. Colocar crianças com pelo menos um ano de idade de diferença, em grupos na mesma sala de aula, assim como

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intencionalmente, aperfeiçoar o que pode ser aprendido quando crianças de diferentes – tal como a mesma - idades e habilidades têm oportunidades frequentes de interagir. (KINSEY, 2012b apud KATZ, EVANGELOU E HARTMANN, 1990, p. 1).



Quanto aos estudos realizados na área sócioemocional apresentam benefícios nos agrupamentos “multi-idades”, apontando que estudantes demonstram atitudes mais positivas em relação à escola, desenvolvem habilidades de liderança, autoestima e comportamento menos agressivo em comparação aos pares da mesma idade. (KINSEY, 2012, p. 01). As considerações acima, sobre os agrupamentos de idades diferentes, demonstram os benefícios intelectuais e sociais construídos nessas interações, as quais refletem na convivência escolar e na aprendizagem de habilidades sociais para a vida em comum.

Convivência entre alunos de diferentes idades na escola A partir das considerações anteriores, podemos entender a convivência como uma experiência humana que envolve interação, conhecer e 1054

compreender o outro, empatia e consciência moral. Todo este processo envolve aprendizagem, portanto, torna-se necessário refletir sobre os valores almejados para serem inseridos nesta experiência. A escola, ao agrupar seguindo critérios etários e não possibilitando a interação entre idades diferentes, acirra a segregação e a exclusão, pois busca a homogeneização. E, além disso, ao classificar e dividir os alunos, não propicia condições para conhecer os seus pares, apenas aqueles que ficam confinados na maior parte do tempo escolar, durante todo o ano letivo. Desta maneira, não há sentimento de pertencimento ao ambiente, que muitas vezes, pode ser hostil e violento. Consequentemente, pode influenciar negativamente no desenvolvimento de habilidades sociais, e interferir no processo ensino e aprendizagem. Conforme abordado anteriormente, estudos apontam benefícios sociais quando as crianças podem conviver com idades diferentes, escolas as quais propiciam tais agrupamentos, ensinam a convivência na diversidade, os quais os mais velhos e o mais novos aprendem juntos, e (re) significam a convivência construída com os diferentes, no cotidiano da escola.

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Algumas escolas romperam com a organização seriada por idade, e promovem interações entre os alunos, os quais aprendem juntos, em um ambiente colaborativo, de aprendizagem solidária e cooperativa. Estas escolas adotam práticas inovadoras, buscam ultrapassar estruturas tradicionais, as decisões são discutidas coletivamente e os interesses e ritmo dos alunos são respeitados, portanto, há valorização do protagonismo discente. Encontramos na literatura educacional algumas escolas espalhadas pelo mundo pautadas por ideais de liberdade e gestão participativa. (SINGER, 2010, p.15). Receberam diferentes denominações da literatura ao longo dos últimos cento e cinquenta anos: românticas (por associação à filosofia de JeanJacques Rousseau), pedagogia centrada no estudante (por associação a psicologia centrada no cliente, que faz com que este dirija o processo e não o terapeuta), escolas livres, progressistas, alternativas, democráticas. (SINGER, 2010, p.15).

As escolas pautadas na “educação democrática” estão espalhadas ao redor do mundo, mas não 1056

são homogêneas, apresentam certas peculiaridades, algumas são organizadas em rede, outras nem se identificam como tal. Apesar das diferenças, estas instituições escolares apresentam duas características comuns: (...) gestão participativa, com processos decisórios que incluem estudantes, educadores e funcionários, e organização pedagógica como centro de estudos, em que os estudantes definem suas trajetórias de aprendizagem, sem currículos compulsórios. (SINGER, 2010, p.15).

Este movimento de escola democrática está presente ao redor do mundo, as quais, várias delas, articuladas em redes, entre elas: Institute for Democratic Education (IDE) criada em 1987; International Democratic Education Network (IDEN) criada em 2000, a escola mais famosa que pertence a esta rede é Summerhill; Sudbury Education Resource Network. Em Portugal, a Escola da Ponte inicia o processo de democratização em 1976, mas não participa de nenhum movimento internacional de escola democrática. No Brasil, a primeira escola democrática criada foi a Lumiar, em 2003, na cidade de São Paulo. (SINGER, 2010, p. 43-47). 1057

Apesar das diferenças, estas escolas buscam resistir à reprodução do paradigma tradicional, que visa formar o sujeito para a submissão, sem questionamentos. Resistência às relações saber-poder que produzem um discurso e uma prática escolares baseados na supremacia da disciplina sujeitadora para a formação de indivíduos supostamente autônomos que livremente optariam pela obediência. (SINGER, 2010, p.160).

De acordo com estudos dos psicólogos Jay Feldmann e Peter Gray na escola norte-america de Sudbury, a qual não divide os alunos de acordo com critérios etários, estudaram o convívio entre relacionamentos multietários. O principal resultado apresenta que os níveis de compreensão na realização das atividades diferem conforme a faixa etária, mas de maneira mais ampla do que prevê organização seriada. (SINGER, 2010,p.134). Em uma escola democrática, como Sudbury, a maior habilidade de um não dá lugar a manifestações competitivas, mas sim solidárias. Analogamente, a dificuldade maior de alguém não o impede de participar das

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atividades, dado que todos podem sempre contribuir recebendo auxilio adequado. (SINGER, 2010, p.135).

Desta maneira, estes estudos apresentam importantes avanços nos agrupamentos de diferentes idades, os quais possibilitam aos alunos aprender junto com o outro, mutuamente, em uma relação cooperativa. Nesta perspectiva, as relações hierárquicas, centralizadoras e competitivas são superadas, prevalece o respeito às distintas formas de aproveitamento das atividades e a solidariedade entre pares nestas interações, portanto, esta diversidade contribui para o enriquecimento da reflexão coletiva entre os diferentes, pautando práticas mais inclusivas na escola. Finalmente, desejamos destacar, conforme abordado em seção anterior neste artigo, conviver é mais do que simplesmente estar juntos, é necessário compartilhar algo em comum, que construa a identidade da escola. Sendo assim, a convivência entre alunos de diferentes idades fortalece os laços sociais estabelecidos na escola, pois há possibilidade de conhecer e aprender com o outro. Este ambiente que respeita os diferentes compartilha valores de solidariedade e cooperação, e propicia vivencias inclusivas no 1059

cotidiano escolar.

Considerações finais A partir da discussão apresentada, entende-se a relevância da escola repensar formas de agrupamentos entre alunos de idades diferentes como possibilidade da construção da qualidade da convivência. É preciso partir do seguinte principio, não vivemos em uma sociedade homogênea, assim como, as nossas relações sociais em outros ambientes não são segregadas por idade. Esta classificação não contribui para a aprendizagem da convivência com os diferentes, pelo contrário, acirra preconceitos e tensões na escola. Na atualidade, a dificuldade em conviver com as diferenças na escola emergem em conflitos, os quais muitas vezes são resolvidos de maneira violenta, gerando segregação, exclusão e influenciando negativamente o processo ensino aprendizagem. A organização do trabalho pedagógico deve planejar o tempo e espaço escolar os quais prevaleçam o respeito às diferenças. O aluno ao ampliar as interações com seus pares, conhecendo o outro, interagindo com os diferentes, estabelece vínculos e desenvolve habilidades para conviver pacificamente na diversidade. A convivência neste contexto é construída edificada em valores de solidariedade e 1060

cooperação. Um ambiente construído coletivamente, planejado de maneira acolhedora, valoriza processos que fundamentam uma convivência inclusiva, pois estudantes sentem-se respeitados em sua singularidade. As dificuldades ou limitações não são impedimentos para realização de atividades, pois as relações são embasadas em valores de cooperação e solidariedade, ambos aprendem mutuamente. Uma convivência que possibilita interações baseadas no respeito e cuidado com o outro, na confiança, portanto, um ambiente escolar seguro que influencia na construção de uma convivência inclusiva. Desta maneira, podemos concluir que a convivência na escola avança, pois compartilha valores humanos, de solidariedade e cooperação, sendo estes aprendidos nas relações práticas cotidianas, vivenciadas com o outro. E ao ampliar as interações, com os diferentes, a convivência avança na construção de uma qualidade inclusiva, pois há acolhimento e respeito às singularidades.

REFERÊNCIAS DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional

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sobre Educação para o século XXI. Brasília: UNESCO, 2010. FIERRO EVANS, et. al. Conversando sobre la convivencia en la escuela. Una Guía para el autodiagnóstico de la convivencia escolar desde las perspectivas docentes. Revista Iberoamericana de Evaluación Educativa.México D.F., v.6, n. 2., p.103-124, nov. 2013. FIERRO EVANS, María Cecilia. Convivencia inclusiva y democrática: Una perspectiva para gestionar la seguridad escolar. Sinéctica. Tlaquepaque, n. 40, p. 118, Jan. / jun. 2012. FIERRO, Maria Cecilia; Tapia, Guilhermo. Hacia un concepto de convivencia. In: FURLÁN, Alfredo M e SCHWARTZ; Terry Carol S. Convivencia, disciplina y violencia en las escuelas, 2002-2011. México, D.F.: Anues, 2013. p.73-87. KATZ, Lilian. The Benefits of the mix. ERIC Digest. Champaign, p. 1-6, abr. 1996. KATZ, Lilian; EVANGELOU, Demetra. e HARTMAN, Jeanette. Allison. The case for mixed-age grouping in early childhood education. National Association for the Education of Young Children. Washington D.C., ED326302, p. 75, 1990. KINSEY, SUSAN. Multiage Grouping and Academic Achievement. ERIC Digest. Champaign, p.1-6, jan. 2001. MENA, Maria Isidora; RAMÍREZ, Maria Teresa. Contra la violencia, la formación de la convivencia. Revista Docencia . Santiago, n. 19, p. 43-50, maio 2003. PIAGET, Jean. O Juízo Moral na Criança. SP: Summus, 1994. SINGER, Helena. República de crianças: sobre

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experiências escolares de resistência. 2. ed., Campinas: Mercado das Letras, 2010.

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EDUCAÇÃO E MEIO AMBIENTE

H2O COMO TEMA EM SALA DE AULA.

José Francisco Zavaglia Marques Juliana Ferrari Alunos da Pós-Graduação Especialização em Educação Ambiental UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA [email protected] [email protected]

A educação ocupa na sociedade um papel complexo e de obstáculos. Nela estão envolvidas práticas sociais e o despertar para o exercício de cidadania, que são estabelecidos pela Lei 9.394/96, base para a educação nacional. Nesse contexto social, a escola é o viés para que a Educação Ambiental aconteça em múltiplas esferas, já que está possui formações, conhecimentos, representações, visões e vivências de diferentes grupos sociais. O projeto foi realizado com os alunos do 3° ano do Ensino Médio e concluintes que realizam o curso 1064

preparatório para Enem, na cidade de Alegrete, RS. Como foco de trabalho foram elaborados tópicos de abordagem referentes ao tema água: como reaproveitar, como funciona uma estação de tratamento de águas, o que é parâmetros de água, se existe crise nacional e internacional, e quais são os métodos alternativos que estão sendo utilizados para reutilização de água. Antes da exposição dos tópicos, aplicou-se um questionário relacionado aos mesmos, buscando os conhecimentos prévios dos alunos em relação ao tema. O exercício da cidadania deve ser realizado como uma prática social em todos os ambientes em que o educando se encontra. A formação dessa cidadania passa pelo ambiente escolar e devemos trabalha-la para sensibilizar quanto às responsabilidades com o socioambiental, possibilitando que o aluno reflita de forma mais ampla e equilibrada as suas atitudes com o meio da comunidade local, nacional e mundial. Participaram do questionário 15 alunos, sendo alunos do 3° ano do ensino médio e concluintes. Os resultados dos questionários demonstraram que a maioria dos alunos não tem noção dos parâmetros de qualidade da água e tem noções erronias de como reaproveitar a água. Isso demonstra a necessidade de novos encontros, que serão realizados para esclarecer as respostas, além de dar continuidade para outras 1065

questões sobre o assunto. Palavras-chaves: Educação, água, qualidade.

INTRODUÇÃO O processo educativo é composto por obstáculos e desafios, visto o complexo papel que a escola ocupa na sociedade. Conforme a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, a educação tem como finalidade o pleno desenvolvimento do educando, bem como seu preparo para o exercício da cidadania, devendo a educação escolar estar vinculada a prática social. Assim sendo, a realização de atividades no âmbito escolar deve ocorrer em todas as disciplinas buscando a responsabilidade das pessoas para que possam conviver em harmonia com seu ambiente. Nesse mesmo contexto social, a educação é uma das formas de sensibilizar a sociedade sobre as questões ambientais e como estas podem afetar a saúde e a qualidade de vida da humanidade. A escola é um dos locais mais adequados para que a educação ambiental ocorra, visto que ela não se desenvolve de forma 1066

fragmentada. Na escola está a possibilidade de proporcionar a conexão entre as diversas áreas do conhecimento - integrando sociedade, educação e ambiente – uma conexão essencial para que a educação ambiental aconteça em sua plenitude (SILVA, 2012). Compreende-se que a escola se torna um ambiente favorável, pois possui formações, conhecimentos, representações, visões e vivências de diferentes grupos sociais, preenchendo as necessidades para que a Educação Ambiental aconteça em múltiplas esferas. A educação ambiental é meio para que se perceba que cada indivíduo da sociedade é responsável pela intervenção que tem causado ao planeta. Em frente disso, cria-se um desafio onde é estabelecida uma nova proposta de pensamento voltado à preocupação racional com as questões ambientais, onde se deve ter mais responsabilidade nas ações voltadas a essas questões (MATAREZI, 2006). A Política Nacional de Educação Ambiental (Lei 9.795/99) traz como um dos princípios a abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais, e como um dos seus principais objetivos a garantia de democratização das informações ambientais. Freire (2000) afirma que nosso compromisso, 1067

enquanto cidadão na sociedade globalizada é o de uma visão ampla com a qualidade ambiental para um presente e futuro próximo, onde o homem terá oportunidade a sua vez e voz, tendo como vista não o espaço próximo de ação, mas também o horizonte planetário. Levando em consideração a Lei e o pensamento de Freire, no contexto atual o brasileiro e mundial, a água se destaca como uma questão ambiental de relevante importância para a abordagem no âmbito escolar. Todos têm direito à água. Porém, infelizmente, á água não é distribuída igualmente e território, quantidade e qualidade. A água é infinita. Contudo, existe todo um ciclo o qual a água integra, e muitas vezes a necessidade de demanda interfere neste, já que existe todo um processo de renovação da água – chamado Ciclo Hidrológico. Do total de água existente no nosso planeta 97,5% é salgada e somente 2,5% é água doce. Deste percentual de água doce no mundo, 70% é utilizado na agricultura, sendo que após o uso em geral não se pode ser consumida, pois a maioria das vezes está contaminada (GOBBI, 2014). Em diversos países a água doce é um recurso em abundância, já em outros ocorre escassez, deste modo temos uma má distribuição dos recursos hídricos. O Brasil ainda é privilegiado por possuir o 1068

maior Sistema de Aquífero de água doce do mundo. Recurso disponível é recurso consumível, portanto não é suficiente quantidade de água, mas sim a qualidade desta. Considerando o estabelecido pela Portaria nº 2.914, de 2011, que “dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade”, água potável é aquela que estiver de acordo com o padrão de potabilidade da referente portaria, estando em conformidade com os padrões microbiológicos, e com o padrão de substâncias químicas, sem que represente riscos à saúde do consumidor. Este padrão é um conjunto de parâmetros físico-químicos que a água deve apresentar para que possa ser consumida. As análises dos parâmetros são realizadas dentro da empresa de distribuição de água, sendo um ponto de coleta logo na saída da distribuição e em pontos definidos pela cidade para verificar a qualidade do recurso que chega às casas da população. São analisados o pH, cor, turbidez, cloro residual, fluoretos, coliformes totais e termotolerantes, que após gerados os resultados devem ser disponibilizados mensalmente online e também na conta de água do consumidor.

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O processo de tratamento se faz muito importante para manter esses padrões e sem ele a água em muitos casos não pode ser considerada potável. Em geral as estações de tratamento fazem os processos físico-químicos passando pela captação, tranquilização, floculação, decantação, filtração, desinfecção composto por fluoretação, cloração e alcalinidade final (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO). No Brasil a crise hídrica é resultado de problemas de desenvolvimento social e gestão. O problema é caracterizado pela relação entre disponibilidade, distribuição e demanda. No entanto todo situação é agravada pela deterioração da qualidade desta. Recentemente o país passou por uma crise da água, onde o estado de São Paulo em 2014 alcançou uma demanda acima da sua ofertada e acompanhada de períodos irregulares de poucas chuvas. Foram necessários racionamentos, campanhas de conscientização de consumo sustentável, incentivos para os cidadãos que reduzissem o consumo, que seriam bonificados com descontos na tarifa. A educação ambiental assume participação no enfrentamento dessa crise, firmando seu compromisso com mudanças de valores, comportamentos, sentimentos e atitudes, que 1070

deve se realizar junto à totalidade dos habitantes de cada base territorial, de forma permanente, continuada e para todos (SECAD, 2007). Com a diversidade cultural, de bases econômicas e de atividades existentes em um país extenso territorialmente como o Brasil, a educação ambiental não pode ser idêntica para todos os povos, mas deve ser articulada às demandas e especificidades de cada território, de cada localidade, de cada comunidade. A demanda por recursos hídricos tem crescido nos últimos anos. Somente no estado de São Paulo a população cresceu de 4,8 milhões em 1960 para 11,8 milhões em 2013, além do aumento de produção e consumo de produtos industriais, alimentos e roupas que demandam muita água (A CRISE DA ÁGUA, 2015). Exemplos de consumo da água é a produção de 1 kg de carne bovina, utiliza cerca de 15 500 litros, uma camiseta de algodão cerca de 2 700 litros (PLANETA SUSTENTÁVEL, 2008). A partir do momento em que o homem descobre maiores possibilidades tecnológicas voltadas ao desenvolvimento, ele utiliza os recursos naturais de forma mais intensa. Quando a população aumenta, evidentemente o uso dos recursos naturais será mais demandado (SANTIN, GOLLNER, 2013). Nota-se que a demanda de 1071

água tem aumentado, mas o que devemos perceber que a oferta de água não tem crescido e sim diminuído, pois após o seu consumo doméstico a água é descartada na forma poluída ou contaminada muitas vezes. Este projeto consiste na realização de um questionário, de questões abertas e fechadas referente ao tema água em uma turma do curso pré-Enem do munícipio de Alegrete- RS. Neste trabalho o diálogo e a exposição foram usados para sensibilizar os alunos dos seus deveres como cidadãos, além de esclarecer conceitos e cuidados que devem ter com a água. A realização do questionário é uma forma de analisar os conhecimentos prévios que os alunos trazem para dentro da sala de aula, e estes são analisados e discutidos nos resultados desse projeto.

METODOLOGIA Localizada na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, Alegrete está a 488 km de distância da capital Porto Alegre. Com cerca de 78 mil habitantes (IBGE, 2014), é o maior município em extensão territorial no estado. O município está totalmente sobre o Aquífero Guarani e seu lençol freático apresenta água levemente alcalina, utilizável sem restrições para o 1072

uso humano e para irrigação. O Rio Ibirapuitã divide o município em duas partes do ponto de vista econômico: a leste, estendem-se as terras mais próprias para agricultura e, a oeste, as terras melhores para pecuária.

Imagem 1 – Mapa da localização do Município de Alegrete, RS. Fonte: Prefeitura Municipal de Alegrete http://www.alegrete.rs.gov.br



Como foco de trabalho foram escolhidos alguns tópicos de abordagem referentes ao tema água: como reaproveitar, como funciona uma estação de tratamento de águas, o que é parâmetros de água, se existe crise nacional e internacional, e quais 1073

são os métodos alternativos que estão sendo utilizados para reutilização de água. Antes da exposição dos tópicos, aplicou-se um questionário sobre os tópicos a serem apresentados. Esse questionário, composto por questões abertas e fechadas, descreve os conhecimentos prévios ao qual o público apresentou em relação ao tema e que serão descritos e discutidos nos resultados. O questionário (Quadro 1) referente ao tema água foi aplicado em uma turma do curso préEnem do munícipio de Alegrete- RS, buscando verificar como os alunos se identificam quanto às suas responsabilidades perante os problemas ambientais e a possibilidade de suas ações contribuírem para a sustentabilidade do meio ambiente.

Quadro 1 – Questionário aplicado aos alunos.

QUESTIONÁRIO 1) Em sua opinião, como poderíamos reaproveitar a água? 2) Água potável é infinita, concorda ou discorda? 1074

Por quê? 3) Podemos consumir qualquer tipo de água que aparenta ser transparente? 4) A água consumida na sua casa vem de que fonte? 5) Você sabe como funciona a estação de tratamento da água? Sim Não 6) Você já leu os parâmetros físico-químicos que contém a conta de água da sua casa? Sim Não

Foram realizadas aulas expositivas trabalhando assuntos sobre a água, tais como: quais são os tipos de água, como é feito o tratamento das águas, o que é água potável, entendendo os parâmetros físico-químicos na conta de água, como reutilizar a água, quanto se usa de água na produção de alguns produtos e a crise nacional e mundial.

RESULTADOS Participaram do questionário 15 alunos, sendo alunos do 3° ano do ensino médio e concluintes. 1075

As respostas do questionário são apresentada abaixo, na pergunta 1: em sua opinião, como poderíamos reaproveitar a água. As respostas que apresentam atitudes sustentáveis foram o uso da água da máquina de lavar roupa e de louça para lavar carros, calçadas e casa e alguns sugeriram o uso da água da chuva, o uso de balde ao invés da mangueira. Criar reservatórios (cisternas) para captação da água da chuva para regar as plantas e captação da água do banho tomado, e a água poderia ser filtrada e tratada para se tornar potável. Alguns entrevistados nomeados como a, b, c, d, e, f e g apresentaram respostas não coerentes com a questão de reaproveitamento: (a) utilizando melhor na hora do banho, (b) podendo aplicar na agricultura, (c) processo de filtração novamente, tornando-se potável, (d) através de economia, (e) Construção de poços artesianos, (f) os países desenvolvidos reaproveitam e distribuem de uma forma melhor a água, (g) com a educação e conscientização de cuidar dos corpos hídricos em todos os setores. O entrevistado (b) dependendo das condições desta água, não poderá ser reaproveitada para a agricultura, em relação ao (c) o processo de filtração não permite considerar que essa água será potável, devendo passar pelo processo 1076

inteiro de tratamento e além de uma análise dos seus parâmetros e o mesmo se pode dizer de (d) além de não detalhar qual seria o método de tratamento. No gráfico 1, referente a resposta da pergunta 4, a água consumida na sua casa vem de que fonte.

Dos 15 entrevistados, 11 responderam do rio, dentre esses 5 especificaram que o rio era o Ibirapuitã, 3 dos entrevistados citaram que vem da empresa Corsan e 1 respondeu que não sabia.

No gráfico 2, apresenta o resultado da pergunta 5, você sabe como funciona a estação de tratamento da água?

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A quantidade de pessoas que conhecem como funciona a estação de tratamento é expressivo, considerando a importância que ela tem para nossa sociedade, mas 4 dos 15 entrevistados não tem ideia de como funciona. Isso demonstra a importância de se trabalhar o tema água em sala de aula, para sensibilizar as pessoas sobre sua importância e o seu uso. O gráfico 3, representa a resposta da questão 6, você já leu os parâmetros físico-químicos que contém a conta de água da sua casa?

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Somente duas pessoas respondem que sim e 13 pessoas nunca leram os parâmetros, essas informações são fundamentais para dizer se a água é potável ou não. Segundo a legislação, a água só pode ser considerada potável, se submetida a esses parâmetros de análise, e é obrigatório disponibilizar online e impresso na conta para a população ter acesso. Essa carência em conhecimento do que vem na conta de água foi trabalhada em sala de aula, para esclarecer a importância desse laudo para a sociedade, pois se os parâmetros não tiverem de acordo coma legislação podem causar problemas a saúde da sociedade.

CONCLUSÕES 1079

As pessoas precisam compreender mais os processos que a água passa para se tornar potável, e que não é toda a água que é potável e que precisamos cuidar dela e reduzir o seu consumo e uma forma de sensibiliza-los. Com o passar dos anos esse tratamento se tornará mais difícil e caro para tratar as água poluídas e contaminadas, pois já não teremos mais água potável de qualidade direto da fonte de nossos lençóis e rios sem que passe pela estação de tratamento da água. É de relevância a ação de inserir discussões como essas nas escolas, a fim de construir um ambiente de reflexão e participação, percebendo que a sustentabilidade, e, portanto o equilíbrio entre o social, o ambiental e o econômico estão associados a qualidade de vida. Os resultados dos questionários demonstraram que a maioria dos alunos não tem noção dos parâmetros de qualidade da água potável, algumas ideias erronias de como reaproveitar a água. Novos encontros serão realizados para esclarecer as respostas que foram sustentáveis e as que não foram sustentáveis, além de dar continuidade para outras questões sobre o assunto trabalhado.

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REFERÊNCIAS

A CRISE DA ÁGUA. O Fundo do Poço. Editora Abril, Revista Superinteressante. 2015. Disponível em: http://super.abril.com.br/crise-agua/. Acesso em 17 de jun. 2015. BRASIL. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 dez. 1996. Disponível em:
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