SABERES NECESSÁRIOS PARA APRECIAR A VIDA

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SABERES NECESSÁRIOS PARA APRECIAR A VIDA NAS OCUPAÇÕES. Ou A tarde que escorre lenta na fala mansa de quem tem todo o tempo do mundo. Julio Roitbergi UFRRJ-ETESC/FAETEC

Depois das bombas de gás, do spray de pimenta e toda a violência promovida pela P.M., contra os professores e servidores públicos de outras categorias, em frente à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), quando nos manifestávamos pacificamente contra

os ataques aos direitos dos trabalhares,

promovido pelo governo do estado, este final de semana, apesar de toda o clima quente, reservou momentos refrescantes e até mesmo, esperançosos. É que, enquanto professor e estudante, até a semana passada toda vez que eu recebia a notícia da aprovação de um trabalho em um congresso, me dava uma puta alegria. Mas, quando eu li que um aluno da escola onde eu trabalho teve o seu trabalho aprovado num congresso da Universidade Federal Fluminense (UFF-IEAR), em Angra dos Reis, o meu barato foi maior ainda. Nós dois iríamos apresentar trabalhos sobre as ocupações nas escolas públicas do Rio de Janeiro, e isto, em uma outra cidade. A possibilidade da gente conversar com outras pessoas sobre este movimento já histórico na educação era algo considerável.

Mas, além da viagem

super agradável,

com uma paisagem

dividida entre as montanhas e o mar, pela BR101, em direção à Costa Verde, entre amigos, com um companheiro de lutas, o professor Márcio Pinto, ainda vinha coisa

melhor. O Caioii, já conhecido por nós, professores, por ser bom de conversa, de pensamento ágil e fala direta, mansa e clara, numa calma e elegância nos gestos, nas palavras e no caminhar, com propósitos bem definidos, por sua atuação no grêmio da escola e intervenções nas assembleias, impressiona com facilidade. Durante o intervalo do almoço, enquanto passávamos por um grupo de estudantes, com algumas meninas uniformizadas, o olhar de admiração acompanhava a beleza do menino. Ao retornarmos, ainda tiramos várias fotos o que eu e Márcio aproveitamos pra tentar fotografar passarinhos tomando banho no córrego e o muro cheio de mensagens coloridas da UFF. Aproveitando para treinar o olhar, meu colega me mostrava alguns ângulos mais adequados, assim como me alertava da distância e do andar leve pra não assustar os passarinhos. No muro, lá em cima, contrastando com toda a beleza das pinturas das belas mensagens, uma pichação em forma de alerta contra a ditadura. Talvez, sim, tenhamos que ter mais cuidado nestes “tempos bicudos”, como disse uma colega, ao caminhar, “pisando em cascas de ovos”, como canta o Criolo Doido. Relaxar, quando for pra relaxar, mas, ficar esperto. Como os passarinhos, que medem a sua sobrevivência pela distância do outro, ao se banhar no riacho. Na retomada dos trabalhos da tarde, ao se apresentar, usando o colar de sementes de pau brasil, que ele comprou pra dar à sua mãe, logo falou que gostaria que houvesse intervenções em sua fala, pra rolar um clima legal com que ele tinha se acostumado nas rodas de conversa das ocupações. É que, antes, ele me disse que não gostava daquele negócio de tempo pra perguntas e respostas, cada um falando de uma vez, sem que um não pudesse entrar na fala do outro. Falei pra ele que também pensava como ele, ainda mais porque, ali, naquele momento, não éramos muitos, mas que, numa assembleia, com muita gente, tinha que haver, sim, uma certa organização do tempo pra que todos falassem e fossem ouvidos. Aliás, eu achei muito bacana quando ele, falando da autonomia e dos saberes discentes incorporados aos saberes escolares, ele avaliou o exercício de alteridade nas ocupações, o respeito às diferenças e a fala do outro, recorrendo à

herança de Paulo Freire, sua urgência e atualidade. Lacrou! Mas, o mais legal foi quanto ele, tocando levemente no meu braço, antes de sua comunicação, todo feliz, me mostrou uma galera alegre que acabara

de

entrar

na

sala:

eram

estudantes secundaristas que haviam participado de ocupações em escolas de Angra dos Reis. Ele se levantou rapidinho e foi se sentar com as meninas e os meninos, trocando ideias, muito feliz, que só os que viveram aqueles meses de luta, resistência, alegrias, dores e amores poderiam entender. É a farra das juventudes - como diz um grande amigo - entre a beleza, a espontaneidade, as respostas surpreendentes, inesperadas. Das crianças. Durante o intervalo do almoço, era explícito o olhar de admiração e suspiros das meninas e dos meninos quando o Caio passou por um grupo de estudantes. Prontos pra pegarmos a estrada de volta, naquele finzinho bonito de tarde em Angra dos Reis, fomos convidados a participar de um jogral, um manifesto contra os ataques aos direitos dos trabalhadores, na área externa daquele belo campus UFF, instituição cuja iniciativa de incorporar estudantes secundaristas em um debate de interesse a toda a sociedade devido à emergência da temática e momento político em que nos encontramos, ao meio acadêmico, só merece elogios. Que venham outros eventos fraternos, leves e belos! Numa explosão, sim, de alegria e farras das juventudes! Angra dos Reis, 11/11/2016. BIBLIOGRAFIA FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 33ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

i

Doutorando em Educação, pela UFRRJ – Programa de Pós Educação em Educação Contextos Contemporâneos e Demandas Populares, sob a orientação do Prof. Dr. Aristóteles Berino (UFRRJ-IM);

Pesquisador pelo GRPESQ/UFRRJ, interessado nas lutas e resistências das juventudes, movimentos estudantis nas ocupações das escolas públicas. http://flickr.com/photos/jroitberg ii Caio Ferreira de Araújo (16 anos), estudante da Escola Técnica de Santa Cruz, da rede Fundação de Apoio às Escolas Técnicas (ETESC/FAETEC), primeiro ano do curso de enfermagem.

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