Samora Feminista: o que se cala quando se fala do feminismo em Moçambique.

May 19, 2017 | Autor: Dulce M P Pereira | Categoria: Gender Equality
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Dulce Maria Passades Pereira1 Samora Feminista: o que se cala quando se fala do feminismo em Moçambique. A partir da bandeira ideológica e pragmática da FRELIMO, liderada por Samora Machel, sobre a emancipação da mulher moçambicana na década 60 e 70, discuto a de-construção do conceito género como uma construção (bio)sociaocultural da identidade comportamental das mulheres e dos homens no quotidiano social nos espaços privados e públicos, por um lado, e problematizo o conceito samoriano da emancipação. Neste contexto, a questão central é: falamos da emancipação da mulher nos espaços privados e públicos, ou simplesmente no espaço público? Discussões o processo de descolonização de Moçambique, o projecto de unidade nacional trouxeram igualmente a exigência de avaliar o impacto e a força dos debates teóricos contemporâneos incluindo narrativas e representações sociais sobre o feminismo e sobre o papel da mulher na construção do ‘novo’ Moçambique. Abordagens teóricas glocais como etnofeminismo, etnogénero, re-significar, de-construir, saberes locais, fazem parte dos discursos contemporâneos sobre o feminismo, género e mulher têm sido amplamente produzidas e debatidas em Moçambique por vários actores e instituições sociais, tais como, as agências das nações unidas, ONGs locais e internacionais, instituições bilaterais e escolas de pensamento. Estas reflexões, muitas vezes apresentadas como produtos e globalmente produzidos, são localmente propostos como sistemas cosmológicos de parâmetros de estruturação da sociedade. E este não é um movimento exclusivo a Moçambique, diversos países de mundo embarcam pela mesma senda mesclando perspectivas e realidades discursivas que buscam instituir novas formas de ser e expressar a existência do indivíduo e firmar representações sobre o feminismo. Os discursos e narrativas sobre feminismo e género que perpassam o imaginário moçambicano, estão amplamente carregados de abordagens pré-critivas centradas em aspirações transformistas. Aspirações de transformar a sociedade, de converter valores e dar novos sentidos as relações entre mulheres e homens. Em nome do projecto ‘unidade nacional’ surgem práticas quotidianas ligadas a falta de coesão e união entre ao diversificado campo de saberes locais, conhecimentos locais, línguas locais e posturas identitárias locais. Com base na visão samoriana sobre as mulheres, a comunicação irá analisar os discursos feministas hegemónicos que promovem a ideia de direitos/ igualdades de género, rastrear e compreender as práticas quotidianas que concorrem para legitimação de certas práticas, estereótipos e representações, que definem e caracterizam o papel das mulheres. Introdução A partir da bandeira ideológica e pragmática da FRELIMO, liderada por Samora Machel, sobre a emancipação da mulher moçambicana na década 60 e 70, discuto a de-construção do conceito género como uma construção (bio)sociocultural da identidade comportamental das mulheres e dos homens no quotidiano social nos espaços privados e públicos. Permitam-me começar a minha comunicação falando das pontes entre o feminismo e o género. No que se refere ao conceito de feminismo é um movimento ideológico, social, cultural, científico, espiritual, académico e sobretudo, político que visa a igualdade e a equidade nas 1

Docente da Universidade Pedagógica- Delegação de Quelimane Comunicação feita no Seminário Provincial do Movimento de Resinificação de Pátria, Identidade Nacional e Cidadania- Matola- Novembro de 2016. Documento ainda em por terminar

oportunidades entre as mulheres e os homens, ou seja, um feminismo virado para os direitos humanos das mulheres e dos homens. No que respeita ao conceito de género, é um produto de construção psicossocial, com aspectos que socialmente fazem uma mulher e um homem. Porque os conceitos não estão parados no tempo epistémico, aparecem categorias como re-significação, de-construção, desnaturalização do conceito de género, pois a ideologia filosófica existencialista da Simone de Beauvoir não deve ser assumida de forma linear na totalidade no contexto moçambicano, visto que o processo de construção comportamental, social e cultural do sexo social deve ser imbuído do contexto local, com as representações sociais, porém sem deixar de lado a abordagem glocal. Abordagens teóricas glocais a mulher têm sido amplamente produzidas e debatidas em Moçambique por vários actores e instituições sociais, tais como, as agências das nações unidas, ONGs locais e internacionais, instituições bilaterais e escolas de pensamento. Neste processo da glocalidade, da construção de um saber paralelo, que poderíamos chamar de epistemologias de sul2 no campo da construção comportamental, social e cultural do sexo social, apresento os conceitos de etnofeminismo e etnogénero, onde etnofeminismo estaria mais próximo a ideologia social, cultural, política, académica e espiritual na igualdade e equidade entre as mulheres e homens dentro de um determinado evento e contexto social, que é caracterizado pelo falas, narrativas, discurso, preconceitos, formas de pensamentos e formas de comunicação sobre o que é ser mulher e o que é ser homens, ou seja, um conjunto de representações sociais e culturas sobre a cidadania, a identidade, os valores das mulheres e dos homens. Enquanto que o conceito de etnogénero vem como uma forma de desconstrução e resignificação do papel da mulher e do homem na realidade social concreta, ou seja, o feminismo ocidental pode não ter enquadramento no feminismo e sobretudo no quotidiano das mulheres e dos homens do sul global. Aqui, forjo o conceito de etnogénero no qual género é a construção (bio)social da identidade comportamental das mulheres e dos homens no quotidiano social nos espaços privados e públicos. Evoco o campo da Psicologia Social, particularmente a Teoria das Representações Sociais (culturais), para o campo de reflexão de feminismo e género.

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Conceito forjado por Boaventura de Sousa Santos. Comunicação feita no Seminário Provincial do Movimento de Resinificação de Pátria, Identidade Nacional e Cidadania- Matola- Novembro de 2016. Documento ainda em por terminar

Porque um pensamento samoriano feminista no século XX? Permitam-me falar do papel e da relevância de Samora Moisés Machel na luta pela emancipação da mulher. Samora Machel destacou-se internacionalmente pelo seu engajamento na libertação do país de nome Moçambique e dos países irmãos. ‘Existem duas bandeiras ou cavalos de batalha que naturalmente são relacionadas a figura ideológica do Samora Machel, a saber, educação e saúde, com a vossa permissão, ouso defender que a bandeira das mulheres deveria ser agregada ao terceiro elemento que caracteriza a ideologia samoriana’. Importar frisar que o engajamento ideológico samoriano não foi um evento isolado da época, pois, decorria em paralelo o processo da consolidação do feminismo ocidental, por um lado, e a consolidaria precoce do feminismo em alguns países africanos, que per si começa pela luta ao direito ao voto pelas mulheres, o que chama atenção ao ocidente da época, há existência de um africano, um moçambicano revolucionário engajado com a emancipação das mulheres. Ainda, no que toca às ideias emancipatórias de Samora Machel, faço referência da 1ª Conferência da OMM em Março de 1973, como a minha tese, ou melhor, o meu cavalo de batalha nesta comunicação, em que o primeiro Presidente da República Popular de Moçambique destacou a importância da emancipação da mulher, com a seguinte citação: “A libertação (mental, social, espiritual, educacional, política, académica3) da Mulher é uma necessidade fundamental da revolução, garantia da sua continuidade, continuação do seu triunfo…. A emancipação da mulher não é um acto de caridade, não resulta de um acto de caridade e de compaixão, A revolução tem por objectivo essencial a destruição do sistema de exploração a construção duma sociedade libertadora… É neste contexto que surge a questão da emancipação da mulher”

Neste contexto coloco a seguinte questão central é: falamos da emancipação da mulher nos espaços privados e públicos, ou simplesmente no espaço público? Discussões o processo de descolonização de Moçambique, o projecto de unidade nacional trouxeram igualmente a exigência de avaliar o impacto e a força dos debates teóricos contemporâneos incluindo narrativas e representações sociais sobre o feminismo e sobre o papel da mulher na construção do ‘novo’ Moçambique, na construção do ‘homem novo’, ou 3

Acrescimos da autora. Comunicação feita no Seminário Provincial do Movimento de Resinificação de Pátria, Identidade Nacional e Cidadania- Matola- Novembro de 2016. Documento ainda em por terminar

seja, qual foi o contributo das mulheres na construção do moçambique novo e na construção do homem novo no contexto do projecto da unidade nacional? Procurando ilustrar as desigualdades de género decorrentes das representações sociais, existem mitos sobre o papel da mulher e do homem, a saber, a mulher é tido como a detentora do espaço privado (casa) e o homem é tido como o detentor do espaço público (trabalho) e como pontos de reflexão, sugiro que se reflicta em quatro vertentes:  A incorporação da ideologia samoriana nos saberes e conteúdos locais sobre a emancipação da mulher (nas três dimensões curriculares, oficial, local e oculto);  Ideologia samorina sobre o papel e o lugar na mulher na sociedade (espaço privado e espaço privado), ou seja, os desafios da emancipação privada versus emancipação socia, política, pública;  Ideologia samoriana sobre a mulher na actulidade, realidade ou utopia?  Como se re-significar a mentalidade e o comportamento social em relação a emancipação glocal da mulher? Minhas senhoras e meus senhores, permitam-me enquadrar o engajamento ideológico e político samoriano no século XX, e juntos vamos olhar para o cenário das mulheres no século XXI, numa fase pós-samoriana.  Aprendi desde cedo na escola primária que a mulher era o celeiro da família, que ideologia estava por detrás desta frase?  Identidade feminina versus identidade masculina nos espaços de poder público, exemplo da Sra. Ministro, ou seja, a Sra. Ministra na época pela conjuntura estrutural, tinha uma identidade de Sr. Ministro e não gostava de ser trata do Sra. Ministra, mas sim de Sra. Ministro;

 Em 2014 nos bastidores informais e formais políticos surge uma rapariga moçambicana que sonhava em ser presidente ou seja “ era uma vez, uma rapariga que queria ser presidente num país de nome Moçambique”, fenómeno (a)normal!

Comunicação feita no Seminário Provincial do Movimento de Resinificação de Pátria, Identidade Nacional e Cidadania- Matola- Novembro de 2016. Documento ainda em por terminar

 Em 2014, ainda nos meandros dos bastidores políticos, quando uma outra rapariga ousa em se apresentar como umas das candidatas, entre outras candidatas e candidatos a presidente de um concelho municipal, surge a celebre expressão “DHABUNO

MUTHABWA4”;  Em 2014, académico e pensador de renome (inter)nacional da o seguinte exemplo generalizado e linear da sua obra, recém lancada, quando este falava da influencia dos media na sociedade, ‘toda mulher moçambicana que se respeite, tem uma sapatos de alto fino brasileiro e uma bolsa cavalinho’, será verdade? Preciso destes artefactos para ser respeitada?

 Vivemos numa sociedade onde as instituições pública quando convidam as mulheres para os debates públicos, o fazem legitimando a figura das mamas nos espaços públicos, exemplo: as mamas da educação nas reflexões em torna da educação moçambicana;  A nomeação de jovens dirigentes coloca a sociedade em sobressaltos, porque será?

 O ciber-intelectual comentando a nomeação da actual Ministra de Educação e Desenvolvimento Humano a caracteriza de “ uma verdadeira mãe educadora”;  Assistimos o processo de representação social das mulheres e dos homens nos media, e quando o debate é a questão das mulheres nos cargos de tomada de decisão, sempre surge uma voz que diz, não é só género, é também competências, querem dizer os ciberintelectuais e os jornalistas que as mulheres não são capazes?

 Assistimos na casa do povo pronunciamentos ligados ao requisito sexo biológico e não ligados ao sexo social das mulheres, ou seja, as inteligências e competências das mulheres são invisíveis;

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‘Vocês “mulheres” agora estão a piorar’ na tradução literal. Vide DHABUNO MUTHABWA:(re)definindo o papel das

mulheres no campo político “As donas da Zambézia, as donas da campanha, as donas das eleições! E donas do pós-15 de Outubro?” Comunicação feita no Seminário Provincial do Movimento de Resinificação de Pátria, Identidade Nacional e Cidadania- Matola- Novembro de 2016. Documento ainda em por terminar

 Em 2016, vivemos o fenómeno candidatos versus candidatos na eleição de individualidades para o cargo de reitor da Universidade Pedagógica;

 Porque é que quando falamos e pensamos as mulheres nos espaços públicos associamos e reduzimo-la ao sexo biológico e não ao sexo social? Porque é desafiante para a sociedade olhar e aceitar as competências e inteligências das mulheres? Minhas senhoras e meus senhores, muito obrigada a todas e a todos, ‘A LUTA CONTINUA’

Comunicação feita no Seminário Provincial do Movimento de Resinificação de Pátria, Identidade Nacional e Cidadania- Matola- Novembro de 2016. Documento ainda em por terminar

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