SAN IGNÁCIO DE LOS ZAMUCOS: Índios e Jesuítas no coração do deserto Sul-americano, século XVIII

June 1, 2017 | Autor: Fulvio Arnt | Categoria: Etnohistoria, Reducoes Jesuiticas, Zamuco
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FÚLVIO VINÍCIUS ARNT

SAN IGNÁCIO DE LOS ZAMUCOS: Índios e Jesuítas no coração do deserto Sul-americano, século XVIII

São Leopoldo 2005

FÚLVIO VINÍCIUS ARNT

SAN IGNÁCIO DE LOS ZAMUCOS: Índios e Jesuítas no coração do deserto Sul-americano, século XVIII

Dissertação de Mestrado em Estudos Históricos Latino-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS Programa de Pós-Graduação em História

Orientador: Prof. Dr. Pedro Ignácio Schmitz

São Leopoldo 2005

TERMO DE APROVAÇÃO FÚLVIO VINÍCIUS ARNT SAN IGNÁCIO DE LOS ZAMUCOS: Índios e Jesuítas no coração do deserto Sulamericano, século XVIII Dissertação apresentada como requisito parcial, e último, para a obtenção do título de Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Área de Concentração em Estudos Históricos LatinoAmericanos. BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Pedro Ignácio Schmitz (Orientador) Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS

Prof. Drª. Maria Cristina Bohn Martins Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS

Prof. Drª. Maria Cristina dos Santos Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS

São Leopoldo, 28 de fevereiro de 2005.

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador, Pedro Ignácio Schmitz, aos amigos e colegas do Instituto Anchietano de Pesquisas, que acreditam e fazem da ciência um caminho para melhorar a humanidade. Agradeço aos meus pais, familiares e amigos que me auxiliaram a buscar sempre o caminho da luz. Agradeço também ao CNPq, FAPERGS, CAPES, UNISINOS, Sociedade Antônio Vieira e Sociedade de Arqueologia Brasileira, pelos auxílios concedidos ao aprimoramento de meus estudos.

APRESENTAÇÃO O presente estudo, sobre os Zamuco e os Jesuítas numa terra inóspita no coração da América do Sul, surgiu a partir de minhas experiências como bolsista de Iniciação Científica e de Apoio Técnico no Instituto Anchietano de Pesquisas, onde ainda atuo como pesquisador na área de Arqueologia e Computação. Dos vários projetos dos quais fiz parte, no decorrer dos últimos oito anos, foi com o Projeto Corumbá que estive vinculado a mais tempo. A proposta inicial era, então, fazer um levantamento da cultura material e do sistema de assentamento dos indígenas Chamacoco, de língua Zamuco e que circulam pelas áreas úmidas do Chaco/Pantanal sul-matogrossense, expandindo assim a proposta de uma etno-história/etno-arqueologia para o outro lado da tríplice fronteira Brasil/Bolívia/Paraguai. Entretanto, durante as pesquisas bibliográficas, o assunto foi tomando novos rumos. Branislava Susnik viveu entre tais índios em meados do século XX, realizando um exaustivo trabalho de descrição da cultura material e imaterial dos mesmos, buscando construir uma Antropologia histórica (ou uma história antropológica); suas publicações estão repletas de referências a eles. Da mesma forma, Alfred Metráux registrou uma série de informações sobre diversas etnias do Chaco, e entre elas, os Chamacoco. Como estes antropólogos, outros pesquisadores, de áreas afins, também abordaram em seus trabalhos as populações indígenas chaquenhas. Desse modo, pareceu-me que prosseguir com as tentativas de estabelecer um padrão de assentamento aliado a estudos sobre a cultura material dos Chamacoco seria incorrer numa repetição demasiadamente exaustiva e improdutiva.

Contudo, enquanto revisava o conhecimento produzido neste documental, uma série de questões foram surgindo, principalmente relativas ao período anterior ao do deslocamento desses indígenas de um ambiente desértico, no centro do Chaco Boreal, para um ambiente pantanoso, como o das margens do rio Paraguay. Assim, fui vasculhando possibilidades, encontrando problemas a serem resolvidos, buscando informações nas teorias de História e Antropologia que dessem conta de determinadas questões, e, finalmente, tentando construir uma história que se mostrou, ao mesmo tempo, de um pequeno grupo humano, mas com perspectivas de ampliação para uma grande área (geo-historiográfica) que foi pouco explorada pelos cientistas das humanidades no contexto da América do Sul. Porém, o presente trabalho não pretende ser uma obra finalizada, e nem haveria tempo suficiente no espaço de um mestrado para tal, e por isso, ao ler o texto, o leitor perceberá uma série de ganchos que não foram amarrados propositadamente, que pretendo que fossem um trampolim para novos enfoques sobre as temáticas de identidades e fronteiras étnicas, situações de contato, resistência e mobilidade, entre outras, e que aqui foram pouco discutidas. Para finalizar, procurei utilizar uma linguagem clara, voltada a um público acadêmico-científico, porém sem estender em demasia certos tópicos de forma que um publico leigo esclarecido também entendesse que nem todas as missões jesuíticas tiveram o esplendor e a dinâmica como as realizadas entre os Guarani, e que variáveis diversas devem ser consideradas para se entender os processos de redução dos indígenas, bem como as falhas nesses processos.

Resumo Oferecendo continuidade à construção do conhecimento gerado a partir Programa Arqueológico do Mato Grosso do Sul (que visa criar uma história contínua das populações indígenas num espaço com ambientes diversificados sob influência do Pantanal do Mato Grosso do Sul), esta dissertação pretende expandi-lo em direção oeste, buscando resgatar no interior do Chaco Boreal uma história vivida por populações pretéritas que, de algum modo, estiveram em contato entre si e com os colonizadores europeus, movimentando-se desde a nascente do rio São Miguel (Bolívia), no semi-árido chaquenho, até as cercanias alagadiças do município de Corumbá (Brasil). Com intuito de explicitar as causas que levaram a cristianização dos indígenas historicamente conhecidos como Zamuco, no início do século XVIII, e o posterior abandono da redução jesuítica criada entre eles, no final do ano de 1745, fomos buscar num passado remoto, aproximadamente 8.000 anos A.P., as origens do modo de vida e cultura dessa população, cuja base econômica centrava-se na caça e coleta nômade de alimentos, a sociedade compunha-se de famílias extensas ligadas por estreitos laços de afinidade e parentesco, nas quais a liderança política era exercida por um conjunto de anciãos pautados em um sistema de regras míticas que traduzia e balizava tal modus vivendi. Procurou-se também verificar as reações desses índios frente às restrições subsistenciais provocadas pelo avanço de populações divergentes cultural, social, econômica e politicamente, durante o período imediatamente anterior à conquista, bem como o seu enclausuramento no interior chaquenho provocado a partir da ação dos mecanismos coloniais sobre as etnias que habitavam a periferia deste território. Além disso, foi importante verificar as reações indígenas frente ao processo de redução ligado a um projeto que visava encurtar distâncias entre as cidades de Santa Cruz de la Sierra e Assunção, criando meios de explorar economicamente a região, por um lado, e contendo o avanço dos bandeirantes paulistas, por outro.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO..................................................................................................... 09 1 EL CHACO DEVORADOR DE ILUSÕES............................................................ 24 2 DA FORÇA DO TIGRE E DA HABILIDADE DO PATO......................................... 2.1 Primeiros habitantes ................................................................................... 2.2 Aruak......................................................................................................... 2.3 Chiriguano-Guarani .................................................................................... 2.4 Chiquitos ................................................................................................... 2.5 Mbayá-Guaicurú......................................................................................... 2.6 Bororo ....................................................................................................... 2.7 Maskoi....................................................................................................... 2.8 Zamuco ..................................................................................................... 2.9 Interações..................................................................................................

38 41 48 51 54 57 62 63 64 69

3 CONTEXTO SÓCIO-CULTURAL ISHIR-CHAMACOCO: PARA ENTENDER OS ZAMUCO............................................................................................................. 81 3.1Estruturas sociais........................................................................................ 89 3.1.1 As Famílias Extensas........................................................................... 90 3.1.2 Os Clãs ou Bandos .............................................................................. 94 3.1.3 As Metades Antagônicas ...................................................................... 101 3.1.4 As Tribos e as Relações de Poder ........................................................ 102 3.2 Ciclo e Espaço Vital.................................................................................... 110 4 SAN IGNÁCIO: ENTRE NÓS E OS OUTROS ..................................................... 123 4.1 A Breve Conquista do Chaco ...................................................................... 126 4.1.1 A Primeira Fase(1521-1609)................................................................. 127 4.1.2 A Segunda Fase (1609-1767)............................................................... 133 4.2 Das Missões Volantes à Redução de San Ignácio ........................................ 148 4.2.1 Conturbações Iniciais .......................................................................... 154 4.2.2 O Período Áureo ................................................................................. 175 4.2.3 Agonia Final ....................................................................................... 186 4.3 A Derrocada do Projeto............................................................................... 196

SÍNTESE E CONCLUSÕES ................................................................................. 202 REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS: Inéditas............................................................ 219 Editadas .............................................................................................................. 221 Outras Obras Consultadas.................................................................................... 228 ANEXOS ............................................................................................................. 233

INTRODUÇÃO Ao pensarmos sobre a trajetória histórica dos indígenas americanos, diversos mitos, lendas fantasias, ficções, até mesmo duras realidades se apresentam em nossa mente. Dentre elas, a conquista realizada por civis e militares das 13 colônias britânicas no Norte do Continente, as posteriores representações desse período através de exuberantes produções cinematográficas, as análises antropológicas e descrições etnográficas que esboçam o avanço da "civilização" sobre as populações nativas do "Velho Oeste" norte-americano, formam um exemplo a ser citado. As imagens da conquista espanhola nas ilhas e nas porções continentais da América Central, também fazem parte deste universo e estampam diversos livros didáticos (entre outros), evidenciando um Novo Mundo que se revelava através de figuras

exóticas,

sejam

animais,

vegetais

ou

humanas.

Essas

imagens

se

descortinavam na medida em que os navegantes e aventureiros do Mundo Antigo avançavam em direção ao interior. Em cada jornada, eram então descobertos templos, naturezas, cidades, pessoas e riquezas nunca antes imaginadas por aqueles homens que tentavam encontrar um meio alternativo de estabelecer relações de comércio entre ocidente e oriente, entre a Europa e a Ásia.

10 As lendárias cidades feitas de ouro e prata povoavam o imaginário daqueles que conheceram tal novidade através dos relatos e das gravuras feitas pelos viajantes. Ainda hoje, alguns pesquisadores sonham encontrar aquelas cidades perdidas, no seio da floresta amazônica, enterradas por algum tipo de cataclisma misterioso que assolou o mundo antigo, ou incrustada no interior de galerias subterrâneas em algum ponto do Planalto Central brasileiro. Quando voltamos à realidade, nos deparamos com a constante ameaça de extinção das populações indígenas que restaram. Tal situação se deve: às novas doenças que, em pouco tempo, tornam-se epidemias; à inflação demográfica e urbanística das cidades; ao desrespeito pelos Direitos Humanos exercidos por aqueles que se julgam diferentes ou superiores. A lei dos homens enfrenta a lei da selva, e o mais apto nem sempre é aquele que sobrevive. As visões do Outro, durante os séculos de contato, sofreram inversões e distorções que transformaram os aborígenes americanos em "vilões da história" (segundo o Coronel George Armstrong Custer: "Índio bom, é índio morto!"1), em vítimas de genocídios, em "bons selvagens", em degenerados pela própria natureza americana, em bravos guerreiros dos livros de história, em seres humanamente inferiores e, por isso, incapazes de autonomia, devendo estar sempre atrelados à tutela do Estado. Segundo Trigger (1986) a mais cara conseqüência da descoberta hispânica do Novo Mundo, para os antropólogos, foi a invenção do Índio Americano. Assinalados em

1

Godoy, 2004.

11 grandes entidades, milhões de indivíduos que pertenciam a centenas de grupos étnicos diversos, e cujos nomes nos parecem estranhíssimos, desconheciam seu próprio pertencimento nessas entidades generalizantes, que foram erroneamente nomeadas por pessoas vindas do outro lado do mundo. A diversidade de nomenclaturas, o seu constante aparecimento e desaparecimento no cenário do contato entre europeus e nativos americanos, são reflexo de preconceitos gerados em ambos os lados e a partir de interesses próprios: Even in the most nuanced European accounts, the depiction of native peoples was distorted by preconceptions and self-interest. As a consequence of ever more ambitious European projects to seize posession of American lands, native people were represented increasingly as savages, irredeemably bellicose, and the inveterate enemies of civilization.2

Contudo, um movimento de historiadores e antropólogos vem aos poucos, buscando quebrar essas concepções engessadas sobre tais representantes da espécie Homo, utilizando teorias e métodos multidisciplinares a fim de reverter o processo histórico que ajudou a deturpar a imagem do Outro, de forma que, num futuro próximo, lhe seja garantido o direito de Ser, legitimado por sua origem e condição. Entretanto,

não

pense

que

somos

tão

diferentes

daqueles

primeiros

desbravadores vindos de ultramar. Ainda somos portadores de um rico passado, controverso e falho como qualquer outro, seja americano, europeu, asiático ou africano. O desenvolvimento de métodos e técnicas suficientemente capazes de explicar o passado ainda engatinham na contramão do "fim da História". Assim, temos nossos mitos formadores, nossas ficções alegóricas, nossa própria conquista do "Velho Oeste" e um típico sistema de apreender aquilo que destoa do que consideramos normal, daquilo que é "O" diferente.

2

Trigger, 1986 : 255.

12 Nossas cidades e templos fantásticos são ruínas de uma utopia que quase virou realidade. Essas ruínas são conhecidas hoje como herdeiras do que um dia foram os trinta povos das Missões. Uma das mais conhecidas entre as remanescentes desse passado colonial, é a redução de São Miguel Arcanjo - a "capital resplandecente" dos Tapes. Até hoje figura em boa parte da bibliografia sobre os indígenas da América do Sul, o esplendor dessas Missões Jesuíticas entre os Guarani, seja ela escrita por leigos, seja por clérigos ou oriundos do clericado, vigorando em textos literários ou científicos, de Voltaire a Rabuske. E com o passar dos anos, a maior parte da obra missional foi escavada, analisada, teorizada, discutida, revivida, revisitada e chegou às raias do fabuloso. É indiscutível o mérito dos apóstolos de Inácio de Loyola em construir uma nação3 incrustada no seio dos Estados monárquicos europeus através da criação de cidades economicamente autônomas (conhecidas como reduções), capazes de se auto-gerirem e ainda auxiliarem na manutenção dos mercados e das fronteiras que separavam as possessões das Coroas de Espanha e Portugal no continente Americano. Tudo isso administrado durante os séculos XVII ao XVIII, por um ou dois padres em cada uma dessas cidades, alicerçados sobre um planejamento estratégico que abarcava a vida política, social, econômica, cultural e, principalmente, religiosa, ligando uma série de aldeias indígenas compostas de milhares de pessoas, por laços comuns centralizados na figura do Deus cristão.

3

NAÇÃO deve ser entendido como agrupamento de seres, geralmente fixos num território, ligados por origem tradições e lembranças, costumes, cultura, interesses e aspirações, e, em geral, por uma língua; um povo de um território organizado politicamente sob um único governo.

13 Para tal intento, uma metodologia muito peculiar foi utilizada, através de missões volantes que asseguravam: a) aos líderes indígenas um bem estar relativamente livre do jugo espanhol, uma série de vantagens, entre elas distinções e instrumentos para a manutenção do poder sobre os demais membros da comunidade; b) às outras pessoas que integravam a comunidade, o usufruto de terras, ferramentas e insumos para a manutenção de sua vida terrena, bem como o caminho correto para a sonhada "Terra sem Mal". Em troca, os indígenas deveriam entregar-se de corpo e alma para a vida e morte cristã, jurando obediência a um só Deus e a seus representantes na terra, ou seja, ao Papa e a El Rey. A partir dessa infiltração no universo indígena, abriam-se as portas para um processo de aproximação entre ambas sociedades, que diferiam muito em valores e hábitos, mediado pela figura do jesuíta, doutrinado em uma disciplina peculiar, criada especificamente para atender às demandas de um mundo em expansão. Os aldeamentos de índios passam a constituir bairros, em cidades criadas e administradas por jesuítas contando com o auxílio das próprias lideranças indígenas. Num momento em que o monarca era o braço temporal da Igreja, ratificando a aliança entre o trono e o altar, os jesuítas se transformaram em primeiros servidores daquele Estado Absoluto Moderno. Assim, a Missão servia aos interesses de tal organização estatal, apresentando-se como um fidedigno aparato da aliança entre o rei e o papa. Por outro lado, estava intrínseco naquela experiência a expansão da fé e dos interesses da Companhia de Jesus em tornar-se a mais eficaz ordem religiosa em defesa da Cristandade Ocidental.4

Sendo ainda embrionária, a experiência jesuítica no Novo Mundo fomentou uma crise interna que se gestava há muito no ventre das nações européias.

4

Quevedo, 1993 : 92-93.

14 As ilusões construídas sobre o processo missional pelos infantes Estados do período independentista americano, ávidos por tecer uma identidade própria, alicerçada em pilares que lhes garantissem legitimidade e que os distinguissem das velhas monarquias européias, foram caindo aos poucos no decorrer dos últimos cinqüenta anos. Diversos trabalhos científicos ligados às ciências humanas efetivaram-se nesse período, cujo objetivo era desfazer a aura maravilhosa que envolvia os jesuítas e seus neófitos. Esses trabalhos demonstraram que, além da propagação da fé e dos valores cristãos, as missões jesuíticas auxiliaram na expansão de doenças infecto-contagiosas, alcançando e dizimando populações inteiras, mesmo que esses indivíduos nunca tivessem visto um único sacerdote na vida. Outros, buscaram enfatizar a destruição da cultura indígena pela imposição dos valores ligados ao renascimento europeu, pela economia voltada ao mercado e pelas instituições políticas medievais racionalizadas. Bruce Trigger afirma que os jesuítas também foram co-responsáveis pela propagação de uma visão errônea acerca dos habitantes mais antigos do continente: To win financial support for their missions, the Jesuíts stressed the rationality and generosity of groups they hoped to convert. Yet they added that these same natives languished in profund religious ignorance and even described them as the abject slaves of the devil ....5

Contudo, permeando o "banho de civilização" promovido pelos padres da Companhia de Jesus, os cientistas também observaram que a identidade indígena encontrou meios de se manter e se transformar, cedendo às pressões em um momento

5

Trigger, 1986 : 255.

15 ou reivindicando seus direitos em outro. Muitas vezes, as questões identitárias figuraram como resistência armada, guerras e seqüestros. Porém, na maioria das vezes, elas se processaram de maneira pacífica, calada, até de modo sutil, aceitando uma dominação e se subordinando ao trabalho diário e ao culto do Deus cristão. Porém, durante as noites de celebração de algum festival, longe dos olhares repressores, ou mesmo com a anuência dos padres (por exemplo enquanto jogavam o jogo de bola), os antigos costumes vinham à tona e eram compartilhados pelo grupo, sem deixar de lado sua nova aparência cristã. Como bem observou John Monteiro: ... o maior desafio que o historiador dos índios enfrenta não é a simples tarefa de preencher um vazio na historiografia mas, antes, a necessidade de desconstruir as imagens e os pressupostos que se tornaram lugar-comum nas representações do passado brasileiro. Há, desde longe, um binômio clássico que opõe um tipo de índio resistente a um outro tipo de índio colaborador. ... a resistência muitas vezes é explicada como 'reação' a forças externas, cujo conteúdo programático é limitado pela rigidez das 'estruturas' nativas. ... Outro problema, de certo modo ligado à noção da rigidez estrutural, diz respeito ao enfoque no sujeito coletivo como móvel da resistência. É a idéia de que os índios - ou, genericamente, o índio são naturalmente resistentes, não no sentido biológico e epidemiológico, no qual são frágeis, mas no sentido da rebeldia e da oposição obstinada. Essa perspectiva possui um elemento bastante nocivo na medida em que esvazia qualquer discussão sobre a política de atores nativos, a qual, como sabemos, nem sempre acontece no sentido da defesa dos interesses coletivos 'tradicionais'. ... freqüentemente se atribui aos índios certos valores supostamente intrínsecos que, na verdade, são apreendidos e instrumentalizados pelas lideranças com a finalidade de abrir espaços de diálogo com interlocutores externos. ... a história deste ou daquele povo, em termos tanto demográficos como culturais, se resume à crônica de sua extinção, quando, na verdade, a construção ou recriação das identidades nativas e da solidariedade social muitas vezes se dá precisamente em função das mudanças provocados pelo contato... Cabe aos estudiosos da história dos índios romper com as abordagens que enxergam na resistência apenas a reação anônima, coletiva e estruturalmente limitada. Novas leituras do espaço intermediário poderão revelar os sinuosos caminhos por onde passou - e passa - a resistência.6

A metodologia empregada entre os Guarani, que se mostrou tão eficaz pelos muitos sucessos obtidos entre esses povos, também foi utilizada com outras "nações

6

Monteiro, 1999 : 239-243.

16 de índios" que estavam dispersas pelo território americano e que, de certa forma, dificultavam o avanço da colonização européia. Entretanto, a mesma eficácia obtida entre os Guarani não foi verificada com os outros grupos indígenas. As resistências foram muito maiores do que as enfrentadas até então e tomaram formas tão diversas que os jesuítas não conseguiam compreender, de fato, a inconstância da alma selvagem7. Quanto mais os sacerdotes avançaram em sua Conquista Espiritual, mais enclausuravam os fugitivos do sistema colonial, ou seja, aqueles grupos étnicos que eram pressionados pelo avanço das cidades por um lado, e que encontravam barreiras humanas e ecológicas por outro, fechando-se cada vez mais sobre um ponto central convergente. Um desses pontos convergentes é conhecido hoje como Chaco Boreal/Pantanal Mato-grossense. Quem estava no meio? O que aconteceu com essas pessoas? Como se deram os contatos entre elas, os outros indígenas e, posteriormente, os "invasores" europeus? Como se organizou a empresa colonial frente à presença de elementos tão díspares àqueles já conhecidos? De que forma se processou a "pacificação cristã" dessa gente? Porque os jesuítas não tiveram o mesmo êxito com eles como obtiveram com os Guarani, uma vez que os mesmos métodos e as mesmas filosofias haviam sido empregados? Essas são as questões que nos inquietam e que balizam a presente dissertação. Surgiram, pois, de um questionamento maior, englobado por um amplo projeto que faz parte do Programa Arqueológico do Mato Grosso do Sul (PAMGS), coordenado 7

Viveiros de Castro, 2002.

17 pelo Professor Dr. Pedro Ignácio Schmitz, cujos resultados geraram uma extensa bibliografia arqueológica e etno-histórica. O referido programa teve como objetivo criar uma história contínua das populações indígenas, pré-históricas e coloniais, num espaço com ambientes diversificados sob influência do Pantanal do Mato Grosso do Sul, ao redor da cidade de Corumbá, usando, para isso, metodologia arqueológica e etnohistórica. O trabalho tem duplo enfoque: ecológico, buscando entender o padrão de assentamento das populações, e histórico, ocupando-se das mudanças introduzidas, através do tempo, por fatores internos e externos, entre os quais se podem destacar mudanças ambientais de longo prazo, migrações populacionais e especialmente a colonização espanhola e portuguesa. No desenvolvimento do programa, foi constatada uma diversidade de sítios arqueológicos, sugerindo diversas formas de ocupação, bem como indícios que apontavam a existência de vários grupos étnicos habitando a área. Esta diversidade exigia a identificação das culturas responsáveis pelos sítios arqueológicos pesquisados. Fez-se necessário, então, um estudo etnográfico das ocupações indígenas na área, que possibilitasse melhor compreensão e interpretação das evidências, além de complementar os dados arqueológicos levantados em campo. Em decorrência dessa intensa busca pelo conhecimento e compreensão dos grupos indígenas que ocuparam o Pantanal, somaram-se ao PAMGS-Projeto Corumbá os artigos e trabalhos sobre arqueologia e etno-história de: Schuch (1991) Oliveira & Peixoto (1993), Beber (1995 e 1995a), Girelli (1994), Veroneze (1994), Beber (1995), Oliveira (1995), Peixoto (1995), Schuch (1995 e 1995a), Rogge (1996), Schmitz & Beber (1996), Hackbart (1997), Schmitz (1997), Castro (1998), Herberts (1998),

18 Sbeghen (1998), Schmitz et all. (1998), Schmitz & Peixoto (1998), Schuch (1998), Magalhães (1999), Migliaccio (2000) e Cypriano (2001). Oferecendo continuidade à construção do conhecimento gerado a partir deste programa, esta dissertação pretende expandi-lo em direção oeste em relação à área de abrangência referida, buscando resgatar no interior do Chaco Boreal uma história vivida por populações pretéritas que, de algum modo, estiveram em contato entre si e com os colonizadores europeus, movimentando-se desde a nascente do rio São Miguel (Bolívia), por entre os espinhos e a poeira do semi-árido chaquenho, até as cercanias alagadiças do município de Corumbá (Brasil). Tais situações ocorreram desde aproximadamente 4.000 anos atrás, quando os horticultores amazônicos começaram a migrar de seu local de origem em busca de novos habitates onde pudessem aperfeiçoar seu modo de vida, bem como uma ligação com as culturas andinas; até 1767, quando os jesuítas foram expulsos do continente pelos decretos reais de Espanha e Portugal. Por isso, a fim de explicitar as causas que levaram a cristianização dos indígenas historicamente conhecidos como Zamuco, no início do século XVIII, e o posterior abandono da redução jesuítica criada entre eles, no final do ano de 1745, fomos buscar num passado remoto, aproximadamente 8.000 anos A.P., as origens do modo de vida e cultura dessa população, cuja base econômica centrava-se na caça e coleta nômade de alimentos, a sociedade compunha-se de famílias extensas ligadas por estreitos laços de afinidade e parentesco, nas quais a liderança política era exercida por um conjunto de anciãos destacados por suas habilidades em promover o bem-estar coletivo, pautados em um sistema de regras míticas que traduzia e balizava tal modus vivendi.

19 Procurou-se também verificar as reações desses índios frente às restrições subsistenciais provocadas pelo avanço de populações divergentes cultural, social, econômica e politicamente, durante o período imediatamente anterior à conquista, bem como o seu enclausuramento no interior chaquenho provocado a partir da ação dos mecanismos coloniais sobre as etnias que habitavam a periferia deste território. Além disso, foi importante verificar as reações indígenas frente ao processo de redução ligado a um projeto que visava encurtar distâncias entre as cidades de Santa Cruz de la Sierra e Assunção, criando meios de explorar economicamente a região, por um lado, e contendo o avanço dos bandeirantes paulistas, por outro. Através de cartas trocadas com seus superiores, religiosos ou leigos, os sacerdotes da Companhia de Jesus foram os primeiros cronistas dessa história que se preocuparam em registrar, da melhor maneira possível, os etnômios, a cultura e os relacionamentos entre as populações indígenas que viviam nos confins da América do Sul, durante os séculos XVII e XVIII. Esses documentos fazem parte da Coleção de Angelis microfilmada e transcrita pelo Padre Arnaldo Bruxel, S.J., e depositada no Instituto Anchietano de Pesquisas. Documentos de autoridades civis, compilados por Cortesão (1955) e Pastells (1946), ou mesmo a historiografia da ação jesuítica na América, cujos expoentes consultados foram Labrador (1910), Lozano (1941), Charlevoix (1916), Fernández (1896), Furlong (1938), Gandía (1935), Finot (1978), D'Orbigny (1945), Azara (1923) e Storni (1980), também auxiliaram no entendimento do processo histórico sofrido pelos Zamuco e seus vizinhos. De outro modo, as descrições etnográficas do fotógrafo Guido Boggiani (1898), de Max Schmidt (1903 e 1918), Herbert Baldus (1927, 1931 e 1979) e Karl von den

20 Steinen, bem como a extensa obra etno-histórica e antropológica da cientista eslovena Branislava Susnik (1957, 1972, 1978, 1982, 1994 e 1995), e dos antropólogos Alfred Métraux (1963 e 1996) e José Braunstein (1983), foram essenciais para se entender o que aconteceu com os indígenas que até 1767 eram conhecidos como Zamuco, e que "sumiram" após a perda da tutela jesuítica, transformando-se nos Ishir-Chamacoco, Tynyro, Moros, entre outros grupos étnicos que, ainda hoje, habitam a mesma região e que conservam traços de seu modo de vida original. A bibliografia produzida a partir do PAMGS, bem como as produzidas por Darci Ribeiro (1986), Paula Caleffi (1989-90 e 1993), Ludwig Kersten (1968) e Elmer Miller (1999) foram nossos referenciais na construção do panorama geral de possíveis relacionamentos entre os Zamuco e seus vizinhos imediatos. Tais relacionamentos tiveram influência direta não só na construção da identidade cultural dos Zamuco, como também em vários dos sucessos e retrocessos na empresa jesuítica chaquenha. Assim, nossa base de pesquisa bibliográfica pode ser sintetizada como composta de documentos cuja disponibilidade e/ou acessibilidade foram altas. É indiscutível que as limitações impostas por esta bibliografia prejudicaram a construção do conhecimento em alguns pontos desta dissertação, no entanto os recursos financeiros não nos permitiram um deslocamento maior para movimentação de novas fontes. Trabalhou-se, então, da melhor maneira possível nesse universo, procurando lançar sobre ele a luz da teoria de forma a resolver as questões que se impunham. Nesse sentido, o referencial teórico vislumbrou cotejar a etno-história e a antropologia como ferramentas capazes de suprir determinadas carências conceituais e metodológicas dos estudos históricos. Por isso nos servimos de amplos espectros da teoria antropológica para entendermos a penetração da colonização sobre as

21 populações chaquenhas, bem como as reações surgidas a partir desse movimento, tentando historicizar o processo de maneira que dele surgisse uma compreensão que envolvesse vários aspectos do passado indígena e que fossem particularmente interessantes para se entender a condição atual desse segmento da nossa sociedade. Levando-se em conta variáveis naturais e culturais8, tentamos refazer o caminho que vai do sítio arqueológico - enquanto unidade material, mensurável e composta pela interpolação de diferentes fontes de informação - ao sistema social que o produziu, partindo de um momento determinado do seu contexto histórico. Para tal, foram de grande importância as obras de Frederik Barth (1998 e 2000) e Marshall Sahlins (1990 e 2001), de Cline (1972), Binford (1988), Spadafora (2004), Sarasola (1996), Schmitz (1991, 1997 e 1998), Wilde (2003) e Ribeiro, entre outros. Já no campo voltado mais a questões de etno-história, destacamos: Hill (1996), Monteiro (1999), Clastres (1990 e 1995), Poutignat, Streiff-Fenart (1998), Trigger (1982), Viveiros de Castro (2002) e Wachtel (1987). Amparado por esse referencial, buscamos numa "micro-história" de um pequeno grupo de caçadores e coletores marginalizados e reduzidos num espaço/ambiente extremamente hostil, vislumbrar o processo de ação e reação, de coloniais sobre indígenas e vice-versa, abordando, assim, temáticas que envolvem e perpassam a história latino-americana, da qual também fazem parte. Procurou-se trabalhar com a hipótese de que o ambiente desértico chaquenho não representaria maiores problemas para pequenos grupos familiares enquanto sua mobilidade fosse constante e enquanto as lideranças garantissem tal mobilidade. Essa

8

CULTURA aqui é empregado como fruto da ação humana racional em contraste com as ações da NATUREZA, frente às quais o homem é impotente.

22 garantia se dava, então, através de redes de relacionamentos inter-tribais e interétnicos. Além disso, este sistema não suportaria uma estabilização forçada através da agricultura e da regulamentação baseada nos valores cristãos, dos quais os jesuítas se serviam com o intuito de pacificar as etnias belicosas do Chaco Boreal. O modo de vida dos Zamuco mostrou-se, no decorrer do processo de redução, apenas mais um fator para a instabilidade da missão jesuítica entre estes indígenas, como se verá em seguida. A redução dos Zamuco em San Ignácio, era mantida e justificada pela exploração colonial/jesuítica no território e pela necessidade de se abrir uma rota de comunicação mais curta entre os dois centros urbanos da região. No momento em que os interesses econômicos e políticos foram redirecionados para outras problemáticas mais ao norte, a frágil situação da redução tornou-se insustentável, se esvaziando na medida em que os índios retornavam para seu antigo habitat, buscando novas formas de se adaptar à realidade com a qual se depararam a partir da colonização. Balizamos a proposta, então, sobre quatro partes distintas e relacionadas entre si, inseridas nos quatro capítulos que formam a presente dissertação. Assim, no primeiro capítulo, abordamos as questões ambientais pertinentes à área e à vida que nela se desenvolve. Esta problemática surge como uma força centrífuga que impulsionava os habitantes do Chaco Boreal a buscarem meios de vida fora do contexto desértico. O segundo capítulo versa sobre as populações indígenas que se inserem neste quadro, marginalizando ou fechando sobre si os demais grupos com os quais se relacionam, num movimento centrípeto para o interior do semi-árido chaquenho, ao mesmo tempo em que tornavam-se agentes de circulação de

23 informações sobre os "invasores" coloniais e de mercadorias adquiridas (de forma lícita ou ilícita) com este novo elemento que se introduzia, a partir do século XVI. O terceiro capítulo visa construir a imagem da etnia Zamuco a partir das descrições etnográficas e etno-históricas dos Ishir-Chamacoco, um dos atuais representantes desse grupo lingüístico que, segundo as fontes consultadas, alterou muito pouco seu modo de ser. Nosso objetivo é, desse modo, poder entender quais foram os elementos responsáveis pela conversão dos Zamuco ao cristianismo, bem como os que possibilitaram a manutenção de sua identidade, mesmo sob intenso controle dos representantes da Ordem Jesuítica. Desse modo, o quarto e último capítulo desenvolve, em três partes consolidadas a partir das informações oriundas das fontes disponíveis e de fácil acesso, o desenrolar de todo o processo que levou à criação da redução de San Ignácio de Zamucos, bem como o de sua desestruturação e abandono, tanto por parte dos sujeitos coloniais quanto pelos indígenas que dela faziam parte.

1 El Chaco Devorador de Ilusões ... las tierras son en tiempo de aguas, tan pantanosas y llenas de anegadizos, que no se pueden andar, y en tiempo de seca son tan ardientes los soles y falta de agua, que se abre la tierra en profundas grietas, y no hay quien se atreva a andarlas, porque los caballos se ahogan de sed.1

Este capítulo visa contextualizar a região onde viviam os Ishir-Chamacoco antes de seu deslocamento até as margens do rio Paraguay2 e, por conseqüência, onde viviam seus antepassados, os Zamuco, que foram cristianizados pelos jesuítas no século XVIII, tendo de enfrentar as extremadas condições ambientais da região nesse processo. Quando se ouve falar dos pantanais brasileiros a imagem que vem à mente é a de uma extensa planície verde na qual milhares de pássaros multi-coloridos alçam vôo ou fazem seus ninhos; onde jacarés-do-pantanal mergulham nas profundezas das águas límpidas do Paraguay, espreitando os cervos-do-pantanal, que em suas margens saciam a sede, ou as antas e capivaras que as atravessam buscando as ilhas cobertas por acuris e outras palmas que sobressaem delas. Porém, esta é uma pequena amostra do gigantesco e complexo sistema ecológico que forma essa zona plana localizada no coração da América do Sul, mundialmente conhecida como Gran Chaco.

1 2

Lozano apud Herberts, 1998 : 67. Utilizamos a forma espanhola de nomenclatura do rio para diferenciá-lo da Província e/ou do Estado paraguaios.

25

O Gran Chaco foi formado pelo rebaixamento da área central da América do Sul, abrangendo parte dos atuais territórios das Repúblicas da Argentina, do Paraguai, da Bolívia e do Brasil, se considerarmos sua extensão até o Pantanal. Seu interior é cortado, no sentido oeste-leste, por três rios de maior porte: o Pilcomayo, o Bermejo e o Salado. Esses mesmos rios o dividem em sub-regiões geográficas: o Chaco Boreal ao norte do rio Pilcomayo; o Chaco Central entre o rio Pilcomayo e o rio Bermejo, e o Chaco Austral entre o rio Bermejo e o rio Salado. (Figura 1 e Figura 2) No sentido norte-sul o rio Paraguay se encarrega de demarcar a fronteira natural do Chaco e do Pantanal, e a fronteira política entre Brasil, Bolívia e Paraguai. É caracterizado por uma depressão formada a partir do soerguimento da cadeia andina, posteriormente preenchida por sedimentos das regiões à sua volta, num processo contínuo, através dos rios, ventos e chuvas. Dessa maneira, o rio Paraguay foi sofrendo um estreitamento que acabou por formar esta enorme planície inundável, cuja porção brasileira é conhecida como Pantanal. A porção não inundável e, conseqüentemente, mais elevada, ficou conhecida como Chaco. A sub-região na qual se inserem os grupos humanos e as reduções jesuíticas abrangidos pelo presente é a do Chaco Boreal que, devido aos movimentos tectônicos milenares que formaram a Cordilheira dos Andes e o Planalto Brasileiro (Maracaju, serra do Tapirapuã e chapada dos Parecis), ficou

restringida por ambas unidades

geográficas. Ao sul, o Pilcomayo marca a fronteira do Chaco Boreal com o Central e, ao norte, a serra de Chiquitos delimita a transição dos semi-áridos chaquenhos com a planície úmida formada pela Bacia Amazônica.

26 A planície chaquenha apresenta poucas elevações. É marcada por uma suave inclinação do noroeste em direção ao sudeste – desde 350 metros acima do nível do mar, no sopé das serras subandinas, até 50 metros, na margem ocidental do rio Paraguay. A área situada abaixo dos 200 metros de altitude apresenta uma drenagem deficitária que favorece a formação de esteiros e lagunas nas margens de seus grandes rios, vales e várzeas. (Figura 1) Apesar das dificuldades decorrentes deste tipo de terreno, apontadas pelos europeus nos documentos históricos a respeito da conquista e colonização da região, é possível observar que esta zona tornou-se um local fundamental para a ocupação humana, tanto por ser um ponto privilegiado para a habitação dos grupos indígenas, decorrente da diversidade biológica encontrada em áreas ribeirinhas, resultando em variadas fontes para subsistência, quanto como um meio para a penetração européia no Chaco, visto que os cursos de seus rios foram utilizados como um caminho mais acessível para exploração3. O próprio nome "Chaco" deriva de uma palavra Quechua que significa "local de caça"4. Já na margem oriental, com altitude que varia entre 80 e 150 metros, o relevo pantaneiro é praticamente plano, com declividade quase nula, de apenas 0,7 a 5 cm/Km no sentido norte-sul e entre 7 a 50 cm/Km no sentido leste-oeste. A menor declividade no sentido norte-sul provoca, a princípio, um barramento no escoamento do rio Paraguay e o conseqüente alagamento da área. Apesar de ser uma planície, o Pantanal apresenta elevações entre 1 e 3 metros, de pequena extensão. Essas áreas não estão sujeitas a inundação sendo visíveis em relação à lâmina d'água, no período

3 4

Cypriano, 2001 : 26. Metraux, 1963 : 197.

27 de cheia, por serem sempre encobertas por formações arbóreas, o que proporciona excelente morada para os animais terrestres e seres humanos. O clima característico é quente e úmido no verão e frio e seco no inverno, com temperatura média anual de 25°C. Anualmente chove no Pantanal entre 1.100 e 1.200 mm, e 45% das chuvas concentram-se nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro. As cheias do Pantanal estão diretamente associadas às características do relevo e à distribuição das chuvas periódicas na bacia do Alto Paraguay. A parte elevada dessa bacia possui altitudes entre 200 e 700 metros. O volume de água, proveniente deste planalto, adentra o Pantanal e, acrescido do volume de chuvas locais, causa as enchentes periódicas anuais. O trimestre mais chuvoso é o de dezembro a fevereiro. Além da sazonalidade das enchentes, o Pantanal apresenta períodos plurianuais em que se verificam anos mais secos ou mais úmidos. Essa alternância, também chamada de pulso de inundação, é um dos fatores que regem a biodiversidade do Pantanal, pois ora favorece as espécies animais e vegetais relacionadas à fase seca, ora favorece as espécies relacionadas à fase cheia. Além disso, uma fase favorece a outra, pois as espécies vegetais da fase seca (mortas pela inundação), fornecem, através de sua decomposição, nutrientes e sais que contribuem para o desenvolvimento das espécies vegetais da fase de cheia e vice-versa. O Chaco Boreal é quente e seco, como já havia escrito Lozano5 “El temple por la mayor parte es cálido y seco; pero al tiempo de los mayores calores soplan de repente los vientos sures, que refrescan la estación, y aun llega a hacer frío como si fuera invierno.”. Porém, durante a estação das chuvas não chega a fazer frio como na

5

Lozano, 1941 : 38.

28 anterior, de acordo com o registro de Jolis6, as “lluvias periódicas abundantísimas que caen principalmente en las regiones Occidentales y de Oriente y duran largo tiempo, de tres a cuatro y más meses en el Verano, cuando más ardiente se vuelve el calor”, ocorrem nos meses de novembro a abril, quando acontecem as cheias dos rios provocando grandes inundações em pontos diversos de sua extensão. Os três elementos que influenciam as precipitações são: o efeito orográfico7 das serras subandinas, que aumenta o volume das chuvas em seu sopé; a alternância da entrada da massa de ar Tropical Úmida, vinda do anticiclone do Atlântico, que penetra especialmente durante o verão e define um domínio marítimo na área sudeste do Chaco, e a entrada da massa de ar Polar, proveniente do anticiclone do Pacífico, que libera sua umidade ao ultrapassar a Cordilheira dos Andes e domina as planícies do Chaco com ar frio e seco durante o inverno. Esta variação das massas de ar define um domínio continental no interior do Chaco, com grande amplitude térmica entre os verões muito quentes e úmidos – que podem atingir temperaturas de mais de 40ºC - e invernos de baixa temperatura e umidade – que chegam a alcançar 0ºC. Métraux8 comenta a existência de algumas variações no clima no sentido LesteOeste: as chuvas são mais fortes no Leste, onde apresentam isoietas9 anuais com valores superiores a 1300 mm, começam antes (em outubro) e diminuem somente em maio, contrastando com o Oeste e a região central, onde a estação seca dura seis meses, a precipitação é menor e as isoietas anuais marcam valores inferiores a 630 mm.

6

Jolis, 1972 : 84. Montanhas "prendem" as chuvas. 8 Métraux, 1963 : 199. 9 Volume total de chuvas. 7

29 Assim, percebe-se que durante a estação seca, os ventos do pacífico não conseguem transpor os contrafortes andinos, condensando as chuvas na cordilheira, e os ventos do atlântico fazem as nuvens descarregarem suas águas no imenso território brasileiro muito antes de alcançarem o ocidente do rio Paraguay. Esse fenômeno transforma toda região do Chaco Boreal em um imenso semi-deserto, muito parecido com o Nordeste brasileiro, no qual a cor cinza predomina e os bosques tornam-se impenetráveis devido aos espinhos das plantas características do semi-árido. Desse modo, por envolver terras inundáveis e não inundáveis, o Chaco manifesta-se de duas formas: o Chaco Seco e o Chaco Úmido. O Seco é uma área de transição com florestas tropicais caracterizadas por vegetação de terras altas - não inundáveis; a água é escassa devido a pequena elevação gradual, que parte das imediações do rio Paraguay até a encosta da Cordilheira e a conseqüente baixa pluviosidade proporcionada pela barreira Andina. O Úmido é a extrapolação da área do rio Paraguay pela planície formada, em grande parte, no território brasileiro, com baixíssima elevação e alta influência da hidrografia; apresenta como componente florestal típico os quebrachos de Porto Murtinho e do território paraguaio, os "carandazais" característicos das savanas; além das matas de galeria do rio Pilcomayo, que atormentavam aos jesuítas e aos indígenas que por elas se aventuraram em suas viagens prospectivas. Na época das cheias do Paraguay, muitos animais buscam refúgio nas terras firmes, não inundadas. Peixes se reproduzem e muitas plantas aquáticas entram em floração. No Chaco Boreal, vários riachos são formados nesse período, espraiando-se pelos terrenos ressecados, seguindo a direção contrária da pequena elevação sedimentar, buscando ao sul o Pilcomayo e a leste o Paraguay. Também as salinas

30 renovam sua fonte de água e sal, e os poços escavados pelos habitantes da região são preenchidos. Uma explosão verde ocorre, as plantas florescem e os frutos amadurecidos são coletados ou colhidos por grupos humanos que fazem verdadeiras festas coletivas e inter-étnicas. É o período da fartura, da reprodução dos animais e da maturação dos frutos. Para Cypriano10, apesar das dificuldades apontadas pelos viajantes e colonizadores europeus, decorrentes dos terrenos apresentados, é possível observar que esta zona tornou-se local fundamental para a ocupação humana, tanto por ser um ponto privilegiado para a habitação, devido a diversidade biológica encontrada nas áreas ribeirinhas (resultando em variadas fontes de subsistência) quanto um meio para a penetração européia no Chaco, visto que os cursos dos rios foram utilizados como caminho para acesso e exploração da área. Para se entender como os recursos naturais foram utilizados de forma a atender as necessidades das populações que se estabeleceram no Gran Chaco, pode-se apresentar a vegetação fracionada em três unidades fitogeográficas, que variam no sentido norte-sul e leste-oeste. Estudos

mais

sistemáticos

observaram

que

as

formações

gramíneas

predominam nas áreas ao sul, onde as temperaturas e precipitações são menores; as formações mistas, alternando formações herbáceas com arbóreas e arbustivas se localizam no centro do Gran Chaco e as formações arbóreas predominam no oeste seco da planície chaquenha, indo em direção às serras periféricas e ao leste onde se localizam as formações mais densas.

10

Cypriano, 2001 : 26.

31 Além deste amplo quadro de distribuição, existem ainda os bosques ribeirinhos, presentes nas margens de rios e arroios mais permanentes11. Miranda12 lista, ainda, duas áreas de distintas composições vegetais: as superfícies mais áridas do Chaco Boreal onde se desenvolvem cactáceas e a área de escoamento deficitário das águas - próximo dos rios Paraguay e Paraná - onde se formam lagunas, esteiros e banhados, com predominante vegetação aquática composta por espécies de camalotes, totoras e a vitória régia. De acordo com Baldus: Fontes não existem no Chaco, sómente algumas lagôas de agua salobra. A terra não é porosa, por conseguinte a agua da chuva não póde infiltrar-se, e, antes que esteja evaporada, serve de lugar de criação ás innumeraveis especies de mosquitos. A forma da vegetação do Chaco é um infinito de pequenos matos espessos, grandes pantanaes, grupos de palmaceas ora altas ora baixas, isoladas e muito espinhosas. As madeiras de lei, alli, são: carandá, lapacho, uronday, curupay, tatané, timbó, elviraró, guayvay, peterevuy, paratodo, quebracho vermelho, quebracho branco, pau santo e alfarrobeira. Do pau santo, que a gente queima com bosta secca para, como acima se menciona, defender-se pelo fumo contra os mosquitos ....13

São características do Chaco Boreal a vegetação composta, basicamente, por: algarrobo branco (Prosopis alba), algarrobo negro (Prosopis nigra), e mais duas espécies de algarrobo (Prosopis ruscifolia e Prosopis juliflora) - que ocorrem em área seca e nos Banhados de Izozog14, respectivamente -; alcaparras (Capparis retusa), e feijões (poroto del monte), mandioca silvestre doce, mandioca brava (Manihot grahamii), milho (Zea maiz), mirtáceas e cactáceas (Cereus sp.) fazem parte da base alimentar vegetal; as cabaças (Lagenaria vulgaris) são utilizadas no transporte e armazenamento de água; taquara mansa (Arundo donax), takwarembó (Chusquea ramosissima) e outras poáceas são utilizadas como hastes para flechas; o camalote (Eichhornia

11

Maeder, 1995 : 27. Miranda, 1961 : 91. 13 Baldus, 1927 : 15. 14 Miller, 1999 : 66. 12

32 crassipes) demonstra aos povos chaquenhos onde existe água própria para o consumo, e o urucum (Bixa orellana) - que não é encontrado no Chaco Boreal, mas comercializado através de escambo com os Guaicurú - é utilizado para tingir fibras e o corpo; caraguatá, gravatá (Bromelia balansae e outras espécies) e outras bromeliáceas, carandaý (Copernicia cerifera), pindó (Syagrus romanzoffiana) e outras palmáceas, além da ortiga brava (Urera baccifera) são utilizados para confeccionar cordas, vestimentas e cestarias; pau santo (Calycophyllum sp.) e quebracho (Schinopsis brasiliensis e Schinopsis balansae, Engl.) fornecem madeira dura, substituindo as pedras, que são escassas; o imbé ou guaimbé (Phylodendron spp.), o jacarandá (Jacaranda cuspidifolia) e outras bignoniáceas fornecem madeira para variados fins. Toda essa diversidade pode ser encontrada nos documentos referentes à região, e foi utilizada pelos Ishir-Chamacoco, de formas diversas, ao longo dos séculos em que foram deslocando-se desde as proximidades do rio São Miguel até sua atual morada, em Bahía Negra.

Através da caça os grupos que habitavam o Chaco Boreal dispunham de uma rica fonte de alimentos devido à diversidade da fauna desta região. São catalogadas para a área mais de 40 espécies de mamíferos, 10 de peixes, 36 de aves, e diversas espécies de répteis. Baldus15 cita a utilização de "plumas de papagaios, patos, avestruzes, garças e outras aves" para confecção dos adornos corporais dos IshirChamacoco.

15

Baldus, 1927 : 37.

33 A subsistência dos povos do Chaco, sejam caçadores-coletores, sejam cultivadores, dependia basicamente dos recursos naturais do território que ocupavam. A exploração dos recursos naturais diferenciava-se de um para outro grupo conforme o acondicionamento ambiental e/ou a intensidade usufrutuária dos territórios relacionada com a estrutura sócio-econômica. O espaço vital dos indígenas do Chaco Boreal eram as praças de caça, de coleta de algarrobo ou de pesca. Para eles era sua terra, com limites bem demarcados por acidentes geográficos ou por elementos naturais. Esses limites implicavam num direito exclusivo de exploração de recursos que lhes era atribuído, podendo ser compartilhado ou combatido conforme a disponibilidade do sítio. O Chaco pré-contato podia ser considerado como rico provedor de caça, caracterizado pelo encerramento de grandes mamíferos nas ribeiras dos poucos rios que o atravessam. Nesse sentido, a bibliografia demonstra o consumo de certos animais para sobrevivência desses homens e mulheres, tais como: tamanduás (Myrmecophaga tridactyla, Tamandua tetradactyla), cervos (Mazama americana, Mazama gouazoubira, Blastocerus dichotomus), puma (Puma concolor), onças (Panthera onca), gatos selvagens (Leopardus pardalis, Leopardus wiedii, Leopardus tigrinus e Herpailurus yagouraoundi), macacos, anta (Tapirus terrestris), quatí (Nasua nasua), tatus (Dasypus sp.), zorrilho (Conepatus chinga), lobo de crina (Chrysocyon brachyurus), jabuti, tartaruga (Geochelone chilensis), jacarés (Caiman yacare), cobras e víboras, lagartos (Tupinambis sp.), diversos roedores, preá (Cavia aperea), porcos-do-mato ou pecaris (Pecari tajacu e Tayassu pecari), lontra (Lontra longicaudis) e ariranha (Pteronura brasiliensis), peixes diversos e enguias (Lepidosireniodae), aracuãs (Ortalis canicollis), Tuiuiu (Jabiru mycteria) pato silvestre, pato real, ema (Rhea americana), tucano

34 (Rhamphastos toco), diversas espécies de papagaios (Psitácidos) e catorritas (Myopsitta monachus). Além desses animais e plantas, descritos acima, os insetos eram muito apreciados e utilizados das mais variadas formas, conforme Cypriano16, O mel e a cera das abelhas eram muito apreciados (especialmente de Trigona cipunctat, Lep.), algumas espécies de vaga-lumes eram empregadas por sua luz. A respeito dos gafanhotos, 'Esto que es considerado, y lo es en efecto, un terrible castigo para los otros Pueblos, se considera entre los Chaqueños una gracia.' JOLIS (1972:234). Visto que, ao encontrar uma nuvem destes insetos, em pouco tempo e com menor esforço as mulheres poderiam obter grande quantidade de alimento, da mesma maneira que ao encontrar grandes quantidades de algumas espécies de formigas, estas eram aproveitadas na alimentação sendo fritas em seu próprio óleo. Algumas larvas, principalmente aquelas encontradas em troncos de árvores ou palmeiras, eram aproveitadas na alimentação, comidas após serem assadas ou fritas em seu próprio óleo.

Ao final da estação das chuvas, entre os meses de junho e setembro, as águas baixam lentamente e voltam ao seu curso natural. Sedimentos, nutrientes e matéria orgânica trazidos pelas cheias ficam depositados no solo, permitindo sua fertilização. As lagoas e baías formadas pela estiagem fornecem alimento em abundância para milhares de aves aquáticas, entre outros animais. Essas aves aproveitam para iniciar seus rituais de corte e acasalamento, formando imensos ninhais. A evaporação acelerada da água expõe as salinas chaquenhas e, gradativamente, a água vai ficando salobra ou escasseando. Os últimos frutos são consumidos naturalmente, em forma de farinha ou de bebidas alcoólicas. No auge da seca, a fauna se concentra em torno das lagoas e corixos, facilitando a obtenção deste recurso por caçadores-coletores. Porém, os animais já magros e cansados, buscam os últimos brotos no pasto já acinzentado e ressequido, e os homens fazem grandes caçadas, ateando fogo no capim de forma a encurralar sua presa em armadilhas construídas com os galhos secos dos arbustos. A carne da caça é assada até ficar dura como madeira, podendo assim ser armazenada

16

Cypriano, 2001 : 48.

35 por diversos meses. Começa, então, a época das cisões internas devido aos tabus alimentares auto-impostos, bem como disputas inter-étnicas por melhores locais de caça. Fome e sede são martírios vividos diariamente, em todas as faixas etárias, por todos os seres que habitam o Chaco Boreal. Todos aqueles riachos formados na estação anterior, são agora encontrados como extensos caminhos de barro duro, cozido pelo intenso calor do sol, resfriado pelos gélidos ventos noturnos. Somente a presença de aguapés marcam as águas próprias para o consumo. Nesse tempo de parcos recursos naturais, resta aos caçadores-coletores chaquenhos migrar em busca de água e comida, divididos em pequenos grupos e identificando-se por animais-totem, dos quais dizem herdar as características que os tornam resistentes às adversidades do meio e sociedades que os cercam. Segundo Cypriano17 para disporem destas fontes naturais, os grupos caçadorescoletores

necessitavam

do

conhecimento

da

diversidade

biológica,

de

sua

disponilibidade sazonal e da localização de "ilhas naturais de recurso" ou "cazaderos" que permitissem, assim, a subsistência através deste sistema. Tal forma de obtenção de alimentos e matéria-prima exigiria um constante movimento como uma das condições de êxito do empreendimento. Nesse sentido, Susnik18 afirma: Un aprovechamiento intensivo del cazadero empobrece la fauna del lugar; los hombres se ven obligados a moverse a nuevas zonas potenciales hasta que las anteriores vénse repobladas de animales y siendo regenerada su vegetación. El empobrecimiento de la fauna provocó a veces un paulatino acercamiento de los grupos tribales al ambiente blanco, no existiendo tampoco una libre movilidad desplazatoria.... En la zona nortechaqueña, subsistencialmente pobre y fluctuante, la sociedad zamuca se sirve de un

17 18

Cypriano, 2001 : 40. Susnik, 1982, Tomo IV : 23-29.

36 mecanismo regulador próprio: la rígida imposición de numerosos tabúes alimenticios según el status por edad o sexo. (p. 23) Los Chaqueños tenían que luchar contra las crecientes de água y sequías. Dos áreas periférico-chaqueñas se destacaban por el uso de profundos pozos; la zona del R. Parapití y R. S. Miguel, .... (p. 26) ... los antiguos Zamucos en general, rebuscaban hábilmente las lagunas con agua potable para el hombre y para el animal; la distinguían bien de las lagunas con agua salada, pues éstas no solían estar cubiertas por la flora acuática. Cuando no podían encontrar ... aguadas, excavaban pozos de agua ..., a veces de 4 metros de profundidad, sirviendo como un reservatorio de agua de lluvia .... (p. 26-27) En ocasión de grandes y prolongadas sequías, los chaqueños recurren a plantas o túberos hidroconservantes. Todos saben aprovechar las hojas de Bromeliáceas (caraguatá); entre sus fiolodios se conserva el agua de lluvia; se corta la planta y se obtiene un material acuoso.... (p. 27) Los Antiguos Zamucos, los habitantes de las zonas más áridas y secas del norte chaqueño, recurrían al meollo grueso y esponjoso de una palma que, exprimido, sustituía agua .... Los Chamacocos prefieren la raíz de una Timelácea; mascan su carne hidrosa, de sabor algo agria; según su tradición mitológica, las mujeres fueron las encargadas de recolectar estos túberos, originándose los sucesos del 'cambio del mundo' anabsónico'. (p. 28) Las dos estaciones, de sequía y de lluvia-crecientes, obligan a los chaqueños a continuas adaptaciones subsistenciales. ... Todos los Chaqueños tienen sus shamanes invocadores da la lluvia y el ciclo de 'pájaros de lluvia'. (p. 28) Pero, hay también grandes crecientes, formándose largos esteros; el gentío indígena casi vive 'en las islas secas' y la alimentación se reduce a veces a raíces de totoras (Lozano, p. 68). Los animales emigran y tras ellos los hombres; los chamacocos hablan de la búsqueda desesperada de 'las alturas', de terrenos secos para sus asientos; la hambruna los llevaba - según la tradición, a comer sus proprias sandalias, hechas de cuero de tapir .... (p. 29)

Percebe-se, dessa forma, a influência do meio nas ocupações humanas do território. As forças de pressão, nesse caso ambiental, mobilizam os grupos a buscarem áreas de melhor adaptação, onde a água, fauna e flora são mais abundantes e diversificadas - fato que não geraria maiores problemas numa organização social baseada em pequenos bandos de caçadores-coletores. Além disso, criam-se funções sociais para amenizar os problemas do enclausuramento forçado pelas pressões externas, proporcionadas pelos deslocamentos étnicos. Sede e fome, abundância e escassez, eram constantes na vida dos povos chaquenhos, e perduravam de acordo com a estação e do grau de adaptabilidade dos homens ao ambiente.

37 Apesar de aparentemente hostil e inóspito, seres humanos têm se desenvolvido na região desde pelo menos 8 mil anos19, habitando os ecossistemas diversificados que o Gran Chaco apresenta, de forma variada e com finalidades específicas. Capões de mato são encontrados em toda esta extensa área e neles foram desenvolvidas desde atividades simples da sobrevivência de pequenos grupos familiares até complexos rituais funerários. As encostas dos Planaltos pantaneiros abrigam extensos lajedos com petroglifos e os solos com maiores índices de nutrientes presentes no local propiciaram o desenvolvimento e manutenção de sociedades horticultoras possuidoras de uma relativa complexidade. Enfim, o "deserto" conformado entre a Bolívia e o Paraguai, foi o cenário no qual comunidades indígenas disputaram entre si o controle sobre as águas, as plantas e os animais; combateram os horticultores-cativadores20 Aruak e Guarani, bem como os conquistadores espanhóis e bandeirantes portugueses; onde foram cristianizados pelos Jesuítas e ajudaram na cristianização de outros povos, porém resistindo em aderir completamente aos valores impostos pela colonização. Lutando por manter seu território livre, em fins do século XVIII e início do XIX migraram para uma localidade mais amena, nas margens do "Grande Rio", e lá, ao venderem sua força de trabalho para sustentar as famílias, gradativamente viram sua cultura minada pelas estradas de ferro e pelas indústrias de tanino.

19 20

conforme Schmitz et al., 1998. O conceito será discutido em outro capítulo.

2 Da Força do Tigre e da Habilidade do Pato1 A pouco tempo comemorou-se os 500 anos de ocupação oficial do território brasileiro pelos portugueses e ainda ecoa um movimento de discussões acerca dos conhecimentos produzidos, adquiridos ou assimilados sobre a identidade do povo brasileiro e americano. Dentre outras temáticas, a antigüidade do Homem na América ou maneira pela qual aqui chegou continuam sem conclusões. Talvez nunca se encontre um consenso. Buscamos, contudo, nossas raízes num passado remoto utilizando, para isso, recursos tecnológicos avançados e cadeias de DNA. Num pretérito temporalmente mais próximo, os registros documentais produzidos pela vivência dos primeiros conquistadores, sejam leigos, militares ou religiosos, fundamentaram a análise da configuração dos povos chaquenhos e pantaneiros. A proposta é, então, apresentar um panorama geral da configuração humana nos arredores da área em estudo (apresentando aspectos gerais das tribos que compõem as famílias lingüísticas Bororo, Guaicurú, Aruak, Guarani, Chiquito, Maskoy e Zamuco),

1

"... la fuerza del tigre y su impusliva agresividad vióse reemplazada por la habilidad dominadora del pato silvestre y el engaño." Este foi o modo pelo qual um chamacoco descreveu a relação entre o seu povo e os Guaicurú, após o estabelecimento de um pacto celebrado entre as duas etnias que garantiu o deslocamento dos Ishir-Chamacoco, que se acercavam das antigas reduções de Santo Corazón e Santiago, até a localidade de Bahia Negra. Em Susnik, 1982 : 173.

39 a fim de verificar como se processaram as interações e transformações interétnicas no decorrer da história. Pretende-se com isso, contextualizar a atividade missional exercida pelos apóstolos de Ignácio de Loyola num universo totalmente novo e que se fechava devido às ações predatórias dos colonizadores europeus na América do Sul. Muitos pesquisadores desenvolveram ou estão desenvolvendo trabalhos relativos aos grupos citados, dentre os quais destacam-se as pesquisas de Darcy Ribeiro, sobre os Bororo; as de Ana Lúcia Herberts e Guido Boggiani, sobre os Guaicurú; de Magna Magalhães, sobre os Payaguá; de Doris C.C.A. Cypriano, sobre os Toba; as migrações Aruak, estudadas por Vanderléia Mussi, que esteve entre os Terena; bem como as missões jesuíticas entre os Guaná-Chané e Xarayes, exploradas por Maria Eunice Schuch; as adaptações dos Chiquitos antes e durante o estabelecimento das reduções, estudadas por Paula Caleffi; por fim, os estudos de Alfred Métraux, Branislava Susnik, Herbert Baldus, L. Kersten, Elmer Miller e Pedro Ignácio Schmitz sobre as populações chaquenhas e pantaneiras, formam a base investigativa do presente capítulo. Deve-se observar, num primeiro momento, que: La historia cultural sudamericana contiene muchos factores incidentales, los que, fuera del área andina, no permiten seguir una secuencia desarrollista ni observar cambios impositivos. La ‘historia’ es un proceso de la interacción cultural o etno-cultural, acondicionada por los movimientos dispersivos de los neolíticos tropicales o por los desplazamientos de los subandinos hacia el este y el sur. Las nuevas poblaciones inmigrantes tenían que adaptarse eco-culturalmente, y las proto-poblaciones dar sus respuestas socioculturales, selectivas, agresivas o marginantes.2

Assim, buscou-se pontuar algumas das respostas encontradas pelas populações habitantes da região do Chaco Boreal para a problemática gerada a partir da efervescência causada pelas invasões das populações horticultoras-migratórias no

2

Susnik, 1994 : 32.

40 sistema de vida caçador-coletor local, e a partir do contato entre o mundo indígena e a sociedade colonial. O maior problema no estudo dessas populações não diz respeito apenas à cultura material escondida sob a poeira do Chaco ou sob o barro do Pantanal, mas também no que já se produziu, até hoje, sobre seus habitantes. Esses indígenas dividiam-se em grandes grupos étnicos, e cada grupo em incontáveis tribos e bandos, identificadas pelos nomes dos seus caciques, do lugar em que habitavam ou de alguma particularidade de seu modo de ser, expressando a diversidade e singularidade por seu próprio dialeto: Los españoles solían designar a los indios con los apodos con que los conocían otras razas o tribus; muy rara vez los llamaban con los nombres que ellos mismos se daban, y lo común era que los nombrasen por algun resgo distintivo de su aspecto físico. Así, por ejemplo, extendieron el nombre Guaycurú, 'índio manchado', a todas las tribus que vagaban al Norte del Pilcomayo y al Occidente del Paraguay, hasta lindar con los Chiriguanes en las riberas de los ríos Parapití y Guapay. Llamaron Lenguas a unos indios que en el labio inferior usaban una tablilla parecida a una segunda lengua; Orejones, a todos los indios que se deformaban las orejas, y Frentones, a las tribus, entre el Bermejo y el Pilcomayo, que tenían la costumbre de raparse la parte anterior de la cabeza.3

Como se pode observar, a historiografia do Chaco/Pantanal é riquíssima em quantidade de nomes dados aos grupos indígenas que habitavam a região. No transcurso de alguns séculos, muitas gerações desses indígenas foram drasticamente reduzidas ou se extinguiram completamente ao mesmo tempo em que novos grupos surgiam, numa constante renovação étnica, aparecendo e desaparecendo sem deixar rastros. Entretanto, tamanha fartura dificulta os trabalhos de se construir a história dessas populações pois torna complexa a avaliação de um mesmo grupo em determinada área, uma vez que as influências inter-culturais se alteravam em função da

3

Gandía, 1935 : 75.

41 proximidade, duração e tipo de contato estabelecido entre estas etnias, além da intensa mobilidade das mesmas. Para efeitos deste trabalho, buscou-se integrar em um só grupo os falantes de um mesmo idioma4, descartadas as variações dialetais. Exceção a este critério foram os falantes do grupo Zamuco, uma vez que o estudo está centrado em um de seus representantes

e

que

seu

modo

de

ser

é

diretamente

influenciado

pelos

relacionamentos mantidos entre os outros representantes do mesmo idioma. Dessa

forma,

procurou-se

balizar

os

movimentos

responsáveis

pelo

enclausuramento dos Ishir-Chamacoco no interior do semi-árido chaquenho, bem como da posterior abertura, que se deu para esta população, dos caminhos para melhores perspectivas de subsistência, em função do deslocamento para as margens do rio Paraguay. 2.1 Primeiros habitantes Segundo dados arqueológicos, constata-se que os humanos habitam as terras inundáveis que margeiam o rio Paraguay desde, pelo menos, 8 mil anos5. Essa data pode ser extrapolada também para o Chaco, seu vizinho, mas que não dispõe de datas recolhidas sistematicamente. Para que essa adaptação ao meio úmido fosse possível, gradativamente esses homens foram modificando o ambiente circundante, de maneira a escapar das cheias do rio. A observação dos processos erosivos naturais talvez tenha sido decisiva neste momento, pois eles construíram elevações de terra e conchas em toda a área pela qual

4

Benjamin Whorf em Language, Thought and Reality (1956), argumentou que as pessoas percebem e pensam o mundo em termos do idioma que falam. Assim, a estrutura e os conceitos do idioma determinam as atividades intelectuais. In : Werner, 1987 : 143. 5 Schmitz et al., 1998.

42 o Paraguay se esparrama anualmente. São formadas, assim, ilhas secas cobertas por vegetação que abrigam os animais, as plantas - essenciais para sua sobrevivência - e o próprio homem. Notoriamente, as datas mais antigas são aquelas próximas às áreas naturalmente elevadas de Corumbá, nas cercanias da Lagoa Jacadigo e morrarias residuais de planalto, que ali se localizam. A medida em que se vai afastando desse centro, as datas vão ficando mais recentes: O sítio mais antigo (MS-CP-22), por enquanto único, datado de 8.200 a 8.000 anos A.P., está sobre uma barranca alta do rio Paraguai, na encosta do planalto. Apresenta a exploração dos recursos presentes nos demais sítios centrais, tanto pré-cerâmicos como ceramistas: moluscos, peixes, répteis, mamíferos, frutos. Sua posição estratégica dá acesso ao rio, aos campos alagados na outra margem do mesmo, onde existem grandes extensões de arroz nativo e a terrenos florestados, onde havia frutos e caça.... A entrada nas áreas alagadiças demorou mais 3.800 anos, por razões que ainda desconhecemos .... A partir de 4.400 anos A.P., isto é, após o término do Ótimo Climático, se dá uma ocupação ininterrupta desse espaço por populações certamente canoeiras, cujos assentamentos mais antigos e mais densos se encontram à beira de rios e lagoas na borda do planalto, provavelmente ainda não nos campos alagadiços.... A partir de 2.160 anos A.P. os sítios cerâmicos se multiplicam nos espaços onde estavam os assentamentos pré-cerâmicos, formando novas camadas sobre as ocupações anteriores e se espalhando pelos campos alagadiços. ... A cerâmica, pequena, utilitária, não sofisticada, representa uma tradição nova, denominada Pantanal, que parece estender-se por cima do Pantanal e ao menos parte do Chaco argentino e paraguaio, mas não chega à Amazônia, nem ao Planalto brasileiro. A conexão entre o período cerâmico e o pré-cerâmico ainda é desconhecida. ... Em termos de processo tão pouco sabemos como a cerâmica chegou a se implantar. Supomos que não tenha sido inventada neste lugar porque, desde o começo ela se apresenta diversificada. Se ela foi adotada pela população local ou se uma nova população, portadora da mesma, substituiu os pré-cerâmicos ainda não foi possível resolver. ... Existe boa probabilidade de que a fase Jacadigo, da mesma tradição Pantanal, seja de populações Mbayá-Guaicuru que acampavam no sopé do planalto em meados do século XIX.6

Como pode-se perceber, a partir da introdução da cerâmica - e toda uma nova forma de se relacionar com o meio circundante despertada por esse processo -, houve uma ruptura no sistema de vida caçador-coletor das populações que habitavam o

6

Schmitz et al., 1998 : 241-243.

43 Pantanal. Acredita-se que o mesmo pode ter ocorrido com os chaquenhos mais ocidentais. Ainda que sejam poucos os dados arqueológicos efetivos do Chaco Boreal, a etnóloga Branislava Susnik reuniu em suas obras um vasto documental, entre outros, sobre as populações chaquenhas. Para essa pesquisadora, uma série de ondas ou correntes migratórias foram responsáveis pelas sucessivas ocupações do território e pelo desenvolvimento da complexidade etno-cultural de todo o Gran Chaco. Segundo Susnik, o que aconteceu foram movimentos de 'neolitização'7 das populações primárias cujas alterações são percebidas na tecnologia utilizada para a obtenção de recursos e nas configurações/ organizações socio-políticas: Cuando inicióse la conquista hispana en el siglo XVI, las grandes áreas sudamericanas – subandina, tropical, sabanera, llanera y pampeana-, eran ocupadas por la diversidad de grupos étnicos que explotaban los recursos naturales según sus pautas culturalmente tradicionales, con adecuada adaptación ecológica y muchas veces integrando elementos culturales periféricos diferentes. Los territorios ‘tribales’ no eran estáticos ya que siempre había movilidad migratoria y la presión expansiva de grupos étnicos belicosos, existiendo ya prehistóricamente determinadas zonas con gran potencial eco-cultural y también muchas zonas de simple refugio. 8 ... el Chaco es una zona de transición entre las llanuras tropicales de la cuenca del Amazonas y las pampas áridas de la Argentina. A lo largo de su confín occidental, se encontraba ampliamente abierto a las influencias del mundo andino, y al Este bordea con una zona subtropical habitada por tribus Guaraní, nutridas y guerreras. En el Chaco convergieron corrientes culturales de todas estas regiones, y se mezclaron para producir un nuevo tipo de civilización.9

Partindo de estudos anteriores, como os de Alfred Métraux - Handbook of South American Indians10 -, ela propôs modelos migratórios para as populações chaquenhas

7

“término generalizador para el complejo sociocultural fuera del área andina (...) con presencia de cerámica de la nucleación más antigua(...).”(Susnik, 1994 : 55) É caracterizado pelo cultivo de milho associado a panelas de cerâmica e mandioca amarga, associada a tachos cerâmicos, datados a partir de 1.000 a.C. na Amazônia e 1.400 a.C. no Peru, respectivamente. O cultivo destes alimentos está associado a um maior sedentarismo e contingente populacional. 8 Susnik, 1994 : 5. 9 Métraux, 1996 : 32. 10 Steward, 1963.

44 pertencentes às famílias lingüísticas Guaicurú, Maskoy e Zamuco, bem como para grupos amazônicos como Tupi-Guarani, Aruak e os Bororo de Mato Grosso. Sugere, também, a existência de três núcleos culturais na periferia do Chaco, os quais localizavam-se: entre o rio Guapay e rio Bermejo; entre o rio Guapay e o Alto rio Paraguay; e entre o Alto rio Paraguay e o litoral fluvial do rio Paraná (Figura 2). Aponta, ainda, as principais vias hidrográficas de regiões do Chaco e Pantanal como rotas préhistóricas de migrações sul-americanas, motivadas por pressões demográficas intensas. Nesse sentido, podem ser percebidas três grandes "ondas migratórias" de ocupação territorial: uma formada pelos proto-povoadores do Chaco, outra por grupos horticultores-ceramistas, e, finalmente, os deslocamentos de populações indígenas, provocados pelo contato com espanhóis e portugueses durante a conquista e colonização sul-americana: Al iniciarse la Conquista hispánica, los pueblos del Gran Chaco manifestaban un estado de efervescencia migratoria y se hallaban en plena belicosidad interétnica, luchando por cazaderos y pescaderos substancialmente más aptos. Tal situación se debía a varias olas de desplazamientos precolombinos en la periferia misma del Gran Chaco, circunstanciando diversos contactos interétnicos y acondicionando algunas variaciones culturales y caracteres etnopsicológicos distintos en las tribus chaqueñas. 11

Assim, a primeira onda de ocupação humana do Chaco/Pantanal, segundo Susnik, foi de populações vindas do sul do continente em direção norte/nordeste. Essa expansão migratória seria caracterizada por pequenos bandos de caçadores-coletoresforrageiros12, com indústria lítica bastante simples, obtendo recursos alimentares diversificados, principalmente pequenos animais e frutas, procurando não se afastarem das margens de rios e lagoas mais permanentes. Problemas como a fome e a falta de

11 12

Susnik, 1972 : 7. Conceito discutido em Winterhalder; Smith, 1981.

45 água nas estações secas, poderiam ser solucionados com o simples deslocamento do grupo para outra área mais propícia para a vida. Na medida em que os grupos foram crescendo demograficamente e que os recursos começaram a se tornar escassos, novas adaptações tiveram de se processar no seu interior. Cisões tornaram-se mais freqüentes (somando-se àquelas causadas pelo ambiente e falta de recursos), e novos sistemas de parentesco apareceram, talvez, em função das primeiras disputas territoriais (conforme pode-se observar nos relatos dela sobre a mitologia dos povos chaquenhos). Acredita-se que nenhum grupo aceitaria ser impelido por outro a deixar uma área rica em recursos para aventurar-se no "cinzento" semi-árido do Chaco Boreal, sem alguma forma de resistência ou adaptação. Na Amazônia, quando a situação tornara-se insustentável, devido a inflação populacional, a migração para áreas com menores densidades populacionais e economicamente mais promissoras foi inevitável. Além disso, a proximidade das altas culturas andinas começou a despertar a curiosidade desses povos. Los movimientos migratorios proto-arawak no eran simples desplaziamentos masivos en busca de nuevas tierras ocupacionables; ya sus primeras nucleaciones indican la preferencia por las zonas con periferia etnocultural diferente y que permitían una comunicación libre, fluvial y terrestre. Solían establecerse aldeas numéricamente densas, tendiendo a una productividad agrícola eficaz; a todos los Arawak caracterizaba su gran inclinación por la comunicación adquisitiva mediante intercambios-trueques, algunos desarrollando un verdadero sistema de “truequistas-viajantes”. Estas circunstancias contribuyeron a su gran receptividad y difusión de elementos culturales; para asegurar su potencial productivo, subsistencial y manufactural, los Arawak recurrían a la práctica de una interacción de los “brazos de cultivo”, reclutados entre las poblaciones periféricas, culturalmente inferiores, mediando el rapto de mujeres o asaltos hostiles; se formaba así una clase de “dependientes-siervos”, desetnizados y socialmente inferiores.13

Assim, Susnik aponta o Alto Guapaý como meta de conquista dos povos préincaicos, atribuindo-lhes a busca por dominação sócio-econômica em uma periferia

13

Susnik, 1994 : 57.

46 aberta para intercâmbio de bens e interesses culturais (segundo a pesquisadora, características típicas do padrão neolítico Aruak). Uma grande migração de grupos pertencentes à família Aruak, de ceramistas-horticultores, se processou desde um centro dispersivo, entre a Venezuela e as Guianas, para o sul, chegando ao Chaco, e para o norte, em direção às ilhas do Caribe. Essa migração teria ocorrido, segundo as datas alcançadas pela pesquisadora, por volta de 4.000 anos A.P. No Chaco, representantes desta família lingüistica estabeleceram-se na área sub-andina e, atravessando o Chaco, chegaram ao Alto Paraguay (Figura 3). Desde unos 2000 años a/C se manifestaban importantes movimientos migratorios de las poblaciones de cultura neolítica en gran parte del ámbito sudamericano, originando grandes cambios socioculturales directa o periféricamente. Las proto-unidades etnoculturales y lingüísticas seguían sus diferentes rumbos del dinamismo expansivo territorial, demográfico y cultural; paulatinamente iban formándose por segmentaciones del gentío o integraciones interétnicas, nuevos grupos tribales, cada uno con la conciencia de su propia unidad definida por ‘lengua-vivencia-creencia’, a veces con un abierto etnocentrismo belicoso, avasallador e impositivo. El enfrentamiento con el estrato de protopobladores y el mismo acondicionamiento de las áreas subsistenciales significaban un impacto del ‘cultivo de maíz’ o del ‘cultivo de mandioca’ con la tipología económica de caza-pesca-recolección. No faltaba la adopción de muchos elementos materiales, decorativos y ceremoniales, pero el impacto acentuó también la conciencia tribal de los grupos, predominantes o marginados, con respuestas socioculturales diferenciados. El parentesco, clasificado culturalmente, constituye el básico mecanismo ordenador de la conducta social, de la convivencia grupal, de la reciprocidad solidaria y de la reafirmación existencial.14

A mobilidade dos grupos ceramistas-horticultores amazônicos do leste para o sudoeste, dos orinoquenses do norte para o sul e dos Aruak pré-andinos do oeste, pressionavam,

deslocavam

e

influenciavam

culturalmente

os

povos

proto-

povoadores/caçadores-coletores15 chaquenhos: " ... así por ejemplo, los pueblos del rumbo migratorio orinoquense desplazaban hacia el sur a los pueblos Zamucos, habitantes ya históricos del Norte del Chaco Boreal..." 16 (Figura 4).

14

Susnik, 1994 : 6. Portadores de uma tecnologia para captação de recursos comparável a dos povos do período paleolítico do Velho Mundo, ou pré-cerâmico americano. 16 Susnik, 1972 : 7-8. 15

47 Apesar disso, as influências culturais periféricas dos ceramistas pré-incaicos não constituíram um fator desintegrador nas culturas dos pré-cerâmicos, uma vez que a adoção dos novos elementos culturais parece ter sido seletiva. Porém, se vantajosos, adotavam certos elementos, como as bilhas para armazenar água, por exemplo. A expansão incaica, de acordo com Susnik, teria provocado um aglutinamento de diferentes etnias na região entre o rio Guapaý e Bermejo. Acredita que, apesar de nunca terem conseguido conquistar as terras tropicais e sub-tropicais sul-americanas, a simples proximidade dos Incas com povos de ceramistas-horticultores provocou interrelacionamentos que até então não existiam, bem como despertou o interesse desses grupos por objetos metálicos e distinções socio-culturais mais acentuadas, baseadas em um sistema representativo e redistributivo melhor elaborado, em função da posse desses objetos: Esas relaciones podían ser de trueque, o ya de intercambio belicoso. Los Pueblos de cultura paleolítica originaria, ya previamente empujados por los neolíticos y posteriormente influenciados y marginados por los mismos neolíticos-truequistas y receptores de la cultura andina, buscaban su ubicación subsistencial a la par que una periferia conveniente. De esta manera, este núcleo periférico de Guapaý-Bermejo circunstanciaba presiones, que luego originaron los desplazamientos de muchas tribus, históricamente conocidas como 'chaqueñas'.17

Desse modo, na iminência de se tornarem servos de populações cuja organização social e tecnologia para obtenção de recursos eram melhor desenvolvidas, os bandos de caçadores-coletores tiveram de optar entre ficar onde estavam, arcando com as dificuldades de uma vida cativa, ou fugir para outras terras do sudeste, e arcar com as dificuldades de um ambiente pouco explorado e inóspito (Figura 5).

17

Susnik, 1972 : 8.

48 Partindo desses movimentos migratórios, busca-se agora caracterizar, de forma geral, a ocupação do território do Chaco Boreal pelos grupos humanos representantes das famílias lingüísticas Aruak, Guarani, Chiquitos, Mbayá, Bororo, Maskoi e Zamuco. 2.2 ARUAK A formação das identidades etno-socio-culturais dos povos neolitizados começou com a intensiva produção de milho e mandioca, garantia de uma base alimentar para concentração de pessoas, e com uma distribuição cooperativa do trabalho. Segundo Susnik, os proto-Aruak amazónicos “manifestaron el mayor grado de la adaptación eco-cultural, por lo que se los considera como los difusores más activos de los elementos culturales neolíticos”18; tomando vários rumos dispersivos, nem sempre simultâneos temporalmente, dispersaram-se pelo centro da América do Sul. Formaram, desse modo, uma série de sub-grupos etnolingüísticos diferenciados, e ocuparam territórios mais propícios aos cultivos, pressionando grupos menos desenvolvidos culturalmente (proto-povoadores, pré-cerâmicos) a deslocaram-se para o interior ou readaptarem-se aos novos padrões culturais. No Chaco, duas áreas são ocupadas pelos representantes Aruak, uma próxima a cordilheira, entre o Banhado do Izozog/rio Parapiti e o rio Pilcomayo, e a outra na conjunção do rio Otuquis com o Alto Paraguay. Estes são conhecidos pelo apelido Chané-Guaná (pessoas de terra adentro), ceramistas-horticultores (neolíticos19) com alta densidade populacional, aldeias relativamente estáveis, divididas em bairroscacicados20 e com estratos sociais bem distintos. Os grandes povoados estariam sob

18

Susnik, 1994 : 56. De acordo com a classificação utilizada por Susnik. 20 Cada núcleo populacional indígena elegia um representante que fazia as vezes de líder comunitário em questões de litígio com os demais núcleos.

19

49 comando de um único líder, nos moldes do que encontraram os espanhóis quando em contato com os Xarayes21. Os Chané sub-andinos possuíam grandes plantações, uma relativa organização sócio-econômica, e constantes hostilidades intergrupais associadas com roubos de mantas de algodão e mulheres para trocarem por metais. Em sua essência, a sociedade Chané é cativadora, isto é, obtém entre grupos tecnologicamente inferiores e politicamente fracos, da periferia de seu território, a mão-de-obra necessária para suprir as necessidades da tribo. Costumam estabelecer aldeias densamente povoadas, com acentuada produção agrícola, mas com uma grande inclinação à realização de trocas e intercâmbio, onde alguns grupos desenvolveram um verdadeiro sistema de 'troquistas-viajantes'. 22 Os Chamacoco ... eram uma das populações tradicionalmente transformadas em cativos dos Chané. Os próprios Chamacoco realizavam troca com os Guaná: 'costumão vender seus próprios filhos aos Guaycurús e Guanás em troco de machados, cavallos e panno de algodão'. 23

Os contatos estabelecidos com a sociedade Inca (±1.500 d.C.) e seu hábito de troquistas-viajantes, possivelmente foram os responsáveis pelas notícias obtidas pelos conquistadores espanhóis e portugueses sobre metais preciosos na área do Chaco/Pantanal. A mobilidade constante causada pelas viagens, ou mesmo a própria onda migratória dessa etnia, poderiam ser as causas do deslocamento dos grupos de língua Zamuco (que originalmente ocupavam as margens do rio São Miguel e da lagoa

21

Amplamente discutido em vários autores, mas relatado, primeiramente, em Comentários de Alvar Nuñes Cabeza de Vaca. 22 Susnik, 1994, p.57, apud Schuch, 1995 : 39. 23 notícia, 1905, p. 81, apud Schuch 1995 : 61.

50 Concepción - Figura 5) para o interior do Chaco Boreal. Isso se percebe pois, durante a sua migração para o sul, descendo o rio Madeira e seus tributários, os Aruak passaram pela área de habitação tradicional dos Zamucos, e a rota utilizada para os contatos troquistas integrava a serra de Chiquitos (Figura 3). Além disso, devido a necessidade de muita mão-de-obra para trabalhar nas (relativamente) extensas lavouras de milho, os Chané buscavam aumentar o contingente do estrato social trabalhador mediante o aprisionamento e integração de crianças e adolescentes de outras origens étnicas. Esse estrato trabalhador não se mostra rígido, uma vez que pessoas de estratos superiores podiam manter relações sexuais com seus servos e o resultado dessas uniões podia ser considerado como seres livres do status de servos. Incapacitados devido aos constantes assaltos, os Zamucos teriam sido obrigados a deixar para trás os elos que os ligavam ao seu ambiente de origem, a partir do qual desenvolveram seus mitos organizacionais, para se esconderem num local onde dificilmente seriam perseguidos por horticultores: o deserto chaquenho. Antes que pudessem estabelecer um forte controle sobre as sociedades do interior do Chaco Boreal, os Chané sofreram uma abrupta "conquista" por outra população ceramista-horticultora, numérica e belicamente superior, com um espírito aguerrido e, de acordo com Susnik, uma forte identidade integracional: os Guarani. Logo após, os Guaicurú conseguiram dominar a ambas etnias, Chané e Chiriguano (como ficaram conhecidos os povos resultantes dessa miscigenação), trasladando os Chané até o Paraguay: Los Guaná (o Chané), que ocuparon el Chaco desde los 22º de latitud Sur pertenecían al mismo grupo que los Chané occidentales, pero su cultura había sufrido menos influencia del área andina. 24

24

Métraux, 1996 : 34.

51 ...unos dos siglos antes de la conquista, los Eyiguayegi-Guaicurú, belicosos cazadores-guerreros obligaron a algunos grupos Chané a la alianza tributaria de “niyolola” y a emigrar con ellos en calidad de “vasallos” a las tierras del Alto R. Paraguay. Al conquistar los Chiriguano-Guaraní a la Cordillera poco antes de la Conquista hispana, avasallaron el resto de los Chané subandinos, convirtiéndolos en sus “siervos-dependientes”....25

Os quatro grandes grupos familiares que seguiram com os Guaicuru ergueram aldeias com alta concentração populacional, divididas em bairros-cacicados, e com uma classe de líderes distinta das demais (tratar-se-á dessa relação, Chané e Guaicurú, no sub-capítulo referente aos Guaicurú). Os grupos Chané figuraram durante todo o período colonial, principalmente na história de Assunção, sendo os responsáveis pela maioria das reclamações sobre atentados dos Guaicurú. Suas adaptações ao sistema colonial, através de alianças e comércio ora com portugueses, ora com Guaicurú, ora com espanhóis, permitiram-lhes sobreviver durante os anos que se seguiram e alguns representantes Chané ainda são encontrados em bairros periféricos das cidades do Mato Grosso do Sul, como Campo Grande e Aquidauana, segundo Mussi (1999). 2.3 CHIRIGUANO-GUARANI O que se percebe, ao estudar os Guarani pré-contato, é uma tendência migratória composta por uma certa concentração regional desse grupo e sua expansão para o leste. Os núcleos populacionais mais densos localizavam-se no Paraguay oriental e na província do Guayrá, onde os mais dispersivos foram impedidos de prosseguir sua expansão para o sudeste.26

25 26

Susnik, 1994 : 64. Susnik, 1994 : 95.

52 Desde o Alto Paraguay, os movimentos migratórios dos Itatin e o mito do "Candiré Cordillerano" difundiram-se rapidamente entre as comunidades Guarani, interligadas, no interior das matas, através de rotas fluviais e terrestres. Ao ficar sabendo da informação sobre o "Candiré" e seus metais fabulosos, o naufrago português Aleixo García organizou uma grande convocação entre os indígenas a fim de empreender uma expedição até a cordilheira e resgatar tal tesouro. Os Guarani, em função de sua tendência expansiva, viram nessa empresa uma perspectiva para ampliar a sua área de influência e se associaram à expedição, vindos de diferentes núcleos regionais. Durante o retorno da Cordilheira, nas margens do Paraguay, os Guarani assassinaram Aleixo Garcia, pois temiam que o metal trazido pelo português atraísse a outros "brancos", além do que, já tinham aberto o caminho para conceber um movimento migratório diferente, cuja meta era ocupar este novo espaço. Não se tratava mais de uma simples incursão como empreendimento da jovem geração de guerreiros muito comum na sociedade Guarani27 -, mas de uma travessia trans-chaquenha subsistencialmente complicada, como se viu no capítulo anterior, e difícil para toda a comunidade de grupos domésticos que viriam aderir ao movimento. Dessa forma, desde a margem do rio Paraguay, os Guarani cruzaram o Chaco em três direções: por los Xarayes en el Alto Paraguay, rumbo centro-chaqueño y también el rumbo Pilcomayense, compuesto éste de muchas nucleaciones Tape; ‘conquistaron’ la Cordillera desde Sta. Cruz de la Sierra hasta el R. Bermejo, subyugando a los antiguos pobladores Chané-Arawak,... si bien eran más conocidos como Chiriguanos / Chiri-Huana, el apelativo aplicado por los Inca a las poblaciones subandinas-tropicales....28

27 28

Clastres, 1990. Susnik, 1994 : 96.

53 A partir da interação Chané-Guarani, começou a se formar um novo elemento indígena, permeado de valores de uma e outra cultura e altamente influenciado pelas culturas andinas que se expandiam: "en gran parte, los chiriguanos son, tal como lo demostraron Combès y Saignes (1991), el producto de un proceso de etnogénesis"29. Assim, os Chiriguano ocuparam o novo habitat com extrema violência, convertendo a todos os demais Chané-Aruak em servos e dominando-os pela constante ameaça de ataques antropofágicos: ...la violencia era parte del etnocentrismo Mbyá-Chiriguanos...La desproporción numérica entre hombres y mujeres en el primer período migratorio obligaba a los Chiriguanos a integrar mujeres Chané, pero éstas seguían discriminadas socioetnicamente de las mujeres Mbyá-Chiriguanas...; los hijos mestizos eran reconocidos como “Chiriguanos”, si participaban del rito antropofágico o se sometían a la inciación guerrera. Adoptando la práctica andina en sus relaciones periféricas, los Chiriguanos imponían a las tribus cultivadoras vecinas la obligación de una ‘tributación’ de objetos y materia prima de los cuales carecían en su habitat Cordillerano, pero que necesitaban para poder continuar con sus pautas culturales esencialmente tropicales30.

Apesar de não terem constituído uma organização sócio-política unitária, o feito de atravessar todo o Chaco, dominar uma cultura já bem assentada no território, e colher os frutos dessa dominação em um curto espaço de tempo, ajudou aos Chiriguano a estabelecer uma relativa supremacia aos pés dos Andes,

uma vez que foram os

responsáveis por conter o avanço do Império Inca sobre o Chaco Boreal. Eram, então, horticultores semi-sedentários vivendo em casas circulares feitas nas margens dos rios. Alimentavam-se dos produtos de suas lavouras de milho, batata, abóbora e mandioca, cultivadas também entre seus vizinhos Chané, já "guaranizados". As aldeias eram formadas por famílias extensas, com mais ou menos 100 pessoas em cada unidade familiar, sob comando de um sub-líder, de cargo hereditário, e de um grande líder que congregava um enorme contingente em tempos de guerra.

29 30

Boccara, 2004 : 4. Susnik, 1994 : 97.

54 O bloqueio territorial estabelecido por esses horticultores despertou a ira dos Incas que, por isso, os apelidaram Chiriguano, ou "esterco frio" (Figura 5). Os jesuítas, ao entrarem no Chaco Boreal, foram incumbidos de apaziguar, através da cristianização, a esses indígenas que constantemente assaltavam a cidade de Santa Cruz de la Sierra e as reduções de Chiquitos, nos séculos XVI, XVII e XVIII. 2.4 CHIQUITOS Eram formados por diversas tribos de dialetos Tao, Piñoco, Manasi e Peñoqui. Caracterizados por Caleffi31 como cultivadores incipientes com alternância de caça-pesca-coleta, apresentavam organização político/religiosa tendendo mais para bandos do que sociedades tribais. Habitavam choças separadas, constituídas por uma única família nuclear, feitas com galhos e palha, da altura de um homem e com uma porta muito próxima ao chão, tendo de se arrastar para entrar ou sair. Daí vem o nome Chiquitos. Possuíam utensílios simples e pouco numerosos devido a alta mobilidade. Casamentos monogâmicos e o sistema patrilinear caracterizavam as ligações sociais, nas quais o pretendente devia presentear a família da noiva com máximo de caça que conseguisse. Para que tal sistema fosse garantido e tivesse uma relativa dinâmica, o acesso a terra, caça-coleta e as caçadas coletivas dependiam do pertencimento a uma linhagem. Plantavam durante a estação chuvosa (outubro/novembro) nas serras residuais do norte chaquenho e, em maio, desciam os morros para caçar. Colhiam, basicamente,

31

Caleffi, 1989-90.

55 milho e mandioca. Na época do plantio/colheita estavam dispersos e na época da caça se reuniam. Caçavam javalis, macacos, tartarugas, tamanduás, cervos e cabras monteses, entre outros. Para conservar a carne (pois ficavam de dois a três meses caçando) assavam-na até dez vezes de forma que se tornasse uma espécie de charque. O método de caça utilizado, como na maioria das popualções chaquenhas, era o fogo, e existia um líder responsável pela organização da caçada e pela redistribuição dos resultados. A pesca era feita usando um narcótico na água (não nocivo ao homem), que depois de um tempo fazia os peixes boiarem sobre ela. A coleta era executada por mulheres e crianças que buscavam, nos campos e nas matas chaquenhas, o ananás, o amendoim, o algodão silvestre, entre outros, para suprir as necessidades imediatas, principalmente enquanto os homens estivessem caçando. ... la suprevivencia de este grupo esta garantizada por un equilibrio entre estas dos formas de producción [alternância entre agricultura e caça-pesca-coleta]. 32

A área entre o rio Guapay e o Alto Paraguay, estava ocupada pelos Manasica e Tarapecocis-Chiquitos. Segundo Susnik, manifestavam uma organização sócio-política com rigoroso controle demográfico e distribuição impositiva do trabalho, entre gêneros e idades. Os Tarapecocis ocupavam as terras do rio São Miguel, as nascentes do rio Paraguay e as serras de San José e Santiago (Figura 5); construíam poços para armazenar água, apesar da região estar cheia de córregos, pois estes secam muito rapidamente. Os chefes das aldeias e os xamãs formavam a classe de liderança, escolhidos entre o conselho dos guerreiros.

32

Caleffi, 1989-90 : 237.

56 O chefe só era obedecido nas épocas de guerra, caçadas ou migrações. Juntamente com anciãos decidia os rumos do bando. Además de mencionar la necesidad de valentia en la guerra como fuente de prestigio, los misioneros referencian aún, que los caciques tenian el derecho a exercer la poligamía tomando dos o tres mujeres. 33

Ao contrário do cacique, cuja função não era definida em tempo de paz, a figura do xamã era reconhecida e respeitada. Havia rituais para elementos naturais (animismo) mas não havia culto a deuses. Acreditavam na vida após a morte e os sepultamentos continham os instrumentos diários como panelas ou arcos e flechas. Los Tarapecocis no eran étnicamente homogéneos, sorprendiendo la potencial dialectización de los grupos componentes; solían usar su propia táctica en relaciones periféricas: sometiendo por guerra la periferia y ‘chiquitizándola’ o matrimoniando a sus hijas entre los grupos étnicos diferentes o aceptando ‘extraños’ que luego fueron casados con mujeres Tarapecocis, de donde támbién la presencia de dos hablas: masculina y feminina.34

Essa característica integracionista dos Chiquitos foi, mais tarde, utilizada pelos jesuítas durante a colonização do Chaco como mecanismo de controle social nas reduções, de tal forma que o sistema missional estabelecido entre os Chiquitos foi posteriormente utilizado como modelo para catequização das outras etnias do Chaco Boreal, como Chiriguanos e Zamuco. Além disso, mantinham em certa dependência aos Chané, que trafegavam pelas "terras chiquitas" para estabelecerem os contatos de troca com os povos andinos e subandinos. Apesar de não se conhecer relatos precisos sobre o tipo de relacionamento estabelecido entre Chané e Chiquitos, tem-se razões para crer que deveriam fazer parte de uma rede de trocas montada entre os Chané das margens do Paraguay e os Chané sub-andinos.

33 34

Caleffi, 1989-90 : 240. Susnik, 1994 : 78.

57 2.5 MBAYÁ-GUAICURÚ Guaicurú era o nome dado pelos Guarani aos grupos étnicos que viviam na região chaquenha nos primeiros anos da conquista e que cobriam o corpo com pinturas ou tatuagens. Durante a colonização, esse apelido designava todas as tribos belicosas eqüestres do interior do Chaco Boreal. Sabe-se que, em época imediatamente anterior à Conquista, os Mbayá-Guaicurú entraram em contato direto com povos de cultivos intensivos (Chané-Guaná, Chiriguano-Guarani e Tupi-Guarani) na área do Alto Paraguay adaptaram-se a esta nova oportunidade econômica, iniciaram periódicos assaltos às plantações em período de colheita, empregando para isso, ameaças contínuas de destruição das aldeias cultivadoras. Posteriormente estabeleceram uma relação mais duradoura e sócioeconomicamente mais vantajosa: A origem dos contatos dos Guaná-Chané com os Guaicuru pode estar ligada às migrações dos Mbayá que passaram por suas terras na área dos rios Pilcomayo e Parapiti (Susnik, 1971, p. 35). Aparentemente as relações que se estabeleceram entre estas etnias foram marcadas pela supremacia dos Guaicuru sobre os grupos Arawak, aceita através de uma série de arranjos entre eles, que incluíam casamentos interétnicos, trocas, visitas taxativas, entre outros, o que permitia a convivência pacífica entre ambos.35 ... a relação de vassalagem com os Mbayá (Guaicuru) garantia aos Chané a proteção por parte de seus senhores. É bastante conhecido o fato de que a presença Mbayá restringiu, por muito tempo, a ação hispânica no Chaco. Os temidos índios cavaleiros criaram uma fronteira, que certamente permitiu aos Chané a possibilidade de certa forma de 'aprender' a conviver com a proximidade da presença branca. 36

Nesta relação, que pode ser percebida como uma rede de trocas, os Chané seriam responsáveis pela manutenção subsistencial dos Guaicurú, que, em troca, ofereciam proteção contra outros grupos indígenas e contra o avanço militar europeu, ferramentas para a lavoura, insígnias de nobreza através de casamentos arranjados, e servos/cativos como mão-de-obra:

35 36

Schuch, 1995 : 46. Schuch, 1995 : 74.

58 A relação dos Chané com os Guaicuru foi apontada desde o século XVI como uma relação de vassalagem que pode ser considerada uma forma de simbiose. Na verdade, nem sempre todos os grupos Chané conviveram de maneira totalmente simbiótica com os Guaicuru. A oposição dos Guaicuru com relação à possibilidade do estabelecimento de reduções jesuíticas entre os Chané (Sánchez Labrador, 1910) devia-se ao receio que eles tinham de perder seus servos. Além disso, até então os Guaicuru eram os fornecedores de ferro para os Chané e a missão viria a suprir esta necessidade (Susnik, 1981:208) e por certo eles perderiam trocas vantajosas.37

Dessa forma, os caçadores Guaicurú desenvolveram uma estratificação sócioétnica, permeada por uma implícita discriminação dos ‘dependentes’ dominados e um etnocentrismo ativo38. A estratificação social foi acentuada, em fins do século XVI, com a introdução e adoção definitiva do cavalo, criando um estrato de guerreiros eqüestres39. Este relacionamento truncado não impedia aos Chané de terem uma certa mobilidade nos territórios ocupados por Guaicurú, e esta mobilidade permitia-lhes adentrar ao Chaco, buscando implementos entre os Chiquitos e os Chané que viviam no sopé dos Andes, avassalados aos Chiriguano-Guarani. Dos contatos "comerciais" estabelecidos nesta rota, Guaicurú - Chiquito - Chané-Guaná - Chiriguano, resultaram os ornamentos de prata e ouro utilizados como adorno pelos Xarayes e relatados por Domingos Martinez de Irala e Alvar Nuñez Cabeza de Vaca, entre outros cronistas do período da conquista e colonização da América do Sul. Entretanto, faltam relatos de como se processariam essas transações. Mais tarde, os Chané-Guaná e Mbayá-Guaicurú formaram um verdadeiro entrave à colonização do território paraguaio, entrando em choque, por diversas vezes, com a sociedade colonial que se estabeleceu no seu antigo território. A partir de 1750

37

Schuch, 1995a : 119. Susnik, 1994 : 52-53. 39 Herberts, 1998.

38

59 deslocaram-se "...acompanhados de um cacique Mbayá, colocando-se na altura do rio Branco, já na margem oriental do Paraguai." 40 Esse relacionamento com os Guaicurú foi estabelecido em data anterior à chegada dos europeus no território sul-americano, e continuou ainda por muito tempo, mesmo depois das lideranças Chané terem pedido auxílio para combatê-los e liberá-los das obrigações a que estavam submetidos. Mesmo com as reduções religiosas e as tributações ocasionadas pelas encomiendas, tanto entre Guaicurú quanto entre Chané, não foram suficientes para desfazer os laços que uniam estas etnias. Assim, Schuch, esclarece: De um modo geral, a migração dos diferentes grupos Chané em direção ao oriente do Rio Paraguai esteve relacionada a questões ligadas ao andamento do processo de colonização do Paraguay. Conforme foi aumentando o interesse de colonos pelas terras do interior paraguaio, foram surgindo os atritos com as tribos Chané. O fato de se tratar de grupos agricultores e, em alguns casos, também pecuaristas, fez com que a disputa pelas terras e pastagens atingisse um nível de conflito que dificilmente poderia ser remediado. Diante da superioridade da sociedade hispânica, que tinha mecanismos eficientes para se impor sobre os grupos agricultores, não restou outra opção aos Chané que buscar a outra margem do rio Paraguai. ... A última década do século XVIII foi marcada pela tentativa dos espanhóis de conter a ação dos Guaicuru, o que trouxe conseqüências para seus vassalos Guaná. Entre os anos de 1795 e 1797 os hispânicos criaram várias fazendas na região de Villa Real visando ocupar a área e diminuir a influência dos Guaicuru. Sentindo a pressão castelhana, eles aproximaram-se dos portugueses, principalmente depois que os hispânicos organizaram expedições punitivas contra os ataques que eles praticaram nestes novos estabelecimentos (Serra, 1866, p. 383). Em meio às disputas dos seus senhores Mbayá e dos atritos com os castelhanos, os Guaná por mais de uma vez, pediram auxílio aos lusos estabelecidos na região matogrossense. Em 1793 cerca de 300 Guaná dirigiram-se ao Presídio de Coimbra ... para pedir proteção aos portugueses contra a tirania dos Guaicuru, sendo muito bem recebidos (Prado, 1839, p. 38). 41

Dessa forma percebe-se a importância que este relacionamento, quase simbiótico, entre Mbayá-Guaicurú e Chané-Aruak teve para a história da conquista e colonização sul-americanas. Não só pelo papel que representaram para os europeus e criollos, mas também por proporcionar a muitos grupos indígenas as primeiras notícias

40 41

Susnik, 1981, p. 211, apud Schuch, 1995 : 54. Schuch, 1995 : 53-54.

60 sobre este novo elemento que se introduzia em suas vidas, bem como por, durante muito tempo, ser o único veículo de trocas entre a sociedade colonial e a sociedade indígena do interior do Chaco Boreal.

Susnik considerou os Guaicurú como o mais importante estrato proto-povoador do Chaco, senhores de um imenso território que vai desde o rio Salado sul chaquenho até a região do Alto Paraguay, caracterizados por um “ethos de gran expansión belicosa de sus tierras, implícitos cazaderos, algarrobales, palmares y recorridas de mudanzas estacionales.”42 Estavam divididos em dois ramos, Sul e Norte, e os principais componentes da etnia são Abipon, Mocoví, Takshik, Toba e Mbayá, conhecidos também por ‘frentones’ devido a sua distinção social de raspar os cabelos na testa. Além do constante contato com povos neolíticos Chané-Aruak (Figura 5), pelo rio Bermejo na encosta Andina, e pelo rio Paraguay no Chaco úmido, também contatavam os Matará e grupos periféricos do rio Salado. Pressionavam, desde o oeste do Chaco, aos Mataco e, ao sul do rio Pilcomayo, lutavam contra os Cochaboth-Enimagá (Maskoy). Também são eles quem, ao buscar no interior do território a mão-de-obra para suprir as lavouras dos Chané, criaram na sociedade Zamuco a necessidade de cativar seres humanos para não terem de entregar seus próprios filhos. Pressionavam, assim, aos Zamuco cada vez mais para o interior do "deserto" chaquenho. Segundo Susnik, também empregavam a tática de “violência econômica” entre os Guarani da margem oriental do rio Paraguay, o que proporcionou reclamações

42

Susnik, 1994 : 52.

61 constantes, por parte das tribos violentadas, aos governantes civis, militares e religiosos espanhóis. Outro componente importante da etnia são os Payaguá, caracterizados, de forma genérica (e simplista), como caçadores nômades, pescadores e coletores43, que dominavam o curso do Rio Paraguay, desde a desembocadura do rio Bermejo até o rio Guachí no Alto Paraguay e representavam a cultura canoeira-pescadora-troquista. ... o contato com diferentes culturas levou-os a adotar a canoa como um novo elemento cultural, caracterizando-se não mais por ser "la gente de cultura de planície", mas "precisamente portadores da cultura canoeira" (Susnik, 1978, p. 94). A canoa tornou-se símbolo do ethos guerreiro e agressivo, além de se tornar o instrumento principal de deslocamento, o qual abrangia uma área fluvial extensa, desde a desembocadura do rio Bermejo até o Alto Paraguai. Ao contrário de outros grupos canoeiros, esses indígenas não possuíam limites estabelecidos por outras etnias; seus assentos poderiam estar localizados em ambas as margens ou nas diversas ilhas existentes no rio Paraguai. 44

A canoa era, para esses indígenas, não apenas um meio de vida, senão o verdadeiro símbolo de sua identidade45. Nenhum grupo atravessava o rio sem anuência dos Payaguá. Después de su alianza con los Mbayá, los Payaguá se hicieron aún más peligrosos. Ocuparon las islas del Paraguay y hasta llegaron a tener un poblado fortificado frente a la boca del río Jejuí.46 En 1740, los Payaguá sureños aceptaron radicarse en Asunción. Sin embargo, aún después de proceder así, permanecieron siendo algo nómades. Frecuentemente abandonaban la ciudad para ir a vivir en Ñeembucú, Tapuá o cerca de Villa de San Pedro, sobre el río Jejuí o en Villa Real .... Los grupos norteños se les unieron en 1790 y residieron por espacio de casi un siglo en un barrio especial de Asunción. Retuvieron sus antiguas costumbres por mucho tiempo, pero vivían en buenas relaciones con sus vecinos españoles, a quienes vendían cacharros, ropas, pescados y alimentos para animales.47

Enfraquecidos pelos anos de contato, definharam através dos séculos e, em "1943, faleceu Maria Dominga Miranda, reconhecida como última índia Payaguá"48.

43

Magalhães, 1999 : 28. Magalhães, 1999 : 30. 45 Susnik, 1994 : 55. 46 Métraux, 1996 : 53. 47 Métraux, 1996 : 54. 48 Magalhães, 1999 : 50. 44

62 Se os Payaguá foram Os Senhores do Paraguai, o restante dos Guaicurú podem ser considerados como Os Senhores do Chaco Boreal. Entretanto, após vários anos de guerras e combates intermitentes, essa dominação sobre os demais grupos chaquenhos foi diminuindo: Castelnau(1949, p.242-3) registrou, em meados do século XIX, quando da sua visita a Albuquerque ... que vários grupos Mbayá-guaicuru estavam naquela época mudando seus assentamentos do Chaco paraguaio para as terras brasileiras do Pantanal, em busca de proteção. As razões apontadas para tanto estavam nas perseguições cometidas pelos paraguaios, além do fato de os Kadiwéu estarem em guerra com os Enimá.49

Apesar disto, os Guaicurú continuaram atravessando o rio em busca de cativos: ... Ferreira (1974) também se refere aos locais em que os Mbayá faziam a travessia do rio Paraguai, para realizar incursões no Chaco, principalmente em busca de cativos. Isto vem a indicar que, mesmo habitando a margem oriental, percorriam também a outra margem chaquenha. 50

Na medida em que a sociedade colonial foi avançando para o interior do território e rio Paraguay acima, a população Guaicurú foi diminuindo, principalmente pela ação das guerras e das epidemias: A partir da análise bibliográfica do século XIX, pode-se concluir que a área habitada pelos Mbayá-guaicurú havia se restringido consideravelmente em relação ao território do século XVIII. Ocupavam o território entre os rios Apa e Miranda, concentrando-se em quatro áreas específicas: 1) Albuquerque; 2) Miranda e la Lima; 3) nas proximidades do Forte de Coimbra; 4) região do Forte Olimpo, Pão de Açúcar e entre os rios Nabileque, Niutaque, Tererí e Branco.51

Contudo, eles ainda estão presentes nos assentamentos Cadivéu do Mato Grosso do Sul, resistindo aos problemas internos gerados pela assimilação ao Estado brasileiro e pela proximidade com o ambiente urbano. 2.6 BORORO Essencialmente caçadores-coletores, os Bororo do Mato Grosso localizavam-se ao sul do Planalto (serra) dos Paressi, no Alto e Médio rio São Lourenço, manifestavam

49

Herberts, 1998 : 60-61. Herberts, 1998 : 57-58. 51 Herberts, 1998 : 65.

50

63 uma rígida estrutura social, por clãs e metades, com aldeias sócio-localmente organizadas e um forte controle xamânico sobre o consumo de alimentos. O ramo Bororo Ocidental (Otuqui, Covareka e Curumika) dominava territórios dispersos da Província de Chiquitos (Figura 5). No início do século XVI, o Alto Paraguay era ocupado parcialmente por grupos páleo-amazônicos conhecidos por Xarayes e Sacocis. Por isso, é possível que neste período os Bororo se movessem na periferia de Chiquitos: “Con los enclaves de los Otuqui-Bororo del R. Tucavaca tenían sus contactos hostiles los Zamucos del Chaco Boreal durante su período migratorio.”52 2.7 MASKOI Os Maskoi, também conhecidos como Machicuy ou Enimagá, eram compostos por diferentes tribus, com dialetos diferenciados: Mascoi, Kaskiha, Sapuqui, Sanapaná, Angaité e Lengua. Los Mascoi (...) parecen haber sido una tribu de la región del Pilcomayo que emigró hacia el Norte después de que los Guaicurú-Mbayá habían abandonado la zona situada frente a Asunción, para establecerse en el Paraguay. Alrededor del 1800, los Mascoi estaban concentrados sobre el río Araguay-Guazú, pero algunas de sus bandas recorrían las tierras interiores llegando hasta zonas tan alejadas como Chiquitos.53

Sabe-se que ocupavam o Chaco Central, migrando para sudeste do rio Guapay (nas proximidades do que hoje é Santa Cruz de la Sierra), na região dos GorgotoquiChiquito e das tribos neolitizadas dos Bañados de Izozog, de quem adotaram a prática de cavar poços profundos para captar água a fim de resistir às adversidades do ambiente chaquenho. O ramo Sapuqui dominava o norte do Chaco Central. Quando

52 53

Susnik, 1994 : 48. Métraux, 1996 : 55.

64 ocuparam este território, os Maskoi receberam novas influências da cultura neolítica dos Chané-Aruak Altoparaguayenses (Figura 5). Segundo Susnik, todas as tribos Maskoi sempre defendiam conscientemente os limites de suas “tierras-cazaderos” e manifestavam entre si diferenciações, pejorativas ou igualitárias, de identidade. Em geral, representavam uma sociedade aberta, com tendências a integração de cativos (mulheres e crianças) de outras tribos, porém mantendo certo controle sobre natalidade, observando a regra de mais homens do que mulheres. 2.8 ZAMUCO Constituem um grupo de caçadores-coletores nômades, com origem dispersiva desde o Médio rio São Miguel, na periferia dos Manasica-Chiquitos; moviam-se ao sul, costeando a Serra dos Chiquitos, ocupando o extremo norte do Chaco (Figura 5). Foram enclausurados em uma terra inóspita devido a uma série de pressões étnicas, o que influiu para fragmentar continuamente os grupos sócio-locais e aumentar as lutas inter-tribais por "cazaderos"54 potenciais; este claustro e suas conseqüências também foram uma das causas do "fracasso" das missões jesuíticas entre esta etnia, no século XVIII, que será tratado em outro capítulo. Os antigos grupos são localizados, na historiografia do Chaco, como ocupantes do rio Timani, os Ugaraños, responsáveis pela expulsão dos Aruak do Chaco Seco; ao sul da província de Quies, os Morotocos; na Zona Central os Zatieño; e próximo aos Otuqui-Bororo os Tunacho, Caitpotorade e Timinaha, na região do rio Otuquis.

54

Área de captação de recursos.

65 Os Zamucos, apelido dado pelos Chiquitos e que significa "cão", pertenciam, de acordo com Susnik55, a uma onda migratória chaquenha cuja origem se dera ao norte do território do Chaco Boreal que, pressionados pelos povos de cultura neolítica que avançavam para o sul, desde a região do Orinoco, foram obrigados a se deslocarem para a região do rio Guapay e para o centro do semi-árido chaquenho (Figura 4). Dessa forma, os proto-Zamucos estiveram correlacionados com os povos dotados de "pauta social clânica pseudo-totêmica", isto é, devido as influências de culturas diversas, tais como Bororo, Chiquito e Guaicurú, dispersaram-se em uma série de pequenos bandos, ligados entre si por alguma forma de parentesco, e que adotavam animais-totem como designativo e guias vivenciais, sem um caráter sagrado56. Assim, adotavam as características desses animais como meio de vida, como manifestação de sua psique, imitando, inclusive alguns movimentos do corpo. Para os Ishir-Chamacoco, além da identificação clânica, cada sub-divisão social também se identificava com um animal-totem, dos quais os mais representativos são o cágado, símbolo dos velhos e dos sábios, e a coruja, símbolo do mau agouro, dos feitiços dos xamãs inimigos e das expedições violentas dos Guaicurú. Para Susnik, o contato periférico com povos de cultura neolítica motivou a transculturação pré-histórica de uma das tribos Zamuco, conhecida no século XVI como Tamacocis57 e possivelmente antepassados dos Ishir-Chamacoco, que habitariam a região de Santa Cruz de la Sierra. Os demais grupos da mesma filiação lingüística seguiram deslocamentos distintos:

55

Susnik, 1972. No sentido de adoração. 57 Ver capítulo relativo aos Chamacoco. 56

66 a. Los diversos grupos de los Zamucos Zatieños, conocidos con el apelativo de Ybiraya, ocuparon las zonas del extremo occidental del Chaco Boreal, tratando de penetrar hacia el Sur, de donde sus luchas incluso con los Mbayá-Guaycurúes; quedaron, empero, limitados a las zonas áridas y subsistencialmente difíciles, por la potencia de otras tribus desplazantes en el mismo período. b. Los grupos de la rama Caitpotorade, con los Timinahas e Imonos, siguiron el rumbo surestino, ocupando el Norte del Chaco Boreal central, limitando con los feroces Mbayáes, quienes atajaban su salida hacia el Río Paraguay; su ocupación de estas tierras fué en desmedro de los protopobladores del phylum Otuquis-Bororó, los cuales tuvieron que retirarse más al Norte, hacia las tierras del Río Otuquis. c. Los grupos de los Morotocos se movían al borde de las Sierras Chiquitanas, con expansión central y con cierto ethos agresivo frente a los restantes grupos zamucos; precisamente los grupos de esta rama presentan más divergencias en cuanto a los caracteres físicos y algunas peculiaridades culturales, que recuerdan ciertas afinidades asimiladas con los antiguos LenguaCochaboth, originarios de las zonas de los prehistóricos Gorgotoquis. d. Otros grupos, del tipo Poturero, llegaron a penetrar hasta los Xarayes, los más orientales en la Epoca Colonial; su contacto con los Otuquis fue más directo e inmediato. e. Los grupos del tipo Ugaraño o Tsiracua quedaban, siempre en busca de lugares inhóspitos, fuera de las luchas intertribales en la región cercana a los pantanos del Izozó.58

A ausência de informações sobre o que aconteceu entre os séculos XVI e XVIII decorre, segundo Susnik, do escape e isolamento destes grupos tribais ao contato com os criollos e missioneiros, uma vez que mantinham entre si "escaramuzas" contínuas, por ser complexa a adaptação subsistencial a essa região estéril e pelo que a autora denominou de "ethos de lucha", "ethos guerrero" ou "ethos belicoso", de modo a provocarem-se, mutuamente, entre clãs que tendiam a fracionar e isolar-se com freqüência59. Baseado em Susnik, pode-se afirmar que, entre as tribos sobreviventes, ou seja Ishir-Chamacoco e Ayoréo-Moro, notam-se as influências periféricas dos TarapecocisChiquitos nos conceitos Xamânicos e as correlações com os Bororo quanto a estrutura social de clãs e metades; ainda o mito do “cambio del mundo” os ligaria aos Ona e aos Tehuelche patagônicos. Segundo Métraux (1963) e Kersten (1968), os índios da família Zamuco aparecem pela primeira vez na historiografia da América Latina em 1711, na ocasião do

58 59

Susnik, 1972 : 26-27. Já mencionado no capítulo anterior, referente ao ambiente.

67 contato do padre Juan Bautista de Zea com os Morotoco, quando estes foram trasladados à recentemente fundada Missão de San Juan Bautista. Mais tarde, em 1716, o padre Zea enviou um destacamento de neófitos Chiquito para "domar", aos Carerá, uma tribo Zamuco estreitamente aparentada com os Morotoco, mas hostil a eles. Os Carerá, que ofereceram resistência armada aos intrusos Chiquito, foram obrigados a fugir depois de sofrer consideráveis baixas. Esta é a última menção a respeito dos Carerá nos documentos jesuítas. Isto

procedeu

pois,

buscando

comunicar-se

com

as

outras

missões

estabelecidas ao sul/sudeste (o que reduziria o espaço de atuação dos índios e aumentaria a influência dos europeus sobre esses), os jesuítas da Província do Paraguai tentaram fundar, no início do século XVIII, uma "zona missional" no Norte do Chaco Boreal, estabelecendo, talvez, uma Província Zamuca. A experiência fracassou, segundo Susnik60, pois: la mitad de las tribus del phylum Zamuco fue extraida de la zona chaqueña y acoplada a las Misiones Chiquitas, donde rápidamente comenzó el proceso de la homogeneización misional y de la imposición de la lengua chiquitana como predominante y más usual de los misioneros.

Em 1717, o padre Zea chegou até os Zamuco, que o receberam amistosamente e aceitaram formar uma Missão. Somente os Timinahá, não conversos, permaneceram no Chaco. Os jesuítas desejavam nesta época fazer da redução de San Ignacio de Zamuco uma base para a exploração e conquista espiritual das regiões desconhecidas do Chaco. O que levou os Zamuco a aceitar a redução jesuítica foi, em grande parte, o assédio dos cavaleiros e senhores das terras interioranas, os Guaicurú - ávidos por 60

Susnik, 1972 : 27.

68 obter maior quantidade de cativos para suas lavouras, imitando, assim, os bandeirantes e os encomenderos. Os que não aceitaram a catequese dispersaram-se pelos desertos chaquenhos e, com o intuito de obter ferro, assaltavam, ocasionalmente, algumas residências ou comboios de colonos europeus. Além da fragmentação constante, as fusões intertribais também ocorriam com freqüência entre todos os grupos de língua Zamuco. Essas fusões, deram origem a uma nova etnia conhecida pelos colonos como Guarañoca que, subdividida em vários grupos, tendiam ao isolamento, apesar de sua enorme dispersão pelo território do Chaco Boreal. A essa etnia juntaram-se os Ayoréos, também conhecidos como Moros ou Morotocos. No final do século XVIII, os Caitpotorade também foram reduzidos nas Missões dos Chiquitos, porém restaram ainda os Timináhas e Imonos que uniram-se dando origem, de acordo com a pesquisadora, aos Ishir-Chamacoco, ou Hório61. Os Tumarêha chegaram a ocupar o Riacho Zamuco, buscando penetrar mais ao sul, porém os constantes ataques dos Sanapanás e dos Mbayás enclausuram-na no interior. A situação se agravou ainda mais quando os Ayoreo-Moros, do Norte e Nordeste, começam a deslocar-se para o sul, pressionando os Ishir-Chamacoco ainda mais, em direção ao sudeste. Contudo, graças à migração Mbayá para o Alto Paraguay no início do século XIX e um pacto de não agressão celebrado entre as lideranças, os Ishir-Chamacoco conquistaram um espaço para escapar dos ataques que sofriam dos Moros e se

61

A própria pesquisadora, em obra posterior, afirma que os chamacoco surgiram de fusões interparciais heterogêneas do ramo caitpotorade-zamuco (Susnik, 1982 : 173).

69 deslocaram para um ambiente menos insalubre, nas margens do rio Paraguay, no qual delimitaram seu território desde Porto Sastre até Bahía Negra. Nesta época, o contato com o elemento branco já era intenso, a dependência de certos segmentos da etnia pela moeda paraguaia era iminente, porém não deixaram de exercer suas características culturais típicas, como a caça-coleta, os rituais de iniciação e o nomadismo pedestre. 2.9 INTERAÇÕES Como se pôde observar, a maioria das etnias que habitavam o Chaco Boreal antes da conquista e colonização ibérica eram formadas por tribos nômades que, para garantir sua sobrevivência, elaboraram um sistema de captação de recursos baseado na exploração direta do ambiente e em interações étnicas variáveis conforme as necessidades e disponibilidades. Dessas interações surgiram acondicionamentos de populações, técnica e socialmente menos desenvolvidas, no interior do território chaquenho. Além disso, os movimentos migratórios das populações caracterizadas como ceramistas horticultoras implicaram em diversas interações étnicas e acomodações territoriais. Essas interações, que impunham contatos culturais periféricos diferenciados a alguns grupos, podiam ser de dois tipos: pacíficas ou violentas. Entretanto, mesmo a necessária adaptação de cada grupo tribal ou bando às características do novo ambiente ocupado e explorado, ou então contatos periféricos (que provocaram ocasionalmente, certa difusão de elementos culturais secundários) não foram suficientes para que se modificasse a essência das atividades subsistenciais ou tecnológicas.

70 Boccara62 lembra que os grupos indígenas pré-hispânicos e coloniais não viviam como mônadas culturais ou como células culturais fechadas. O que existia eram extensas redes de intercâmbio, de circulação de objetos e pessoas entre grupos e formações sociais diversificadas. Por isso, elementos de culturas variadas e até antagônicas podem ser percebidos em grupos étnicos fronteiriços ou periféricos, como no caso dos Ishir-Chamacoco. Desse modo, segundo Michael Brown63 "la noción de cultura más bien se debe percibir como un proceso que se va desenvolviendo en relación a procesos históricos de las otras sociedades con la cual mantienen contacto". Leva-se a crer, então, que o desenvolvimento das formas com as quais se estabelecem os relacionamentos sejam mutáveis e não estáticas, de acordo com o tempo, o espaço e as sociedades em que se processam. Dentre

os

relacionamentos

pacíficos,

é

notório

que

foram

utilizados,

principalmente, para suprimir violências internas ou externas. Assim, matrimônios arranjados entre Guaicurú e Chané, selavam um pacto de reciprocidade no qual o enobrecimento dos aliados dos Guaicurú lhes garantia uma paz relativa e suprimento de produtos que não poderiam ser obtidos com a simples caça-coleta. Porém, essa situação os submetia a uma série de obrigações para continuar recebendo esses suprimentos, o que os impulsionava a interações, normalmente violentas, com os demais grupos do Chaco e do Pantanal. Outra forma pacífica de relações inter-étnicas foi a utilizada pelos Chané na troca de produtos obtidos ou produzidos e cativos por objetos metálicos que, devido a

62 63

Boccara, 2004 : 5. apud Boccara, 2004 : 10.

71 influência da cultura incaica, eram utilizados como insígnias distintivas e/ou como símbolos de poder. Nesse sentido, a troca em si foi pacífica, porém as formas de obtenção dos produtos de troca, nem sempre o eram, e muitas vezes, no caso de cativos, envolvia a violência inter-étnica ou até mesmo no interior de um mesmo grupo. A própria transmissão dos valores culturais, aparentemente se deu de forma pacífica, uma vez que a sociedade Inca não chegou a penetrar o Chaco, porém elementos de sua cultura adquiridos se espalharam pelo interior chaquenho, modificando modos de vida antigos, tais como os que levavam os Guaicuru , os Chané e os Guarani. Contribuíram para esse fenômeno, a conquista e colonização, que traziam consigo elementos do antigo sistema feudal europeu, como títulos de nobreza e o sistema de divisão social através de estamentos, com toda a sua simbologia.

Entre os caçadores-coletores, o relacionamento pacífico pode ser percebido quando da época de caça, que era motivo para reuniões tribais e a coleta do algarrobo podendo ou não causar conflitos, dependendo dos grupos envolvidos e da disponibilidade do alimento. Normalmente a caça era praticada pelos homens e a coleta pelas mulheres. Durante a estação de caça, os homens ficavam até três meses no interior das matas e nas zonas com maior disponibilidade de recursos, "cazaderos". Para que as mulheres e crianças não ficassem totalmente desprotegidas, estabeleciamse alianças tribais, com a qual um grande acampamento era montado e apenas alguns homens mais velhos tomavam conta de todos. O sistema de caça foi facilitado dessa forma, pois faziam currais e direcionavam a vítima para esses, cercando-a com fogo ou, mais tarde, utilizando também cachorros e cavalos. Dessa forma podiam obter mais alimentos do que se estivessem divididos em pequenos grupos.

72 Além disso, os caçadores de cultura pré-cerâmica adotaram o cultivo limitado de alguns produtos dos seus vizinhos horticultores-ceramistas, porém dentro dos limites de uma simples coleta para consumo imediato. Grandes festas cerimoniais eram celebradas na época de fartura e, nelas, pactos de ajuda mútua eram firmados. As bebedeiras eram abundantes e poderiam durar dias seguidos, o que muitas vezes ocasionava conflitos internos por questões mal resolvidas.

Dentre as formas violentas de convivência, a principal era a guerra vingativa. Na luta pela sobrevivência, a guerra era praticada por todos os povos chaquenhos, em maior ou menor intensidade e freqüência, pois segundo Susnik (1974) estava no sangue, fazia parte do ethos chaquenho. Externa ou internamente, entre tribos, bandos ou mesmo entre vizinhos, os conflitos, as cisões e os pactos eram lugar comum em suas vidas. Tinham o hábito de sempre deixar alguém vivo, para que se juntasse a outros e organizassem um contra-ataque. Os maiores espólios dessas guerras eram a água e cativos, seguidos pelos cavalos (após a conquista). A partir da introdução do cultivo no modo de vida dos povos chaquenhos e a presença massiva de horticultores-ceramistas amazônicos, cada vez mais foi atribuída importância à água e aos braços produtores de alimentos. Como essa produção era vista como uma forma de obtenção de recursos menos nobre ou inferior, deveria ser executada por pessoas inferiores, principalmente mulheres e crianças, de preferência oriundas de povos que também fossem cultural, tecnológica e socialmente inferiores. E estes eram quem habitava o centro do Chaco Boreal.

73 Felix Azara64 explica a maneira pela qual os Mbayá justificaram a violência de seu modo de ser: Los mabayás se creen la nación más noble del mundo, la más generosa, la más formal en el cumplimiento de su palabra con toda lealdad y la más valiente. Como su talla, la belleza y elegancia de sus formas, así como sus fuerzas, son bastante superiores a las de los españoles, ellos consideran a la raza europea como muy inferior a la suya. En cuanto a religión, carecen de ella y no se observa entre ellos nada que se refiera a esto fin, ni a la vida futura. Se encuentran algunos que para explicar su primer origen se expresan así: "Dios creó al principio todas las naciones tan numerosas como son hoy, no contentándose con crear un solo hombre y una sola mujer, y las distribuyó sobre toda la superficie de la tierra. Posteriormente pensó en crear un mbayá con su mujer; y como había ya dado toda la tierra a las otras naciones, de manera que no le quedaba nada que distribuir, ordenó al ave llamada caracara ir a decirles de su parte que estaba muy pesaroso de no tener terreno que darles y que por esto sólo había creado dos mbayás; pero que para remediarlo les ordeneba andar siempre errantes por el territorio de los otros y no cesar nunca de hacer la guerra a todas las naciones, matar a todos los hombres adultos y adoptar los niños y las mujeres para aumentar su número."

O tratamento dispensado aos cativos capturados nesse constante jogo de relações violentas é tão difícil de conceituar que qualquer uso indiscriminado de adjetivos como escravos ou vassalos não conseguiria exprimir o real sentido que os indígenas atribuem ao tipo de relacionamento estabelecido. Dentre os relatos sobre tratamento dado aos cativos pelos Guaicurú, juntamos alguns trechos de Azara, de Labrador, de Baldus, de Steward e de Susnik, que podem ajudar a entender melhor a inconstância dessas relações: Desde el río Pilcomayo hasta más al norte de la Actual Bahía Negra, toda la ribera y 30 leguas tierra adentro del Chaco, eran tierras libres, cazaderos libres sólo de los mbayá-guaycurúes: no había ninguna outra tribu en esta área de la que ellos se apoderaron violentamente terminando con las otras tribus de proto-pobladores del Chaco paraguayo.65 Cabeza de Vaca se acerca a algunas tolderías de los Mbayá y estos se desbandan y huyen. Pero en esta acción los mbayá observaron por primera vez el significado del caballo y el valor operativo del jinete. No manifestaron tanto miedo al arcabuz, como había sido el caso de los guaraníes; antes bien apreciaron el valor del caballo y del jinete. Desde este momento los mbayáes comienzan a aplicar su ethos de violencia, sobre todo el grupo sureño, cruzando el río Paraguay frente a Asunción y apoderándose de todo lo que podían y sobre todo del caballar. Los mbayáes sureños comenzaron así a actuar de verdaderos distribuidores de caballos para todas las otras tribus vecinas que vivían hacia el interior del Chaco. 66

64

Azara, 1923 : 62. Susnik, 1982 : 96-97. 66 Susnik, 1982 : 98-99

65

74 El motivo de salir los Guaycurús de su país á hacer guerra, no es dilatar sus dominio ó adquirir estados nuevos .... La causa principal de llevar la guerra á tierras extrañas, es únicamente el interés de la presa y vengar los agravios que por tales ellos imaginan. Manifiestan una indecible ansia de tener cautivos y chicos de cualquier outra nación, aun de la española. El que más tiene, goza una fama indeleble y autoridad grande en su toldo.67 Los mabayáes norteños tomaron también contacto con un grupo de estos chanés pero atacando más bien sus sembradíos, de nuevo el contacto cultural distinto: la cultura paleolítica enfrentándose con la neolítica. Viendo esto los chanés, viendo los periódicos ataques de mbayáes a sus sembradíos, ofrecieron ellos mismos someterse como a sus "oquilidis" (vale decir, "señores"), y los mbayáes desde aquel entonces, unos 100 años antes de la conquista española, consideraron a todos los chanés como a sus vasallos,.... 68 En efecto ... los mbayás tienen siempre una multitud de guanás que les sirven como esclavos voluntaria y gratuitamente, que cultivan la tierra para ellos y les prestan servicios. Además de estos esclavos o domésticos los mbayás encuentran otros muchos en los niños y mujeres que cogen en la guerra, y que no son sólo indios, sino también españoles, de manera que el mbayá más pobre tiene tres o cuatro esclavos. Éstos van por leña, guisan, levantan las tiendas o chozas, cuidan de dar pienso a los caballos y de tenerlos prontos para ser montados, y también cultivan las tierras, lo que es bien poca cosa. ... Es cierto que los mbayás quieren mucho a todos sus esclavos; jamás les mandan de un modo imperioso, nunca les riñen, ni los castigan, ni los venden, aun tratándose de prisioneros de guerra. Se confían a la buena fe del esclavo y se contentan con lo que quiere hacer por sí mismo, y reparten con él lo que tienen, de manera que ningún prisionero de guerra, aunque esclavo, quiere dejarlos, ni tampoco las mujeres españolas que tienen consigo, aunque algunas de ellas fueran ya adultas y hubieran tenido hijos cuando las cogieron.69 Os mesmos attentados com que os Uaicurus reduziram e aggregaram á si os Guanás, são semelhantemente os mesmos com que tem reduzido parte dos Xamicocos; pois visitando-os por muitas vezes cada anno, e sempre com indifferentes semblante de paz e de guerra, para lhes comprarem alguns filhos e captivos, ordinaria e perfidamente, por ajuste de contas, lhes matavam quantos achavam em descuido, até que no anno de 1801 os Xamicocos, para se livrarem d'este annual flagello, mandaram espontaneamente chamar os Uaicurús, vender-lhes, entre crianças e adultos, mais de 200, contrahiram paz, convidando-os para fazerem a guerra a outros Xamicocos, e ficaram os Uaicurús chamando-os seus captivos, os quaes com refinada politica deixaram alguns dos seus alli casados, até a chegada de D. Lazaro de Ribeira no ataque que fez contra Coimbra, que os fez retirar assustados para sua morada de Albuquerque, abandonando os Xamicocos suas mulheres; sendo digno de nota que estes adquiridos Xamicocos, vivendo alguns annos entre os Uaicurús, são os mais implacaveis inimigos da sua mesma nação.70 ... al hacerse ecuestres comenzaron inclusive a practicar una verdadera caza del indio por el indio, realizando sus expediciones contra los indios pedestres por toda la zona norte del Chaco, penetrando en la región de los indios Chiquitos, de los Chamakokos, de los Maskoy; entraban leguas y leguas del territorio del Chaco adentro realizando verdaderas "razias" contra los pedestres, trayendo y tomando cautivos y siempre sobre todo contra los guaraníes, "comedores de maíz", como los llamaban los guaycurúes, de la zona del Amambay y del Mbaracayú, en la misma zona de los yerbales y de los guaraníes monteses de donde traían grandes cantidades de guaraníes cautivos. A estes cautivos los traían luego directamente ellos, o bien a través de los payaguáes, hasta Asunción para su venta. O de lo contrario los utilizaban directamente ellos como vasallos, presentándose así este fenómeno de caráter general en la Antropología: que cuando hay ganado, 67

Labrador, 1910 : 310-311. Susnik, 1982 : 101. 69 Azara, 1923 : 63 70 Baldus, 1927 : 18-19.

68

75 cuando comienza el uso generalizado de caballo y existe la propriedad del ganado, comienzan a surgir las classes sociales. ... En base a este hecho, se puede comprender cómo en la segunda mitad del siglo XVII, este pueblo paleolítico, constituido por bandos patrilineales, con la cultura de cazadores, guerreros y nómadas, como eran los mbayáes, pudieron desarollar toda una estructura social de clases, que antes no conocían, sobre la base del vasallaje de los chanés y la adopción del caballo, con una fuerte discriminación etno-social, .... El mbayá, así, no trabajaba y sólo se preocupaba de tener más y más cautivos o vasallos chanés, pues cuanto más los tenía mayor era su status y su poder político y económico. Comenzaba así entre los propios mbayáes, una competencia por ver quién lograba tener más cautivos y vasallos y éstos eran transmitidos en heredad. Hasta las prácticas socio-ceremoniales sufrieron su impacto.71 ... os Guaikurú e os Guaná matavam a maior parte de suas filhas recém-nascidas para que as poucas que deixassem com vida fossem mais desejadas pelos homens e, por isso, mais felizes, costume que, como se supõe, levou os homens a roubar as mulheres de outras tribos .... 72 Escravos capturados e comprados consistiam a quarta classe Mbayá. Estes escravos eram mantidos em regime de serventia perpétua e hereditária, embora sua descendência pudesse atingir o status de livre através do casamento com Mbayá, provavelmente na classe dos guerreiros. Esta classe incluía índios presos de todo lado leste do Chaco e florestas do Paraguai e também alguns paraguaios mestiços. A maior fonte de escravos parece ter sido a de Chamacoco, possuindo uma grande comitiva de escravos aumentou muito o prestígio da classe nobre, e serventes eram constantemente mostrados para demonstrar a grandeza de seus proprietários. 73

Métraux74, analisando essa situação sobre as relações entre Guaicurú, seus vassalos e cativos, demonstrou que a posse de vários escravos ou servos era um símbolo de prestígio e distinção, de maneira que nada aumentava mais a vaidade de um líder Mbayá do que ser seguido ou servido à mesa por um grande séquito de servos cativos. Assim como as mulheres Mbayá eram ávidas por aparecer em público rodeadas de servas e sentiam-se mortificadas se não houvesse cativas que lhes transportassem suas posses. Vê-se que os escravos, ou cativos, recebiam um tratamento diferenciado se comparado com as formas de tratamento despendidas pelos europeus aos seus escravos (sejam indígenas ou africanos), de modo a sentirem-se membros legítimos da família de seu senhor. Comiam com ele e tomavam parte nos jogos de celebração

71

Susnik, 1982 : 102. Baldus, 1979 : 64. 73 Steward e Faron, 1959 b : 422 apud Herberts, 1998 : 18-19 74 Métraux in Steward, 1963.

72

76 como homens livres; sendo-lhes permitido, inclusive, assistir aos Conselhos de Guerra. No lar, no entanto, eram colocados em habitações menos favorecidas do que as destinadas aos familiares do líder, e relegados a tarefas consideradas de pouca categoria. Estas tarefas consistiam em procurar lenha, cozinhar, atender aos cavalos, construir os abrigos, arar o solo e prover sua família de caça e pesca. Além disso, não tinham o direito a propriedade de objetos, sendo os que possuíam algum, movidos pela simples benevolência de seu senhor. Apesar de haver uma clara ênfase na pureza de sangue, eram bastante freqüentes os casamentos entre mulheres cativas e homens livres, ou entre mulheres livres e cativos. Muitos líderes poderosos Mbayá tinham mães de origem Chané ou mesmo Ishir-Chamacoco. O status dos cativos não melhorava com estas uniões, mas os filhos que resultavam delas eram considerados homens livres. Poucos podiam libertar-se mediante méritos pessoais ou depois da morte de seus senhores, caso este não tivesse filhos. Apenas os vassalos Chané conseguiram adquirir um status diferenciado, ao estabelecer matrimônio com filhos de "nobres" Guaicurú. No entanto, sempre tiveram o direito de possuir cativos que trabalhassem a terra. A maneira pela qual a incorporação dos cativos na sociedade se processou era composta por uma estratégia simples e eficaz, transformando permanentemente os cativos em verdadeiros Guaicurú, apesar de poderem exercer sua linguagem livremente: tatuando no corpo dos cativos os símbolos que eram apenas pintados no dos senhores, e que lhes renderam o nome pelo qual ficaram conhecidos na historiografia (Figura 6).

77 Debemos observar, antes que todo, que entre los Chamacóco es completamente desconocido el tatuaje, y que la ornamentación del cuerpo directamente sobre el cutis se hace por medio de una simple pintura ....75 Las mujeres "nobles" por linaje de "capitanes por sangre" evitan cualquier tatuaje facial, siendo éste una señal de vasallos Chané-Niyololas o de cautivos de diferente origen étnico....76

Nessas duas passagens percebe-se que, originalmente, os Ishir-Chamacoco cativos preferenciais tanto dos Chané quanto dos Guaicurú - não utilizavam qualquer tipo de tatuagens e que os Guaicurú também não tinham o hábito de utilizá-las. No entanto, as imagens representando a etnia Ishir-Chamacoco em gravuras ou nas fotos feitas por Guido Boggiani, claramente mostram, não só a tatuagem nos rostos e nos corpos das mulheres, como também os motivos pictóricos característicos dos Guaicurú. Dessa forma não só estariam marcados para sempre a pertencer à classe cativa entre os Guaicurú, como também, mesmo não estando presos ou sendo vigiados intensivamente, não poderiam retornar ao seu grupo de origem que, via de regra, não se tatuava. Seguindo esta linha, percebe-se o motivo pelo qual apenas os filhos de escravos com homens livres poderiam alcançar esta condição. Apesar de Susnik ter afirmado, na citação acima, que os vassalos Chané também se tatuavam, isto não foi confirmado na bibliografia que foi pesquisada a respeito dos Chané, Guaná ou Xarayes. Talvez ela tenha

se

confundido

com

os

cativos

desses

grupos,

também

marcados

permanentemente. Além disso, pode-se entender porque dificilmente se fala de Zamuco, ou de representantes dessa família lingüística, nos documentos anteriores ao processo de redução dos Zamuco. Para quem via de fora, todos aqueles seres humanos pintados

75 76

Boggiani, 1898 : 106. Susnik, 1982a : 135.

78 que habitavam as margens e boa parte dos arredores do rio Paraguay eram Guaicurú, falavam uma língua difícil de compreender, utilizavam as mesmas armas, guiavam-se pelo mesmo líder, pintavam-se da mesma forma. Uma corrente de obtenção de cativos foi sendo formada, através dos anos, da periferia ao centro chaquenho, uma vez que os povos horticultores-ceramistas ocupavam as áreas ao redor dos grandes rios - Guapay, Paraguay e Pilcomayo -, fazendo com que os habitantes do interior entregassem, primeiramente, seus filhos e depois prisioneiros de outros grupos. Com a conquista e colonização ibérica, este movimento cativador abranda a intensidade, freqüência e exigência, de maneira que não bastavam apenas mulheres e crianças, mas eram necessários homens adultos capazes de trabalhar a terra em serviços exaustivos nas grandes lavouras. Ao forçar os Ishir-Chamacoco a prover-lhes escravos, os Mbayá contribuíram inconscientemente para a formação de uma incipiente classe escrava entre esses índios. O sistema integracionista77 foi mantido no seio da população indígena, porém o aprisionamento de outros povos para venda no sentido que se tem hoje, somente apareceu após os contatos com os europeus. Com a posterior substituição da escravidão pela encomienda, essa prática foi diminuída, no caso espanhol, porém continuou sendo praticada através do relacionamento com bandeirantes paulistas. Além disso, em tempos antigos, os cativos não podiam ser vendidos, mas esta regra foi modificada sob a influência dos espanhóis e portugueses.

77

Na concepção de Susnik conhecido como chiquitianização, mbayaização e chaneização, ou seja, a integração de cativos na sociedade dos Chiquito, Guaicuru e Chané.

79 As relações de troca e comércio foram incrementadas, a partir da colonização, com novos produtos e novas necessidades, tais como cavalos, ferramentas e implementos agrícolas, tecidos, etc. O sistema colonial também alterou as formas de relacionamentos internos e os valores de status social nos grupos étnicos, marcadamente através das reduções jesuíticas. Lentamente, os valores e necessidades coloniais são transportados ao interior do Chaco Boreal, através de sua assimilação pelos grupos periféricos ou mesmo pelo contato direto com os missionários jesuítas que se aventuravam no interior chaquenho pregando a religião católica e alterando o habitus78 indígena.

Como se viu no decorrer do presente capítulo, a ocupação do território do Chaco Boreal foi efetivada por três grandes ondas migratórias. A primeira, realizada por bandos caçadores-coletores nômades, de tecnologia pré-cerâmica - representados pelos formadores das etnias Zamuco, Guaicurú, Chiquito, Bororo e Maskoi; a segunda por horticultores ceramistas socialmente organizados em cacicados e assentados em aldeias semi-sedentarias - representados pelos Chiriguano-Guarani e Chané-Aruak; e por fim as adaptações que todos estes grupos tiveram de fazer em resposta aos movimentos de conquista e colonização européias - caracterizadas pela adoção de símbolos de nobreza, adoção do cavalo, estabelecimento de comércio por meio de trocas, aprisionamento de outros povos para venda de cativos e alianças inter-étnicas.

78

"... o habitus deve ser encarado como um sistema de disposições duráveis e transferíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, apreciações e ações, e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas que permitem resolver os problemas da mesma forma e graças às correções incessantes dos resultados obtidos, dialeticamente produzidas por estes resultados." Bourdieu, 1987 : XL-XLI.

80 Essas ondas migratórias tiveram como conseqüência, entre outras, o enclausuramento dos Zamuco, durante praticamente três séculos, no inóspito semiárido chaquenho. A adaptação dessa população às condições impostas pela circunstância se deu, basicamente, através de formas de relacionamento inter-étnico diferenciado e da adoção de elementos culturais diversos. Além disso, as respostas dadas pelos indígenas às pressões exercidas pelo avanço da sociedade colonial também foram uma das causas que levaram ao abandono do projeto de comunicação entre Santa Cruz de la Sierra e Assunção através do Pilcomayo, bem como pela posterior abertura da fronteira invisível, erguida pelos Guaicurú, que dividia o Chaco úmido e o Chaco seco para as populações interioranas. Dessa forma, uma nova luz brilhou no horizonte dos Ishir-Chamacoco que viram na aproximação com o rio Paraguay uma melhora na sua condição de vida além de uma possibilidade para adquirir novos instrumentais capazes de desenvolver a subsistência, bem como novos conhecimentos para enfrentar a desestabilização cultural gerada pelas ondas de ocupação, discutidas anteriormente, e a própria migração para área úmida. Sintetizando, a nova identidade assumida no período imediatamente posterior ao da colonização pelos grupos étnicos de língua Zamuco, foi produto de um longo processo de contatos inter-étnicos, de reformulação e adaptação a situações novas que constituem uma resposta ao colonialismo e às pressões do avanço da "civilização".

3 Contexto sócio-cultural Ishir-Chamacoco: para entender os Zamuco "El suelo es su lecho, la frondosidad de los árboles su techo, las ramas de los arbustos son sus muebles y la espesura del bosque su defensa y su amparo."1

Durante o tempo em que os grupos étnicos do Chaco Boreal estiveram em contato com os europeus, uma série de designações foram construídas para localizálos espacialmente e diferenciá-los entre sí e em relação às culturas andinas. Com o intuito de auxiliar trabalhos posteriores, no decorrer do capítulo será elaborada uma Chave de Identificação dos Ishir-Chamacoco, bem como um modelo geral de seu sistema sócio-cultural, visando o entendimento do processo reducional sofrido pela etnia no século XVIII, bem como os relacionamentos inter-étnicos mantidos e suas influências nessa sociedade. Ao analisar os mapuche em seu processo de expansão territorial, Boccara remete ao papel do historiador e a problemática abordada no presente: Es a través de un largo y complejo proceso de fusión, hibridación interétnica y etnificación que la territorialidad mapuche se extendió paulatinamente hasta unir los dos océanos. Este fenómeno ... obliga el etnohistoriador a abandonar los análisis en términos de sociedades primitivas aisladas y lo conduce a considerar el sistema de relaciones y las complementariedades entre las distintas unidades. Induce su investigación hacia un micro-análisis que privilegia la reconstrucción de las redes de alianzas egocentradas por sobre los grandes rótulos que tienden a postular la existencia de macro-unidades étnicas ... que quizá nunca hayan existido.2

1 2

Boggiani, 1898 : 100. Boccara, 2004 : 3-4.

82 Nesse sentido, nos informes do Padre Juan Patrício Fernández sobre as "novas missões" dos Chiquitos, de princípios do século XVIII, menciona-se um povo de Zamucos ou Samucos que vivía ao Sul da Província de Chiquitos, mais ou menos entre os 19 e 21 graus de latitude Sul, no interior do Chaco Boreal, e que se compunha das "hordas" de Zamucos, Ugaraño, Zatieño, Morotoco, Caipotorades, Imono, Tunacho, Cucutades e Timinahá3. A denominação "Zamucos"4 foi dada a estes povos pelos jesuítas, conforme o modo pelo qual os Chiquitos os conheciam, e em função de serem os primeiros indígenas do interior chaquenho a se converterem ao cristianismo, pelas missões volantes e, posteriormente, em reduções. Através desses primeiros Zamuco, os jesuítas tiveram notícias dos outros povos (que falavam a mesma língua), que posteriormente iriam integrar a missão. O processo de implantação da redução de San Ignácio, bem como o seu abandono, teve um dos principais sustentáculos no modo de ser dos Zamuco e em sua dispersão e conhecimento territorial. Para que se faça luz a essa questão, é necessário recorrer às fontes documentais que caracterizem da maneira mais aproximada possível o que seria a estrutura sócio-cultural dos Zamuco do princípio do século XVIII. Infelizmente, as cartas

3

Kersten, 1968. Susnik (1995:196) explica que esse etnônimo vem das lendas de diversos povos chaquenhos sobre a união entre uma mulher e um cão, gerando filhos homem-animal, considerados como sobrinhos dos homens e assim um associado, ou um companheiro de caça: "la palabra lengua-maskoy 'sym-hyng - perro' tiene estrecha correlación con el término 'zam-kok', de donde Zamucos, Tamocos, como denominaban los Mojos, los Chané-Arawak y los Chiquitos a las tribus de la filiación lingüística Zamuca y por ende también a los Chamacocos." 4

83 jesuíticas (sejam elas ânuas ou particulares) nem sempre são claras em relação às etnias, das quais tentam se aproximar, e seus etnômios. Houve, então, a necessidade de se recorrer a outras fontes. Os trabalhos etnográficos de Branislava Susnik (1957, 1972, 1974, 1978, 1982, 1994 e 1995) sobre os indígenas do Paraguai, de Herbert Baldus (1927 e 1931), Alarcón y Cañedo (1924) e Guido Boggiani (1898) sobre os Chamacoco, de Alfred Metraux (1963 e 1996), Ernest Miller (1999) e L. Kersten (1968) sobre os povos chaquenhos, entre outros; ajudam a estabelecer uma relação coerente entre descrições antropológicas sobre os grupos étnicos lingüisticamente identificados como integrantes da família lingüística Zamuco nos séculos XIX e XX e a entidade social Zamuco do século XVIII. Cotejando os relatos antropológicos e os documentos jesuíticos, é possível constatar que a unidade sócio-cultural Zamuco nunca existiu. Conforme abordado no capítulo anterior, as evidências remetem ao entendimento de que, o que convencionouse chamar de Zamuco como entidade social era, na verdade, um conjunto de vários grupos étnicos que compartilhavam uma língua comum5, um processo histórico comum (de enclausuramento no interior do semi-árido chaquenho por outros grupos étnicos) e uma cosmogonia ritualística semelhante. Assim, os Zamuco foram uma construção chiquito-jesuítica de um povo idealizado que deveria ser catequizado e reduzido, seguindo os projetos da Coroa Espanhola e da Ordem Jesuíta. Por se tratar de uma construção, os Zamuco "desapareceram" após a expulsão dos jesuítas (absorvidos pelos Chiquitos em suas reduções ou dispersando-se no

5

Esta linguagem possuía várias diferenças dialetais entre os seus componentes.

84 interior chaquenho), assim como muitas outras etnias e, com o passar dos anos, surgiram em seu lugar os Ayoréu-Moros, os Chamacoco, os Timinahá, os Tynyros, entre outros; cujas ligações com o passado colonial se deram em função do dialeto com características da antiga língua Zamuco, conhecida pela compilação do padre Ignacio Chomé na raríssima obra "Arte de la lengua zamuco"6. Posteriormente os antropólogos e etnógrafos os ligaram com a antiga língua e com a história da sociedade Zamuco precedente, em função dos textos jesuíticos. Boccara aborda o problema dos etnômios ao tratar dos Mapuche e seus antepassados Reches, integrantes de um processo parecido com o que se deu com os Zamuco e Ishir-Chamacoco: ... la etnia mapuche que emerge en la segunda mitad del siglo XVIII es en gran parte el producto de un proceso de etnogénesis. La adopción de elementos exógenos produce un cambio importante entre los mapuches de fines de la época colonial con repecto a sus antepasados reches del siglo XVI, aunque es posible entrever la permanencia de estructuras simbólicas de fondo y de una lógica social específica. Esta lógica social es la que há permitido la captación de la alteridad mediante un movimiento de apertura hacia el Otro, lo que posibilitó que los indígenas del centro-sur de Chile cultivaran su especificidad. Esta lógica mestiza, que incorpora la alteridad ubicando el Otro en el centro mismo del dispositivo sociocultural indígena, constituiría el substrato duro o el predicado sortal de esta sociedad. Es por esto que nos referimos a una misma entidad cuando hablamos de reches al inicio del periodo colonial y de mapuches en el periodo republicano. La identidad, en este caso, no se elabora mediante la coincidencia consigo mismo, sino que en la relación con el Outro (Viveiros de Castro, 1993). Paradójicamente, aplicando la idea de Gruzinski (op.cit.), podemos afirmar que la verdadera continuidad de las cosas mapuches radica en la metamorfosis. La máquina social indígena no sólo permite sino que necesita la mezcla, vale decir el mestizaje; se nutre del Outro (a través de la instituición guerrera o chamánica) para elaborar su Ser; es decir lo mestizo es en este caso lo indígena.7

Os Zamuco seriam, dessa forma, um produto da mestiçagem indígena em constante transformação, não só pelos relacionamentos inter-étnicos, mas também pelo modo com o qual foram conhecidos no espaço e tempo diversos. Da mesma forma, os grupos étnicos relatados pelos etnógrafos e demais cronistas dos séculos XIX e XX, foram produtos dessa transformação, dos mestiçamentos com a sociedade colonial e

6 7

Não se teve acesso a obra, devido a sua raridade. Boccara, 2004 : 03

85 nacional, de etnogênese e etnificação gerados a partir de "las estrategias de sometimiento que los invasores asentaron con el fin de dominar a un sujeto indígena bastante escurridizo."8 Como são poucas as informações que se pode obter sobre os demais grupos que integrariam a sociedade Zamuco, optou-se por utilizar como comparação os Chamacoco9, exaustivamente contatados e descritos por Susnik, Baldus, Cordeu (1978), Spadafora e Bayardo (2003), Boggiani, entre outros. Entretanto, os Chamacoco figuram no contexto histórico da América do Sul muito antes de sua vinculação com os Zamuco reduzidos, com etnômios diversificados e, algumas vezes, difíceis de identificar como pertencentes a um mesmo grupo étnico. Dessa forma, a fim de ajudar em posteriores estudos, buscou-se fazer um levantamento das nomenclaturas que figuram na documentação bibliográfica a respeito dos grupos indígenas habitantes desta região do Chaco Boreal e que estiveram em contato com as culturas e sociedades que se estabeleceram nessa localização (Tabelas 1 e 2). Tabela 1: Identificação do grupo étnico Ishir-Chamacoco na documentação bibliografica consultada. Designação Autor/Comentarista Caitpotorade, Timináhas e Imonos Susnik, 1978 Camakóko Nimuendajú, 1933ƒ Chamacocos Finot, 1978 Chamacocos mansos e Chamacocos bravos Alarcon y Cañedo; Pittini, 1924; Baldus, 1927 Chamichicocos Desconhecido, século XVII•; Chamicocos Castelnau, 1844‡ Chamicosos Castelnau, 1851† Ciamacocos, Schamakokos Guido Boggiani‚; Hório, Ebidoso e Tumerehã Baldus, 1931 Horio, Ishira Fric, s.d.® Ishir Spadafora; Bayardo, 2003; Cordeu; Siffredi, 1978; Ishira Fric, s.d.ˆ Ïsïr Susnik, 1957 Ochiro-Yshyr-Chamacoco Susnik, 1982 Paisenos Lozano,s.d.‰ Juan de Ayolas, século XVI…; Ruy Díaz Gusman, "la Argentina" Samacocis capítulo IV y V del libro III© Samacocis, Sivisicosis Schmidel, s.d. ‰ Samacocis-Tamacocis, Shamacocos-Zamucos Guido Boggiani,s.d.… Samócocis Primeiros cronistas, s.d.Š Samócocis, Sibócosis Rui Díaz Gusman, s.d. ‰ 8

Boccara, 1999 : 426. Que também têm problemas de denominação em função das nomenclaturas dadas pelos povoadores de origem européia do Paraguai, da Bolívia e do Brasil. 9

86 Designação Samucos Saramacocies Sococies, Sacocies e Xaqueses Tamacocíes Tamacocis Tamaguacís, samococis Tamocosíes, tamaguacies Timinaba, Timinaha Tomacocís, Tamaguacis, Tamacocies Tomacuacis, Tomacocis, Samacosis Tomarahô, Tumerehä Tomarxa, Xório Tumereha Xamacoco Xamicocos Xamicosos Xorshió, Ebitoso, Tomarxa Yshyr Yvyraya, Yvyrayára (maceros-todos grupos chaquenhos desconhecidos ou do interior que não fizessem nenhum tipo de cultivo) Zamicocos Zamucos

Autor/Comentarista P. Fernández‚; Aguirre, s.d.„; Manuel Domíngues, "Viajes y muerte de Ayoles", s.d.© Alvar Nuñez Cabeza de Vaca, século XVI.‰ Juan de Limpio, s.d.… Hernando de Salazar; 1588Š; Ulrich Schmidl, século XVI… Ñuflo de Chaves, século XVI … Desconhecido, século XVII … Jolis, 1789ˆ® Ñuflo de Chaves, 1547Š Gandía, s.d. Métraux, s.d.® Susnik, 1995 Métraux, 1963 Rodrigues do Prado, 1795‚; Almeida Serra, 1845 e 1850 Rodrígues do Prado, século XVIII„ Métraux e Susnik, s.d.® Susnik, 1978 Missioneiros e cronistas do século XVIII … Desconhecido, informe de 1803† Juan Bautista Zea, século XVIII …

Tabela 2: Identificação dos Ishir-Chamacoco pelos grupos étnicos referidos na documentação bibliográfica consultada: Designação Grupo étnico Ilay, Ylai, Ydaica Tereno-Chanes… Ninaquiguillas (habitantes das terras entre Mbayás e MbayᆠChiquitos), Guayacaquiles Óhrios ou Õchiros, Tumaná ou Tumanahá Chamacoco ‰ Yshyr Chamacoco † Yvyraya, Yvyrayára Mbayás, século XVIII… Zamuc, tamuc (cães) Chiquitos, Mojos y Yuracarés… Zamucos Chiquitos, século XVIII … Citado em: • Em http://www.museobarbero.org.py/Ishir/ishir.htm.; ‚ Kersten, 1968; ƒ Hartman, 2000.; „ Susnik, 1982; … Susnik, 1978; † Susnik, 1995; ‡ Baldus, 1927; ˆ Métraux, 1963; ‰ Boggiani, 1898; Š Finot, 1978; © Gandía, s.d.; ® Chase-Sardi; Brun; Enciso, 1990

Essas designações variavam de acordo com o tempo, o espaço e as pessoas que estavam contatando a população. Muitas vezes, mais de uma etnia esteve inserida na mesma designação, seja em função de ocuparem um espaço comum, ou por manterem contatos regulares, seja por ignorância do relatante, ou mesmo, utilizada propositadamente pelo próprio designador. O modo pelo qual os indígenas abordados aqui foram nominados no decorrer do processo histórico, dificulta os trabalhos dos pesquisadores, de modo que se deve eleger um método de busca das fontes que seja capaz de criar, ao menos, um modelo geral do sistema sócio-cultural da entidade Zamuco.

87 Boccara, ao citar Sahlins, lembra que "... un acontecimiento es siempre una ocurrencia interpretada...." e "es a través de la praxis que las estructuras sociales se ponen en marcha, reproduciéndose, pero también transformándose en función de múltiples factores externos (ecología, contexto sociohistórico, etc.) e internos (fricciones, contradicciones, etc.) que son interpretados, internalizados, asimilados o rechazados."10 Nesse sentido, a análise da sociedade Chamacoco pode servir para que possamos entender o processo reducional entre os Zamucos, inserido num projeto de ocupação do território, que significou a abertura do interior chaquenho para as conquistas espirituais e territoriais com o intuito de diminuir as distâncias entre Santa Cruz de la Sierra e Assunção, culminando no abandono da redução e do próprio projeto. Para tal estudo, a estrutura social e o ciclo vital nos esclarecem a maneira de ser, agir e pensar dos Chamacoco, refletindo um profundo conhecimento do ambiente e das demais populações que os cercam. Esse conhecimento foi apropriado e utilizado por esses indígenas, especialmente, para que conseguissem elaborar uma maneira de se auto-explicarem numa dinâmica social própria: In writing the history of an indigenous region such as the Chaco, it is important to distinguish two different historical perspectives: our own, wich anthropologists are wont to call "ethnohistory", and that of the peoples them selves, wich will here be called "ethnic history". These two perspectives are often opposed to one another. From a theoretical point of view, ethnicity is dynamic, yet it has no independent reality as far as individual members are concerned. One person can call upon different ethnicities at different times, depending on context and circumstantial strategy. Yet whenever an ethnic identity is mentally construed, it can only be done so in social terms. The construction must necesarily be a historical one, since the various ethnicities are merely expressions of a common traditional ethnic history that an individual shares with others. It is from this standpoint that we say that each subgroup (band or regional group) in the Chaco constitutes a distinct social unit, because each one has a history in mind that differs from those of

10

Boccara, 2004 : 2-3.

88 other groups that conceptualize a different history. Such groups tend to be differentiated most readily by outside investigators on the basis of language.11

Portanto, preferiu-se utilizar o conceito tradicional Ishir-Chamacoco de etnômio, pois Ishir abarca toda a sociedade dos homens, segundo os próprios indivíduos sociais, ou seja, irmãos clânicos caracterizados por um animal-totem, vivendo em grupos familiares extensos marcados por relações de parentesco direto (no seio dessa família) e indireto (entre os pertencentes de um mesmo clã); de relações de intercambio de bens/matrimônios tribal ou inter-étnicos, dependendo das situações; relações de poder/dominação/disputa sobre outros clãs, outras tribos ou outros grupos étnicos. E Chamacoco, apesar de ser pejorativo ao ser remetido ao termo Chiquito para cães, não excluí as mulheres, os velhos que não têm uma participação ativa na sociedade e os jovens que ainda não ingressaram na idade de iniciação ritualística da puberdade: Ïsïr = con este nombre se designan los Ebitoso a si mismos como Chamacoco; la idea se basa en la 'palabra' de Esnuwarta respecto a la estruturación totémica y la posterior formación de la sociedad de hombre. El Ïsïr es un 'pariente cruzado'; debe ser iniciado y pertencer a un grupo totémico. 12 Se desconece el origen del gentilicio Chamacoco con el que, tanto vulgarmente como en la bibliografia etnográfica, nombran a una de las dos etnias de la familia lingüística Zamuco del Chaco Boreal. De acuerdo a elucubraciones de Boggiani (1900, 84-85), habría cierta relación fonética entre el denominativo Chamacoco y la palabra Zamuco. Los Chamacoco, si bien no rechazan directamente este nombre, prefieren autodenominarse Öshöro [Ishir], es decir, hombres.13

Mais do que isso, ser Ishir-Chamacoco é ter um lugar na sociedade, um posto social em cada atividade, em cada ação e prática; também é garantir que o seu posto não fique vago, que sempre haja um substituto para dar prosseguimento à linhagem da família e/ou do clã, de forma a evitar o desequilíbrio tribal coletivo ou o extermínio da sociedade pela "ira dos seus deuses".

11

Miller, 1999 : 11-12. Susnik, 1957 : p. 134 13 Chase-Sardi; Brun; Enciso, 1990 : 52. 12

89 Da mesma forma que os antigos Zamuco, o Ishir-Chamacoco refletia a construção de uma identidade sob olhar europeu, agrupando três tribos ligadas entre si por linguagem e modo de vida comuns, porém com caracteres próprios e distintos, de acordo com sua própria visão de mundo. Ressalta-se que o fracionamento dos grupos foi fruto das pressões exercidas, interna e externamente, no decorrer dos cinco séculos de contato europeu com o ambiente indígena, nos quais esses tiveram de adaptar-se aos problemas ambientais, sociais e político-territoriais gerados pelo enclausuramento no interior do Chaco Boreal. 3.1 Estruturas sociais As estruturas sociais observadas têm estreita relação com os conceitos míticoreligiosos dos povos chaquenhos em função da explicação de suas origens. Por exemplo, entre os Ishir-Chamacoco, acredita-se que os clãs se originaram: ... a partir del nexo estabelecido entre un antepasado originario y un personaje teofánico (axnábsero14) al que aquel mató o intentó matar en el episodio del drama mítico de la occisión de los axnábsero que constituyen uno de los principales elementos en la conformación del mundo actual para los chamacoco. Cada uno de los ocho clanes o kenáxo chamacoco, además de observar determinadas reglas matrimoniales, caracterizase por una determinada 'personalidad clánica' e integrar ciertas obligaciones sociales y mítico-religiosas, posee un Axnábsero 'fundador', se liga con determinada especie natural, y su nombre refleja ambos aspectos en diversos sentidos.15

De maneira geral, Braunstein (1983) definiu as unidades sociais chaquenhas em três tipos: 1) el de bandas nómades o seminómades de composición más o menos estable pero de magnitud variable según el grupo y de carácter permanente; 2) el de sociedades con una morfología doble regida por el ritmo estacional con bandas semipermanentes e instables en su composición agrupadas en determinado período del ciclo anual en un lugar frecuentemente fijo y familias extensas nomadizando en un amplio territorio durante los restantes períodos; y 3) el de linajes localizados seminómades asociados mas o menos establemente entre sí por medio de vínculos matrimoniales en conjuntos no muy numerosos de esas unidades. Todas estas unidades sociales se agrupan en tribus que se fundaban en condiciones políticas [particulares e variáveis de acordo com tempo e espaço].16 14

Anabson para Susnik, Anabsonro para Boggiani e Anapsönrö para Métraux. Braunstein, 1983 : 49. 16 Braunstein, 1983 : 27 [complemento nosso]. 15

90

Assim, a análise de variados documentos leva a crer que a "criação" da etnia dos Zamuco se dá a partir de uma organização social dividida em grupos (nações, para os jesuítas) - Chamacoco, Ugaraño, Zatieños, Tynyros, etc. Por sua vez, cada grupo era formado por um conjunto de tribos - no caso IshirChamacoco por Horio, Ebidoso e Tumereha/Tomarxa - e cada tribo por vários bandos/clãs/sib's, normalmente oito - de acordo com características de animais-totem-, divididos em duas metades - cujas características psico-definidoras, na proposta de Susnik

(1998)

são:

calados/calculadores

e

aguerridos/fortes/impulsivos

("bravos/bravucones")-, e compostos por famílias extensas ligadas por laços de consangüinidade, solidariedade e reciprocidade. 3.1.1 As Famílias Extensas Para se entender a organização social por bandos (para Miller), sib (para Braunstein) ou clãs (para Susnik), é necessário que se estabeleça a noção de "família" presente nessa organização. Assim, Braunstein a define: La familia nuclear siempre aparecía en el Chaco subordinada o formando parte de unidades mayores o subordinando a otras familias nucleares. Ese conjunto de por lo menos dos unidades nucleares es lo que en etnografía se conoce como 'familia extensa'. Esta unidad, presente en todos los grupos chaqueños con rasgos más o menos definidos de matrilocalidad, involucra cuando menos dos generaciones y es actualmente el modelo común sobre el que se articulan todas las sociedades de indios de esta área. La familia extensa matrilocal parece haber desempeñado un rol independiente especialmente en el caso de las tribus de habla Zamuco. ... la banda era considerada regularmente un grupo de parientes al que se aplica la traducción de 'familia' ...., los nexos genealógicos entre esos parientes no eran siempre trazables, relacionado esto, sin duda, con la mayor importancia demográfica de estas unidades. ... está presidida siempre por un jefe cuyo rango y poder señalaban los de la familia toda en relación a las otras que integran la sociedad. Sin su jefe la familia extensa no puede existir independientemente y se deshace pasando sus miembros a integrar otras familias extensas con las que los ligan lazos de sangre. Este hecho produce una gran complejidad en la composición de las diferentes familias extensas porque muchas veces sus integrantes están unidos por nexos colaterales de relativa extensión y proviniendo tanto del lado materno cuanto del paterno. La unidad ... debe ser comprendida como comportando una pauta de linealidad bilateral que caracteriza, con escasas excepciones, las sociedades chaqueñas.17 17

Braunstein, 1983 : 28.

91

As famílias extensas são compostas por nucleações dilatadas através de compromissos sangüíneos, de compadrio ou por afinidades. Dessa forma observa-se que: ... el nanápso[família nuclear] chamacoco son la célula del sistema social de esos grupos y, frente a ellos, las dilatadas sib que los atraviesan pierden mucha de su importancia en lo que hace a solidariedad y otras funciones de las unidades sociales.18

Cada unidade familiar é, então, dividida a partir de responsabilidades sexuais e status etários: ...en el interior de estas familias extensas la solidaridad es máxima.... en estos grupos encontramos dos distintos tipos de unidades superpuestas. El primero caracterizado por la linealidad paterna y la exogamia se mueve en el plano de lo puramente pensado. El segundo caracterizado por la localidad materna y la solidaridad es el que se advierte exclusivamente si contemplamos a las sociedades de habla zamuco desde el ángulo de su práctica social.19

Conforme se verá mais adiante, o chefe da família não era o pai e sim o avô paterno, e os responsáveis pela educação dos jovens eram os parentes da mãe, enquanto o indivíduo ainda fosse infante e, posteriormente, os parentes do pai enquanto estivesse em processo de iniciação. Isso influi diretamente na organização dos clãs: La noción de 'familia' entre los grupos de lengua Zamuco, al margen de los grandes grupos unilineales de parientes (sib) que cumplían funciones básicamente ceremoniales y en la regulación de la exogamia, se restringe a lo que hemos denominado ... 'família extensa', incluyendo a los parientes separados de la misma pero que alguna vez vivieron con ella. ... las posibilidades nomenclatorias incluyen a los parientes del padre y a los descendientes del hermano de la madre, pero ello no es contradictorio desde que estas unidades no eran demasiado estables fisionándose y recomponiéndose en relación a determinadas circunstancias. La característica problablemente más relevante de este sistema para la mente indígena era la localización. ...La principal razón de la descomposición de estas familias radica en la desaparición física o en la pérdida de poder generalmente con la edad- de su jefe. Cuando esto sucede y no hay entre los miembros otro hombre que pueda, en virtud de su status, reemplazarlo, los integrantes de la familia buscan, aisladamente o en familias nucleares, otro grupo emparentado de algún modo para que los acoja.20

18

Braunstein, 1983 : 50. Braunstein, 1983 : 50. 20 Braunstein, 1983 : 64-65. 19

92 Dessa maneira, a presença de elementos "estranhos" à família nuclear é importante na medida em que garante de alguma forma a sobrevivência da mesma, através de relacionamentos marcados por reciprocidades: La relación entre familias extensas para configurar las bandas - ... sólo existentes como tales durante la época de siembra y recolección entre los grupos Zamucos - se caracteriza entre los Ayoreo y Chamacoco por un sistema de alianzas y preeminencias entre jefes y nunca esta excluída la posibilidad de la separación o la unificación de o con otras familias. La integración en un nivel más general que hemos llamado 'tribus' era en estos dos grupos mucho más fluída aún y variaba entre sumarias relaciones de alianza y definidas relaciones de enemistad y exterminio.21

Essas relações por afinidades se davam em nível individual, no estabelecimento de alianças de companheirismo, pautada na necessidade subsistencial caçadora e/ou coletora, de acordo com a divisão sexual dos compromissos individuais. Inclusive há, segundo Susnik22, uma mentalidade caçadora própria dos Ishir-Chamacoco que produziu um ciclo de lendas utilizado no ensino/aprendizagem dos jovens quanto às condutas sociais. Entre elas, está a de Doxôra = homem-macaco e Olypiót = homemonça/caçador, existindo entre eles uma relação de parentesco (tio materno e sobrinho) porém de clãs diferentes, o que requeria uma atitude de "provocación o de medirse" constantemente. Assim os dois caçadores viviam juntos, castigando-se mutuamente e vingandose, também, um do outro. Doxôra como calculador tinha juízo e Olypiót confiava em sua força: "son dos fuerzas de oposición vital que mentalmente elaboraron los Chamacocos" 23. Juntos iam caçar, repartindo o direito de eleger a presa, sendo as fêmeas de grandes animais, eleitas pelo homem-onça e os machos de animais como o tapir, para o homem-macaco. Olypiót impunha o uso de flechas, Doxôra emboscava os animais com a ajuda de seus amigos roedores: "es una proyección social hacia la lucha

21

Braunstein, 1983 : 28-29. Susnik, 1995. 23 Susnik, 1995 : 68. 22

93 entre los hombres y clanes 'calculadores' contra los 'bravucones', la realidad que hasta ahora no dasapareció(...)."24 . As numerosas fábulas e lendas destacam aqueles caracteres que ocorrem entre os homens e, dessa forma, a sociedade exerce seu direito de aprovação e reprovação de atitudes e condutas. Assim, o caçador não apenas caça para comer a carne, mas também observa e cria seus conceitos através do complexo animal, suficientes para traduzir em palavras o que é bom e o que é mal, e simbolizar sua conduta individual e social: "(...) todo servía al Chamacoco para dar una expresión 'hominizada' de la actitud y conducta-postura; de esta manera se garantizaba también la socialización de los púberes dentro de una sociedad cazadora."25 . O companheirismo parece ser, dessa forma, um complemento essencial na estrutura socio-subsistencial dos Ishir-Chamacoco, fundamentado nas dualidades ritualísticas do cerimonial "Anabsônico". Seu papel na sociedade é excludente, de modo que os órfãos ficam temporariamente alijados desse sistema, uma vez que não tem um "lugar social" definido, nem um avô clãnico a quem substituir, e por isso mesmo, sem direitos ao uso da terra, ou seja, a caçar em algum "potreiro": Los grupos de compañeros interclánicos ... desempeñaban también el rol importante en la organización del ceremonial anabsónico anual. El hombre que no habría "cambiado su brazelete" con otro hombre, se consideraba "pobre, triste" ... y casi expuesto a una hostigación comunal. Y en este aspecto se mencionan los huérfanos, particularmente si éstos habrían tenido que cambiar su pertenencia clánica en ocasión del rito iniciático....26 La preocupación por "tener un clan fuerte" se manifestaba también en los casos de divorcio; los reajustes eran frecuentemente importantes; si el marido abandonaba a la mujer y a su grupo residencial antes de llegar el hijo al status de [iniciados] y sin seguir prestándole ayuda posteriormente, -"comida y brazeletes plumarios", - el hijo podía abandonar el clan de su padre y pasar en el clan de su abuelo materno ...; y este "hijo largado por el padre", al crecer, ya no

24

Susnik, 1995 : 69. Susnik, 1995 : 69. 26 Susnik, 1995 : 129. 25

94 ocupará el "lugar" clánico de su padre sino el de su abuelo materno en todas las ocasiones sociales....27

Somente com a "maioridade" o órfão poderia trocar de clã, através do matrimonio; porém sua própria condição dificultaria encontrar uma família que o aceitasse como genro, uma vez que seu aprendizado nas artes da caça ficava comprometido devido a falta de um companheiro clãnico. Da mesma forma, os filhos "largados" pelo pai podiam ocupar "seu lugar no clã" se conseguissem substituir o avô materno, porém isso nem sempre seria possível, uma vez que as famílias eram constituídas, normalmente, por até 3 filhos. 3.1.2 Os Clãs ou Bandos Com base na definição, apresentada por Braunstein, sobre as unidades sociais chaquenhas, Miller28 complementa conceituando "bando" como um grupo local de famílias extensas constituído, primeiramente, com base no grau de parentesco e afinidades. Assim, os bandos componentes de cada tribo viviam em proximidade uns dos outros, com períodos intermitentes de co-residência, sobretudo nos períodos de iniciação dos jovens. Essa característica é resultante da base econômica voltada à caça-pesca-coleta (cuja mobilidade é pautada em função da estacionalidade), bem como, da impossibilidade de expansão territorial devido às pressões interétnicas. Para estos indios [Zamuco] el grupo local es una unidad lábil y compuesta estacionalmente por grupos familiares sin nexos parentales necesarios entre sí. La jerarquía entre las familias extensas y entre los jefes de las mismas, dos aspectos del mismo fenómeno, no dependen directamente de las relaciones parentales entre las diferentes unidades sino que es consecuencia del equilibrio entre jefes más o menos poderosos .... En los intercambios rituales de prestaciones y bienes se utilizaba un modelo general que ordenaba a la sociedad en base a la pertenencia de cada uno a uno de los siete sib29, lo que habilitaba un conjunto enorme de alianzas posibles.30

27

Susnik, 1995 : 140 Miller 1999 : 10-11. 29 Conforme o próprio autor (página 64) sib significa "grandes grupos unilineales de parientes". 30 Braunstein, 1983 : 30 28

95 Na concepção de Métraux31 a unidade social básica das tribos do Chaco é o bando composto, estruturado em poucas famílias extensas, chegando a um numero entre 50 e 200 indivíduos, aparentadas por matrimônio. Estes bandos seriam bem localizados, possuindo seus territórios de caça e pesca, levando um nome distintivo e investindo uma pessoa com certa autoridade, designado, tradicionalmente, como cacique32. Pode-se perceber a característica de composição dos bandos através da imagem atual que os anciãos Ishir-Chamacoco têm do passado, relatado em Susnik: ... los Chamacocos dicen que vivían "buscando agua, buscando carne-cuero, buscando piso, mudándose, recibiendo y enviando mensajeros"; esta es la imagen que tiene el Chamacoco aculturado de hoy de un "Chamacoco del monte" ... el quién por su ignorancia "todo tenía que buscar" porque nada sabía de "ganancias".33

Segundo esta pesquisadora34, a base social dos Ishir-Chamacoco era o "dut", ou clã35, de densidade demográfica mínima (exceto em ocasiões comemorativas), para a qual interferiam o potencial de subsistência do "potrero", a freqüência das disputas entre os clãs ou o temor dos feitiços mágicos lançados pelos inimigos e percebidos através de símbolos de mau agouro (ver mais no capítulo sobre o ambiente).

31

Métraux, 1996. Por questões de analogias errôneas em função dos contatos com os Guarani, que foram mais exaustivamente trabalhados do que as demais etnias que compõem a porção Sul-americana do continente, preferiu-se utilizar o termo líder ou lideranças para estas pessoas investidas de um certo poder e prestígio. 33 Susnik, 1995 : 32. 34 Susnik, 1995 : 37. 35 A pesquisadora prefere utilizar o termo bando para os grupos formados apenas por homens, sob a liderança de um guerreiro, "bravucon". 32

96 Os clãs Ishir-Chamacoco estavam em marcha contínua, buscando o algarrobal ou áreas com árvores frutíferas, para assentarem-se nas redondezas enquanto as frutas estivessem maduras, ou buscando córregos e lagoas para proverem-se de água e peixes, ou procurando terras mais altas quando no período das chuvas. Mudavam seus acampamentos, também, na ocasião do "grande cerimonial Anabsônico", visando manter o "segredo da casa dos homens", garantia mítica da existência do grupo. Entretanto, estas mudanças também ocorriam caso aparecesse algum grande perigo (epidemias, como a da varíola), se ouvissem o "choro" das aves de mau agouro - as quais avisavam quando apareciam pessoas estranhas nas redondezas -, ou se ocorria a morte de algum jovem, "pues la única 'muerte natural' era la 'de caer por secarse la sangre', siendo otras muertes provocadas por los shamanes malignos o causadas por alguna trasgresión tabuística(...)"36. Para os Ishir-Chamacoco, "...donde hay mucha gente junto hay hambre"37, por isso o aumento demográfico de um "dut" levava imediatamente à fragmentação e reagrupamento social. Nos relatos etnográficos, percebe-se que membros de diferentes "dut" empregam entre sí o termo "lacybicoro" que significa "achar-se como primo cruzado por linha materna", tendo, por isso mesmo, obrigações próprias desta condição. O símbolo de união entre as pessoas de diferentes "dut" era o mensageiro, ou seja, um homem adulto, um andarilho treinado especialmente para estas missões ou selecionado entre os jovens recém iniciados: La visita de un mensajero siempre significaba una alteración en la vida del grupo, y toda alteración es la "novedad" que llega entre los primitivos provocar conductas impulsivas imprevistas y colectivas; los Chamacocos temíam "conocer la novedad", pero, al conocerla una vez, ... deseaban "poseerla".38 36

Susnik, 1995 : 35. Susnik, 1995 : 37. 38 Susnik, 1995 : 37. 37

97 Assim, a abundância de carne, farinha de algarrobo ou mel de um grupo obrigava a uma família, através das redes de solidariedade, a convidar os demais membros do clã, ou mesmos entre clãs vizinhos, enviando um mensageiro cuja mensagem seria: "venid compañeros, hay comida abundante, hay mujeres gordas, invito a todos!". Dessa forma, o bem estar social Ishir-Chamacoco era representado por assados de porcos-do-mato e tamanduás, e "mujeres gordas" - ideal das moças em idade de casar -, indicava a possibilidade de realizar acordos matrimoniais para a manutenção dos clãs. Durante a época da coleta do algarrobo, momento no qual faziam grandes quantidades de bebida alcoólica por dia, ou quando chegava-se a uma decisão importante que se refere à tribo, vários bandos se encontravam em um território de algum líder influente, onde todos em conjunto erguiam um grante acampamento. Porém, cada bando mantinha sua individualidade, mesmo entre esta coletividade festiva.39 Além disso, Susnik aponta que: ... eran frecuentes las visitas entre los parientes, distanciados por pertenencia local distina, especialmente las visitas de los sobrinos a los tíos paternos - por interesse socio-clánicos dentro de los intereses interpersonales-, o entre los primos cruzados por línea materna para "provocar y medir fuerzas"; en tales ocasiones se intercambiaban los "regalos" ... o se organizaban "fiestasreuniones" ...; era el "reirse" prometedor para estabelecer contactos suficientes y resolver los problemas "sociales" de los grupos domésticos y de los mismos grupos comunales.40

Percebe-se a importância da caça para o sistema subsistencial dos IshirChamacoco na medida em que toda sua dinâmica social vinha de conceitos obtidos pela observação dos animais caçados e girava em torno da obtenção desse recurso:

39 40

Métraux, 1996 : 158. Susnik, 1995 : 40.

98 ... la sociedad chamacoca defendía su repartición social de "carne" y no aceptaba "el libre comer", temiendo el desequilibrio socioeconómico.41 ... decir de una comunidad de que "tiene mucho pánsowo" [carne assada de porco do mato], era considerarla "rica" ...; negar "pánsowo" a un grupo visitante o a una pandilla del "bravo" era vengarse o provocar el desafío o la lucha de duelo; la mujer abandonaba a su marido si faltaba con frecuencia el "pánsowo" en su casa; ... comer "pánsowo" a las 10 horas de la mañana, ... la hora de la comida principal entre los antiguos Chamacocos, era una señal del verdadero bienestar; traer una bolsa llena de "pánsowo" era adquirir una mujer o iniciar un trueque de regalos entre diferentes comunidades o indicar a un "compañero" clánico opuesto a que se deseaba estabelecer el matriomonio con su hermana; robar un pedazo de "pánsowo" constituía la "gran hazaña" de los jóvenes y a veces un escape de rebeldía contra la dura obligación de tabúes, impuestos por los "viejos"; en períodos de hambre, los hermanos y los tíos podían apelar a su status de "pariente biológico" para "usar-prestar" la carne; de esta manera llegó la carne de jabalí a constituirse en un mudo símbolo de las relaciones interpersonales. (...) existe un sentido de "propriedad" de la carne de jabalí, propriedad del grupo residencial; existe la reciprocidad y la espera de ser correspondida ésta, pero fuera de los límites residenciales y comunales, la solidaridad no es pautada como obligatoria.42

Segundo Métraux43, os bandos Mataco, Toba e Chamacoco têm nomes de animais (jaguares, pecaris, coelhos, ovelhas, asnos, cães, tatus, cavalos, peixes e formigas); plantas (Quebracho, pau santo, trepadeiras), artigos manufaturados (roupas vermelhas); objetos naturais (pedras); partes do corpo ou características físicas (articulações, rosto, gente peluda, os que movem as nádegas, etc.); temperamento ou caráter (malfeitores, os que espancam as coisas) e outras denominações. Essas são decorrentes da observação e do relacionamento do ambiente e do modo de ser com o mundo cósmico chaquenho44. Susnik esclarece o sentido do animal-totem para os Ishir-Chamacoco da seguinte forma: No era en realidad la búsqueda de "un progenitor" en nuestro sentido de la palabra, sino la búsqueda de poseer términos explicativos o referenciales para su propia existencia económica y social; era un verdadero proceso de mentación a través de los "hechos y conductas" observados, experimentados y también "idealizados" por cuanto ciertas conductas del referencial "hombreanimal" o del "animal-hombre" llegaron a una preponderancia imitativa, capaz de constituirse en una pauta regidora.45

41

Susnik, 1995 : 53. Susnik, 1995 : 56. 43 Métraux, 1996 : 157. 44 Cordeu; Siffredi, 1978. 45 Susnik, 1995 : 136. 42

99 Diferentemente do que se possa imaginar, os tabus alimentares não têm relação com a afiliação do bando, não havendo evidências de totemismo. Esses tabus, gerados a partir do controle social da carne, balizam os comportamentos e as relações sociais inter e intra-clânica, de tal forma que a expressão "boca sucia" era considerada como o máximo insulto entre os Ishir-Chamacoco, sendo utilizada como repreensão aos contraventores do sistema alimentar, tabuizado de forma coercitiva, através das ameaças de punições demoníacas para primos e irmãos clãnicos do delinqüente: ... de esta manera también fue siempre riguroso el control social, dominando el temor, y cualquier desajuste biológico o demográfico de un grupo podía desviar la atención hacia la inculpación de un infractor o de una infracción silenciada. ... y la máxima expresión de la culpabilidad en el código sociomoral de los Chamacocos era precisamente la violación de los tabúes alimenticios, éstos basados en status por sexo y por edad.46

A unidade clãnica é expressada assim como dádiva e repressão divinas, através de uma reciprocidade econômica e criminal, na qual a ação de um indivíduo ou agrupamento de indivíduos inevitavelmente se refletirá na comunidade a que pertencem ou pertenciam em algum momento (e que já não existam vínculos de convivência, exceto em caso de viagens e visitas). Apesar do companheirismo se processar nas relações entre famílias extensas, o estabelecimento das relações era formatado através de padrões clãnicos que obedeciam um caráter performativo, de acordo com as características observadas no animal-totem. Assim, para se estabelecer uma relação de companheirismo clãnico, devia-se presentear, através da solidariedade de comida - carne e mel-, ou de caçada. Os que fossem considerados mesquinhos ao presentear o companheiro, este tinha o direito de exigir um duelo ou de vingar-se através de uma espécie de "chacota" pública. A mulher não devia olhar/provocar ao companheiro de seu marido, sob ameaça da

46

Susnik, 1995 : 64.

100 morte de ambos: "El compañerismo así institucionalizado, se proyectaba en la misma preferencia de las uniones matrimoniales(...)"47. Ao que tudo indica, a eleição do companheiro era livre, dependia do indivíduo com a anuência do tio paterno, ou seja, o representante extensivo do clã do interessado. Outro fator importante era o de que um dos companheiros deveria ter idade menor, permitindo a relação "hermano mayor y hermano menor", fundamento básico nas relações de companheirismo chamacoco: ... recíproco y vigilante a la vez, la expresión del concepto de la segmentación clánica de "todos los Ysyr"; ... servía de esta manera como un mecanismo social de la agrupación de carácter interpersonal. El hombre que pudo juntar varios "compañeros, siempre adquirió el prestigio social; y tener una pandilla de [companheiros] era casi un requisito tácito para imponer su voz de las reuniones de los hombres .... 48

Os Ishir-Chamacoco são, em essência, seres socializados, integrantes ativos de uma comunidade. Por isso os indivíduos solteiros e solitários não eram bem vistos, e o animal que os simbolizava era o gato do mato ("gato onza" para os espanhóis ou puma): ... es 'un patrón solitario en su potrero', a quién se respeta, no se lo mata ni se lo come. La leyenda lo presenta como 'egoista' también, pues no comparte 'su comida con sus hijos', es reacio a vivir entre muchos, es andador solitario con su hembra. ... A través de la leyenda se trasluce también la postura de los Chamacocos frente al 'solitario'; en cierto sentido sienten miedo, pues el 'solitario', animal u hombre, es siempre potencialmente peligroso por causa de su 'conducta imprevista o desconocida'; por outra parte, hay un tácito respeto por el 'solitario' precisamente por no faltarle 'ni comida ni potrero' aunque 'ande solo'. 49

Além disso, havia a divisão por metades na qual procuravam escolher um calculista para cada impulsivo - possivelmente a faixa etária e a experiência de caça já auxiliava nesta composição, mantendo a tradição mitológica. O símbolo dessa união era a troca de braceletes compostos de plumas, sendo considerado infeliz aquele homem societário que não carregava seu bracelete plumário.

47

Susnik, 1995 : 128. Susnik, 1995 : 128-129. 49 Susnik, 1995 : 67. 48

101 3.1.3 As Metades Antagônicas Havia entre os Ishir-Chamacoco uma divisão em metades, dentro das quais coexistiam vários clãs: Los miembros de los clanes de una mitad se consideraban entre sí "hermanos" clasificatorios; entre los miembros clánicos de las mitades opuestas valía el principio de "socio", usándose antiguamente con más frecuencia la palabra "contrario", indicando una oposición competidora y provocadora.... La distribución por clanes servía también de un mecanismo regulador de las relaciones matrimoniales ...; los miembros de los clanes clasificados como "fuertes, impulsivos" solamente podían casarse con los miembros de los clanes "callados" y vicerversa; ... alguno que otro matrimonio joven fue expulsado de la comunidad por haberse casado "dentro de la misma familia clánica, lo que no era permitido".... Estas normas matrimoniales implicaban varios desajustes periódicos; el nacimiento de las criaturas de sexo masculino era preferencial, [até 3 filhos por casamento] ocurría así periódicamente un esceso de varones, éstos obligados a avecindarse con los Tynyro o buscar relaciones con las cautivas Tomârxa. [ser solteiro era vergonhoso para o homem e ofensivo para o clã a que pertencia.]50

Essa divisão interna, aparentemente emprestada de contatos intensos com outras etnias, não só servia para regulamentar as uniões matrimoniais, de maneira a complementar as proibições de incesto clãnicas, como pautava a distribuição dos papéis a serem desempenhados por cada clã nos rituais de iniciação e nos jogos comemorativos. Empero, los hombres del clan no presentaban una agrupación localmente definida; las comunidades chamacocas antiguas se fraccionaban, - por razones subsistenciales mismas,- a veces hasta por los mismos grupos residenciales; solamente el ceremonial anabsónico anual servía del verdadero lazo de la unión interclânica, pues simbolizaba la unión y la totalidad, su identificación particular y su lugar específico dentro de la oposición por las mitades; por esta misma razón centrábase toda la atención hacia la conducta de los miembros de los clanes, pues era la conducta social, la que interpretaba cotidianamente y no sólo social y ceremonialmente la ideología clánica.51

Como se percebe, as metades eram caracterizadas por atitudes com as quais determinados clãs se identificavam, ou seja, calados e calculistas versus fortes e impulsivos/aguerridos. Essas atitudes eram introjetadas pelos indivíduos formadores dos clãs, além das características próprias do animal-totem com o qual o clã se

50 51

Susnik, 1995 : 146-147. Susnik, 1995 : 147.

102 identificava. Da mesma forma se refletia o jogo entre metades nos encontros tribais (Figura 10). Finalmente, é possível que se possa vincular a separação em duas metades antagônicas, porém complementárias na visão dos Ishir-Chamacoco, com a designação dual, dada pelos paraguaios e pelos etnógrafos do final do século XIX e início do século XX, às tribos Chamacocas, considerando-os mansos ou bravos em função da introjeção desse modo de ser e pela maneira como se processaram os contatos. 3.1.4 As Tribos e as Relações de Poder Em nível intermediário no sistema social, a tribo constituía um grupo regional de bandos identificados por um nome comum e associado por casamentos e intercâmbios. Baldus52 refere-se a três tribos Ishir-Chamacoco, que conviviam e se enfrentavam mutuamente, através das guerras, dos jogos e dos matrimônios: Os Chamacocos, que conhecemos, repartem-se em tres tribus: Hório, Ebidoso e Tumerehã.53 ... Hório (ou Orio) significa em ebidoso: nós (com exclusão da pessôa com quem se fala).... Cada uma das tres tribus ... chama-se a si mesma Hório. Mas, como a tribu designada por mim Hório, é conhecida pelas duas outras sob o mesmo nome, parece conveniente conservar esta designação, ainda que os Ebidoso muitas vezes lhe chamem por injuria Móro em consequência, dos frequentes contactos embora belicosos que êla teve com êstes.... O nome Ebidoso foi-me comunicado por Belaieff como próprio desta tribu(...). A palavra Tumerehã é para os Hório e Ebidoso injuriosa....

Ao descrever a origem da fragmentação das três tribos principais, Susnik54 relata um dos mitos formadores dos Ishir-Chamacoco: ... al sobrevenir el hambre, los "nep.pa", los verdaderos hombres adultos y societarios, casados y con uno o dos hijos, prácticamente monopolizaban la alimentación a base de carne de oso hormiguero, de jabalí y de armadillo. ... El presenta a un poderoso "pelótak-caudillo", quién aprovechó el festival iniciático para solucionar el problema de "mucha-gente y poca comida"; en ocasión de pruebas de obediencia, los jóvenes iniciados y adolescentes fueron maltratados; el caudillo les rompía la articulación del dedo cuando traían la nasa de pesca y los inhabilitaba así para el uso de flechas; uno se rebeló y trás el también otros, quienes formaron un "aparto...", llevándose consigo a sus hermanas 52

Baldus, 1931 : 530-532. Essa também é a divisão estabelecida por Susnik (em todas as obras, com alguma variação de escrita dos nomes), e Métraux (1996). Outros autores falam de uma quarta tribo, porém parece ter desaparecido antes do século XX. 54 Susnik, 1995 : 12. 53

103 sociales, ... la mejor garantía para realizar su sobrevivencia; los rebeldes "jóvenes" formaron su ... comunidad apartada. Los comentaristas viejos destacan que por esta causa formáronse los Tynyro, Los Tomarxa, los Xório y los mismos Kuráso, es decir, grupos parciales chamacocos y moro-ayoweo-zamucos.

Dessa forma percebe-se que a formação da sociedade e suas disputas internas têm estreita relação com a problemática subsistencial e mitológica da sociedade IshirChamacoco. As três tribos mantinham entre si sentimentos hostis, existindo, inclusive, um estado de guerra contínuo entre as duas primeiras e os Tumerehã. Esses constituíam a tribo preferencial, na qual os Ishir-Chamacoco buscavam cativos para trocas com os Mbayá e os brancos. Além dessa condição, os Tumerehã também eram a tribo para a qual recorriam aqueles líderes que perdiam seu prestígio e eram abandonados pelos seus seguidores, bem como, aquelas pessoas que eram expropriadas de seu pertencimento clãnico por algum crime social. Com o passar do tempo, os cativos começaram a ser utilizados tanto como mercadoria de troca em relações inter-étnicas, como de equilíbrio social, de modo que pudessem se livrar do excesso de pessoas: A los Chamacocos siempre preocupaba el "extermínio mítico" y el exterminio biológico real de la tribu; vivían en un estado de contínua ansiedad ya que dos determinantes absorbían toda su atención, subsistencial y mental: el temor al mítico castigo de Nemur y el temor a las incursiones asoladoras de los Mbayáes durante dos siglos. Para mantener su integridad, los chamacocos recurrieron al robo de niños de otras tribus periféricas, Tomarxa y Kyr-Moro específicamente, teniendo así siempre un gran número de cautivos para entregarlos a los Mbayáes en cualquier necesidad. ... los chamacocos usaban a los cautivos Tomerxa para el trueque de "urucú" con los Caduveos y entregaban a las mujeres tomarxa cautivas a los blancos en sus primeros contactos...55 ... hubo la tendencia de entregar ... a los Caduveos-Mayáes solamente varones-cautivos tomarxas; era un proceso de equilibración con cautivos para sobrevivir como unidad étnica, y también un ensayo social de mantenerse "Ysyr-Chamacocos". Si la pertencia clánica ebitoso-chamacoco libraba al hijo de una cautiva tomarxa de su status social de ...huérfano sólo, sin parientes clánicos responsables y recíprocos, el cautivo de la primera generación seguía sintiendo el peso de su status de cautivo; debía de ser el "quien siempre se mueve", expuesto a ser objeto de trueque, ser el cargador durante las mudanzas, ayudar en caza y recolección, siempre esperando que el "dueño" ebitoso le de su parte, y no faltaban, a veces, castigos brutales.56

55 56

Susnik, 1995 : 15. Susnik, 1995 : 16-17.

104 As tribos acabaram encontrando, então, mecanismos para se perpetuar, modificando seu sistema de fragmentação entre bandos, por um sistema de obtenção e redistribuição de cativos em troca de bens cuja disponiblidade era rara (cavalos, ferro, urucum, etc.). Por isso, os cativos normalmente eram bem tratados, principalmente se fossem mulheres ou crianças, porém os homens cativos eram utilizados para tarefas essenciais e depois eram executados de modo a não sobrecarregar os seus "donos" ou causarem problemas, como a falta de água para beber. O aprisionamento com grades ou outros instrumentos não existia. Como se viu no capítulo anterior, a prática entre os Mbayá para garantir que seus cativos não fugissem, era a aplicação de tatuagens, pois sabiam que as pessoas Ishir-Chamacoco marcadas não seriam aceitas novamente em suas tribos (Figura 6). Assim um novo estrato social foi formado a partir das necessidades geradas pelos relacionamentos inter-étnicos. Este estrato se mantinha pela exclusão de elementos que cometiam algum "crime" ou pelo aprisionamento. As batalhas de vingança passaram, então, a ser mais freqüentes, buscando-se cada vez mais um botim de cativos maior. Quanto

ao

sistema

matrimonial

dessas

tribos,

percebe-se

que

eram,

preferencialmente, endogâmicas, cuja residência pós-matrimonial tendia a ser uxorilocal, ao menos até o nascimento da primeira criança. A partir dos trabalhos antropológicos de Susnik, percebe-se que a exogamia também era praticada, principalmente nos grupos em que o controle social e os tabús alimentares eram rígidos. Entre os Zamuco, a prática exogâmica dependia do parentesco patrilinear, super imposta ao sistema endogâmico local.

105 A prática de casamentos monogâmicos era a norma, porém as uniões poligâmicas eram permitidas entre os líderes de bandos. A unidade política tribal dependia da natureza da rede de alianças entre os bandos, as famílias e os indivíduos, podendo, inclusive formar alianças de origem lingüística e cultural mistas. Por isso, o exercício de controle político sobre o acesso à caça e pesca, resulta numa rede de cooperações ou antipatia definindo o sistema de uso da terra, embora a monopolização dos recursos gerasse, inevitavelmente, conflitos, mesmo entre bandos de uma mesma tribo. Dessa forma surgiam lideranças não autoritaristas, tendo como meta a manutenção da coesão grupal em termos de relações internas e externas. Esses líderes eram aclamados por consenso, baseados em sua coragem e eloqüência sendo que, em alguns bandos, os líderes eram também xamãs-curadores. De um modo geral, Métraux57 definiu a organização política dos povos do Chaco afirmando que entre as tribos da região do Bermejo e do Pilcomayo (e por extensão, do Chaco Boreal), um cacique era um homem influente, geralmente cabeça de uma família extensa, que ascendia a uma posição dominante por razão de sua sabedoria, habilidade ou coragem. Muitos caciques deviam sua autoridade à sua reputação como xamãs. Esperava-se de um cacique as providências para o bem estar de seu povo, a representação de seu grupo nas negociações com outras tribos ou com os brancos, e finalmente, que velasse para que nenhum mal estar chegasse a enfraquecer sua comunidade. Também, um cacique tinha a obrigação moral de compartilhar todos seus

57

Métraux, 1996 : 158-159.

106 espólios com os membros de seu bando - como não podia recusar-se a entregar qualquer objeto cobiçado por um "súdito"-, era uma pessoa de mísero aspecto. Nenhum líder chaquenho ousaria impor uma decisão que contravenha os desejos de seus seguidores. Em geral, averiguava a opinião da maioria, escutando as conversas de sua gente, e logo levava a questão à prática como se fosse idéia própria. Esse líder normalmente tomaria a iniciativa em expedições de caça e pesca, e sugeriria mudar o acampamento caso a caça ou as plantas na vizinhança fossem escassas. Possuia também vagas atribuições judiciais, por exemplo, obrigar a um ladrão a restituir o roubo. Quando se reunia com o Conselho de Anciãos (para decisões vitais), uma de suas funções era a de dirigir a palavra à multidão. Se o líder fosse avarento ou incapaz de proteger seu bando do desastre, as famílias que o seguiam, rapidamente abandonariam-no para unir-se ao bando de um condutor mais satisfatório. Acima do líder do bando existia uma liderança maior, reconhecida como tal por todos os bandos de um distrito determinado. Seu povoado era geralmente um lugar de reunião para vários bandos, e sua condição gozava de grande prestígio, mas seu poder dependia inteiramente de sua personalidade.

Apesar disso, essa liderança era

itinerante, ou seja, vivia sucessivamente com cada um dos bandos, pronunciando discursos e incitando às pessoas a agir em paz, promovendo harmonia e o bem estar coletivo: El prestígio del caudillo dependía del potencial de su gente; a un caudillo "con mucha gente" seguirán y escucharán muchos; pues, si tenía mucha gente, había de ser también ... el quién da, el quién reparte, el quién invita; el reconocimiento de su status se expresaba de manera siguiente: ... el caudillo habla y los hermanos agarran su palabra.58

Caso contrário:

58

Susnik, 1995 : 150.

107 ... si los Chamacocos pierden una escaramuza, suelen reprochar al mismo "pelótak" a que éste "no sabe mover cosas ni gente" ... y todos se apartan de él; simplemente "no sabe ser caudillo" y por ende, públicamente deja de serlo. ... y para evitar el ostracismo, solía avecindarse con los Tynyro o correr junto con los Tomârxa, éstos siempre dispuestos a recibir a los "fracasados " Ebitoso y Xórios en son de una muda venganza tribal.59

O status de um líder tribal raramente era hereditário e, após sua morte, qualquer homem que, segundo o grupo, reunisse as qualidades exigidas para o cargo, poderia tomar seu lugar. Isso já não acontecia com as lideranças familiares, nas quais um dos netos do líder deveria substituí-lo na liderança do clã. Apesar das lideranças serem, na maioria das vezes, exercidas por membros destacados dos clãs a partir de uma habilidade especial (guerreira ou pacifista), o xamã era quem realmente garantia a ordem e estabilidade interna dos grupos e tribos: El status de "cuadillo" implicaba el compromiso de "cuidar la gente" y "guardar la palabra"; pero, los Chamacocos vivían con frecuencia en pequeñas comunidades fraccionadas, siendo así el mismo "caudillo" un visitante - andante contínuo, ... la gente podía "vivir sin un caudillo permanente" pero se mudaba y acoplaba a otros grupos si faltaba el Shaman, su verdadera garantía vivencial.60

De outro modo, ao analisar o ciclo vital, percebe-se que as relações de poder começavam, efetivamente, após os ritos de iniciação, quando um iniciado estabelecia a relação de companheirismo com um homem societário, num primeiro momento para caçadas. Num segundo momento, essa relação de companheirismo podia ser extendida, de acordo com a capacidade oratória individual, a outros homens, formando, então, o que Susnik considera "pandillas de bravucones", que incitavam aos demais a realizarem alguma expedição de guerra ou de obtenção de cativos.

59 60

Susnik, 1995 : 151. Susnik, 1995 : 152.

108 O

sucesso

nesses

empreendimentos

poderia

valorizar

e

destacar

as

capacidades dessa liderança em ascensão, de tal maneira que este líder viesse a se tornar um chefe tribal, como aconteceu com Básebügü61: Básebügü inició su status de "bravo" como un "iniciado" luchando contra los enemigos de la otra orilla del R. Paraguay; lo "extraordinário" para los Chamacocos suele fundirse con la "orfandad" pues un "solitário" no "tiene a quién cuidar ni a quién lo cuide", desligado de la solidariedad estrecha con un grupo residencial o parental, y necesitado de probar "su estar igual a otros", destinado para "medir fuerzas y saber".62

Além disso a pesquisadora destaca que: El antiguo "nagráb" chamacoco buscaba con mucha frecuencia su prestigio social a través del status de "dugutörk - bravo", - "el mandón" .... Cada hombre que poseía su hacha de combate ... podía ir reclutando a sus "compañeros", a veces entre los mismos adolescentes, - y proclamarse "un sin igual", incurriendo en dasafíos continuos e imponiendo de esta manera su verdadera faz de un "dugutörk - bravo" ...[ou seja], quiere que todos lo teman. El "dugutörk" podía formar sus pandillas ... temidas y muchas veces censuradas en los períodos de paz, pero deseadas y fomentadas en el caso de guerras interparciales o intertribales; empero, siempre quedaba presente la distinción entre el verdadero jefe-caudillo guerrero, "pelotak" - el quién se adelanta-, y el "dugutörk", provocador de peleas. ... el control social permitía su eliminación, pues la contínua "tristeza" por los muertos más bien que el enojo por las contínuas peleas simbolizaba un peligro potencial para la comunidad; los "viejos" decidían en tales casos de que el "dugutörk" prepotente debiera ir "hacer una verdadera guerra" contra los Tomárxa u otras tribus enemigas vecinas y de esta manera "probar su fuerza"; si tuvo éxito y traía muchos cautivos, el "dugutörk" podía convertirse en el "pelótak-caudillo" reconocido; en el caso contrario, el hombre no podía ya continuar como miembro de su comunidad....63

Esses homens impulsivos podiam, também, chegar a ser líderes de pequenas comunidades, protetores e responsáveis por elas, com direito a usar os símbolos de status - apito de crânio de tatu - e usufruir de matrimônios poligâmicos, adquirindo, dessa forma, a responsabilidade pelo bem estar da comunidade, ou seja, guardar as casas, mulheres, crianças e anciãos das aldeias, enquanto os outros homens estavam no interior das matas caçando; bem como promover a movimentação necessária em caso de escassez de recursos.

61

líderança mitológica Ishir-Chamacoco; um órfão que ascendeu a uma posição de prestígio e que fomentou a guerra contra os Morotoco e os Guaicurú, quando da aproximação ao rio Paraguay. 62 Susnik, 1995 : 26. 63 Susnik, 1995 : 130-132.

109 Ao zelar pela integridade social de sua gente, o líder estava, também, promovendo as relações intergrupais essenciais para manutenção da coletividade: ... cuando antiguamente aparecían epidemias o cuando corría el verdadero pánico por la proximidad de los Caduveos o por la falta de agua, diezmándose la gente y los sobrevivientes viviendo "la amenaza nemuriana", - los "pelotak-caudillo" eran los encargados de organizar a los mensajeros jóvenes, los mismos que enmasquerados anunciaban el inicio del ceremonial anabsónico, para acallar y aplacar a la gente; se suprimía el dolor colectivo, "la tristeza", por medio del miedo y por medio de la obligación de "continuar la prole clánica" de los Ysyr, solamente así se prevenía la dispersión y fragmentación de los grupos.64

Percebe-se, finalmente que, aquele homem que reunísse as duas características essenciais de um líder num mesmo indivíduo, ou seja, oratória e xamanismo, adquiria um poder de influência maior do que os demais pretendentes, na promoção do bem estar coletivo. Os Zamuco podem, dessa forma, ter visto no jesuíta as qualidades pelas quais suas lideranças eram valorizadas, sendo possivel que os padres, através das habilidades de comunicação e cura, tivessem conseguido, então, convencer aos grupos Zamuco que os seguissem, se convertessem e formassem uma aldeia estável e o estabelecimento de uma redução. Além disso, encontraram nos padres o poder de mediação entre os Zamuco, a sociedade colonial e as demais sociedades indígenas do Chaco devido a sua capacidade de movimentação entre essas sociedades, como se verá no capítulo subseqüente. Contudo, ao reunir mais de um grupo num mesmo local, não foi possível aos jesuítas, promover a ascensão de uma liderança apreciada e respeitável por todos os grupos que compunham a redução, havendo assim, muitas disputas internas por prestígio entre as lideranças de cada bairro da missão.

64

Susnik, 1995 : 150-151.

110 3.2 Ciclo e Espaço Vital De acordo com Susnik os Ishir-Chamacoco manifestavam certa predisposição à adoção de "cosas nuevas", confirmado através do ritual "Anabsônico" que constituia, para eles a essência sócio-cultural: ... la "cosa nueva" pasa a ser la "cosa chamacoca" cuando aprenden "el porte de la cosa"; así lo hicieron también en el período crucial de la transición cultural "del monte" a la "costa de los blancos", quedando, empero, latentes muchos desajutstes en la aprehensión conceptual del cambio.65

Como se viu no capítulo anterior, o espaço vital ficava circunscrito ao território fisicamente desbravado e mentalmente apropriado através desta ação pelo conceitual Ishir-Chamacoco. Pode-se deduzir que o limite do território fica traçado entre grupos étnicos e tribos, porém era mais amplo do que isso. As fronteiras se ajustavam através de acordos inter-étnicos mediados por concessões materiais e humanas de uma para outra etnia, ou mesmo entre tribos, principalmente em épocas de abundância de alimentos. Esse ajuste era revisto a cada encontro, em função de fatores diversos como disputas internas, questões tabuísticas ou mesmo escassez de água e alimentos. Susnik delimita o Chaco Chamacoco antigo entre: ... "campo abierto, potrero"; "monte alto"; "monte bajo", - tres fuentes de caza, aveces en diferentes ciclos anuales; "monte con maraña", por donde abundan "los pozos de tatú"; "caraguatal" que no sólo significaba tener la fibra necesaria para la confección de redes sino también agua cuando las sequías pronunciadas o prolongadas.66

Somados aos locais onde crescem árvores frutíferas diversas, feijões silvestres e taquarinhas, que são os preferidos ... para asentar las tolderías y tener cerca el monte para la caza; [e] "isla del monte", lugar buscado en ocasión de las mudanzas transitorias. El encuentro de dos grupos tribales o parciales dentro de una de las zonas subsistenciales mencionadas pudo provocar una guerra, aunque ésta disfarzada con una muerte del "iniciado" para mantener la solidaridad de la defensa grupal en contra de la tendencia fraccionalista.67

65

Susnik, 1995 : 32. Susnik, 1995 : 33. 67 Susnik, 1995 : 34. 66

111 Essa delimitação obedece não só os limites impostos pela fisiologia do Chaco Boreal, como também os limites geopolíticos, nos quais a movimentação dependia do consentimento dos grupos étnicos tidos como superiores e "donos" desses lugares, ou seja, Chiriguano, Chiquito e Guaicurú. Ficam de fora alguns grupos Mataco-Enimagá do sul, que, devido aos hábitos alimentares, são considerados como seres inferiores pelos Zamuco: ... desde el sur solían incursionar los "Enimau", raptando mujeres y niños; ... podían obtener hierro para las puntas de sus flechas y de sus lanzas...; en general mostraban desprecio hacia los Enimau "comedores de cosas podridas"; por esta razón eran prohibidas las visitas pacíficas mutuas.68

Assim, o espaço vital era pautado pela disponibilidade sazonal de recursos e pelos relacionamentos inter-étnicos e inter-tribais, que não se dissociavam da necessidade de obtenção desses recursos. Nesse espaço, a circulação de pessoas era variável e socialmente imposta em função da vida mítica ritualizada no dia-a-dia das comunidades. Hombre y mujer, viejo y joven, - el status por sexo y el status por edad, - constituían un marco rígido en la antigua sociedad chamacoca. El ceremonial anabsónico que se realizaba anualmente hasta hace poco, no implicaba solamente los elementos recordatorios de la occisión de los demoníacos Anabsonro sino que servía también para mantener institucionalizada la sociedad de hombres contra la sociedad de mujeres, siempre con la tácita amenaza de un castigo coletivo.69

As relações intergrupais eram marcadas, então, por dois rituais de passagem: a cerimônia de iniciação envolvendo concentração social, na qual ocorriam, entre outras coisas, danças/cantos e trocas de presentes; ou contendas, também envolvendo cerimoniais coletivos com trocas materiais e humanas (captura de mulheres e crianças e apropriação de outros valores). Num nível mais intermediário, essas relações se

68 69

Susnik, 1995 : 32. Susnik, 1995 : 112.

112 davam através dos jogos competitivos entre os membros de grupos aliados, dando expressão a essas alianças em termos de guerras simbólicas. ... o aparato religioso não surgia à parte ou com limitada penetração na vida cotidiana. As categorias religiosas formavam um conjunto de práticas e de crenças que davam condições para o homem comum ver, sentir e entender o mundo em que vivia. Pelas relações com o sagrado, estes homens explicavam a história, a sociedade, o processo político, a economia, enfim, a própria vida.70

Percebe-se, dessa forma, a importância do ritual "Anabsônico" na cultura IshirChamacoco pois o mito traduzido em ação contém as normas e a essência da vida social para esses homens e mulheres (Figura 10). Da mesma forma, o "cambio del mundo" representado pelo rito, não reflete apenas uma mudança de postura frente aos valores antigos (no qual as mulheres detinham o poder), mas também uma mudança de relação à novidade: com o novo espaço ao qual estão sendo direcionados, com os novos grupos étnicos com os quais estão entrando em contato e com um novo mundo representado pelos estrangeiros vindos do mar. Essa "novidade" é processada de uma só vez, num período relativamente curto, por uma sociedade que, até aquele momento, vivia num estado subsistencial. O reflexo dessa mudança e dos problemas enfrentados a partir de sua irrupção parecem estar contidos dentro do ritual: El gran mito tribal por esta misma razón destaca "el gran cambio del mundo", pues la antigua sociedad "anabsónica" resultaba estructurada sobre el principio de "madres anabsónicas con sus hijos"; luego de la acción anabsónica "vino cosa nueva, saber nuevo", la sociedad de hombres, los padres con los hijos como socialmente representativos. A la "nueva mujer", el hombre imponía las pautas sociales, traslucidas en las siguientes prohibiciones: "no reirse, burlarse" durante el ceremonial ..., respetar la palabra del hombre y de los hombres societarios; "no comer con exceso", - observancia de los tabúes fijos por sexo; "no casarse con mozos jóvenes"; "no castigar a sus criaturas".71

70 71

Ferreira, 1992 : 18. Susnik, 1995 : 113.

113 Dessa forma, o ciclo vital gira em torno dos rituais de passagem elaborados a partir do mito do "cambio del mundo" Ishir-Chamacoco, no qual o status por idade determinava a conduta, a alimentação, as possibilidades de relações matrimoniais e a mesma participação sócio-cerimonial do homem societário no rito "Anabsônico": ... el "cagyr'ap - criatura-varón" representaba a un nuveo miembro clánico; el "nesyp" era el niño de 6 a 8 años, ya con la perforación labial para su labrete, y a quién se aplicaban plumas de pájaros y trozos de piel animal para hacerlo "musculoso"; el "wátyrak pórowo" era el iniciado en su primer año de prueba de adolescencia; el "wátyrak eiyuwos" era el joven adolescente que después de dos años de prueba obtuvo el derecho de contraer las relaciones matrimoniales; el "nagráb" era el hombre adulto, generalmente ya con un hijo; el "nep'pa", el hombre societario con dos o más hijos; el "ymátak-viejo" era el hombre que ya tuvo un hijo iniciado o una hija-moza, y que tuvo el derecho de comer la carne de tatú; el "cogoi'ap" era "el viejo que anda todavía y come tortugas"; y finalmente "ylârap", el anciano que "ya no agarra más".72

O início do ciclo vital se dá quando a mulher descobre que está grávida. Nesse período, tanto ela como o esposo se abstêm de alimentos e atividades que poderiam pôr o parto em perigo, o que prejudicaria tanto o aspecto, quanto o caráter da criança. Estes tabús se cumpriam até que o filho fosse considerado suficientemente desenvolvido73. As mulheres Ishir-Chamacoco davam a luz em um ambiente isolado, geralmente sem ajuda. Cortavam o cordão umbilical com as unhas e cuspiam nos olhos do bebê para evitar a cegueira (esse rito era levado novamente a cabo, mais tarde, pelo xamã). Por um mês, após o parto, a mãe não comia alimentos frios e se nutria de pássaros e palmitos fervidos, bebendo água fervida e se abstendo de relações sexuais por dois anos (ou seja, durante o tempo de amamentação). Durante a infância, os tios e primos maternos conviviam entre brincadeiras e simulações de jogos de guerra e de caça, até que a criança atingisse a idade própria para ser instruídas nos rituais inciáticos (ou seja, quando desperta para a vida sexual). 72 73

Susnik, 1995 : 118. Não dependesse do leite materno para sobreviver.

114 Então, dois homens solicitam o jovem à mãe deste, normalmente estes homens pertenciam ao clã do avô paterno. Caso recusasse, eles se disfarçavam de demônios anabson74 e lhe retiravam violentamente o filho de casa. O jovem era levado a um lugar ermo, normalmente um morro alto, apartado da vida diária da comunidade, vivendo por algum tempo com anciãos que lhe ensinavam o código moral e os conhecimentos da tribo. Finalmente, se lhe dizia que os espíritos que apareciam na festa de Anabsonro eram meramente homens mascarados, e que se alguém revelasse este segredo às mulheres e crianças, seria surrado, como castigo, até a morte. Segundo as descrições75, esse ritual era comemorado com bebidas alcoólicas e os cantores dançarinos executavam suas tarefas até sangrarem (mesmo que para isso se utilizem de artifícios pouco convencionais como espinhos, ossos de peixe, etc.), ficando de fora as mulheres. Mesmo quando os homens vestidos de demônio entravam na aldeia, elas deviam se esconder atrás de uma parede de esteiras, onde permaneciam em silêncio e de costas voltadas ao local da dança, sendo sempre vigiadas por jovens não iniciados. Para elas era sempre vedado o acesso à casa dos homens, situada normalmente no centro da aldeia, e era-lhes proibido tocar nos machados rituais que ficam no interior da mesma76.

74

Representados na Figura 10. Métraux, 1996; Baldus, 1931; Susnik, 1995; Boggiani, 1898. 76 Da mesma forma, todos os instrumentos que fossem fabricados a partir de troncos, galhos ou pedras, mesmo que se utilizados pelas mulheres, deveriam ser confeccionados pelos homens, que os presenteavam, então, para a mulher. Os instrumentos de cestaria deveriam ser confeccionados apenas pelas mulheres e presentados aos homens por estas. 75

115 Ao final dos 4 dias de apresentação pública do ritual anabsónico, os anciãos repartiam a carne de tatú, obrigatória para o ritual, ficando com as melhores partes e passando o restante para os mais jovens. O iniciado pintava seu corpo de vermelho e colocava o diadema de plumas de pato, manifestando "a nova pele" de homem societário, demonstrando ser um conhecedor do segredo tribal "Anabsónico", zelosamene mantido pelos homens. Por essa razão, os rapazes eram violentamente tirados das casas de suas mães e parentes para entrar no status de "quem não tem mãe". A iniciação assegurava, dessa forma, a perdurabilidade tribal e os iniciados "constituían una garantía existencial de la tribu y una negación misma del exterminio al cual la tribu sería condenada según el mito del cambio del mundo(...)"77. Não conhecer o segredo "Anabsónico" equivalia a não saber nada, pois os iniciados ao serem apartados do convívio familiar, recebiam os ensinamentos de todos os costumes tribais e os próprios do status de Homem; lhes transmitiam o modo pelo qual tratar a seus parentes (homens e mulheres), as regras matrimoniais, como ser um igual, os códigos de conduta sócio-econômica, os tabús e as taxas alimentares por status de jovem, adulto e velho; como imitar a "voz" dos demônios Anabsonro e "tomar su puesto clánico al lado del abuelo y del padre" no cerimonial, de forma a representar a continuidade do chefe de família e como jogar o "juego de pelota" socio-clânico; por fim devia aprender a "saber bien su porte con todas las cosas (...) pues de otra manera no podrían sobrevivir las tristezas-castigos colectivos o ya las agarradas-castigos individuales"78.

77 78

Susnik, 1995 : 120. Susnik, 1995 : 121.

116 O Nagráb levava o diadema plumário que lhe dava direito a uma participação plena, cerimonial e social, dentro da ordem clânica, ligando-o a uma relação matrimonial para assegurar a prole e limitando suas aspirações em favor da irmandade social (Figura 7). Ao vencer o inimigo, tiravam-lhe o diadema, ou seja, o status correspondente ao de "homem pleno e livre". Do mesmo modo, negar ou romper o bracelete plumário intercambiado com o companheiro, siginificava romper a relação de companheirismo inter-clânico. O status de homem adulto, dava ao iniciado o direito de casar-se, com uma mulher mais velha, pois os Ishir-Chamacoco temiam que os jóvens casassem em idade muito nova. Essa tradição se perpetuava pois, se as relações matrimoniais fossem realizadas entre os jovens de mesma idade não seria assegurada a estabilidade do grupo doméstico, uma vez que surgiam freqüentes problemas de divórcio, ligados com o caráter sócio-clãnico dos filhos. De acordo com Susnik: ... se divulgaba por los "ymátak" la convicción de "la ponzoña sexual" que "enflaquece-mata" al varón que tempranamente contrajera nupcias, y que aniquila a "la prole", pues ésta "no puede aguentar la vida " en tales casos.79 Los viejos comentaristas explican la positividad de esta regla de manera seguinte: se garantiza la estabilidad de las uniones matrimoniales, pues, un hombre ya bien maduro, atende bien a su mujer joven, y una [mulher madura] quedará fiel a su joven marido y "no robará maridos ajenos". Esta regla social influía aún más en la ya comentada oposición entre viejos y jóvenes ya que estos últimos tenían que esperar para alcanzar la edad de unos 30 años, - y mediando divorcios,- tener derecho a casarse con una moza joven o de su edad. En esta condición existía, no obstante, cierta flexibilidad ...;[o termo casamento pode ser assim substituído por juntar-se pois] el verdadero apelativo social de "marido" y "mujer" comenzaba recién cuando ya era manifiesta la estabilidad del grupo residencial o intermediaba el nacimiento de un hijo, ya que la proyección de la familia expresábase a través de [família=filhos]. Desde este punto de vista se comprende que las primeras uniones concertadas entre jóvenes y mujeres [maduras] constituían en realidad un matrimonio de prueba para el varón. El joven puede abandonar a su mujer cuando quisiera; bastaba salir de la casa residencial, pintarse con el rojo ... y buscar a outra mujer y a outro grupo residencial; si el joven era un buen cazador, la familia residencial hacía todo esfuerzo para retenerlo. Empero, no ocurría así con la joven moza; ésta, por su mismo status de [mulher] no podía reclamar el divorcio de su marido "ymátak-viejo"; la unión matrimonial era perdurable hasta que el marido viviera; y a la mujer recobraba su calidad de "libre" para elegir al marido recién después de la muerte de su marido primero; si la mujer abandonara antes a su marido, pasaría en el status social de una simple "ramera".80

79 80

Susnik, 1995 : 156. Susnik, 1995 : 157.

117 Quanto aos genros, Susnik81 descreve que: ... el mismo padre podía recurrir a su "sobrino, hijo de su hermana" para que entre sus "compañeros" encontrara un novio-yerno; los "parientes por línea paterna" eran así los verdaderos distribuidores de las futuras "mujeres-progenitoras", pues toda la conceptuación chamacoca está absorbida por la existencia vivencial de los clanes, a que éstos no se exterminen .... el intercambio de los yernos era tan importante que el intercambio de las "mujeres procreadoras"; el yerno era un cazador más en el grupo, un "compañero" más de su cuñado, un "asociado" mas del suegro; en los grupos donde "faltaba el yerno", había "pobreza", una secuencia lógica del rígido patrón de la residencia uxórilocal.

A celebração do noivado se dava quando o candidato enviava mensageiros à comunidade vizinha: ... generalmente con una bolsa de caraguatá, llena de carne de anguila, libre de cualquier tabú para las mujeres; la pretendida mujer, -según la opinión de su madre, - le devolvía la bolsa, es decir, le enviaba una bolsa propia para el uso de un hombre cazador; este intercambio de regalos llaman los Chamacocos "alianza-liga", la verdadera garantía de la aceptación mutua. ... a los Chamacocos no interesaba precisamente la consumación del matrimonio como tal sino el acto de "aceptación", de "alianza" con el nuevo grupo residencial....82

Susnik afirma, a partir dos relatos de seus informantes, que os Ishir-Chamacoco às vezes tinham dificuldades para encontrar esposas, já que faltavam parentes distantes ou outra família clãnica; essa situação foi uma das responsáveis pela necessidade de capturar crianças e mulheres de outras tribos, e a prática de casamentos inter-étnicos. De um modo geral, esse problema existiu na maioria das etnias chaquenhas, uma vez que o incesto era abominado em quase todas, e a adoção de cativos, bem como os matrimônios com esses, estiveram intimamente ligados a falta de esposas, além do sistema produtivo. A necessidade de um dos parceiros ser mais velho atendia ao problema subsistencial das viúvas e das mulheres de tenra idade. Assim, uma mulher viúva, cujo marido havia falecido devido a idade avançada, garantia sua sobrevivência através do

81 82

Susnik, 1995 : 159. Susnik, 1995 : 164.

118 enlace com um jovem caçador que trouxesse muita comida para ela e para a família extendida; bem como as mulheres jovens, ao casar-se com um homem mais velho, também garantiam sua sobrevivência e de sua família através da experiência do bando de companheiros do qual o marido fazia parte, sem a preocupação por uma eventual fatalidade devido a impulsividade guerreira de um jovem aprendiz. Como pode ser percebido, por velhos eram, então, considerados: El hombre que ya tenía un hijo iniciado o una hija post-menstruante, gozaba del status de "ymátak - viejo" [não usando sempre o diadema emplumado, distintivo social dos homens];... esta circunstancia de por sí daba dos importantes privilegios: "comer de todo" y "comer a cualquier hora y aún de noche"; ... y fueron precisamente los "ymátak" los vigilantes más celosos de los tabúes que debían de observar los ... hombres jóvenes y los iniciados. Tampoco era un [velho] ligado al sistema de compañerismo .... El "ymátak" contaba con la ayuda de los "asociados"- los jóvenes de la prueba post-iniciática-, ejerciendo de esta manera aún más estrechamente la vigilancia social; ellos eran quienes respondían por el desarrollo de las reuniones de hombres y cuidaban de las mismas pautas clánicas. ... A los "ymátak" se atribuye tradicionalmente de haber impuesto el hábito de relaciones matrimoniales entre mozas con hombres ya de edad, y viceversa.... La venganza de sangre por muerte de un miembro de la comunidad estaba básicamente a cargo de la gente clánica respectiva, ésta "cobrando el precio de la sangre"; dicha venganza era extensiva a todos los "hermanos" clasificatorios del muerto, lo que muchas veces provocó entre los Chamacocos una verdadera "huída de los hombres" y, por ende, la fragmentación de las comunidades; en estos casos solían intervenir los "viejos", aceptando o negando la escapada del grupo residencial afectado y apelando al simbólico diadema de la "ysyridad". ... La máxima ambición de un ymátak consistía, empero, en demostrar que él contribuyó " a que se agrande su clan" ... era su deber procurar a que "un hijo" llegara a "tomar su puesto" en el juego; era la gran aspiración antigua de "tener reemplazantes", un verdadero símbolo de haber "vivido", de haber "sido".83

Porém, ser velho não representava uma condição de menor importância, pois o status lhes garantia o direito de comer "carne marcada", ou seja, qualquer tipo de carne, estando quase sempre solteiro e, por isso, sem obrigações clãnicas. Eram os velhos que instituíam os tabus alimentícios e os regulavam, bem como detinham o poder normatizador e reorientador da sociedade. Além disso, o velho, se assim desejasse, poderia escolher qualquer moça para casar, caso sua prole ainda não fosse satisfatória para garantir sua perdurabilidade clãnica.

83

Susnik, 1995 : 132-134.

119 Aqueles velhos que não tivessem mais nenhuma condição de exercer atividades sociais (cujo símbolo eram as tartarugas e jabutís, pois eram os únicos animais que conseguiam caçar), eram os responsáveis por vigiar as mulheres e entreter as crianças com suas histórias e brincadeiras antigas. Ao final da vida, enterravam seus mortos no mesmo barracão em que haviam habitado, cavando um buraco raso (do mesmo modo como suas camas eram escavadas no solo) depositando ali os símbolos de status e demais pertences do falecido. Após coberta a sepultura, ateavam fogo na habitação e mudavam o acampamento imediatamente para outra localidade, começando assim, uma vida nova, em outro lugar (Figura 9). Desse modo, concordamos com Braunstein84 no estabeleciemtno do seu modelo de integração progressiva das unidades sociais chaquenhas: La dinámica y constituición internas de esas sociedades [chaquenhas] se encuentran prevalentemente en el plano de las ideas indígenas sobre la comunidad de asentamiento, tanto en el caso de la familia como en el de la banda y la tribu. Esas ideas muestran, en general, en los niveles demográficamente más limitados, la incidencia de una actitud que identifica la comunidad familiar, sin apelar a normas definidas de linealidad, con el conjunto de parientes bilateralmente estabelecido, y, a medida que aumenta la extensión demográfica, regulándose progresivamente en mayor medida en virtud de principios de alianza que abarcan desde las matrimoniales y económicas hasta las territoriales y políticas. Las diferencias entre las modalidades de articulación de estas unidades en cada grupo, han sido revisadas de acuerdo al orden categorial usual de la etnografía, resultando que las mismas no se rigen formalmente, en la mayoría de los casos, por normas prescriptivas sino más bien que proscriptivas y pueden tan sólo expresarse en carácter de tendencias o grados. Esto parece conducir a la hipótesis que la viabilidad del poco especializado modelo organizacional de los grupos chaqueños depende en cierta medida de la flexibilidad para el ajuste entre principios que son en algún grado contradictorios y que se resumen en el mantenimiento de la conceptuación de las unidades - desde las más pequeñas hasta las grandes - , aunque en cada caso varíen los fundamentos que justifican la comunidad de hábitat. En efecto, un ejemplo claro es la superposición entre la idea de la extensión indefinida de los nexos parentales bilaterales- en principio regulando criterios exogámicos - y la necesidad de establecer alianzas con una perspectiva estrictamente genealógica, considerando la restricción demográfica, puede postularse un permanente cruzamiento múltiple entre las diferentes líneas que integran cada tribu. Si, por el contrario, las necesidades llevan a un individuo o comunidad a requerir algún tipo de ayuda externa, ésta tendría muy pocas posibilidades de concretarse sin una consistente red de relaciones parentales subyacentes. El grado de ajuste, y las respuestas que cada etnía haya encontrado para superar de algún modo éstas y otras contradicciones estructurales parecen poder explicar las principales diferencias entre los grupos chaqueños en este sentido. 84

Braunstein, 1983 : 99-100.

120 Nesse sentido, o modelo apresentado no presente capítulo pretendeu abordar, em linhas gerais, a sociedade Ishir-Chamacoco idealizada através de conceitos antropológicos e etnográficos estabelecidos nos dois últimos séculos por seus agentes cognitivos. De forma alguma esse modelo tem pretensões de representar uma realidade concreta da sociedade, seja na atualidade, seja no pretérito, mesmo porque os documentos não permitem tais elucubrações, mas sim buscou oferecer um panorama geral sobre quem os primeiros jesuítas poderiam ter contatado ao se afastarem dos Chiquitos e adentrarem nos "desertos" chaquenhos. Como comentou-se anteriormente, as fontes são insuficientes para que se possa entender todo o processo reducional sofrido pelos Zamuco no século XVIII de forma ampla, por isso procurou-se recorrer ao estabelecimento desse modelo geral de sociedade e cultura. Boccara85 lembra que os indígenas não são uma massa amorfa e inerte submetida à dominação colonial, como até a pouco tempo se pensava. Ao contrário, os recentes trabalhos de cunho etnohistórico fizeram descobrir não só as capacidades de resistência e de adaptação dos povos americanos, como também notáveis faculdades criativas e de inovação. Além do mais, as respostas dadas à irrupção colonial e às pressões exercidas pelos Estados Nacionais foram muito variadas e não conduziram necessariamente a desestruturação das sociedades indígenas ou a desaparição de uma suposta "pureza original", se comparados os relatos dos jesuítas, e demais espanhóis, referente aos

85

Boccara, 2004 : 5.

121 antigos Zamuco e, como se viu, às descrições antropológicas dos atuais IshirChamacoco ou mesmo Ayoréo-Moros. Portanto, a sociedade Ishir-Chamacoco era formada, basicamente, por três tribos autônomas, ligadas por reciprocidades e hostilidades mútuas. Essas tribos eram divididas em duas metades, compostas por sete ou oito clãs. Aparentados entre si através de matrimônios e afinidades, os clãs eram identificados por um animal-totem e eram praticamente obrigados pelas relações de parentesco a, periodicamente, estabelecer um contato de celebração ritualística e mitológica na qual relembravam os acontecimentos de um passado comum e procuravam regular a sociedade através de normas de condutas pautadas no caráter das metades, dos símbolos dos clãs e das restrições alimentares praticadas por uma família extensa cuja representatividade política se baseava no patriarca. Desse modo, as lideranças dos bandos eram fortes em suas células de origem, porém no conjunto populacional não chegavam a constituir lideranças pricipais que congregavam outras menores - como no caso Guarani -, o que no período da redução jesuítica, fomentou uma série de distúrbios internos por prestígio, dificultando a ação dos missionários e gerando instabilidades que causaram abandonos consecutivos da missão entre os Zamuco. As famílias extensas e os clãs tinham, então, obrigações de reciprocidade e uma rede de relacionamentos estabelecidos entre si em função da economia de subsitência baseada na caça-coleta, pautando também sua vida social e cultural, além das relações inter-étnicas que os condicionavam a cativar outros grupos étnicos, ou seus próprios vizinhos, para trocar por elementos essenciais para a vida e que não estavam disponíveis no espaço em que se inseriam.

122 Com a redução dos Zamucos, essa rede foi quebrada, entre alguns segmentos indígenas, e reforçada com outros, fazendo com que a mobilidade dos bandos ficasse mais restrita e, assim, acarretava em problemas sociais e econômicos para os grupos indígenas e para os próprios jesuítas, como se verá no capítulo seguinte.

4 San Ignácio: entre Nós e os Outros Las misiones de los indios chiquitos, en caso de que se pudiera abrir paso a ellas desde las misiones del Paraguay, estarían a la distancia directa de ellas de apenas unas trescientas leguas. Pero, como dificultades insuperables impiden esta comunicación, se prolonga inmensamente el camino desde la Provincia hacia ellas. Sin embargo, estas dificultades no arredaran a los de la Compañia; al contrario, con buen ánimo se ocupan ellos con las dos misiones, ni se les ocurre abandonar jamás este nuevo campo de actividad entre los chiquitos. Pertenecen estas misiones a la jurisdicción del gobernador y del obispo de Santa Cruz, ya que están situadas en las províncias del Perú. Son siete los pueblos de los neófitos, en seis de los cuales se habla preferencialmente la lengua de los chiquitos; y el séptimo lo forman los zamucos, los cuales se sirven de su lengua especial. Es dedicado este pueblo a nuestro santo Padre Ignacio. 1

Estreitamente ligada com a empresa colonial, a criação das reduções jesuíticas entre os Chiquitos e os Zamuco no Chaco Boreal, obedeceu a um planejamento maior do que a simples conversão dos indígenas à religião católica. Era também fruto de um projeto que visava reduzir os problemas gerados pela falta de comunicação entre as cidades de Assunção e Santa Cruz de la Sierra, diminuir as distâncias e criar, dessa forma, um caminho seguro através do qual se poderia trafegar entre as duas cidades. Esse projeto permitiria, assim, maior controle sobre a tênue fronteira que separava os domínios das coroas de Espanha e Portugal na América do Sul e viabilizaria a exploração de novas fontes de recursos materiais. A longo prazo, o novo caminho também poderia ser útil como rota alternativa para o escoamento da produção de

1

Documento 24: 486.

124 metais das minas de Potosi, sem o incômodo das taxas alfandegárias cobradas nos antigos caminhos ou os constantes assaltos sofridos pelos comboios que trafegavam por eles. Desde 1562 o Ouvidor de Charcas, Juan de Matienzo, demonstrava interesse em estabelecer uma rota segura de comunicação com as terras platinas, propondo a El Rey, Felipe II, vários itinerários que, a partir de Santa Cruz, alcançassem o curso alto do río Paraguay, de onde se pudesse navegar em bergantins até Assunção e Buenos Aires. Todavia, seus intentos esbarravam na belicosidade indígena representada pelas resistências de Chiriguanos e Chiquitos frente aos processos empregados pelos encomenderos de Santa Cruz de la Sierra nos primeiros momentos da colonização do Chaco Boreal, fazendo-o declinar desta possibilidade em favor das rotas mais seguras, bem conhecidas e pavimentadas pelo antigo Império Inca. Mais tarde, depois de se ter desenvolvido um conhecimento mais intenso através das explorações do interior da região platina, cotejaram-se duas possíveis vias para a realização do projeto: a primeira, por terra através da serra de Chiquitos até o Alto Paraguay, e daí por água até Assunção; e a segunda, desde Santa Cruz de la Sierra, pelo rio Guapaí, deste para o rio Pilcomayo, descendo até sua foz com o rio Paraguay, e deste ponto até Assunção (Figura 12). Entretanto, para que fossem viáveis, os caminhos deveriam ser (re)descobertos e uma série de entre-postos criados, a fim de tornar menos penosa a viagem: O rio Paraguay, que era um meio de comunicação facil, estava nas mãos dos Payaguás, que tornavam impossivel qualquer remota idéia de articulação entre os povoados da provincia. Os Guaycurús, indomaveis e terriveis, constituiram-se em figadais inimigos de Assumpção. As derrotas que lhes infligira Hernando Arias de Saavedra em 1601, augmentara o odio e o desejo de vindicta desses indigenas, cujo espirito bellicoso e vingativo não se amortecia.2

2

Loureiro, 1933 : 60

125 Segundo Guerreira3, devido a sua localização estratégica, permanentemente zona fronteiriça, alijada de grandes núcleos de colonização e oferecendo possibilidades de assentamentos duradouros em sítios privilegiados, o território dos índios Chiquitos se projetou, então, como um centro econômico para exploração de recursos agrícolas e pecuários, como um ponto que facilitaria o comércio e o intercâmbio entre Perú e Paraguay, funcionando, também, como baluarte defensivo contra os Chiriguanos, indígenas mais belicosos e agressivos, que já haviam impedido a ampliação da ação colonial até as terras localizadas na fronteira do antiguo Tahuantinsuyu: También este aspecto de la defensa contra incursiones desde Brasil era argumento invocado en el Proyecto sobre la comunicación de Chiquitos con el Paraguay: la seguridad de Santa Cruz de la Sierra depende de la de Chiquitos porque ambas son ...4 Las misiones tenían también como intento abrir nuevas rutas de comunicación. Por ejemplo, las misiones de Chiquitos se iniciaron en 1668, con el fin de tener una escala en el camino al río Paraguay. Las excursiones de los Mamelucos y bandeirantes brasileños que asolaban al Guairá, parte del Paraguay y Chiquitos, para exclavisar indígenas y venderlos en el Brasil, fueron siempre un terrible obstáculo contra la paz y progreso de las misiones. No obstante, los ataques de los paulistas pudieron ser rechazados y los misioneros continuaron el cultivo espiritual de sus neófitos.5 Com ou sem o apoio da Coroa, em diversos momentos as Missões dos Chiquitos agiram contra os bandeirantes até mesmo por uma questão de sobrevivência, uma vez que os exemplos próximos como Itatim, Guairá, Tape e outros mostraram quais eram as conseqüências dos ataques paulistas.6

Para tal intuito, foi de fundamental importância a ação missionária dos padres da Companhia de Jesus: primeiro, com o desbravamento do interior e a pacificação das etnias indígenas que eram encontradas pela rota, através de expedições de reconhecimento e de missões volantes; segundo, com a criação das reduções, implementaram uma economia capaz de suprir-se e ainda gerar excedente para

3

Guerreira, 1995 : 29-33. Guerreira, 1995 : 35. 5 Gandía, 1935 : 162-163 6 Schuch, 1991 : 23. 4

126 comércio, construindo estâncias de gado, cultivando alimentos, extraindo produtos nativos como erva-mate, sal e cera, fiando algodão e tecendo as fibras em panos; criaram, também, um corpo de "soldados indígenas", com baixíssimo custo de manutenção, para defender as fronteiras dos territórios; terceiro, servindo essas reduções como base e através do empenho dos padres jesuítas, podia-se passar para a exploração do território, ampliando a área de atuação das missões volantes e criando novas reduções até cumprir-se o objetivo primevo: En la última década del siglo XVII se inicia la evangelización efectiva y la colonización de la provincia de Chiquitos a partir del establecimiento de Reducciones en los lugares más estretégicos de la región.7 Sin Embargo, cuando se emprende la política misionera, los jesuitas seguirán arriesgándose por el camino más directo del alto río de la Plata a la ciudad de Santa Cruz.8

Então, para entender este processo, o presente capítulo será dividido em três segmentos: o primeiro, é uma descrição sumária dos eventos que levaram ao projeto da abertura de rotas seguras para a comunicação entre Santa Cruz de la Sierra e Assunção; o segundo, apresenta o histórico da redução de San Ignácio de los Zamucos, distribuido em etapas que visam balizar o processo reducional sofrido por estes indíos, desde as primeiras missões volantes até seu abandono definitivo; o terceiro e último apresenta, no colapso da redução, a sua relevância como base de apoio para defesa do Chaco, bem como as implicações da destituição do projeto de criação de um caminho pela rota do rio Pilcomayo. 4.1 A Breve Conquista do Chaco A conquista do Chaco, assim como outras regiões americanas, efetivou-se, básicamente, em duas fases, caraterizadas por dois métodos distintos: primeiro através

7 8

Guerreira, 1995 : 36. Guerreira, 1995 : 34.

127 da "espada", com fidalgos espanhóis disputando o espaço e os botins adquiridos nos saques aos naturais da terra, e o segundo através da "cruz", com os padres, principalmente jesuítas, buscando reduzir os indígenas e moralizar os colonizadores através da fé9. 4.1.1 A Primeira Fase(1521-1609) A história da conquista da região sul-americana conhecida como Chaco, mais precisamente o Boreal, começou entre 1521 e 1526, quando o marinheiro português Aleixo Garcia, náufrago da armada de Juan Díaz de Solís, uniu-se a um segmento da etnia Guarani com o intuito de cruzarem o Norte do Chaco, entre os 19º e 20º da latitude Sul, buscando os fabulosos tesouros de que teve notícias, e chegarem na terra dos Chané e dos Karakará (Charcas). Em seu retorno, o marinheiro foi assassinado. Porém, as notícias de sua viagem ao rico império Inca e do ouro transportado por Guarani e Chanés, logo motivaram uma série de viagens cujo propósito era abrir um caminho seguro através do Chaco, que possibilitasse a chegada e o domínio deste rico país. Sebastián Caboto, com o intuito de alcançar as "Islas Molucas" – estreito de Magalhães - chegou ao rio que foi denominado de La Plata e ouvindo a fabulosa história do Gran Cacique Blanco, possuidor de inúmeras riquezas, mudou seus planos, adentrando o tal "Paraguazú" indígena. Algum tempo depois, enviou um pequeno “tesouro prateado” ao rei de Espanha, Carlos V. Outras histórias, como a de Gran Mojos e do El Dorado, despertaram a cobiça dos aventureiros ibéricos, que se lançaram em expedições fantásticas para encontrar os caminhos que levariam a tais lugares 9

Conforme Romano, 1972.

128 míticos. Seguiram-se, então, as expedições de Pedro de Mendoza e seus nobres companheiros, em 1536, na qual fundaram a cidade de Buenos Aires. Desta, partiu Juan de Ayolas, delegado por Mendoza a explorar o rio Paraguay acima com o intuito de chegar à Sierra de la Plata. Este expedicionário fundou, nas margens do rio Paraguay, a cidade de Assunção, no mesmo ano, e logo seguiu viagem rumo ao norte. Adentrou pelo Chaco Boreal a pé, por terras dos Chiquitos, e em seu retorno, devido à volta a Assunção dos barcos que havia deixado no rio aos cuidados de Domingo Martinez de Irala - seu cunhado -, ficou à mercê dos donos da terra, que o assassinaram. Em Assunção, Irala assumiu o comando da cidade e, em Buenos Aires, a falta de alimentos (aos quais os nobres estavam acostumados) e as inúmeras doenças fizeram vitimas à maior parte de sua população e arredores. Aqueles espanhóis que sobreviveram rumaram para a nova cidade de rio acima, buscando a proteção dos Guarani, que consideravam melhor companhia do que os aguerridos indígenas dos arredores de Buenos Aires; bem como estarem mais perto das prometidas riquezas, caso fossem encontradas. Preocupado com o estado de suas novas possessões, o Rei de Espanha patrocinou uma nova expedição, enviando como líder Alvar Nuñez Cabeza de Vaca experiente aventureiro espanhol nas terras americanas -, que recebeu para tal empreendimento uma grande importância em ouro, barcos, armamentos, cavalos e provisões, bem como os títulos de Gobernador, Adelantado e Capitán General del Rio de La Plata, em 1541. Um dos homens recrutados por Cabeza de Vaca era Ñuflo de Chaves, que fundaria mais tarde a cidade de Santa Cruz de la Sierra. Em março do mesmo ano, o Gobernador desembarcou na ilha de Santa Catarina, seguindo, por terra,

129 até Assunção e enviando um destacamento para verificar a situação de Buenos Aires, por água. Seguiu, para isso, as orientações de Aleixo Garcia, percorrendo o caminho indígena do Peabiru, passando pelas terras paranaenses, sempre auxiliado pelos Guarani. Estabeleceu seu governo em Assunção no ano de 1542, destituindo Irala do poder. O novo Adelantado desempenhava uma política de respeito aos indígenas, acabando com alguns dos privilégios concedidos aos homens de Assunção, o que os desagradava muito. Apesar da traição de Irala a Ayolas, Cabeza de Vaca mandou que o cavaleiro subisse novamente o rio Paraguay com seus homens, entre eles o soldado (e mais tarde cronista dessa aventura) Ulrich Schmidl, a fim de que encontrasse uma rota segura que os levasse ao Gran Mojo, às terras Peruanas, ou ambos. Com a notícia de que a expedição de Irala havia encontrado indígenas portadores de metais, Alvar Núñez decidiu ir à frente de uma nova expedição que resultou desastrosa. Não encontrando os tais metais e descontentes com a política empregada pelo Gobernador, seus seguidores o destituíram do cargo, retornaram a Assunção, prendendo-o durante meses e, acusado de traição, foi enviado para ser julgado na Espanha10. Irala assumiu novamente o controle da cidade, e em 1547 seguiu com a empresa de descobrir a Tierra Rica e um caminho até o Perú. Para isso, adentrou o Chaco Boreal, juntamente com Ñuflo de Chaves, desta vez pelo rio Pilcomayo. De Chaves foi então enviado para Lima, a fim de conseguir ajuda para que Irala completasse a jornada. Uma rebelião em Assunção depôs o novo Gobernador antes que chegasse,

10

Das aventuras de Cabeza de Vaca na América resultaram dois livros: Náufrago, sobre a América do Norte e Central, e Comentários, uma espécie de defesa das acusações do tribunal espanhol.

130 pois Francisco de Mendoza, a quem Irala havia deixado como governador interino, achou que pudesse exercer melhor o poder do que ele próprio. Além desse, o Capitão Diego de Abreu disputava o comando da cidade. Abreu foi eleito por ordem do rei, porém fugiu quando soube do retorno de Irala à cidade. Voltou antes Ñuflo de Chaves, soube do ocorrido em sua ausência e, fiel a Irala, casou-se com a filha de Francisco de Mendoza, tornando-se, dessa forma, seu lugar-tenente. Em seus últimos dias de vida, Irala encarregou De Chaves para que continuasse os empreendimentos no Chaco, a fim de encurtar as distâncias entre as riquezas do Peru com um possível escoamento da produção por Assunção. Ñuflo de Chavez subiu mais uma vez o rio Paraguay com o intuito de fundar uma nova cidade (visando que esta se transformasse em uma nova Gobernación e que lhe fosse entregue o comando): A primeira entrada nestas terras foi levada a cabo por Ñuflo de Chávez em meados do século XVI. Saiu de Assunção no Paraguai, subindo este rio acompanhado por 300 soldados espanhóis. Foi enviado pelo governador Domingo Martínez de Irala para fundar uma cidade junto ao lago Xarrayes, que corresponde aos lagos e banhados que formam o Paraguai no norte do curso, no extremo oriente da atual Bolívia.11

Adentrou o Chaco pelo rio San Fernando e suas terras alagadiças, conquistandoa aos Chiquitos, e fundou próximo ao rio Guapay, em 1559, o povoado de Nueva Asunción. Porém, encontrou um novo povoado nas proximidades, chamado La Barranca, que havia sido fundado por Andrés Manso, enviado do Vice-Rei, Marqués de Cañete, para colonizar aquelas terras. Seguiu até Lima, juntamente com Hernando de Salazar, a fim de esclarecer a situação. Depois de muito argumentar, o Vice Rei concordou com a proposta de Ñuflo de fundar uma cidade que se constituísse em

11

Menacho, 1982 : 208.

131 capital de uma nova Gobernación. De Chaves recebeu o título de Lugar-tenente Geral e os cargos de Governador, Capitão Geral e Justiça Maior da Província de Mojos. Em 26 de fevereiro de 1561 Ñuflo de Chaves fundou Santa Cruz de la Sierra, nas proximidades do que hoje é San Jose. Com o assédio dos Chiriguanos e o falecimento de De Chaves, os governadores que se seguiram foram obrigados a abandonar a cidade e se mudar para La Barranca. Nas proximidades dessa o Governador Lorenzo Suárez Figueroa fundou, em 1590, San Lorenzo que, devido ao crescimento de ambas cidades, foram fundidas em uma só. Poucos anos depois foram transladados todos os habitantes a uma melhor localização nos Llanos Del Grigotá, onde já se havia edificado Santa Cruz la Nueva, em 1595. Nesta fusão prevaleceu o nome Santa Cruz de la Sierra. Na nova cidade habitavam, além dos espanhóis, muitos índios Chiriguanos e Chiquitos, vindos do interior por causa dos contatos estabelecidos com os primeiros através das encomiendas. Enrique de Gandía explica a primeira fase da conquista do Chaco em História de Santa Cruz de La Sierra da seguinte maneira: Irala fué el primer hombre que triunfó del Chaco con su viaje al Perú (1548) sin sucumbir a los golpes del indio traidor. Alvar Núñez fracasó en sus intentos de abrir comunicación con el Perú, pacificó a los Agaces, hizo la guerra a los Guaicurús y tomó posesión de la tierra que después se llamó Chaco, en el puerto de Los Reyes, fundado por Irala (1543). En aquella expedición, Francisco de Ribera trajo noticia de unos sobrevivientes de Ayolas y Hernando de Ribera (1544), de las riquezas del Perú y de las Vírgenes del Sol. Una vez remitidos presos a España Alvar Nuñez y Juan de Salazar, Nufrio de Chavos, por orden de Irala, exploró la tierra de los Mbayas y luego remontó el Pilcomayo hasta cerca del Perú (1546). Al año siguiente, Irala llegó a las Charcas, hallando aquel territorio ya conquistado y sus riquezas repartidas. Tomó posesión del lugar en que más tarde se fundó Santa Cruz de la Sierra y volvió al Paraguay, siendo depuesto por los Oficiales Reales, y poco después electo nuevamente, en San Fernando (1549), al saberse la rebelión de Diego de Abreu en la Asunción. En 1553, Irala emprendió una nueva expedición al Chaco, acompañado por Chaves, que tres años antes había vuelto del Perú, sin obtener ningún resultado práctico, pues el Gobernador Centeno, señalado por Lagasca, falleció antes de tomar el cargo. La Expedición llamada 'la mala entrada' redújose a una vagancia incierta, sembrada de penurias inenarrables. Entretanto, en la Asunción, Diego de Abreu, huído por los montes, había sido matado a traición.

132 Irala recibió el nombramiento de Gobernador en 1554, y al mismo tiempo la orden de suspender los descubrimientos. Así transcurrieron dos años, hasta que el 3 de octubre de 1556, Irala falleció. Con él terminó la verdadera conquista del Chaco. Nufrio de Chavos, su sucesor en arrojo y valentia, y Andrés Manso, por la parte del Perú, iniciaron, con sus ciudades, la colonización: una colonización heroica y efímera, que pasó como un soplo de paz por entre los bosques salvajes y las tribus errantes, aun no dominadas.12

Em todos estes eventos, de maneira direta ou indireta, a Igreja Católica se fez presente, de modos diversos e, às vezes, infrutíferos. Seja acompanhando os conquistadores, seja sendo acompanhados por eles, os emissários da Santa Sé cumpriam a missão da qual estavam imbuidos: levar a crença em um só Deus e os valores europeus pelo resto do mundo que se descobria. O método mais eficaz que a Igreja utilizou para levar a cabo tal intento foi a construção de reduções, verdadeiras cidades autônomas cujo planejamento e execução eram reflexo da racionalização e individualidade que se esboçava nos princípios da idade do Renascimento europeu. Seja como for, tanto a Espanha como Portugal compreenderam as reduções primeiramente como uma estrutura de controle político e cultural. Era necessária a homogeneização cultural das etnias, cuja história independente havia acentuado as diferenças. Para organização da cristandade colonial era necessário unificar ideologicamente os indígenas.13

Em 1566 o rei de Espanha, Felipe II, pediu através da cédula real dirigida ao Superior da Ordem na Espanha, Padre Antonio Araoz, que se mandassem jesuítas à América a fim de apaziguarem os ânimos dos que nela viviam e, com sua metodologia própria, evangelizassem os índios que habitavam o interior. A liberação da ordem religiosa para atuar no Novo Mundo só foi obtida por que suas características estavam de acordo com os pré-requisitos do Conselho das Índias: espírito de pobreza e instituições desvinculadas do erário real.

12 13

Gandía, 1935 : 117-118. Dussel, 1982 : 18

133 Desde 1568, quando chegaram em Lima, até 1591, os jesuítas fundaram diversos colégios, nos quais educavam pelo evangelho e recrutavam jovens ao noviciado: Pero en las miras de los Jesuítas no estaba unicamente la labor educativa de la sociedad de las ciudades, sino principalmente la evangelización de los indígenas. Toda la correspondencia previa a la venida al Perú da testimonio de ello. De hecho los jesuitas tuvieron un largo y a menudo amargo litigio con el Virrey Don Francisco de Toledo porque empezaron fundando colegios y no se dedicaron en primera instancia a la evangelización de los indígenas, tomando a su cargo doctrinas. Los jesuitas no deseaban entrar en el régimen de doctrinas y parroquias, pues sus Constituciones lo prohibían. Además, la cercanía de los españoles no facilitaba el trabajo que realizaban. Como consecuencia, procuraron siempre acudir a los indios sin la responsabilidad de ser doctrineros. Cuando se fundaba un colegio en alguna de las mayores ciudades de aquella época, siempre era con la doble intención de atender a españoles y nativos de las ciudades en que se estabelecían, y de evangelizar o misionar a los indígenas de las zonas de influencia de las mismas ciudades. Los colegios siempre tuvieron como obligación sustentar a varios misioneros que tomaban el mismo como asiento para sus excursiones evangelizadoras y misionales.14

Muitos outros povoados e vilas foram erigidos nos caminhos entre Santa Cruz e o rio Paraguay no decorrer dos anos, com ou sem a ajuda dos jesuítas, porém sua curta duração e pouca expressividade não permitiram que figurassem em documentos históricos mais abrangentes e não serão tratados aqui. Somente a partir de 1609 os jesuítas conseguem o aval para se desprenderem do jugo das cidades espanholas e começarem a criar sua própria concepção de cidade, ligada às idéias modernas que se configuravam na Europa e adaptadas a realidade mestiça do Novo Mundo. 4.1.2 A Segunda Fase (1609-1767) A diocese de Santa Cruz foi erigida pelo Papa Paulo V em 5 de julho de 1605, desmembrada de Charcas. Foi nomeado, no mesmo ano, o Primeiro Bispo de Santa Cruz de la Sierra, Don Antonio Calderón. O presidente da Audiência, Alonso Maldonado de Torres, como era freqüente na época, fixou os limites desta em fevereiro de 1609, e

14

Menacho, 1991 : 35.

134 em maio o Papa autorizou sua execução.

Desde então os trabalhos jesuíticos

floresceram através do estabelecimento de reduções desvinculadas da influência direta dos administradores das cidades espanholas e que buscassem auto-suficiencia econômica: ... os jesuítas, entenderam o 'índio reduzido' como um índio livre em relação ao 'índio encomendado'. Neste caso a redução não era, fundamentalmente, um instrumento de controle, mas uma situação de civilização....15

Contudo, as dificuldades para Santa Cruz de la Sierra comunicar-se com outras zonas de comércio fizeram com que a pobreza fosse permanente durante os séculos XVII e XVIII. Não havia metais que atraíssem a vida suntuosa que, em contraste, se levava nas cidades mineradoras dos Andes. A potencial riqueza agrícola e pastoril do Chaco não servia mais do que para o sustento de seus habitantes, devido às enormes distâncias e ao deserto16 que os separava do comércio mais estável com Assunção ou com Potosí. Porém, se as dificuldades da pobreza de se viver em Santa Cruz eram grandes, maiores ainda eram as de se ter um conhecimento direto sobre as extensas zonas missionais que eram abarcadas pela diocese: Mojos, Chiquitos e Chiriguanos. A ausência de visitas canônicas dos bispos era constante e se deu, em parte, por essa enorme dificuldade de comunicações que havia entre uma e outra província. As dificuldades aumentavam ainda mais em função das constantes investidas dos Chiriguanos e demais indígenas do Chaco, que atacavam as expedições e acercavamse das cidades para furtar cavalos, instrumentos, alimentos, ou mesmo, raptar mulheres e crianças. O contraste entre os "civilizados" e os "bárbaros" aterrorizava os habitantes do mundo hispânico:

15

Dussel, 1982 : 18. Na verdade esse deserto se mostrou menos despovoado do que foi imaginado pelos europeus, pois era ocupado por diversos grupos étnicos que defendiam aguerridamente sua sobrevivência. 16

135 No eran estos indios Tapuyquias, como se había pensado, sino Morotocas; ó como otras los llaman, Coroinos. Son gente de grande estatura y de buenas fuerzas; usan de flechas y lanzas que hacen de una madera durísima, y la manejan con gran destreza. Son pocos en número, así por las pestes, como por las guerras que traen con los vecinos, y también porque contentándose con solos dos hijos matan á los otros, con lo cual las mujeres se libran de toda molestia y fastidio, para de esa manera poder vivir á su antojo en toda deshonestidad. Honran á las mujeres con el título de señoras, y verdaderamente lo son, porque ellas mandan á sus maridos, y por su capricho se mudan de un lugar á outro; jamás ponen mano en las haciendas domésticas, sino que se sirven de sus maridos, aun para los ministerios más humildes. Aunque tienen caciques y capitanes, no por eso tienen ní gobierno ni religión, y sólo tienen alguna reverencia á los familiares del diablo. El país es el más dedichado de aquellas naciones; de terrúno estéril y silvestre y rodeado todo de montes; y la comida es peor que en otras partes, pues la gente apenas se sustenta de otra cosa que de algunas raíces de que abundan los bosques. Para beber tienen unas selvas de palmas, de cuyos troncos sacan el meollo grueso y esponjoso, que exprimido suple la falta de agua. En el invierno hace allí gran frío y también hiela, lo que á los paisanos, aunque andan desnudos, no causa molestia, por tener la piel con dos dedos de callos, y por eso son robustos, forzudos y de mucho aguante, de suerte que hay hombres y mujeres que pasan de los cien años, y mueren sin outra enfermedad que la vejez.17

Sem ouro ou prata, aos espanhóis restava extrair a riqueza que brotava desta terra: nativos indígenas. Os índios eram empregados nas lavouras, porém exigia-se para obter a permissão de exploração da mão-de-obra escrava, a captura dos indivíduos por guerra justa e a manutenção física e espiritual dos cativos. Para cumprir uma destas condições, os espanhóis pediram o auxílio dos jesuítas, na empresa de cristianizar e administrar os rituais cristãos às suas famílias e aos seus servidores. Tão logo foi possível, uma vez que a Companhia de Jesus era uma ordem muito recente e havia ainda poucos sacerdotes, a mesma enviou alguns clérigos a Santa Cruz de la Sierra. Em "Historia de la Compañia de Jesús en la Provincia del Paraguay", Pastells (1946) públicou várias cartas com pedidos de recursos dos administradores religiosos e civís ao Rei de Espanha, tanto para evangelização e colonização quanto para defesa do território: Dice que su Religión se halla en aquella provincia con muy grave necesidad de sujetos no sólo para conservar treinta y seis reducciones de más de ciento veinte y seis mil indios cristianos que tiene en la orillas del Paraná, Uruguay, Chiquitos y Chaco, y los Colegios en las ciudades, en que 17

Fernández, 1896 : 90-92

136 fuera de los ministerios ordinarios que usa la Compañia, ocupa continuamente algunos sujetos en las misiones del campo pertencientes a las ciudades en que residen, con fruto de españoles, indios y negros ..., tan necesitados de este socorro espiritual, que sin él, ni oyeran la palabra de Dios en todo el año, ni la explicación de la Doctrina cristiana ..., sino también para las nuevas conversiones ya de los Chiriguanos de Tarija, ... de los Chiquitos compuestas de las naciones Penoquis, Tabicas, Tamarus, Pequicas, Moraberecas, Curicas, Canipicas, Morotocos, que movidos del ejemplo de más de 12.000 almas reducidas de dichas naciones, y por la predicación de los misioneros que se meten en los mayores peligros por convertirlos a la fe,.... Suplica a su Majestad le conceda a lo menos sesenta misioneros comprendiéndose en este número los dieciocho concedidos en la penúltima misión, y recurrir a las provincias extreñas afectas a la Real Corona de su Majestad para que se puedan emplear sujetos de ella en la conversión de los infieles y manutención de los ya convertidos. (Memorial do Padre Bartolomé Jiménez, Procurador Geral da Província do Paraguay a sua Majestade, datado de 12/10/1715)18

Nelas também estão informados os avanços e retrocessos no processo de colonização do Chaco Boreal e os problemas enfrentados com o ambiente e os indígenas hostís, bem como a aproximação dos portugueses: ... los Chiquitos, compuesto de numerosas naciones, se han reducido más de 15.000 por la predicación de dichos Padres, habiendo muerto muchos de ellos de los excesivos trabajos que padecieron y de la peste que hubo en aquellas provincias, a manos de los bárbaros infieles los Padres José de Arce, Martolomé Blende, José Mazo, Blas de Silva, Mateo Sánchez, Bartolomé de Niebla y últimamente Alberto Bello Romero, que el año pasado de 1724 padeció glorioso martirio con otros indios cristianos, asaeteado de los infieles Zamucos, en donde al presente los asisten dos Padres misioneros, y hubieran adelantado en ellos nuevas conversiones si hubiera operarios evangélicos. Suplica 60 misioneros, con los coadjutores que les corresponden, y que a más españoles se permita se conduzcan de las extreñas provincias afectas a la Corona.(carta do Conselho das Índias à sua Majestade, datada de 22/12/1725)19

Como pode-se perceber em ambas, entre o requerimento do Procurador e a concessão da Coroa ao que se pede, existe um lapso temporal no qual grande parte da situação relatada anteriormente poderia já ter-se resolvido ou agravado. Conclui-se, então, que a velocidade com que as informações criculavam dependia, em parte, das distâncias a serem vencidas e, em parte, da morosidade da burocracia estatal, seja na colônia, seja na metrópole, e por isso os documentos acabavam sendo repetitivos e com poucas informações acrescentadas de um período para outro20.

18

Pastells, 1946 : 27-29. Pastells, 1946 : 469-470. 20 Não se pode esquecer que o próprio compilador pode ter omitido trechos desinteressantes aos seus objetivos. 19

137 Além disso, na carta do governador da provincia de Santa Cruz de la Sierra ao Rei, datada de 1737, evidencia a necessidade de abertura de um novo caminho e de mais recursos para as reduções: ... el pueblo de San Ignacio, el más austral, que se encuentra a veinte grados de latitud sur, es de ciento cuarenta leguas. Desde este último de San Ignacio continuamente se procura avanzar por estos misioneros a los dilatados campos del granChaco, para llevar los numerosos bárbaros, que allí moran, al conocimiento de su Creador; y al debido vasallaje de Vuestra majestad. Al poder conseguirse esto, sin duda se facilitaría la entrada de su Provincia a los Chiquitos, por estas regiones, las cuales, aunque vecinas a Tucumán, son intransitables por las continuas guerras de los infieles con los españoles. De cada uno de aquellos siete pueblos [Chiquitos e Zamuco], salen ellos [jesuítas] hasta una distancia de más de cien leguas, para solicitar la conversión de los infieles, con los cuales aumentan el número de hijos de la Iglesia de Dios, y de vasallos de Vuestra majestad. ... San Lorenzo de Berraneo, y 6 de Febrero de 1737. Don Francisco de Argamosa Zevallos.21

Em outra carta de dom Francisco Antonio Argomosa Ceballos, Governador de Santa Cruz, à Real Audiencia de La Plata, datada de 06 de outubro de 1740, percebese a preocupação dos jesuítas frente ao avanço português pois esse avanço reafirma o que foi escrito pelo Padre Castañares, contrariando o que os jesuítas diziam anteriormente, de ser muito difícil a entrada no interior chaquenho, pois Castañares sabe que cada vez mais os portugueses se aproximam da cordilheira (uma vez que Chiriguanos avistaram vestígio da passagem desses elementos sem dificuldades pelos "desertos chaquenhos"). Devido a essas incursões, pedia mais munição, armas e homens, dentre eles alguns capazes de refinar pólvora, pois a que estava de posse do Padre Castañares sofreu com a umidade; ainda que se observasse que viessem no princípio de junho do ano seguinte "antes que lo impidan las aguas"22. Por tudo isso, entende-se que a missão da qual os jesuítas foram encarregados era muito maior do que a simples conversão dos indígenas - os documentos enfatizam

21 22

Documento 24: 541-543. Pastells, 1948 : 393-395.

138 este sentido - e, a partir de 1588, deram início às primeiras excursões jesuíticas no interior do Chaco. Os jesuítas de Santa Cruz e das demais cidades andinas estavam sobrecarregados com trabalho nas colônias espanholas especificamente. O número reduzido de padres da Companhia na América tornava inviável o exercício da fé e a educação de neófitos numa área em que a atuação dos governadores e seus soldados fosse instável e precária, devido às condições ambientais. Sem experiência com populações indígenas, estes clérigos ficariam à mercê das populações nativas, mesmo que lhes fosse garantido um destacamento do exército para escoltá-los. Além disso, a experiência dos jesuítas ligados à Província do Paraguai junto aos Guarani demonstrava a ineficácia da aproximação dos padres em companhia de homens armados. O quadro descrito por Menacho (1991) sobre a evangelização dos Chiriguanos demonstra a situação com a qual os jesuítas se depararam no decorrer do processo de implantação das reduções no Chaco Boreal: Eran indômitos, belicosos y reacios a cualquier sometimiento. Por ello fueron muy duramente castigados por los españoles [encomenderos]. Los chiriguanos hicieron pagar muy caro a los conquistadores los intentos de someterlos. En cartas de la época aparece el deseo de las autoridades españolas de que sean convertidos a la fe y facilitar de esta manera su reducción. Esperaban que a través de la conversión se apaciguarían. Los jesuitas lo pretendieron con éxito muy escaso. Las reducciones que se fundaron entre los chiriguanos fueron seis solamente, cuatro de ellas de vida muy corta y de muy poco desarrollo.23

Além disso, as reações indígenas frente à ação colonial foram as mais diversas imagináveis, desde a revolta armada e os saques a comboios ou cidades, até a aceitação em ser integrado ao sistema, porém mantendo secretamente suas antigas crenças e seu próprio modo de ser.

23

Menacho, 1991 ; 57

139 Contudo, o êxito obtido com a evangelização dos Guarani no Paraguay, Guairá e Tape - que se deu através da persuação das lideranças indígenas com presentes, dos discursos de exaltação a um mundo melhor após a morte e pela cura de doenças com administração de medicinas pelos padres e poder da fé individual -, bem como os retrocessos ocorridos nas missões volantes em que havia a presença de outros espanhóis, motivaram a Companhia de Jesus a encarregar os Jesuítas da Província do Paraguai com trabalho missional entre Chiquitos. As reduções foram, ao mesmo tempo, um modelo de evangelização usado por algumas ordens religiosas, mas, por outro lado, constituíram um modo pelo qual os Habsburgos puderam controlar politicamente certas regiões de fronteira, principalmente onde seu poder não tinha mediações para exercer a hegemonia sobre a população indígena. ... Foi também um sistema de civilização pelo qual muitas culturas intermediárias - não propriamente urbanas, nem formadas só por coletores ou caçadores - converteram-se em agricultores sedentários.24 ... foi antes um modelo viável de adaptação à situação da vida colonial, da cristandade hispanoamericana da época, nos estreitos limites que lhe permitia o 'Estado das Índias', que por certo era um padroado autoritário que não deixava fissuras. Todavia, pela necessidade que tinha o próprio padroado dos serviços das reduções, deu-lhes liberdades impensáveis para outras instituições (por exemplo, a possibilidade de fabricar armas e organizar exércitos para sua defesa). Mas, ao mesmo tempo, serão criticadas por serem 'paternalistas', isto é, os 'padres' ... se faziam necessários, e sua ausência significará o fim da experiência.25

As reduções da Província do Paraguai expressavam um método de adaptação empregado pelos jesuítas, através do respeito e uso das línguas indígenas, da permissão de algumas crenças pré-hispânicas e a introdução no sistema colonial, através da eleição de prefeitos e demais autoridades ligados à comunidade indígena, organização da agricultura e criação de gado, instrução de táticas militares, ou seja, "... um método integral, na medida em que assumia a vida em sua totalidade: o trabalho manual, a vida da família, a educação, a vida politica, a vida de lazer, a defesa militar."26

24

Dussel, 1982 : 10. Dussel, 1982 : 13. 26 Dussel, 1982 : 13. 25

140 Através do estabelecimento de reduções se garantiria a independência civil destes povos, além de atender ao projeto inicial de encurtar as distâncias entre as cidades espanholas e os redutos missioneiros: Partiendo del Colegio de Tarija, que era el domicilio más septentrional que tenía la Provincia del Paraguay, lanzóse el fervoroso P. José Francisco de Arce a la conquista de los Chiriguanos, indios que moraban al occidente de los Chiquitos, y el 31 de Julio de 1691 en medio de un vasto desierto y ante el asombro de centenares de indígenas, levantó la primera cruz que iluminó aquellas regiones. Colindando los Chiriguanos con los Chiquitos, y siendo afines ambos pueblos, llegó prácticamente a ser uno solo el campo de apostolado, como lo era la labor entre unos y otros. 27 Los misioneros jesuítas habían deseado desde la fundación de Chiquitos encontrar un camino que uniese las reducciones de guaranís y las de chiquitanos. Se trataba de rehacer el camino que ciento cincuenta años antes había hecho Don Ñuflo de Chávez. Para ello se habían fundado nuevos pueblos subiendo el río Paraguay, culminando en la reducción de Belén. El de Santo Corazón estaba en el otro extremo del ansiado camino.28

Portanto, em fins do século XVII foi aberto um novo e vasto campo de ação aos jesuítas, no território dos índios Chiquitos, que se localizavam entre 18° e 20° de latitude e 58° a 59° de longitude (± 6.600 léguas quadradas segundo Gabriel René Moreno29), ao poente do Paraguay. De feições bastante diferentes do território já conhecido entre os Guarani, apresentavam-se, entre altas serras e vales pantanosos, poucos locais favoráveis a instalação de núcleos populacionais capazes de manter um considerável número de cristãos. Onde isto foi possível, os Jesuítas ergueram as suas reduções que, "en 1766 contaban estas reducciones con un total de 23,788 indios bautizados" 30. A área onde se desenvolveram as Missões dos Chiquitos fazia parte da Província de Santa Cruz, ligada ao Vice-reinado do Perú. Apesar disso, foram os 27

Furlong, 1938 : 55. Menacho, 1991 : 92. 29 Moreno, 1973. 30 Furlong, 1938 : 54. 28

141 jesuítas da Província do Paraguai que assumiram os trabalhos de evangelização entre esses indígenas: O território de Chiquitos dependia diretamente do vice-reinado do Peru, e assim pensou-se inicialmente em mandar missionários desta província jesuítica. O governador dom Agostín Arce de la Concha pediu durante muito tempo para que os missionários fossem enviados e não conseguiu, pois, apesar de ser a província mais numerosa das Índias, parecia estar afogada pelo trabalho nas missões dos Mojos, como escrevia o padre Lauro Nuñes ao padre geral Tirso González. Assim, pois, a província do Paraguai, mais resoluta e animosa, tomou a si o cargo da evangelização.31

Assim, Padre José Francisco de Arce32 fundou em 31 de dezembro de 1692 o povoado de San Francisco Javier. Juan Bautista Zea33 e Francisco Hervás34 fundaram San Rafael no final de 1696; meses depois Felipe Suárez e Dionisio de Ávila fundaram a redução de San José e em 1699 Padre Zea, juntamente com Juan Patricio Fernández35 formaram o povoado de San Juan Bautista: A quarta redução fundada entre os Chiquitos foi a de São João Batista, povoada principalmente por índios Jamaros (ou Xamuros). Em junho de 1699 fundaram-na os padres João Batista de Cea e João Patrício Fernández 'num lugar colocado a mais de trinta léguas a leste de São José declinando um pouco para o norte'. ... O Pe. Cea foi logo nomeado superior das missões Guaranis e teve que deixar sozinho o Pe. Fernández que por três anos ficou fixo na redução sem poder sair para buscar mais índios que viessem a aumentar a nova missão, como costumavam fazer. Além disso, grassou uma epidemia que matou a muitos e fez com que outros índios saíssem, e com isso o padre foi obrigado a mudar a redução para vinte e cinco léguas de São José, num lugar mais sadio. Esta mudança provavelmente aconteceu em 1705. 36

O sistema administrativo missional era estabelecido e controlado pelos padres, que delegavam algumas funções vitais para a manutenção da ordem e economia aos

31

Menacho, 1982 : 209-210. ¡30.07.1652 (Santa Cruz de la Palma, Espanha) U 12.1715. 33 ¡18.03.1654 (Palencia, Espanha) U 4.06.1719 (Córdoba, Argentina) = Superior del Uruguay (1699-1701) Provincial (1717-1719). 34 ¡18.02.1662 (Sevilla, Espanha) U 24.08.1723 = Superior de Chiquitos (1699, 1720-23). 35 ¡17.03.1667 (Guadalajara, Espanha) U 17.04.1733 (Corrientes, Argentina) = Superior de Chiquitos (1707-1709). 36 Menacho, 1982 : 215. 32

142 indígenas, "cuyo amor próprio y natural vanidad se veían estimulados con tales distinciones".37 Como todas as reduções da Missão de Chiquitos eram compostas por indígenas de tribos diversas, falando idiomas diferentes, a primeira preocupação dos padres foi unificar as línguas e o modo de vida indígena. Os jesuítas designaram funcionários especiais para atender esses grupos dispares dentro de uma mesma missão ou pueblo, nomeados regidores. Esses, por sua vez, estavam subordinados a um Corregidor ou chefe superior dos missionários, assistido por um Tenente e um Alféres. O Cabildo, organismo administrativo, atendia uma parcela ou um grupo de tribos diferentes, era composto por um primeiro e segundo Alcaldes, um Comandante militar, um Justicia Mayor e um Sargento Mayor, usando os signos de poder adequados que os distinguiam dos demais membros da comunidade. Havia ainda outros oficiais administrativos como Alguaciles, polícia, fiscais e oficiais de famílias, que se ocupavam com as relações familiares ou entre pessoas da coletividade e com os missionários, organizando casamentos, batizados, sepultamentos, entre outros. Totalmente dependentes dos padres eram os Mestres de Capela e Mestres de Canto, que também exerciam a função de Mestres de Escola. Já os capitães eram os administradores das atividades especializadas e, de acordo com as características econômicas de cada redução, existiam: o Capitão de Estância, o Capitão de Pintura, de Carpintaria, Ferraria, Prataria, Tecidos, Arreios, Curtidores e Seleiros, Sapateiros, etc. El comercio que las fundaciones jesuíticas de Chiquitos hacían con el Alto Perú era relativamente poco importante y comprendía la remisión de algunos artículos que producían las misiones, en especial cera y tejidos de algodón. Recibían, en cambio, herramientas y artículos necesarios para el culto. Un informe del obispo Herboso, de 1769, dice que "el producto de lo que se remitía a Potosí volvía a los pueblos convertido en los objetos que necesitaban". Tambíen hacían las misiones el comercio de ganado caballar y mular con Santa Cruz. El producto de este intercambio 37

Finot, 1978 : 350.

143 era tan modesto, que alcanzaba apenas para satisfacer las necesidades de los pueblos y para preparar y realizar alguna nueva fundación. Por lo que a Chiquitos se refire, cuando menos, no pasa de ser una leyenda absurda la que habla de las riquezas fabulosas de los jesuítas, extraídas sigilosamente o enterradas cuando abandonaron el territorio.38

A base econômica centrava-se na agricultura e pecuária, mas atividades complementares eram a produção de tecidos de algodão e a extração de cera de abelhas e sal (abundantes no ambiente chaquenho): El maíz fue cultivo privilegiado porque la carencia de trigo imponía su consumo en forma de harina para hacer pan... El algodón, cuyos cuidados eran mínimos, se cosechaba por los muchachos jóvenes. Junto con la cera, constituía el recurso más interesante para su comercialización, y ambos productos constituían la base de una actividad artesana que proveía el sostenimiento del régimen misional. 39 Los jesuítas la estimularon [pecuária bovina] porque además de proporcionar un complemento para la dieta de los indígenas, limitaba las prácticas tradicionales de la caza, dejando mayor tiempo disponible para las actividades agrícolas, artesanales y sobre todo para la asistencia a la doctrina y las ceremonias religiosas. ...la región de Chiquitos proporcionó en su espacio más meridional, al borde del Chaco Boreal, el aprovisionamiento de uno de los productos más apreciados por su escasez en el resto del área oriental: la sal... 40

Para exercer todas as atividades econômicas e participar da vida ativa dentro das reduções, era necessário que todos falassem uma língua comum, afim de entender a missa, as ordens, as tarefas e as leis internas. Convencionou-se, para isso, o conhecimento pleno da língua Chiquita, falada pela maioria dos indígenas que habitavam a zona em que se estabeleceram os primeiros contatos entre a sociedade colonial e indígena nas cercanias de Santa Cruz de la Sierra, e que emprestam seu nome para a missão. Caleffi41 salienta que a família nuclear era o sustentáculo de uma redução. Para ela se voltava o discurso moral jesuítico e dela emanava o sustento da comunidade: A cada unidade econômica, que na redução estava formada pela família nuclear, era concedido um lote de terra para ser cultivado. O padrão de esploração deste lote era doméstico e o produto era de propriedade direta do produtor ou da cédula produtora. 38

Finot, 1978 : 351. Guerreira, 1995 : 40. 40 Guerreira, 1995 : 41. 41 Caleffi, 1993. 39

144 Da colheita desse lote a família deveria, em teoria, sustentar-se e ainda ter sementes para o próximo plantio.42

Além disso, os jesuítas buscavam sempre sua autonomia econômica em relação aos centros coloniais espanhóis, estando a produção dos bens de uso cotidiano a cargo dos membros das famílias nucleares: ... as reduções buscavam produzir tudo o que pudessem necessitar, desde uma base de produtor para garantir a alimentação dos indígenas, até os produtos manufaturados utilizados em cada redução. Como veremos a seguir, este ideal de auto-suficiência não é atingido completamente, mas em cada redução, sem dúvida, a grande maioria das coisas utilizadas era produzida ali mesmo.43

Contudo, ... el excedente del dinero obtenido por los productos, volvía de Potosí invertido en toda clase de artículos que eran necesarios para la vida cotidiana y laboral de las misiones: ropas y utensilios, que eran redistribuidos casi ceremonialmente y que también constituían el equivalente a los salarios de los cargos de los cabildos indígenas.44

Além disso, percebe-se que os jesuítas estimularam o desvio das condutas guerreiras seculares, por motivos vingativos próprios da essência indígena chaquenha, para a manutenção das fronteiras coloniais e defesa dos interesses do sistema: Las prácticas bélicas, que habían sustentado unas relaciones interétnicas no propicias a la integración de las etnias en formaciones políticas de mayor entidad, se orientaron al adiestramiento de los misionarios para que actuaran como pequeños cuerpos de tropas auxiliares en las situaciones críticas de ataques de Mamelucos o de los temibles Chiriguanos o Guaycurúes...45

Assim, a riqueza da terra para os jesuítas eram seus habitantes e o produto de seu labor. Para que essa riqueza não se perdesse em contínuas guerras entre seus componentes, por expedições escravistas portuguesas, ou por vícios adquiridos pelos líderes espirituais num isolamento forçado pelas distâncias, imperava a necessidade de circulação dos superiores hierárquicos da Ordem Jesuítica, facilitada através de uma

42

Caleffi, 1993 : 172. Caleffi, 1993 : 173. 44 Guerreira, 1995 : 44. 45 Guerreira, 1995 : 41-42. 43

145 comunicação rápida e segura entre as Províncias de Chiquitos e do Paraguai. Havia nessa época dois caminhos que poderiam ligar as reduções dos Guarani e as de Chiquitos - por Tucumán até Santa Cruz ou subindo o rio Paraguay: Desde los primeros años en que se dió principio á la Conversión de los Chiriguanás y Chiquitos, con intento de penetrar al Chaco para reducir á nuestra santa fe las naciones que viven en el vastíssimo espacio de tierra que hay entre Tarija y el Paraguay, se juzgó siempre llevar al fin pretendido, el abrir camino por aquel río y hacer escala á las Misiones del Paraguay ó Guaraníes, á fin de que fuesen más fácilmente proveídas estas Reducciones de los Chiquitos, y los nuestros tuviesen comodidad de conferir á boca con el Padre Provincial y recibir los socorros más oportunos á su necesidad, fuera de que no será menor el consuelo de los Provinciales en ver las fatigas y sudores de sus súbditos en la conversión de los gentiles, y acabar en poco ménos de un año la visita de esta tan vasta provincia; pues cuando ahora es necesario caminar dos mil y quinientas leguas para visitarla toda, descubierto este camino por el río Paraguay, sólo se andarían mil y quinientas leguas en visitar Misiones y província.46

De acordo com Furlong, tornava-se inviável o primeiro, por ser "largo, monótono y peligroso, a través de arenales, como los de Santiago del Estero, a través de selvas casi impenetrables, como las del Tucumán, y a través de desiertos, como los de Santa Cruz de la Sierra..."47- perfazendo um total de 431 léguas desde Buenos Aires até Santa Cruz, mais 115 léguas até San Rafael ou San Juan, que eram as reduções mais distantes em princípios do XVIII. A travessia diminuía aproximadamente duzentas léguas se fosse utilizado o segundo caminho. Entretanto, devido às centenas de canais que a cada ano alteravam de forma e direção, localizados nas proximidades dos Xarayes, a ligação via fluvial também se inviabilizava: Estos pantanos de Xarayes fueron los que impidieron a los Jesuítas dar con el tan deseado camino, que les había de conducir sin mayores fatigas a las misiones de Chiquitos.48

46

Fernández, 1896 : 190-181. Furlong, 1938 : 57. 48 Furlong, 1938 : 58. 47

146 Desde 1691 múltiplas tentativas de se alcançar um caminho mais curto ou, ao menos, com riscos de fracasso menores, foram empreendidos pelos jesuítas, entre elas a expedição de 1703, da qual participaram os Padres Bartholome Ximenez (Superior da Missão de Chiquitos), Juan Bautista de Zea, José Francisco Hervás (que foram designados como curas nas reduções), José de Arce (designado líder da expedição) e Juan Bautista Neuman, juntamente com o Irmão Silvestre Gonzales (que retornariam com as embarcações). O objetivo dessa expedição era subir o Rio Paraguay e encontrar a cruz que foi erguiada no ano anterior pelo padre Hervás e que marcaria o último ponto que esse conseguiu avançar na direção contrária, e apartir de onde haveria caminho aberto até San Rafael. Entretanto, já desgastados e doentes, depois de cinco meses eles retornaram sem ter atingido seu propósito49. Contúdo, o Padre José Arce, sem fraquejar diante das adversidades, foi o primeiro a cruzar todo o caminho, em 1715, desde Assunção até San Rafael pelo rio Paraguay e depois pelos campos alagadiços de Xarayes e Otuquis. Mesmo percorrido todo caminho, ele não foi documentado pois, no afã de buscar o companheiro que havia ficado para trás, nos charcos, o Padre Arce não permaneceu tempo suficiente entre os de San Rafael e, logo após descobrir os corpos do companheiro e seus guias, foi morto pelos índios Payaguá. Apesar de todos os esforços empreendidos pelos jesuítas para atingir sua meta de assegurar uma rota de comunicação entre Santa Cruz e Assunção, os portugueses paulistas ao investirem contínuamente contra as populações indígenas das margens do Rio Paraguay, chegando a se aproximar das cidades espanholas do Chaco, forçaram

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Conforme Documento 1 e 2.

147 as autoridades civis e militares a tomarem providências para garantir a integridade das fronteiras e a manutenção das possessões hispânicas no interior do continente. Assim, através da "Real Provision de la Audiencia de la Plata", o Rei Felipe V ordenou que os governadores fechassem todos os caminhos abertos por este rio e que pudessem conduzir os portugueses até as cidades e reduções do interior: Auto. Despachese Real Provision para que dentro de cuatro meses, el Gobernador de Santa Cruz cierra el camino, que se ha abierto para la Provincia del Paraguay, haciendo a este fin todas las convenientes diligencias; y lo cumpla pena de 2000 pesos; y dé cuenta de haber lo executado debajo la misma pena, para que pueda esta Real Audiencia darla al Gobierno Superior de estos reinos, y al Consejo Supremo, y en a S M. (...) en 22 de Octubre de 1717 años.50

Com esse Auto, fecharam-se indeterminadamente as possibilidades de utilização do rio Paraguay como veículo de relacionamento, seja jesuítico, seja civil, entre Santa Cruz e Assunção. Somente em janeiro de 1767 é que se conseguiu estabelecer uma rota confiável e documentada pelo interior do território, através dos caminhos registrados pelo jesuíta José Sánchez Labrador51 que, desde uma redução entre os Mbayás, conseguiu penetrar o Chaco Úmido até a redução de Sagrado Corazón, a mais oriental naquele tempo.

Contudo, a expansão da Missão de Chiquitos foi bastante rápida, sendo fundadas, num espaço de trinta anos (1691-1721), sete reduções, com um número considerável de neófitos (aproximadamente 15.000 índios de diversos grupos étnicos), as quais nomearam-se: San Javier, San Rafael, San José, San Juan Bautista, La Concepción, San Miguel e San Ignácio de Zamucos. Todas elas seguiam a tendência de diminuir as distâncias entre Santa Cruz de la Sierra e Assunção, por isso acabaram

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Documento 7. ¡ 19.09.1717 (Toledo, Espanha) U 10.10.1798 (Ravena, Itália), expulso da América em 14.08.1767, quando servia na redução de Belén de mbayás.

51

148 formando um corredor que se estendia desde Santa Cruz até as proximidades do rio Paraguay. San Ignácio, mais ao sul e fora desse corredor, serviu, então, de base para a exploração de outro caminho para concretizar as metas da Companhia, desta vez através do rio Pilcomayo. 4.2 Das Missões Volantes à Redução de San Ignácio Segundo Menacho52, apesar dos Zamuco nunca terem sido considerados como Chiquitos, os olhos jesuítas sempre estiveram voltados ao interior do Chaco Boreal, com vistas a estender a evangelização também a estes índios. Mais do que isso, o território que habitualmente ocupavam poderia servir de base para a exploração do interior em direção ao sul e sudeste, seus componentes poderiam servir de guias no empreendimento e como auxiliares na conversão de novos povos indígenas. Dessa maneira, quando foi estabilizada a situação da redução de San Juan Bautista, começaram as excursões dos padres para o sul, a fim de conquistar os Curacates, Morotocos e Zamuco à fé católica, e encontrar um local para a fundação de uma nova redução: Pouco depois de fundado estavelmente São João Batista, começaram as excursões apostólicas para o sul dessa missão com o fim de fundar uma redução entre os índios curacates, morotocos e zamucos. Habitavam no coração do Chaco, a umas oitenta ou noventa léguas ao sul de São João, em território que hoje já não pertence à Bolívia. A fundação entre eles permitia uma nova aldeia que servisse de estação no tão desejado caminho entre as missões guaranis e de Chiquitos pelo Paraguai, evitando assim o enorme caminho que era necessário fazer para chegar a eles por Tarija e Santa Cruz.53

52 53

Menacho, 1982. Menacho, 1982 : 216.

149 A nova redução foi considerada como integrante da Missão de Chiquitos, mesmo composta por pouquíssimos representantes dessa etnia designados para auxiliar aos padres nas fainas diárias ou na tradução da língua Zamuco, pois desde 1706 o Procurador Geral da Província do Paraguai, Padre Francisco de Burgés, havia conseguido, através de promulgação de um decreto real, a isenção no pagamento de tributos dos vassalos Chiquitos, por vinte anos54. Da mesma forma, colocava-os sob proteção direta da Coroa, proibindo sua retirada à força da terra natal e, assim, eliminando a possibilidade de serem encomendados55. Assim, de forma a usufruir dessa mesma isenção fiscal, do mesmo sistema normativo que regula a vida de todos os habitantes e da mesma gerência comercial autônoma, todas as novas reduções fundadas desde aquela data, mesmo que não fossem compostas por Chiquitos, seriam considerades como integrantes da mesma Província jesuítica. Em sua "Relación Historial de las Misiones de Indios Chiquitos ...", escrita em 1726, o padre Juan Patrício Fernández descreve com detalhes a atuação dos jesuitas nesses primeiros anos de atuação da Companhia de Jesus no território da futura Província de Chiquitos. Através dessa relação se percebem, sutilmente, alguns dos métodos empregados pelas missões volantes entre os índios do Chaco Boreal. Con la venida de éstos [indígenas] se tuvo noticia cierta de otros infieles como fueron los Quíes, confinantes con los Morotocos, pero de diferente lengua; los Curacates, situados hacia el Norte; los Zamucos, que aunque hablan la misma lengua de los Morotocos y usan de sus mismas armas, no obstante se distinguen de ellos en que se rapan la cabeza como los Tobas y Mocovies, y en que las mujeres visten con más honestidad, cubriéndose desde la cintura hasta las rodillas; los Carerás y Zatienos ó Ibirayas, que viven junto á unas salinas, y otras naciones hacia el Mediodía, las cuales se extienden hacia las províncias amplísimas del Chaco.Recibidas estas notícias, se trató luego de ganar á Cristo á los Curacates y Quiés (...).56

54

Documento 4. De acordo com Costa, 1993 : 153. 56 Fernández, 1896 : 93. 55

150 Assim, Fernández atesta que o Padre Juan Bautista Zea, superior da Missão de Chiquitos, soube através dos Morotocos da existência de outros grupos indígenas, e saindo de San José, em 1715, rumou ao interior para evangelizar os Curacates57. No primeiro encontro entre o jesuíta e os grupos étnicos chaquenhos, percebe-se uma forma de resistência indígena à conversão e, assim, aos mecanismos de conquista: Para la Misión á los Curacates no quiso llevar en su compañia el P. Zea ningún indio Chiquito, porque no temiesen aquéllos y huyesen; y así se fué sólo con algunos Morotocos. Llegando á la primera Ranchería de los Curacates hallo en ella algunos Zamucos, que habían venido á visitarle; hablóles el Padre con toda la eficacia de su espíritu, que era grande, por medio de un intérprete, haciéndoles un rico presente de cuchillos, cuñas ó destrales y otros instrumentos para cultivar la tierra. No querían éstos admitir el presente, porque los Cucarates se habían enojado con ellos, como si hubiesen venido á visitar el Padre movidos del interés, y porque cuanto se les daba á los Zamucos tanto menos había que dar á los Curacates. No obstante eso, el P. Zea les obligó á que recibiesen, diciendo que Dios daría para todos. O fuese por esto, ó porque los Cucarates no se quisiesen reducir á la santa fe, echó mano del P. Zea un cacique suyo, y se lo llevaba aparte para matarle, diciendo que á qué fin venía á engañarlos? El santo varón, que no deseaba outra cosa, impidió á sus cristianos que le defendiesen; mas un valiente Morotoco, no sufriéndole el corazón ver matar á su vista á aquel Venerable Misionero, con gran valor y denuedo se le quitó de las manos, diciendo al cacique: -¿ Por qué quieres matar á nuestro Padre, siendo tan bueno? ...Mas no fué del todo inútil esta ida del Padre Zea, porque algunas familias de mejor condición, se redujeron á San Joseph, y después, poco á poco, han ido siguiendo su ejemplo las otras.58

No trecho acima vê-se que os presentes trazidos pelo padre não agradaram aos Zamuco, primeiro por ser uma novidade que, como se viu no capítulo anterior, era incorporada muito lentamente na "mentalidade" zamuca; segundo, a quantidade que o jesuíta podía carregar consigo parecia ser insuficiente para prover a ambos os grupos e se o jesuíta favorecesse a um e não contentasse ao outro, possívelmente seria assasinado (como demonstra a tentativa de tal ato descrita na citação), sendo que somente a presença dos Morotocos parece ter garantido a segurança do padre em meio dos segmentos de ambas etnias.

57 58

O etnômio muda conforme a fonte. Fernández, 1896 : 95-96.

151 Apesar das ameaças de morte, o padre Zea obteve informações importantes com o líder dos Zamuco que, em sua tentativa de espantar o jesuíta e sua gente, conseguiu apenas aumentar a necessidade de se estabelecer comunicações mais estáveis com os grupos étnicos do interior chaquenho: También se pudo aquí informar con individualidad de la nación de los Zamucos, cuyo cacique le dijo que había en su tierra seis pueblos tan grandes como el de San Joseph, que entonces constaba de quinientos indios; y otros seis medianos y menores, muy cercanos unos de otros, y en todos ellos mucho gentío de la misma nación y lengua; y que no pocos estaban poblados á orillas de un río grande que corría de Oriente à poniente; y añadió el cacique traían guerras continuas con los Tobas, Caipotourades y otras naciones sus fronterizas, que tenían innumerable gente, de donde infería ser el Chaco, donde consta haber mucho número de Naciones; y siendo así se abría por allí puerta para la comunicación más breve de aquellas Misiones con esta provincia, cosa que siempre se há deseado sumamente, aunque no se há conseguido hasta ahora.59

Contudo, devido às disputas entre os dois grupos, o sacerdote não conseguiu avançar muito nessa empresa evangelizadora. Em San José acumulavam-se novos cristãos e houve a necessidade de expandir a obra jesuíta em direção ao rio Paraguay, erguendo outra redução: Habíanse, pues, agregado á San Joseph buen número de Morotocos y Quíes, y para mantener tanta gente era el terruño algo estéril, y cortas las cozechas; por lo cual era necesario dividir aquel pueblo y buscar en outra parte lugar para fundar en él outro nuevo. Trece leguas de San Joseph, hacia Levante, había una campaña llamada el Naranjal, estéril, no tanto por infelicidad de la tierra, cuanto por no haber quien la cultivase. De común consentimiento escogieron, entre los otros, este paraje los neófitos, y tomó luego habitación en él la gente de cuatro naciones y de otros tantos idiomas, Boros, Penotos, Taus y Morotocos, poniendo por nombre á aquel pueblo San Juan Bautista; y para esto se atendió tanto á que tuviesen cómodamente con qué pasar la vida, cuanto á que en bárbaros nuevos en la fe, viniendo muchos en número y envejecidos en los vicios, es cosa de increíble trabajo quitarles las malas costumbres, hacerlos olvidar las antiguas supersticiones y reducirlos á la estrechez de la ley y vida cristiana ...60.

Motivados pelas dificuldades em estabilizar as reduções criadas entre os Chiquitos (tanto pela política de agregar muitas etnias em um mesmo local, quanto pelas constantes investidas comerciais e escravistas de espanhóis e portugueses), em novembro de 1716 os padres Curas reuniram-se com seu Superior em San Rafael, em

59 60

Fernández, 1896 : 96-97. Fernández, 1896 : 143.

152 uma Junta, da qual resultaram uma série de resoluções para suprir ou diminuir os problemas enfrentados. Nessa época, já se discutia a criação de um novo pueblo, cujo nome seria uma homenagem ao fundador da Ordem, porém ainda lhes faltava um sacerdote para Cura, e se cogitavam mais dois para realizar as missões volantes pelo interior "... que por todas partes y a todos rumbos ay descubiertas muchas naciones de Infieles."61. A importância dada aos Zamuco, mais específicamente a uma redução fixa junto a este grupo, emergiu da necessidade em se cristianizar aos Zatieños, que circulavam no território de onde os jesuítas extraíam sal para ser vendido aos espanhóis. Desde a proibição do comércio direto com, e de sua circulação nas reduções dos Chiquitos, os habitantes de Santa Cruz ou os comerciantes de outras cidades espanholas deveriam se reportar ao Superior Jesuíta da Missão de Chiquitos, em um posto comercial entre Santa Cruz de la Sierra e San Javier, a fim de estabelecer relações comerciais e nada mais62. Desse modo, ficaram impossibilitados de utilizar, como há muito faziam, as salinas próximas às reduções. Acerca del orden 50 de los comunes que prohibe a los Curas hagan trato por si con los Españoles sin licencia del Padre Superior: ha parecido que no la dés S Re.a, sino que todos acudan al padre Procurador con sus generos y las memorias (registradas antes por el Padre Superior) de lo que necesitan, se anticipen con tiempo para poder buscar lo que pidan. Y si por algun accidente se hallare algun Pueblo sin mulas para conducir el avio que necesita, el Padre Superior dara providencia para ello; porque con esta capa no se metan los Curas a hacer tratos y comprar de los españoles lo que necesitaren; y el que en adelante se desmandare en esto le dará un capelo el Padre Superior y le quitara el Curato. Y si algunos españoles se pasan a los Pueblos con sus generos, aunense todos los curas para hacerlos revolver con ellos a la estancia de San Xavier; que una vez que lo hagan assi quedaran escarmentados para no volver outra. Y si quisieran comerciar con los Indios a estos se les persuada no lo hagan; y mas no poder si quisieren venderles algo, sea delante del Padre y no por los ranchos, y mucho menos con Indias; y para que al Padre Procurador no se le de molestia en ir y volver a la estancia a recibir los generos que le embiaren de los Pueblos, todos acudiran con ellos a primeros de septiembre, de suerte que puedan traer de tornavuelta el avio que necesitan.63

61

Documento 6 : 1. Documento 6 : 2. 63 Documento 6 : 7. 62

153 Assim, aos Zamuco caberia a tarefa de auxiliar os jesuítas no estebelecimento de um diálogo com os Zatieños, trazendo-os para a redução de San Ignacio, livrando a área de possíveis abordagens violentas e aumentando o contingente de trabalhadores para a extração do sal e outros produtos para a manutenção econômica daqueles bens que não estavam disponíveis ou que não pudessem ser manufaturados nas "cidades indigeno-jesuíticas"64. Além disso, havia informes dos indígenas já reduzidos de que além das salinas que se encontravam nas "terras" de San Juan e San José, haveriam muitas outras, sendo que a maior delas estaria em terras zamucas: Aunque se há descubierto una de las Salinas, quedan otras; y una que dicen es la maior y mas vecina a San Juan, y cercana tambien a San Ignacio, queda encargado el Padre Cura de San Juan de hacer luego las diligencias con los guias seguros que tiene y saben dicha salina, como ofrece lo hara y dara parte al Padre Superior de estas Misiones de lo que hubiere. Supuesto que Dios há querido tengan estas Misiones donde proveerse de un genero tan necesario y de que asta ahora se há proveido por un precio tan tiranico y excecivo como llevan los Españoles de Santa Cruz, y es tres patacones en plata, y seis huecos como ellos dicen, por un pan de sal, que suele pesar 20 a 22 libras; se consulto el medio que se poderia tomar para que todos estos Pueblos se proveyesen de las Salinas, y no se visen obligados a coger la sal de los Cruceños. Convinieron todos los Padres que los Pueblos vecinos a las Salinas, como son San Juan y San Joseph tuviesen elucidado de sacar la sal a su tiempo con sus Indios y mulas, llevando la escolta necesaria por los Infieles que la abitan; y trayendola a sus Pueblos, acudiesen los demas a comprar lo que necesitaban. El precio que les pareció mui conforme a razon y a la caridad que debemos tener todos unos con otros, fue de quatro reales de plata por una arroba de sal; a que solo se opuso el Padre Cura de San Juan, pidiendo se diese un peso, pero todos los demas, oidas sus razones, jusgaron que no se pasase del precio de quatro reales de plata por una arroba de sal; pues en Tarija y otras partes no vale mas, y la conducen de parages mucho mas distantes.65

Entretanto, a missão volante obteve pouco sucesso devido aos percalços ambientais e a desconfiança das lideranças indígenas sobre as intenções daqueles "homens de batina". Assim, mais dois anos de andanças, perigos e pregações foram necessários até que Padre Zea conseguisse convencer alguns Zamuco a reunirem-se em uma redução.

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Conforme Documento 6 : 4. Documento 6 : 5-6.

154 ... se puso en camino para los Zamucos por Julio de 1716, acompañado de cien neófitos, y á pocas leguas se le opuso el infierno con horribles tempestades en el aire, torbellinos de agua y viento, crecientes de rios y otras mil incomodidades; de manera que en andar cosa de catorce leguas, gastó diecinueve días, mas no sin algún fruto; porque dando una ligera corrida á registrar algunas Rancherias de los Tapuyquias, ya asoladas, halló allí treinta almas que perseveraban aún en las tinieblas del gentilismo; y ganadas para Cristo, las despachó al pueblo de San Joseph.66

4.2.1 Conturbações iniciais Depois de escapar da morte em uma disputa entre Carerás e Morotocos durante o caminho, o Padre Juan Bautista de Zea chegou a um acampamento dos Zamuco e foi recepcionado com as honrarias que um mensajeiro tribal deveria receber: Al cabo de veinte días se llegó a abrir del todo aquel impenetrable bosque, y á los 12 de Julio [1717] llego á la Primera Rancheria de los Zamucos. Estos, á quienes había llegado antes la fama de su venida, le festejaron con demostraciones de extraordinaria alegría; cercándole todos en rueda, y los varones todos, uno por uno, le fueron besando la mano; querían hacer lo mismo las mujeres; mas el santo varón que se deshacia todo en lágrimas de consuelo, les dió á besar la imagen de la Virgen santísima, que traía en la mano. Cumplimentaron después á los neófitos, abrazándoles en señal de paz y de amor, y les alojaron en sus casas, dándoles parte de la pobreza y escasez del país.67

Os Zamuco sabiam que a visita de um mensageiro era sinal de presentes e fartura, e que logo ocorreria alguma festa na qual pudessem estabelecer "contratos" matrimoniais. Possivelmente por essa razão, pelo poder da oratória do sacerdote e por saberem, através de uma extensa rede de contatos inter-étnicos, que a vida junto àqueles líderes estrangeiros poderia trazer vantagens para a sobrevivência, é que esses indígenas aceitaram naquele momento que se fisessem cristãos e que fossem reduzidos em uma missão: El día seguinte juntó el pueblo en la plaza, les dió razón y juntamente una breve noticia de Dios, de su santa ley, y los perguntó si querian que los Misioneros viniesen á predicarles allí la fe de Jesucristo, y enseñarles el camino del cielo. Respondieron ellos que había mucho tiempo que lo deseaban, y el no ser ya cristianos era porque no tenían quién les explicase los misterios de la fe que habían de creer, ni los mandamientos que debían observar. -Pues si es así - añadió el Padre, bañado en alegría - es necesario levantar primero iglesia á vuestro criador y señor, y que os juntéis todos en un pueblo.

66 67

Fernández, 1896 : 145-146. Fernández, 1896 : 155

155 A esta propuesta se levantaron dos caciques principales, diciendo que lo harían de buena voluntad, mas no allí, sino en mejor sitio, y que juntarían luego al punto toda la gente del contorno para fundar una reducción numerosa.68

Após erguer uma cruz em um morro e nomear San Ignácio como padroeiro do lugar, não tendo levado consigo os adornos necessários para o sacramento e batismo e não havendo mais o que comer além de água e algumas poucas raízes, Padre Zea resolve retornar. Ao voltar a San Juan seu trabalho doutrinal foi interrompido por razão de sua nomeação como Superior da Província do Paraguai: A la vuelta tuvo ocasión oportuna de ganar para Cristo á cien indios de varias naciones Zinotecas, Japorotecas y Cucarates que se trajo consigo á la Reducción de San Juan Bautista, en donde mientras se estaba disponiendo de nuevo para volver á sus Zamucos, recibió orden de nuestro Padre General Miguel Angel Tamburini, de que tomase á su cargo el gobierno de la provincia; á que obedeció prontamente, no sin incomparable dolor de su corazón.69

Através do importante cargo de provincial, Padre Zea pode dirigir os trabalhos missionais para os dois projetos de abertura das comunicações entre Santa Cruz e Assunção, requisitado pelas autoridades civis e religiosas e idealizado alguns anos antes pelo Padre Arce. Para tal, designou o padre Miguel de Yegros70 - que possuía alguma experiência no empreendimento por ter acompanhado seus antecessores nas viagens de redescoberta do rio Paraguay -, como seu sucessor na evangelização dos Zamuco e na construção da redução de San Ignácio. Porém, a resistência indígena e os problemas ambientais continuaram a impedir que se efetivassem tais trabalhos: Habiendo ordenado el nuevo Provincial Padre Juan Bautista de Zea que el P. Miguel de Yegros, en pasado las lluvias, fuese con el hermano Alberto Romero á fundar la Reducción de nuestro P. San Ignacio, se anticipó el P. Yegros, algún tiempo, así por escoger con tiempo sitio á proposito, como por no exponerse á peligro de no hallar agua qué beber en el camino; por tanto, á principios de Abril empezó su viaje; mas entrando en el bosque de los Zamucos, se vió obligado á volver atrás por tener tanta falta de agua, que ni la gente ni la caballería tenían con qué apagar la sed. Púsose en camino segunda vez por Septiembre [1718], y llovió tanto, que anegadas las campañas de los Cucarates, apenas pudo llegar al término de su viaje.71

68

Fernández, 1896 : 155-156. Fernández, 1896 : 157. 70 ¡28.09.1666 (Asunción) U 07.1740 (San Javier, Bolivia). 71 Fernández, 1896 : 173-174. 69

156 Despachó, pues, delante el P. Yegros algunos indios cristianos que avisasen al cacique principal de los Zamucos de su venida, y que le llevasen en su nombre un bastón, hermosamente guarnecido, y una camiseta colorada que son las galas que ellos estiman. Llegaron los mesajeros y fueron recibidos con grande amor y cortesía, y fueron sentados á la mesa del cacique, cuyas viandas se reducían á raíces de cardos silvestres, que era todo su mantenimiento, y por gran regalo les oferecieron un vaso de agua, porque había alli tal carestia, que cada uno estaba esperando la suerte de poder coger tanta cuanta cabía en la palma de la mano, de un pequeño manantial que salía de un peñasco. Dos días después se partieron los cristianos, acompañados del cacique principal, con otros de los suyos, y encontrándose en el bosque con el P. Miguel, dieron la vuelta, y á 5 de Octubre llegaron á donde el P. Zea el año antecedente había levantado la cruz.72

Percebe-se aqui um maior conhecimento dos costumes do povo Zamuco, o que não acontecia nos relatos sobre as aproximações do padre Zea. Padre Yegros entendeu que instrumentos de produção agrícola não seriam eficazes para uma população caçadora-coletora e envia outro tipo de presente para persuadí-los. A recepção dos mensageiros continuou sendo realizada no estilo característico dos Zamuco, conforme visto no capítulo anterior. Na tentativa da encontrar uma localização mais adequada para a construção da missão, do que aquela vista anteriormente pelo padre Zea, Miguel de Yegros contou com o apoio dos líderes daqueles bandos Zamuco, que no momento viam com bons olhos uma aproximação ao território dos Cucarates, aparentemente melhor provido de recursos: Con lo cual (prosigue el Padre en su relación) me determiné á proponerles si gustarían de fundar y juntarse para este efecto fuera de sus montañas y al remate de las campañas de las Japeras de los Cucarates, por ser tierras muy cabales para una fundación, aunque sólo de paso vistas y registradas con ánimo (si viniesen en ello) de registrarlo mejor á la vuelta, trayendo alguno de ellos conmigo para ver los parajes. Llamé de allí á un rato al cacique y le propuse todo esto; á que sin dejarme pasar adelante, con grande algazarra respondió que éra grande elección, y que ya había estado y visto todas aquellas campañas, y que le parecieron muy buenas y á propósito para el fin, y que me siguiera luego con toda su gente y todos los demás pueblos vecinos, á no tener todos sus zapallares ya en flor y muchos que ya comenzaban á dar, y que no sembrarían outra cosa, sino que en cabado los juntaría y convocaría toda aquella gente, y se vendria luego al sitio que yo dejase señalado para el pueblo, y enviaria conmigo alguno de los principales para que registrasen y viesen el puesto para dicho pueblo; y en volviendo á darles cuenta de lo visto, tomaría luego el camino para aquel paraje.

72

Fernández, 1896 : 175.

157 Con esto resolvi volverme después de dos dias, porque no había agua que beber; y en estos dos días que estuve allí, fué forzoso beber de unos charquitos que se habían juntado en una cañada, una legua del pueblo, de un aguacero que cayó, que más era barro que agua; y de una poca que ellos tenían recogida, llovediza, en unos calabazos, nos dieron uno, por gran fineza, y vendido por un poco de maíz. Poco después que se sosegaron los del pueblo, cerrada ya la noche, vino el cacique, acompañado con algunos viejos, á pedirme audiencia junto a mi toldo; y dándoles asiento por señal de alegria, u albricias, me dijo el cacique: -Padre, no te aflijas, que después del año en que se haya poblado el sitio que nos señalares, iré con la gente de este mi pueblo hacia el Sur, en tres días de camino de montaña, á traer y convidar á outra provincia de Zamucos (conquienes antiguamente estábamos amigos y quebramos con ellos) que son diez pueblos de tanto número como nosotros; y de ali á un dia de camino, en que remata la montaña y comienzan las campañas, está inumerable gentío que llega hasta á los pueblos que llamamos nosotros de los españoles. Estos guerrean siempre con esta outra provincia de Zamucos, que se llaman Ugaraños (de los cuales hay uno en este pueblo de San Juan, que antiguamente vino con sus padres á esta outra provincia, y de ahí los morotocos, y cuando andaba con los Padres, llegó á ver todo ese gentío, que es el Chaco, y á un lado algunos pueblos de Guarayos). Agradecíle sumamente las noticias al cacique, quien volvió á añadir estaban contentísimos con el paraje que les había insinuado, muy á propósito para poder desde ahí con más facilidad y brevedad penetrar hasta las naciones dichas, pues desde más lejos había venido yo á sus tierras y pueblos; y dándome otras noticias de otros gentíos por diversos rumbos, se despedió para irse á descansar.73

Apesar de ter passado por situações difíceis nesta jornada, o esperançoso padre Yegros voltou até San Juan Bautista e encaminhou notícias ao Visitador Juan Patrício Fernández quem, contente com o que havia se passado, mandou os companheiros Zamuco do Padre de volta aos seus, de modo que avisassem ao seu líder que viesse com os demais para as terras dos Cucarates, onde se encontrariam com o padre Miguel de Yegros e o irmão Alberto Romero. Em 1719 tentou-se novamente o contato com os Zamuco, porém a imprevidência do Padre Miguel e do Irmão Alberto em levar consigo índios Chiquitos findou com a vida de Romero, interrompendo por mais de 3 anos o processo de redução dos Zamuco: ... salieron por agosto de 1719 el P. Miguel de Yegros y el hermano Alberto, llevando todo recado para celebrar la Misa y lo demás necesario para fundar la iglesia de la nueva Reducción de San Ignacio nuestro padre, llegando á la campaña que los Zamucos habían escogido para fundarla, no hallaron persona alguna; y enviando algunos por todas partes para tomar noticia de esta gente, hallaron su pueblo quemado, y supieron que se había retirado algunas jornadas lejos de allí, junto á una laguna abundante de pesca, cerrando los pasos por donde se les podía seguir. Resolvió ir en persona el hermano Alberto en su seguimiento á buscarlos, como lo hizo, y habiéndolos encontrado, los recorimo con la palabra que habían dado á Dios y á los Padres de

73

Fernández, 1896 : 179-181.

158 querer ser cristianos y vivir juntos en un pueblo, en el lugar que ellos mismos habían escogido y señalado. Hicieron al principio buen semblante los bárbaros y con muestras de alegría fingieron querer estar á lo prometido; y en señal de eso, se encaminaron con él hacia el sitio señalado, (...) y por muchos días fueron entreteniendo con buenas palabras al hermano que procuraba, con todas las finezas de su gran caridad, ganarles las voluntades con beneficios. Al fin se quitaron la máscara el día 1° de Octubre, y muertos á traición doce cristianos, un infame cacique sacó de la garganta al santo hermano y con el filo de un pesada macana le partió la cabeza, despojóle después bárbaramente, y de miedo de que no viniesen sobre ellos á vengar aquella muerte los Chiquitos, se huyeron todos juntos, sin saberse dónde. El P. Miguel, avisado de este suceso por dos cristianos que por gran ventura se pudieron escapar del estrago, se volvió con increible dolor de su corazón por no poder hacer más ....74

Alcides D'Orbigny, em Viaje a la America Meridional, retrata a morte do irmão Alberto Romero como um ato de reação à desconsideração do jesuíta ao repartir o alimento: ... el padre Alberto Romero fué muerto por individuos de esta nación belicosa, a raíz de haber desconocido la mujer de un cacique, en un reparto de carne.75

Os relatos demonstram a inexperiência do irmão coadjutor quanto aos costumes da população indígena. Pela hierarquia da ordem76, seu papel não era o de cataquético, outrosim foi requisitado para gerenciar a construção da igreja e demais instalações dos religiosos na redução, portanto não estaria suficientemente preparado para o trato com elementos indígenas. Além disso, ele havia sido admitido pouco tempo antes (por volta de 1708 ou 1709), e já estaria em idade bastante avançada quando de sua admissão. Ao que tudo indica, seria esse Irmão um ex-minerador ou um trabalhador de alguma cidade mineradora dos Andes, que vinha para Chiquitos em busca de prata, pois circulavam boatos, na época, de que a Missão de Chiquitos havia sido erigida devido a descoberta de minas de prata na serra que leva o nome da missão: A 9 de Julio consulto su R.a si avia de permitir vivierse en estas Misiones, como parece lo itentaba un español llamado Alberto Bello Romero; quien traxo el avio aora dos años de Tarija, quando el Padre Superior se quedo en dicho colegio; siendo como es un hombre anciano, que no puede servir de cosa, achacoso, y que necesita de muchas cosas, y tambien se ocupo quando estuvo aqui en hacer ensayos de plata cuios ecos siempre sonaran mui mal a estas misiones. Esto supuesto, y 74

Fernández, 1896 : 183-185. D'orbigny, 1945 : 1198. 76 Segundo Padre Pedro Ignácio Schmitz, S.J., em comunicação pessoal. 75

159 que su R.a havia de dejar mui apretado que nunca se consintiese Español alguno, ni mestizo en estas Misiones, por ningun titulo, hizo la 1ª pergunta dicha; a que respondieron los Padres, era escusada, supuesto el orden, que decia, havia de poner; y assi que se avisasse a Tarija para que por alla le detubiesen; pero si le cogiese este año en el camino, traiendo el avio, se le permitiese el quedar aqui asta descharle el año siguiente. 77

Possivelmente ele não teria instrução e teria sido admitido pois não havia outro meio de fazê-lo retornar às suas origens. Além do mais, sua própria condição tornava-o um elemento pouco perigoso para a obra missional, e possivelmente sua devoção comoveu a algum padre, que ao ajudá-lo, fê-lo mais um auxiliar para a Companhia de Jesus, que não dispunha de muitos sacerdotes para compor suas missões.

Susnik justifica as mortes ocorridas e a resistência indígena de outro modo: La resistencia a la misionización fue abierta, anunciándose como el motivo directo la muerte de algunos niños bautizados, para todos los Zamucos un simbólico "fin del mundo tribal". Esta resistencia, guiada por el shaman, vióse reforzada por la presencia de la pandilla de los hombres que mataron al Fray A. Romero.78 El primer contacto se estabeleció en el año 1717; la "ranchería" zamuca recibió al misionero con un 'besamanos', lo que indica que la función de sus 'mensajeros-visitantes' era efectiva, trasmitiendo éstos la manera del 'recibimiento cristiano'; se levantó una cruz, pero la tierra inhóspita no invitaba a un aldeamiento reduccional. Fueron luego enviados el P. Miguel de Yegros y el Hno. Alberto Romero a estabelecer la reducción de S. Ignacio de Zamucos; el cruce de las tierras fue adverso: o sequías o inundación .... Los zamucos no obstante, resistíanse a la mudanza a un nuevo lugar escogido por los misioneros; no se decidían tampoco por un aldeamiento al sur de las tierras de los Cucutades-Morotocas, aduciendo que esperaban 'la madurez de sus zapallares"; el cacique zamuco como el vocero de la comunidad trataba de desviar la atención del misionero hacia la zona sur-occidental de los Ugaraños.... En la nueva salida en 1719 para una fundación definitiva de la reducción de S. Ignacio, el P. M. de Yegros y el Hno. A. Romero no encontraron ya a los Zamucos con quienes mantenían contactos anteriores; éstos seguían 'realistas', conociendo el cambio cíclico subsistencial, desconfiando del proyecto de una "aldea fija"- para ellos de por sí "un gran cambio"-, y recelando de sus vecinos tribales; asentáronse cerca de una laguna abundante en pesca, cerrando todos los pasos que permitieron un acceso fácil a los extraños. El Hno. Romero los encontró, pero cayó víctima del recelo: una pesada maza destrozó su cabeza. 79

Assim, os maiores problemas para se estabelecer comunicação com os Zamuco

77

Documento 5 : 9-10. Susnik, 1978 : 164. 79 Susnik, 1978 : 166. 78

160 parecem ter sido: a constante presença de outras etnias junto com os jesuítas; as ausências prolongadas que intermediavam uma e outra visita dos padres - devido à falta de condições de sobrevivência para os missionários -; o modo de ser dos indígenas, cujas superstições relacionadas com os feitiços xamãnicos e as almas dos mortos, além da falta de recursos, os impelia a se movimentarem constantemente pelo território; e a inexperiência no trato com este tipo de população.

Todavia, sem abandonar a idéia de descobrir um caminho seguro até o Pilcomayo, após terem encontrado um pequeno rio que acreditavam ser o próprio, em 1719, espanhóis de Tucumam procuraram o provincial José de Aguirre80 solicitando ajuda para empreender: ... el modo que se podrían ter para facilitar el descubrimiento de este río, por donde podrían entrar diversos misioneros de la Compañia a convertir tantas naciones, consiguiéndose juntamente la comunicación de nuestra provincia del Paraguay con sus misioneros de los indios chiquitos, que le pertenecen, y evitar la suma distancia que hay por el camino de Tarija, que se tiene por cierto que la nueva misión de los Zamucos se acerca mucho al Chaco.81

Com ordens do Governador e do Provincial, deveriam ser empreendidas ao mesmo tempo três expedições, que se encontrariam em um ponto central, a fim de verificar os riscos, a geografia/hidrografia e as riquezas do Pilcomayo, visando uma nova rota pelo interior. Segundo Lozano, mandou-se o Padre Juan Antonio Montijo pela cordilheira a encontrar as nascentes do rio e que o navegasse em direção a Assunção. Por la parte de los Chiquitos, desde la misión de Zamucos ordenó que entrasen los Padres Felipe Suárez y Sebastián de San Martín, y últimamente por la boca del Pilcomayo que sale al río Paraguay, algunos misioneros de los Guaraníes, que fueron los Padres Gabriel Patiño y Lucas Rodrígues, acompañados del hermano Bartolomé de Niebla ... junto con un donado nuestro, llamado Faustino Correa....82

80

¡31.07.1661 (Guipúzcoa, Espanha) U 29.11.1727 (Buenos Aires, Argentina) = Procurador na Europa (17141717) e Provincial (1719-1722). 81 Lozano, 1941 : 428. 82 Lozano, 1941 : 428.

161 Os desbravadores da Cordilheira nunca encontraram o Pilcomayo. Aqueles que subiram pela foz no Paraguay, chegaram até os Chiriguano sem notícias de nenhuma outra expedição e, devido ao assédio Toba, tiveram de retroceder. "Los misioneros de Chiquitos habiendo caminado por los Zamucos hacia donde se juzga caer este río, nunca pudieron dar con él."83 Assim ficaram adiadas as intenções de uma nova rota para Santa Cruz e Tucumán.

De outra forma, as reações indígenas que se seguiram, despertaram a atenção dos missionários para novas formas de penetrar nos corações dos Zamuco e, com esse intuito, o padre Agustín Castañares84 tentou no decorrer do período, por diversas vezes, estabelecer contatos regulares e convencer os indígenas a se juntarem em uma redução: Entraron para este efecto los PP. Felipe Suárez y Augustín Castañares y habiendo caminado noventa leguas, llegaron á un pueblo de Zamucos, y por entonces no se consiguió reducirlos. El año siguiente entraron los PP. Jaime de Aguilar y Augustín Castañares, y habiendo salido á 29 de Abril, caminaron las noventa leguas que los del año antecedente y hallaron desierto el pueblo en que estaban antes. Pasaron veinte leguas más adelante á outro pueblo á donde dirigían la derrota. Hallaron en él á sus moradores, que los recibieron de paz. Seria dicho pueblo, llamado Cucutades, de cinguenta familias, gobernado por tres pincipales caciques; uno de los cuales estaba ausente. Después de mucha vocinglaría de los infieles les propusieron los Padres el fin de su ida á aquellas tierras, que era quedarse entre ellos y ayudarles como á los Chiquitos.85

Entretanto, as lideranças Zamuco não demonstravam satisfação ou interesse em receber os padres em suas terras, porém os sacerdotes insistiam em conversar com um terceiro líder e o aguardaram, inquietando aos indígenas. Quando este chegou, também recusou enfaticamente a ajuda dos padres, uma vez que consideravam-nos "feiticeiros".

83

Lozano, 1941 : 429. ¡25.09.1687 (Salta, argentina) U 15.09.1744 (Chaco) = Superior de Chiquitos 1739. 85 Fernández, 1896 : 245.

84

162 Neste entremeio, chegou ao povoado o assassino do irmão Romero. Percebendo que conjecturavam findar com suas vidas, os padres decidiram partir. Ao final do seu relato, Padre Fernández descreve um possível arrependimento dos indígenas, após o transcurso de alguns meses, em não se deixarem reduzir e cristianizar, deixando em suspenso um sucesso na obra missional: ... se vinieron á San Juan dos parcialidades que hacian veinte familias y llegaron á aquel pueblo á 25 de febrero de 1723. Eran de dos pueblos de Zamucos; del uno llamado Quiripecodes, venía el cacíque Sofiade con los hermanos suyos, matadores del Hermano Alberto y diez familias en que habia cincuanta almas. Del outro, llamado Cucutades, vino su capitán Omate, que fué el que el año pasado había echado á los Padres de todas sus tierras, y traía nueve familias de sus vasallos, que eran cuarenta y dos almas. Los noventa y dos, pues, sin ser llamados ni convidados ahora se vinieron huyendo de los Ugaraños que les hacían guerra y dijeron que tras ellos vendrían los demás. Pero habiendo enfermado de peste todos, se atemorizaron u dijeron que querían Padres en sus tierras, lo cual concedido, se volvieron á ellas. Por esta causa, el día 30 de Junio salió el P. Superior de aquellas Misiones Francisco Hervás con el P. Castañares á fundar Reducción entre ellos. Llegaron después de cuarenta días de camino á los pueblos Zamucos, que hallaron totalmente desiertos; en busca de ellos fué solo con los indios el P. Castañares, y hasta ahora no se sabe en qué há parado.86

Fundamentado nessa correspondência ao Provincial, percebe-se que os indígenas ao aceitarem finalmente a conquista pela fé, vieram até a redução de San Juan com um propósito diverso ao do trabalho missional - que era fugir da doença que os assolava e das guerras com outras etnias, em especial os Ugaraño -, mas que dele resultava. A relação que se estabeleceu, na seqüencia, entre esses indígenas reduzidos e o Padre Castañares parece ter sido a de um filho perante o pai, no entanto, como se verá mais adiante, foi mais próxima à relação de liderados perante seu líder tribal, de acordo com o descrito no capítulo anterior.

86

Fernández, 1896 : 248-249.

163 Em "Historia del Paraguay", Charlevoix sustenta um posicionamento pouco divergente ao de Patrício Fernández, porém foi através desse pesquisador que se pode continuar verificando os acontecimentos e rupturas que se seguiram. Assim ele descreve a chegada dos Zamuco em San Juan: La muerte del P. Romero, asesinado a traición por aquellos indios, no había hecho perder de vista a los misioneros de los Chiquitos el proyecto de extender hasta allí su república cristiana, persuadidos, como lo estaban, de que no había medio más seguro de establecer comunicación fácil entre las provincias del Paraguay y Tucumán. Intentaron, pues, los PP. Aguilar y Castañares volver a atraer a los Zamucos; pero sus primeras tentativas no tuvieron buen éxito. Poco tiempo después causó gran sorpresa ver llegar en dos tropas 200 de aquellos indios de toda edad y sexo a la reducción de San Juan Bautista de los Chiquitos, la más cercana a su país, aunque distaba de él 80 leguas. Eran de dos naciones diferentes, porque son muchas las que se comprenden debajo del nombre de Zamucos, a causa de hablar todas la misma lengua. Cada una de estas tropas iba conducida por su cacique, y todos pedían que los recibiesen en la reducción.87 No tuvieron gran dificultad en lograr lo que deseaban, y no se difirió mucho el bautizar los niños; pero fué preciso interrumpir largo tiempo la instrucción de los adultos, porque la mayor parte cayeron enfermos. Reparó el P. Hervás, Superior de aquellas misiones, que no les convenía el aire de aquel país, y se encargó él mismo de llevarlos de nuevo a su tierra y formarles allí una reducción. Convinieron en ello con gusto, y el Superior se hizo acompañar por el P. Castañares, a quien destinaba para aquella buena obra. Las fatigas del viaje, que fué de cuarenta días, costaron la vida al P. Hervás, causándole una enfermedad de que murió en breve. Su compañero, más joven y mas robusto, llegó con buena salud al término del viaje con todos los indios.88

Percebe-se que a intenção de buscar uma rota segura até Assunção continua sendo o principal motivo para se criar novas reduções no Chaco. Além disso, a doença que fomentou a vinda dos Zamuco para a redução abateu-os mesmo estando sob a proteção e medicina dos padres. A epidemia também auxiliou ao Padre Hervás em convencer as lideranças de retornarem para seu lugar de origem e ali erguer uma nova redução (cumprindo assim a missão de criar novas bases de exploração do território). O jesuíta continua, então, com o início do processo de construção da redução e os problemas que se seguiram, em função do ambiente chaquenho: Halló que la situación del paraje era muy ventajosa, e hizo, lo primero, levantar una tienda que durante algún tiempo le sirvió de casa y capilla; pero habiéndose agotado al poco tiempo todas las provisiones que habían llevado de San Juan, se vieron todos dentro de poco reducidos a no tener por todo sustento más que raíces silvestres. ...Poco a poco los acostumbró a trabajar la tierra; tomó la reducción una forma regular, y fué puesta bajo la protección de San Ignacio. Pero las 87 88

Charlevoix, 1916 : 48-49. Charlevoix, 1916 : 49.

164 tareas que se veía obligado a ejecutar el Padre para acostumbrar a los Zamucos a trabajar a ejemplo suyo, unido a las instrucciones que les hacía asiduamente, eran fatigas superiores a las fuerzas de un solo hombre, y pronto huviera sucumbido si no le hubiesen enviado socorro. Fué a servirle de compañero muy a propósito el P. Bandiera.... 89

Seguindo a concepção de reduções que se tinha no século XVIII, a redução de San Ignácio de los Zamucos possivelmente foi erguida em um local onde a água estivesse disponível por um tempo maior, ou que não fosse tão escassa, no qual o solo pudesse ser irrigado e cultivado, e não muito distante de pastagens capazes de alimentar algumas cabeças de gado, suprindo assim a necessidade de carne. Entretanto, a descrição detalhada do ambiente da localidade em que foi erguida não vigora nos textos jesuíticos consultados, nem a conformação do espaço reducional. Eles apenas se atêm ao fato de que os povoados de indíos foram construídos de forma a manter cada etnia em um "bairro" específico, mais ou menos parecido com o que se processou com os Chiquitos. Através desses bairros manteriam alguns hábitos antigos, frente à homogeneização promovida pelo método jesuítico. O traçado da redução possivelmente se assemelhava com o traçado das reduções de Chiquitos, porém, devido aos parcos recursos que o Chaco Boreal dispõem, a igreja não deve ter passado de uma cabana de madeira, coberta com um telhado de palha; talvez houvesse uma torre para um sino, como era de praxe na concepção arquitetônica jesuítica, porém os documentos não elucidam a questão. Eles apenas inferem que o padre Cura, ao se mobilizar para construir a igreja, teria trazido consigo o material suficiente para as Missas. A casa dos padres ficaria a uma certa distância da igreja, e ela foi erguida graças a persistência do padre Bandiera em se abrigar de modo a poder estudar a língua dos

89

Charlevoix, 1916 : 49-50.

165 indígenas sem a perturbação das intempéries90. Não existiria uma casa separada para órfãos, viúvas e enfermos, como ocorria nas reduções do Paraguai, Guairá e Tape, de acordo com o que se observou nos Documentos 13 e 17, de autoria dos padres Bandiera e Chomé, respectivamente. O Documento 13, se refere à estadia do padre Bandiera antes da construção da Igreja de San Ignácio, e o Documento 17, relata o sucedido durante os últimos meses antes do abandono da redução. Devido às condições ambientais, às severas regulamentações sobre o consumo e distribuição de carne de gado e aos constantes abandonos da redução por parte dos indígenas, a estância dessa missão também não deve ter sido muito permanente. Há apenas uma referência sobre 400 cabeças de gado (em 1745), nas quais possivelmente se somavam o vacum, cavalar e o lanífero: ... de las parcialidades de los Zamucos, Cucutares, Satienos, Ugaraños, Itapíos; con el resumen general y memorias de los bienes de comunidad de dicho pueblo, consistentes en dos estancias de ganado vacuno, que la una tendrá 300 cabezas y la outra 100, entre grandes y chicas, y en una chacra en que siembra maíces, yucas y porotos y otros frutos de la tierra.91

Deve-se salientar que os indígenas que compunham a redução eram essencialmente caçadores-coletores, e não estavam habituados com o manejo do cavalo, muito menos com a racionalização do provimento de alimentos. Quando existe alguma referência a índios montados nos documentos, aparecem somente aqueles Chiquitos que conduziam o gado até a redução e que faziam parte da comitiva dos padres Cura. Caleffi salienta que: ... o consumo de carne de gado nas reduções chiquitanas, segundo Knogler, não teve um caráter cotidiano, funcionando mais como uma reserva para períodos de crise ou dias de festa. Notamos que a dieta dos indígenas reduzidos não poderia restringir-se unicamente ao produto de suas plantações. Primeiro, porque isto não seria provavelmente uma fonte alimentar suficiente, tanto em termos de quantidade como protéico. E, também, porque as reduções não podiam expor90 91

Conforme Documento 13. Pastells, 1946 : 657.

166 se a estarem desprevenidas com alguma colheita prejudicada, sendo esta sua única fonte de alimento. Baseando-nos nesses fatores, das declarações dos missionários e mesmo de outros estudiosos desse grupo reducional, podemos afirmar que a caça, a pesca e a coleta, longe de serem atividades encerradas com o processo reducional, pelo contrário, permaneceram ao longo do mesmo como uma importante fonte de manutenção e alimentação do contingente demográfico habitante das reduções, como produto complementar das suas roças.92

Acredita-se, então, que a estância deveria estar sob vigilância constante do Cura, auxiliado por alguns poucos indígenas, e esta deveria se localizar nas proximidades da plantação e da casa dos padres (chamada de chácara): Outro elemento muito importante que fazia parte dos bens comuns era a chácara do cura, que consistia em uma parcela de terra da qual o produto cultivado era todo destinado a ingressar no fundo comum.93

Entretanto, é a mesma pesquisadora quem relativiza as comparações entre as diversas reduções que compunham a Missão de Chiquitos, afirmando que ... cada conjunto reducional, ainda que sob a administração da mesma ordem, tem suas características próprias devido à necessidade de adaptação em cada caso específico.94

Mais tarde, como se verá no decorrer do capítulo, a redução foi cercada e a igreja reforçada, em função dos ataques sofridos.

Segue, Charveloix, seu relato: Habiendo notado que la falta de sustento le debilitaba mucho por no poder sostenerse con sólo raíces en medio de ocupaciones tan penosas que no le dejaban un instante de descanso, un catecúmeno se empeñó en no dejar que le faltase carne [ao padre Castañares]. De tiempo en tiempo iba a cazar, y luego que había muerto un jabalí, se lo cargaba a la espalda, lo dejaba a la puerta del Padre y se retiraba sin decir nada ni querer ser conocido. Duró esto hasta la estación de las lluvias, durante las cuales un arroyo que había cerca de la reducción proporcionaba pescado en abundancia, y el misionero, que había hecho secar las carnes, pudo aún hacer buena provisión de ellas para los enfermos.95

92

Caleffi, 1993 : 176. Caleffi, 1993 : 174. 94 Caleffi, 1993 : 178. 95 Charlevoix, 1916 : 51. 93

167 No trecho reproduzido acima, percebe-se a manutenção de alguns traços culturais típicos dos Zamuco, no qual um jovem e um velho estabelecem relação de companheirismo, quando o jovem deve provar suas habilidades de guerreiro e de homem adulto socialmente ativo. Demonstra também os cuidados dos jesuítas para com a cura dos doentes e a ajuda despendida àqueles que não estão inclusos nas atividades produtivas ou que não tem direito de uso da terra. Porém, ressalva-se que os enfermos continuavam a habitar suas próprias casas, e que o padre que estivesse encarregado da redução deveria sempre visitar o pueblo, a fim de auxiliar os necessitados. As primeiras contendas internas da redução aparecem quando o padre Castañares se ausenta, conforme Charlevoix: Poco después de la llegada del P. Bandiera, hizo un viaje el P. Castañares a los Chiquitos y condujo allá algunos jóvenes Zamucos. Regresó a principios del año 1724, y salió de nuevo al cabo de tres meses con el P. Juan de Montenegro. Supieron en el camino que se habían movido disensiones entre las dos naciones congregadas en San Ignacio; que hasta habían llegado a las manos, habiendo habido muertos y heridos; que algunos habían huído y que el P. Bandiera no tenía seguridad de la vida. ...Halló al llegar que se había disminuído algo el fuego de la discordia, y su presencia lo acabó de extinguir, pero conoció que se había fiado demasiado de sus indios.96

Como se vê, a falta de um referencial de liderança forte despertava nos indígenas reduzidos a falta de confiança no substituto do padre Cura. O relato do padre Bandiera é bastante claro nesse sentido: En este tiempo seria como 2 de Abril, embié de noche a llamar a Coyoreac [líder Zamuco responsável pelo assassinato do irmão Alberto Romero], para que al dia siguiente carpiesen los Indios un pedazo de Chacara; me pidió una Cuña; dixele ¿que havia hecho de la suya? Respondiome que se le havia gastado. (grandissima mentira, pues poco antes y despues se la vi) y prosiguió diciendo que yo era un mesquino, pues havian ido a sus tierras el difunto Padre Superior Francisco Hervas y el Padre Agustin Castañares, y les habian repartido cuñas, cuchillos, machetes, camisetas, chaquiras, e que yo no les havia dado nada; y concluyo su sermon, diciendome que solamente los hombres havian de ir a carpir, y no los capitanes, sino les daba a estos cuña.97

96 97

Charlevoix, 1916 : 51-52. Documento 13 : 3-4.

168 Como se observa no Documento, o líder indígena tentou utilizar um atrito com o padre para justificar a sua conduta frente as outras etnias, afirmando que aos outros foi distribuído um maior número de suprimentos e implementos do que para sua tribo. O que estava em jogo era o poder de liderança de Coyoreac, que havia diminuído desde que padre Bandiera assumira os trabalhos da redução, não se reportando ao índio como o padre Castañares fazia, mostrando maiores cuidados para com os novos grupos que se haviam unido aos da redução. O estopim para as perseguições que se seguiram então, foi uma suposta feitiçaria lançada pelos Cucutades98 contra alguns Zamuco, que adoeceram. O sacerdote padeceu bastante durante a ausência de Castañares, estando sob ameaça de morte diversas vezes. Quando sua relação com os indígenas se tornou insustentável, estando a redução praticamente abandonada, chegaram os primeiros indígenas da comitiva de Castañares que retornava. Domingos Bandiera saiu, então ao encontro do Cura, que buscou apaziguar os ânimos dos índios e as moléstias do sacerdote. Percebe-se, desse modo, que as etnias reduzidas brigavam entre si pelo simples fato de serem diferentes, pelas desigualdades no reparto de objetos, por disputas de poder ou por rituais de feitiçaria que desagradavam àqueles que eram mais fervorosos no combate às "forças malignas", segundo os próprios índios. Era corriqueiro, então, que na ausência do padre Castañares aumentassem os pontos de atrito entre esses grupos, pondo em risco o projeto, a redução e a vida dos padres99.

98 99

Os mesmos Curacates referidos anteriormente. Documento 17.

169 Para os Zamuco, um bom líder era aquele que sabia falar no momento oportuno e sabia atender as necessidades de seus liderados: El ethos sociopolítico de los Zamucos implicaba la oposición clánico-grupal, y la movilidad interna, manifestándose fluctuantes integraciones o fragmentaciones sociolocales-, dependía de 'aguadas-crecientes' y seguía, dos factores que acondicionaban la subsistência en dicho terruño estéril.100

O Padre Castañares, ao empreender a construção da igreja da redução, optou por mudar todo o povoado de local, em função de problemas ocasionados pela falta de recursos e devido às disputas internas entre as etnias, que já haviam despachado os Cucutade. Pareceu aos indígenas que ele estava atendendo às necessidades de obtenção de recursos ao mesmo tempo em que promovia uma nova chance de integração inter-étnica. Desse modo teve aumentado o apreço dos indígenas por ele. No había aún outro albergue para él y sus dos compañeros que unas malas chozas cubiertas de paja, pero había outra cosa que urgía más que el alojarse cómodamente. La reducción no tenía iglesia; y como los Zamucos no podían ser de gran provecho para edificarla, casi todo el trabajo cayó sobre los misioneros y sobre algunos Chiquitos que habían seguido a los PP. Castañares y Montenegro. Además, era necesario tener cuidado de volver a hacerles cultivar las tierras, tarea que las disensiones habían interrumpido; prevenir los menores motivos de disgustos que pudiesen renovarlas y proveer a las necesidades de todos, mientras llegaba la nueva cosecha.101 Hallábanse ya juntos los materiales de la iglesia; pero antes de emprender la obra, hizo el P. Castañares trasladar el pueblo a paraje más cómodo. Presidió él mismo a todo, y trabajó como el último peón. Luego ayudó a los indios a desmontar sus campos, y cuanto sembraron en ellos dió el ciento por uno. Hizo seguidamente varias correrías a las aldeas vecinas; y ninguna hubo de la que no volviese con una tropa de prosélitos. Industriólos en los trabajos que se habían comenzado, y muy luego estuvo terminada la iglesia, alojados los misioneros y todos los habitantes ....102

Finalmente parecia que tudo corria bem... a redução estava formada, com igreja, casa para os padres e para os indígenas que a compunham, o alimento estava semeado, as doenças haviam sido controladas, aqueles indígenas que haviam

100

Susnik, 1978 : 60. Charlevoix, 1916 : 52. 102 Charlevoix, 1916 : 53-54. 101

170 abandonado a redução foram trazidos novamente para "o caminho de Cristo" e as demais etnias chaquenhas se ocupavam com assuntos pertinentes a sua própria manutenção. Lozano (1941) descreveu a passividade da situação da seguinte forma: No obstante fiados los Jesuítas de esta provincia en la divina providencia, no omiten ocasión alguna de abrir puerta al Evangelio en la dilatadíssima provincia del Chaco, y cuando parece se les cierra ésta de la provincia del Tucumán, han hallado otra por la nación de los Zamucos, misión que pertenece a nuestra provincia, y en que están empleados actualmente los Padres Agustín Castañares y José Rodríguez. De éstos, el primero, que se debe llamar su fundador, que a costa de increíbles trabajos y fatigas há establecido la Fe en dicha nación Zamuca, agregando a la reducción de nuestro Padre San Ignacio las parcialidades numerosas de Cucutadés, Zatienós y Ugaranós, está muy animado a entrar desde allí al Chaco en este presente año; porque habiendo tenido noticia este fervoroso misionero que después de dichos Zamucos hacia el paraje donde cae el Pilcomayo se siguen los infieles Choraracas, Capanecas, Ydaicas, Ziriquicas Carapenocas, Namococas, Gonataques, Poigatodecas, supo también en después de éstos estaban los Terenacas, que ya usan caballos, señal cierta de que son indios del Chaco. Por esto había de entrar a procurar ganar para Cristo todas estas gentes y facilitar por aquí la entrada al Chaco, por donde se asegura más fácil; porque como por esta parte no se hallan los indios hostigados con las correrías de los Españoles, son más pacíficos que los que viven hacia la frontera del Español; con que reducidos éstos y experimentando aquéllos con cuánta paz viven ya cristianos, se irán domesticando poco a poco y deponiendo la aversión que tienen a la Fe por la enemiga contra el Español que la profesa.103

Por isso, viu a padre Castañares que já era tempo de continuar a conquista espiritual dos outros povos, aumentando o número de cristãos reduzidos em San Ignácio e procurando formas de se prosseguir com o projeto de diminuir as distâncias. Porém essas mesmas distâncias foram as responsáveis por quase perder-se tudo em fins de 1724: Todo esto parece que há barruntado el demonio, y por esto há hecho cruda guerra a la fundación del pueblo de San Ignacio en la nación de los Zamucos desde los principios que se entró a convertir esta gente. Porque después que la descubrió el celo infatigable del apostólico Padre Juan Bautista Cea, y prosiguió la empresa el Padre Miguel de Yegros, incitó a estos bárbaros a que diesen la muerte al hermano Alberto Romero, donado de nuestra Compañia, con que se desbarató por entonces la misión de los Zamucos. Volviéronla a emprender el año de 1721 los Padres Francisco Hervas, Jaime Aguilar y Augustín Castañares, y se les opuso el infierno por medio de un hechicero que conmovió a los suyos para que no dejasen hacer pie a los Padres en aquella tierra. Después que la restableció el Padre Castañares el año de 1723 causó en una ausencia suya tales discordias entre los Zamucos y Cucutadés, que componían dicha reducción, que estuvieron para consumirse unos a otros por tomar venganza de sus agravios, fuera de haber querido uno de ellos quitar la vida al Padre Domingo Bandiera, que había quedado en el pueblo. Cuando se habían compuesto por la industria celosa del Padre Castañares estas disensiones y se iba entablando la reducción con mucho fervor, ordenaron los superiores mayores de esta provincia se deshiciese y trasladasen los Zamucos y Cucutadés a las misiones de los Chiquitos, distante noventa leguas, con que se cerraba la puerta para entrar por allí al Chaco, que es lo que 103

Lozano, 1941 : 430.

171 con todas estas trazas há solicitado el infierno. Motivó esta traslación un informe de que era preciso viviesen los Zamucos y Cucutadés algunos años entre los indios chiquitos, que son cristianos tan fervorosos, para que con su ejemplo olvidasen sus mutuos odios y enemistades.104

Devido às grandes distâncias que separavam as duas províncias, do Paraguai e de Chiquitos, como se viu anteriormente, as cartas e mensagens demoravam muito tempo para chegar às mãos do Provincial em Assunção. O deslocamento requisitado, dos Zamuco para as reduções de Chiquitos, parece ter se originado pelas notícias do assassinato do irmão Alberto Romero e outros insucessos da missão entre esses indígenas terem chegado com muito atraso às mãos do Provincial Juan Bautista Zea, que conhecia muito bem aquelas populações. Como ele não sabia o que se passava com o padre Castañares e seus neófitos no interior do Chaco Boreal, uma vez que teve acesso às informações prestadas por Juan Patrício Fernández em sua "Relación Historial...", interventor nas reduções de Chiquitos da época, e ao relato da estadia desastrosa do Padre Domingo Bandiera na redução, o Provincial ordenou que se buscasse

pacificá-los

de

outra

forma,

ou

seja,

homogeneizando

a

língua,

desestabilizando o sistema cultural, e impossibilitando a fuga em massa dos indígenas para seu território de origem. Empero, la nueva aldea misional componíase de pequeños grupos que pertenecían a tres tribus diferentes, Ugaraños, Zamucos y Zatieños, el motivo siempre latente de discordias, de oratorias provocativas y amenazantes, o ya directamente de las grescas; cuando se agregaron también algunos Cucutades-Morotocas, la lucha por el "prestigio tribal" dentro de la aldea acentuóse; la venganza por las "ofensas recibidas" llevaba al mútuo duelo entre los diferentes grupos parciales. Por tales causas abandonóse temporalmente S. Ignacio y se trasladó a los Zamucos y a los Cucutades a las misiones chiquitanas con la intención de "cristianizarlos y chiquitizarlos" y de esta manera imponer la nueva pauta de conducta en las relaciones intertribales.105

Susnik percebeu a origem do problema apenas no interior da redução, deixando

104 105

Lozano, 1941 : 430-431. Susnik, 1982 : 166.

172 entender que o processo de deslocamento havia ocorrido por decisão do próprio padre Cura, o que não é observado nos documentos jesuíticos. Contudo a hipótese não pode ser descartada, uma vez que se sabe que estes conflitos existiam e eram comuns tanto no interior da redução quanto nas aldeias que não haviam sido contatadas pelos jesuítas; porém o padre Castañares não teria tomado a decisão sozinho pois, como se viu, recém havia conseguido erguer a igreja, alojar toda a população em casas concebidas dentro do projeto urbano reducional e fazer com que os indígenas convivessem e semeassem uma plantação. Além disso, Charlevoix (1916) destaca as dificuldades que os jesuítas teriam de enfrentar e das quais as lideranças Zamuco tinham plena noção, devendo, portanto, ser convencidas de que tudo se resolveria ao chegar em San José e que Deus iria protegêlos na jornada: ... para comprender el apuro en que se vieron los Padres, cuando hubieron de resolver a los Zamucos a dejar su país, es preciso conocer la adhesión de los indios que no son errantes a su país natal; a lo que añade que, comparadas con lo que costó para decidir a éstos, tenían los misioneros por nada las fatigas del largo viaje, durante el cual fué preciso sustentar a una multitud de hombres, mujeres y niños en desiertos, en los que, a no ser por una especial protección de Dios, la mayor parte hubieran perecido de hambre y de miseria.106

De outra forma, o próprio Lozano (1941) argumenta que a ordem do traslado foi equivocada e os superiores tentaram reparar o erro, conforme trecho que segue: Pero mejor informado los superiores de que ya estaban pacíficos cuando se ejecutó la traslación, dió orden el Padre Provincial Ignacio de Arteaga el año de 1726 para que se volviesen a su antiguo puesto y fundase de nuevo la reducción el Padre Castañares, como lo ejecutó estando unas veces solo, otras acompañado del Padre Juan de Montenegro, y en este tiempo va cada día más adelante aquel pueblo, a que redujo el Padre Castañares la nación de los Ugaraños y la parcialidad de los Zatienós y de esta manera se han frustrado los ardides del demonio de impedir por este camino la entrada al Chaco, que se prevenía a ejecutar este año, como ya apunté, el Padre Agustín Castañares, de cuyo experimentado y fervoroso celo nos prometemos felices sucesos, para bien de tan innumerable almas, aunque hasta ahora, no se puede tener noticia individual por la distancia de aquellas misiones al resto de esta provincia.107

106 107

Charlevoix, 1916 : 54. Lozano, 1941 : 431.

173 Antes de proseguir com o retorno ordenado pelo Provincial à antiga redução de San Ignácio, é importante relatar o que ocorreu em San José, pois foi um dos pontos que ajudaram a convencer as lideranças a fazer o caminho inverso e passar por todas as agruras da viagem novamente: Llegaron finalmente a San José de los Chiquitos, donde fueron acogidos de un modo muy próprio para hacerles olvidar cuanto habían dejado. Al año siguiente, el P. Castañares acometió con escogida tropa de Chiquitos y Zamucos la empresa de someter al yugo del Evangelio a los ZATIENOS, que hablan la misma lengua que éstos últimos, pero que les hacían continua guerra.108

Algumas famílias desses indígenas se sujeitaram a receber os ensinamentos dos padres e seguiram com eles até San José, onde uma enfermidade, que o autor não cita qual, atingiu toda redução e seu povoado, dizimando boa parte da população dos Zamucos. Novamente o número de pessoas da redução havia se dilatado, ao somar os Chiquitos que nela habitavam com os Zamuco, Morotoco e Zatieños, sendo necessário desafogá-la antes que problemas maiores liquidassem com todos os planos dos padres. Por isso, além da ordem provincial, que chegou pouco tempo depois do ocorrido, as lideranças dos Zamuco e Zatieños, solicitaram o regresso para seu antigo habitát ao padre Castañares, acreditando que dessa forma poderiam se ver livres dela: Entonces los pocos que quedaban, algunos de los cuales sentían ya los primeros síntomas de la enfermedad, pidieron con instancia que los volviesen a San Ignacio. No pudo dejar de satisfacérseles, y se encargó de conducirlos el P. Castañares. ...algunos murieron en el camino, y él mismo cayó enfermo. ...El gozo que sintieron los Zamucos en verse de nuevo en su país, les movió no sólo a reparar su pueblo e iglesia con una actividad de que no se les creía capaces, sino que produjo entre ellos un aumento de fervor, docilidad y afecto a sus pastores....109

Novamente instalados em San Ignácio, os padres Montenegro e Bandiera foram chamados em 1729 pelo Provincial, que enviou a José Rodriguez para substituí-los. Continuou o Padre Agustín Castañares buscando outros grupos para serem cristianizados pois:

108 109

Charlevoix, 1916 : 54. Charlevoix, 1916 : 55.

174 ... no pedían ya aquellos nuevos cristianos sino que los empleasen en conquistas espirituales, y su santo pastor se aprovechaba frecuentemente de su buena voluntad para hacer nuevos descubrimientos y ganar almas a Jesucristo... de suerte que, en pocos años, no sólo los indios todos que hablaban la lengua de los Zamucos, sino muchos otros también, se hallaron congregados en San Ignacio. 110

Na ausência do Padre Cura residia o princípio das controvérsias internas da missão, como se viu anteriormente. Ao se estabelecer uma separação residencial por bairros, os padres fomentaram a manutenção dos antigos costumes indígenas, pois em seus redutos era-lhes permitido o uso de sua própria língua, ao invés da língua geral (San Ignácio foi uma exeção dentre as demais reduções, pois nela a língua geral era a Zamuco e não a língua dos Chiquitos). Dessa forma, longe das vistas dos padres e enquanto esses se ocupavam com seus afazeres, os líderes que se sentiam prejudicados com a introdução de novos grupos étnicos na redução, podiam confabular contra seus desafetos, ou mesmo, contra os jesuítas. Além disso, não abandonaram certas práticas tradicionais, pois a manutenção da vida ainda era precária nesses primeiros momentos da redução, dependendo da prática de caçar e coletar alimentos. Assim, as normas criadas a partir dessa relação com o ambiente não foram desfeitas ou esquecidas, nem geraram a necessidade de ser adaptadas a uma realidade horticultora que se impunha. Pelo contrário, o uso dos instrumentos fornecidos pelos jesuítas contribuía bastante para a manutenção dessas relações e normatizações, ao disponibilizar adagas e machados de metal, cuja vida útil era superior aos antigos instrumentos líticos ou de origem vegetal. As práticas extrativistas foram bem aproveitadas pelos sacerdotes da Companhia de Jesus, pois eram inseridas no sistema econômico como forma de pagamento pelos produtos

110

Charlevoix, 1916 : 57.

175 comercializados com os espanhóis. Assim, os jesuítas exigiam dos indígenas sal, cera e fios de algodão em troca de instrumentos de metal e outros produtos que não podiam ser confeccionados na redução. Nesse período inicial, muitos neófitos foram perdidos: seja por fuga devido às condições de vida ou às pressões inter-étnicas; ou por morte, nas brigas, pelas doenças ou pela falta de água. Todas as relações entre indígenas cristãos e espanhóis das cidades foram proibidas, acarretando punições severas aos infratores. A evasão de segmentos das diversas etnias que compunham a redução era constante e as visitas de parentes, que não se tinham cristianizado, aos habitantes dos pueblos não podiam ser controladas pelos jesuítas pois foram sempre acobertadas pelo Cabildo, interessado na manutenção dessa dinâmica. Padre Rodríguez foi substituído, pouco tempo depois, pelo Padre Diego Pablo de Contreras111, enviado para que aprendesse a língua desses índios e pudesse adquirir a confiança deles, substituindo a figura de Castañares quando esse tivesse de se ausentar. Além disso, cogitava-se que o Padre Contreras, ao aprender a língua Zamuco, poderia servir como Cura numa nova redução entre os Caipotorades do leste chaquenho, que utilizavam dialeto Zamuco. 4.2.2 O período áureo Nos anos que se seguiram, a situação da redução parece ter se estabilizado e os Zamuco, Zatieño e outras etnias que a compunham, possivelmente se acostumaram com a vida sedentária e regulada que os jesuítas lhes pregavam, pois os textos

111

¡2.07.1691 (Córdoba, Espanha) U 06.10.1754 (Chiquitos).

176 referentes aos anos subseqüentes não demonstraram mais as constantes rebeliões que vigoravam desde as missões volantes do Padre Zea. É possível que esse último sítio tenha sido aquele localizado por Pizarro Loureiro no paralelo 21°30', séculos mais tarde, baseado em um livro de Mercado Moreira (sem outras referências) cujo título era "El Chaco Boreal"112. Entretanto, em nenhum dos mapas históricos consultados a posição de San Ignácio vigora abaixo dos 20°30', sendo que os posteriores a 1750, já plotam a redução em sua localização final, próximo às de Santa Ana e São Miguel, completamente descaracterizada de sua função original, com outra conformação populacional e, portanto, sem "de los Zamucos" como designativo. Cabe lembrar aqui que San Ignácio de los Zamucos foi trasladada, desde a localização do sítio com uma cruz erguida pelo padre Juan Bautista de Zea, até 1732, pelo menos cinco vezes, sendo destruída pelos indígenas ao menos três vezes. Devido ao pouco estudo que se fez sobre esta redução, não se conseguiu precisar a sua localização exata nem sua conformação arquitetônica original. Contudo, tem-se razões para acreditar que, a partir da relativa acomodação desses primeiros indígenas chaquenhos, submetidos ao sistema colonial pelos métodos da Companhia de Jesus, viabilizou-se ao padre Castañares saír em missões volantes para buscar outros grupos étnicos que pudessem ser cristianizados na redução de San Ignácio e que, posteriormente, auxiliassem na construção de outras reduções objetivando alcançar o Pilcomayo ou o Paraguay. Ao contrário do que os jesuítas esperavam, ao serem deslocados para San Ignácio, o novo contingente populacional dos Ugaraños motivou uma situação de

112

Loureiro, 1933 : 75-80.

177 desconforto no interior do pueblo, desestabilizando novamente os ânimos dos demais indígenas cristianizados: Al nuevo Pueblo de S.n Ignacio de los Zamucos llegaron por el mismo mês de Nov.re [de 1731] los Christiano que salieron â recoger los Ugaraños que se avian quedado aun en su Pays, y lograron traer 150 almas de aquella Nacion. Poco despues bolvieron â salir otros Christianos de dho Pueblo â rebuscar las reliquias de los Ugaraños, registrando con nueva diligencia sus bosques, y no bolvieron hasta 25 de Enero de 1731, pero tampoco vinieron vacios, pues traxeron 87 almas de la misma parcialidad, y también notícias de que mas adelante avia otras Nacioncillas como Terenás, Carapaenos, Aicotiás, etc., con quienes solian los Ugaraños tener sus guerras y por esto se determinó el P.e Agustin Castañares â passar â hablarles sobre el negocio importante de su salvacion y juntam.te ver si por alli podia descubrir noticia del Rio Pilcomayo, para penetrar por aquel camino al Chaco, é ir con la conversion de las Naciones intermedias facilitando la comunicacion con la Provincia, que aora es tan dificil por muy remota.113

Supõe-se que, aos poucos, os Zamuco sentiram-se numericamente inferiores frente ao aumento de Ugaraños e Zatieños na redução. Logicamente, quando foi criado o bairro dos Ugaraños, uma nova liderança despontou, e ao se acrescer outras tribos da mesma etnia no bairro, sua influência ascendente acabou por ofuscar outros líderes dos bairros vizinhos e que compunham o Cabildo. Gestava-se, assim, nova discórdia. Alheio aos problemas do pueblo, o Cura apenas visava o duplo empreendimento de catequizar as etnias do sudeste chaquenho e, assim, encontrar a esperada rota que diminuisse os problemas de comunicação entre as Províncias de Chiquitos e Paraguai. Logo, a aproximação aos Terena renovava as expectativas de efetivar o intento, vislumbrando a hipótese de se construir uma outra redução também entre esses índios: Por fin en este mismo año [1731] hizo tambien el P.e Agustin Castañares una larga correria en prosecucion de los intentos que mucho tiempo há se tienen de descubrir por esta parte el Rio Pilcomayo por donde se imagina mas facil la comunicación de estas Missiones con el resto de la Provincia, y la conversion de los muchos infieles del chaco. Sacó pues de su Pueblo de S.n Ignacio trecientos Yndios Christianos, parte Zamucos, parte Ugaraños, y con ellos se puso en marcha por el mês de Junio; no quiso coger el rumbo derecho al Sur, como otras vezes, por temor de dar con los Tobas ô con los Mocovies, que son naciones fierissimas y enemigos declarados del nombre de Xptiano, sino que declinó azia la parte del Oriente y despues de caminar como cien leguas dio en un pueblo de Terenas, cuia lengua es diferentissima de las demás, y ellos gente yá de â cavallos, y que uzan lanzas que parezen tienen afinidad con los Guaycurus. Todo el Pays intermedio es muy esteril y seco; los arboles intermedios crecen muy poco y son espinosos; agua no se encuentra permanente; con que no es facil de ponderar quanto se padeció en esta Mission. Fue fruto de ella la ganancia de buen numero de almas que se reduxeron a bolverse con el P.e Agustin â su Pueblo; 113

Cortesão, 1955 : 190.

178 pero ninguna noticia halló por alli del Pilcomayo que con tanto afan se há buscado, ni vio disposicion en aquel terreno para fundar Pueblo.114

Porém, no momento em que muda de estratégia para alcançar o Pilcomayo, o contato com os Terena, os problemas decorridos na sua estadia entre esses indígenas e a ausência prolongada devido a esses mesmos problemas, fomentaram o deseqülíbrio da situação de San Ignácio novamente, havendo contendas também na missão volante do padre Castañares: Bolviasse al sur de S.n Ignacio con los infieles, quando algunos de estos se huyeron, y fueron â dar aviso â todos Gentiles tambien de â cavallo, que se rezeló entonces fuessen Gauycurus, gente ferocissima bien conocida hazia la governacion del Paraguay, donde han causado innumerables estragos en las tierras de Christianos, pero no eran sino Carapaenós, quienes vinieron luego â pelear con los Christianos Zamucos, de los quales mataron al mas valiente, y á otro le dexaron mal herido. Los Zamucos, que por semejantes insultos de los Gentiles van á estas expediciones armados se pusieron en defensa, mataron á otro de los Carapaenos, mal hirieron á otro, y se enardecieron tanto en el combate, que le costó mucho trabajo al P.e Castañares hazerles cessar de la pelea, y meterlos en paz. Por interposicion pues del P.e dexaron de pelear, y se desaparecieron, bolviendose los Ynfieles agressores â su Pays, y marchando el P.e y los Zamucos azia su Pueblo de S.n Ignacio con solos treinta y tres Terenás, que fueron constantes en seguirle, sin quererse huir como los otros ....115

Fugiram também os trinta Terenas e padre Castañares resolveu enviar cinco Zamuco para tentar persuadí-los a voltar, entre eles o filho do Corregidor. A comitiva tinha como missão presentear-lhes com machados e provisões de carne. Contudo, desconfiados das intenções dos cinco Zamuco, assassinaram os Terena a três deles, dos quais um era o filho do líder dos Zamuco. Ao retornarem, os sobreviventes notíciaram o ocorrido salientando a intenção dos Terena, que se preparavam para atacar a redução e já estavam organizando uma coligação com outras tribos para efetivar o intuito: Afligio mucho esta [noti]cia al zeloso Padre Agustin, y para prevenir qualquier riesgo despachó prontam.te aviso â los Pueblos mas cercanos de los Chiquitos el año de 732, en cuios primeros meses esso sucedia, significando quanto rezelaba se convocassen y juntassen otros muchos infieles, y viniessen â destruir su Pueblo, y solicitando se le embiassse socorro de Yndios Chiquitos cuyo nombre solo basta para aterrar â todos aquellos infieles....116 114

Cortesão, 1955 : 196. Cortesão, 1955 : 196-197. 116 Cortesão, 1955 : 198. 115

179 Já em San Ignácio, os Ugaraños incitaram o medo nos demais indígenas ao relatarem suas experiências com os Terena, destacando a superioridade bélica e numérica dos vassalos dos Guaicuru: Fuera de que los Ugaraños, que están ya Xptianos en el Pueblo de S.n Ignacio aumentaban el miedo diziendo que como ellos siendo aun Gentiles huviessen antiguam.te traido guerra con los Terenás, y les fuessen en essa ocasion â dar un subito nocturno assalto, encontraron con una poblacion tan numerosa de Terenás que dando la embestida al principio de ella, los que estaban en el fin no supieron de tal acometimiento.117

Temendo a derrota iminente antes de se chegar à redução de San Ignácio, devido aos problemas ambientais que o destacamento enfrentaria na jornada, o reforço solicitado por Castañares nem se mobilizou, tão pouco foi enviado qualquer tipo de auxílio: En los Chiquitos se juzgó impossible el embiar socorro de dha Nacion, por la distancia grande, pues pidiendo 300 Chiquitos no avia facilm.te forma de que estos hiziessen la jornada de 90 leguas â pie, aviendo de llevar â ombros su comida, de que avia total falta en S.n Ignacio, porque la seca terrible y la langosta avian aquel año perdido de tal manera las mieses, que apenas avia quedado algo p.a semilla, ni en el camino era posible suplir esta falta, como suelen quando por los bosques de los Chiquitos salen â Mission, porque ni avia caza en todo ... frutas silvestres.118

Felizmente para os habitantes de San Ignácio de los Zamucos não houve necessidade de tal auxílio, uma vez que o ataque Terena não se efetivou por não haverem conseguido mobilizar aos outros grupos para que atacassem a cidade jesuítica. Temendo represálias para vingar a morte do herdeiro Zamuco, os Terena enviaram dois mensageiros até a redução: ... resolvieron embiar â dos de los suios.... Aqui llegaron â 22 de Julio de 1732 diziendo que assi los Terenás como los Choyarás sus vezinos querian todos con sus hijos y mugeres venirse â hazer christianos entre los Zamucos. Estaba ausente â la sazon en una Mission el P.e Castañares, pero su Compañero el P.e Diego Pablo de Contreras los agasajó quanto supo p.a tenerlos contentos, y con esta ocasion se informó de ellos como ambas Naciones andan â cavallo y totalmente desnudos ...119 117

Cortesão, 1955 : 199. Cortesão, 1955 : 199. 119 Cortesão, 1955 : 199-200. 118

180 Percebe-se, novamente, a estratégia indígena de buscar a confiança dos jesuítas, ao pedir para serem reduzidos, a fim de evitarem confrontos com a sociedade colonial e seus aliados indígenas. Ao se verem pressionados pelo avanço das áreas de influência das cidades e reduções espanholas por um lado, bem como pelas expedições de preação dos portugueses por outro, coube aos líderes das comunidades avaliar a melhor posição frente à problemática. Uma vez que não conseguiram mobilizar uma força considerada capaz de atingir ao padre e seus neófitos, os Terena buscaram a proteção de seu "inimigo" para que não fossem dizimados, seja pelos "revanchistas" Zamuco, seja pelas pressões dos portugueses paulistas ou mesmo pelos Guaicurú, seus clientes/fornecedores120. Com as esperanças renovadas pelo "blefe" dos Terena, o padre Castañares ainda foi em missão a essa etnia, no afã de fundar entre eles um novo povoado Nuestra Señora del Pilar. Contudo, a intenção dos Terena era acabar com esse "pseudo" líder dos Zamuco de modo que com sua morte, esses ficassem sem um ponto de referência e não viessem a atacá-los. Assim, prenderam o padre e tentaram matá-lo. Sem ter alcançado esse objetivo, Agustín Castañares conseguiu fugir e retornar a San Ignácio. Anos mais tarde, José Sánchez Labrador confirmou a estada de Castañares entre os Terena: Este indio me dió individuales noticias del venerable padre Agustín Castañares, apóstolo de los Zamucos é los cuales el indio Terena llamo Chamocos. Este fervoroso misionero, desde el pueblo de San Ignacio de Zamucos que había fundado, hizo dos excursiones en busca de los Terenas. No llegó á sus pueblos, pero tuvo comodidad de hallarlos en los bosques por los cuales andaban buscando miel y frutillas, siguiéronle algunos al pueblo y misión de San Ignacio y bien regalados los envió á sus pueblos para que hablasen á los suyos y saliesen á ser doctrinados. En el pueblo de

120

Conforme visto no segundo capítulo desta dissertação.

181 Santiago de Chiquitos están los indios Ugoroños, también Zamucos, de los que convirtió á la fe el padre Agustín....121 Díjome el dicho capitán [dos Terena] que, siendo él joven como de unos 20 años, habían llegado á las inmediaciones de sus pueblos muchos Bochararas, llamados Zamucos, que consigo traían á un Padre vestido como yo, bajo de cuerpo y flaco. Que los Zamucos venían con camisetas largas de algodón y con collares al cuello como el que yo tenía, que era el Rosario. Que el Padre agasajó mucho á los Terenas, que encontró cazando en el bosque; y lo mismo á los que á la novedad acudieron. Que esto sucedió dos veces, y que todos estaban en seguir á aquel Padre; pero que ignoraba por qué después no lo ejecutaron. Consta que el V. Padre Agustín Castañares fué este Misionero; y que los Aamocos eran los Zamucos Uragaños que convirtió el varón apostólico, y le acompañaban en sus conquistas evangélicas.122

Todavia, inimigos ainda mais cruéis, e que não abandonavam as cercanias das Missões de Chiquitos, foram as doenças contagiosas disseminadas pelos colonos aos indígenas. Elas são constantemente mencionadas nas cartas ânuas e nas correspondências pessoais dos sacerdotes jesuítas, entre outros documentos, como neste trecho: El año de 1736 há sido infeliz para el pueblo de San Ignacio de los zamucos, porque entró en él la peste de la viruela, tan fatal para los indios, y mostró un caráter tan maligno, que ni el más solícito cuidado de los Padres no pudo atajar el mal, el cual arrebató más de cuatrocientas almas; pero felizmente no murió nadie sin los últimos sacramentos, de los que eran capaces de recibirlos. 123

No se pegó este mal a los chiquitos, por la gran distancia entre ellos y los zamucos.124

A falta de recursos, que minava a saúde dos habitantes do Chaco Boreal; a medicina ainda em desenvolvimento pelos jesuítas e fortemente ligada às questões espirituais - precária se comparada com o que hoje se conhece -, porém a única alternativa às pajelanças dos feiticeiros indígenas; e, finalmente, as condições de higiene dos bairros indígenas que compunham a redução de San Ignacio, carentes de

121

Labrador, 1910 : 41. Labrador, 1910 : 260. 123 Documento 24: 503. 124 Documento 24: 504. 122

182 água limpa; foram os fatores que mais contribuíram para que epidemias de diversas doenças rendessem uma dinâmica tão sasonal quanto a estação das chuvas. Contudo, as grandes distâncias que separavam a redução de San Ignacio das demais formadoras da Missão de Chiquitos, neste caso, foram aliadas dos jesuítas no combate à variola. Normalmente as pessoas infectadas não conseguiam sobreviver à jornada pelo deserto chaquenho, dessa forma, a doença dificilmente migrava de uma para outra redução, como era comum acontecer nos povoados relativamente próximos das outras Missões de Chiquitos. Estas doenças também eram responsáveis por ondas de instabilidade nos ânimos dos habitantes do pueblo de San Ignacio, pois era bastante comum que se atribuísse as enfermidades ou mesmo a morte dos parentes a algum feitiço lançado pelo xamã de um grupo a que se tinha antipatia. Como se pôde observar, a adesão ao sistema reducional e o êxodo do mesmo eram práticas quase que diárias dos diversos componentes indígenas da missão. Logo, atribuir a culpa do adoecimento aos que chegam ou aos que se vão tornou-se corriqueiro, despertando agitações para vingar a morte das supostas vítimas. Como se não bastassem os problemas que enfrentavam dentro e fora da redução, o padre Cura Agustín Castañares foi chamado de volta para Chiquitos a fim de assumir o posto de Superior Geral. Durante alguns meses, Diego Contreras teve de atender, solitário, aos problemas internos da redução até que o subsituto do Cura chegasse. Designado para esse fim, o jovem padre Ignacio Chomé125, que já havia participado de expedições e missões volantes entre os Chiriguanos, é enviado para a

125

¡ 31.07.1696 (Douai, França) U 07.09.1768 (Oruro, Bolívia), expulso de San Javier em 04.09.1767, velho, doente e enfraquecido, não agüenta as agruras da viagem e falece antes de embarcar para Europa.

183 missão, em 1738: "...que reunía entónces a grupos zamucos, cucutades, zatieños, ugaraños y algunos tapios-sapios; a su estadía en S. Ignacio de 1738 a 1745 debemos el vocabulario y la gramática de la antigua lengua zamuca"126. Uma carta do padre Ignácio Chomé, datada de 17 de maio de 1738, escrita em San Ignácio de los Zamucos, noticia a localização da redução e a missão que lhe cabia: La de San Ignacio de los Zamucos, de donde escribo, está en 20 grados de latitud austral y 320 de longitud. Dista como mil leguas de Buenos Aires, siguiendo el camino para llegar allá. Al fin de octubre del año pasado llegué a la reducción de San Xavier, habiendo gastado tres meses en el viaje. Pocos días tuve para descansar, porque recibí nueva orden de pasar a la reducción de San Ignacio de los Zamucos, distante ciento y sesente leguas del lugar de donde salía. No hay comunicación entre este pueblo (San Ignacio) y los de los Chiquitos, estando el más próximo de estos a distancia de ochenta leguas. Se compone la reducción de muchas naciones, que hablan casi la misma lengua; es a saber, de los Zamucos, Cuculados, Tapios, Ugaranos y de los Satienos, que se sujetaron en fin al yugo de Jesucristo en el año 1721. Eran estas naciones feroces en extremo y es increible lo que costó reducirlas; son ahora más tratables, pero queda mucho que trabajar para desarraigar enteramente de sus corazones ciertas reliquias de su antigua barabridad. ... Instaba el P. Provincial que partiese - dice el P. Chomés - por el gran deseo que se tiene, mucho tiempo há, de descubrir el gran río Pilcomayo y las naciones bárbaras que habitan sus orillas por ambos lados. Tuve que quedarme con los Zamucos para aprender su lengua, la cual se habla en todos estos paises... donde hasta ahora ningún cristiano há puesto el pie, de donde salen los bárbaros para destruir y arruinar las provincias vecinas.127

Padre Chomé chegou a San Ignácio investido com a missão de abrir caminho desta até o rio Pilcomayo, e foi o que ele tentou fazer por diversas vezes, durante anos consecutivos, alternados com as estações, enquanto Contreras proseguia cuidando das almas na redução: De nuevo se emprendió la tantas veces fracasada empresa de abrirse camino hasta el rio Pilcomayo, para hallar de este modo una comunicación más corta y fácil desde la Provincia hasta estas misiones. Marchóse el Padre Ignacio Chome con sus indios zamucos para explorar detenidamente, si se podía conseguir, al fin, este tan deseado objeto. Cuánto más se alejaba de su pueblo, tanto mayores dificultades se le opusieron. Tenían ellos continuamente abrirse camino por medio de las hachas, y esto con mucho más trabajo, que no lo experimentan los chiquitos en sus excursiones; ya que ellos tienen que pasar [ordinariamente] por selvas, compuestas de árboles muy grandes, en cuya sombra crecen sólo pequeños arbustos, que se pueden cortar con una facilidad, sin comparación mayor, mientras en las tierras que se extienden hacia el gran Chaco crecen menos los árboles, pudiéndose desarrollar más tupidamente los arbustos, tanto que no se puede abrir camino por ellos, sino cortando continuamente troncos bastante gruesos. Crecieron las dificultades por la escasez de água, y esto en una tierra donde abrasa el sol, haciendo sudar copiosamente a los trabajadores que abren el camino, provocándose una sed espantosa. Con la esperanza de hallar agua, contra toda esperanza, animaba el Padre Ignacio a sus compañeros, y, 126 127

Susnik, 1982 : 167. Finot, 1978 : 341-342.

184 con su genio muy alegre, siempre hallaba modos, para hacer tolerables tantas dificultades. Pero se desesperaba poder vencer lo imposible, y, al fin, los más querían volver para no perecer por allí. ... así se determinó a volver con todos al pueblo; como lo hizo.128

Nos relatos das aventuras do padre Chomé, percebe-se, mais uma vez, que as dificuldades para se encontrar o caminho até o Pilcomayo variavam desde enfrentar outras etnias aguerridas até a falta de água e de ferramentas capazes de superar os obstáculos impostos pelo ambiente Chaquenho. Assim como Chomé, o então Superior das Missões Agustín Castañares tentou fazer o caminho, desta vez ao inverso, subindo o rio Pilcomayo desde sua desembocadura; porém ficou preso entre os indígenas acampados no rio Yababory, convertendo e batizando os integrantes da aldeia até que uma menina, filha de um dos líderes, morre por estar doente. Desacreditado perante os indígenas, padre Castañares teve de voltar apressadamente para a segurança de Assunção. Em uma carta enviada ao Vice-Provincial, o padre Chomé não se deixava desanimar frente às agruras que se lhe opunham ao intento de desbravar as terras chaquenhas: No tema Vuestra reverencia que yo me acobarde, por este fracaso, a proseguir esta empresa. Al contrario, me siento animado a volver a la carga el año que viene. ... Parece que los indios de mi comitiva se avergüensen de haberme abandonado, y me aseguran que el outro año me acompañarían con más fidelidad, adonde los quisiera yo llevar. !Quiera Dios! Que su error pasado les sirva de estímulo y valor. Me resolvi a emprender este viaje por el mês de marzo del año que viene; pues prefiero aguantar las molestias de las lluvias, en lugar del martirio de la sed.129

Enquanto isso, na redução, os Zamuco se apropriavam dos ensinamentos dos padres coligando os santos católicos com seus antigos deuses que, como se viu no capítulo anterior, regiam o mundo Ishir-Chamacoco com a dualidade do "cambio del mundo" e, assim, o sexo masculino e o sexo feminino se alternavam no direcionamento

128 129

Documento 24: 510-511. Documento 24: 512-513.

185 da conduta sócio-moral dos membros da sociedade. Daí, possivelmente, associaram Nossa Senhora com Esnuwarta (mãe de todos os "homens novos" Ishir-Chamacoco) e São Joaquim com Nemur (o facilitador da vida em comunidade e da relação dos homens com o ambiente). As Cartas Ânuas de 1739 relatam essa devoção da seguinte maneia: Los neófitos zamucos, fuera de su devoción que tenían desde el principio de su conversión hacia la Reina del Cielo, no llamándola con outro nombre, sino con el de nuestra Madre, comenzaron en su pueblo a honrar con especial culto al bienaventurado Padre de nuestra Señora a San Joaquín, al cual acuden en sus apuros con gran confianza, y con tan feliz éxito, que en tiempo de una sequía grande, salvaron todas sus sementeras, alcanzando oportuno riego de lo alto del cielo, pór intersecsión de este su gran protector. ... Además resplandece su fe admirable cada día más, colaborando con el mayor celo a los padres en atraer a los infieles a la verdad, procurando ganar la voluntad de los reducidos por su gran caridad, también de los que habían sido sus enemigos mortales, y privándose hasta de su necesario sustento, con tal que puedan socorrer al de ellos.130

Com isso não se quer afirmar que os jesuítas não tiveram êxito na sua missão de cristianização dos povos do Chaco Boreal, pois só o fato de terem conseguido criar uma estabilidade capaz de manter aproximadamente mil pessoas durante vinte e dois anos em um local de condições extremas para a sobrevivência, sem que se aniquilassem uns aos outros, utilizando para isso o discurso da fé em Cristo e o trabalho diário de todos os segmentos sociais das populações em atividades que desconheciam e, até mesmo, relegavam a um segundo plano, entre outros tantos sucessos, foram suficientes para concebê-los como conquistadores de seus objetivos. Contúdo, não se pode esquecer que os indígenas tinham a sua própria maneira de absorver essas novidades que lhes impunha o sistema reducional cristão e, muitas vezes, a contrariedade às regras e aos valores apresentados poderiam acarretar punições por parte dos padres (e que foram entendidas como maus tratos por parte de alguns pesquisadores). Desse modo, é compreensível que os indígenas assumiam,

130

Documento 24: 514-515.

186 superficialmente, a fé e a ordem que se apresentava, sem por isso deixar de praticar hábitos comuns e sem deixar de lado o seu modo de apreender as situações da maneira mais conveniente para si. Essa superficialidade foi, em certa medida, proporcionada pelos próprios jesuítas, segundo Guerreira131, uma vez que estavam conscientes da transcendência de certas práticas sociais que entranhavam uma significação ritual e econômica, e que expresavam seu conceito de compromissos e obrigações mútuas mediante a reciprocidade, tratando de respeitá-las ainda que buscassem transformar alguns elementos mais importantes: La cristianización a partir de establecimientos sedentarios en pueblos perfectamente trazados no entrañó, sin embargo, una ruptura total con los modos de vida tradicionales. Es cierto que la práctica de la caza como actividad importante se vio limitada al introducirse la ganadería, pero no fue totalmente suprimida.132

4.2.3 Agonia final Então, em 1739: El padre Ignacio Chome, como se propuso, reasumió, a principios de Marzo, en unión de un grupo de zamucos voluntarios, su empresa abandonada el año pasado. ... Abriéronse camino por un espacio de setenta leguas, dirigiéndose, hacia sur-oeste, al rio Pilcomayo. No pudieron avanzar más, por el miedo bien fundado de encontrarse con los vecinos tobas, gente sumamente feroz y guerrera, estando compuesta la comitiva del Padre por unos jóvenes no obstante expertos en el manejo de las armas, y, por añadidura, gastados ya por el excesivo cansancio del viaje.133 Antes de saber algo el Padre superior de estas misiones, el Padre Agustín Castañares, de la vuelta del Padre Ignacio, estaba muy inquieto y zozobrado, por conocer él la poca resistencia de los de la comitiva, ya que él había educado la mayor parte de ellos, y no le estaba desconocido, que la ruta que, supo, había tomado el Padre Ignacio, iba directamente hacia los cuyos, y mandó aviar a 25 neófitos moróticos, habitantes de San Juan, y baqueanos de aquellas tierras, para que le acompañasen. Ya que su grey estaba en peligro, el mismo pastor quería participar de su suerte. Ya estaba para partir cuando supo que el Padre Ignacio había vuelto sano y salvo. Sin embargo, no desistió de su propósito, y quiso aprovecharse del camino recién abierto, para llegar por él al deseado fin. Así siguió con su comitiva por la misma dirección. Hecho el viaje de setenta leguas por el sendero recién abierto, torció de propósito directamente hacia el polo sur, para escapar por este ardid de las manos de los tobas. Pero sucedió, que, queriendo él evitar la caribdis, se encontró en la Escila. Es cierto que evitó aquella parcialidad de los tobas, a la cual se había 131

Guerreira, 1995. Guerreira, 1995 : 41. 133 Documento 24: 517-518. 132

187 aproximado el Padre Chome, pero se encontró con otra de la misma nación, llamada tobas silvestres, porque viven en la vecindad de aquel selva grande; y eran como la centinela del restante de su nación, que viven por los campos; o al margen del rio Pilcomayo.134

A partir dos encontros com os Toba, o padre Castañares conseguiu que lhe acompanhasse um pequeno grupo que não havia se oposto a reduzir-se; sabendo por uma moça Chiriguano, casada com um deles e que servia de intérprete ao padre, que próximo à região onde estavam existiam outros grupos que falavam a mesma língua dos Guarani. Por isso: Entusiasmáronse, tanto el Padre Agustín, como el Padre Chome, a probar suerte outra vez, no desistiendo de ningún modo de esta empresa, hasta poder conseguir el objeto de sus deseos, de abrirse camino y establecer una comunicación con nuestras misiones guaraníticas, mucho más, después de haber sabido con esta ocasión, que existía en la vecindad de los tobas una nación, que hablaba el idioma de nuestros guaraníes.135

Mais uma vez o padre Chomé tentou se aproximar do Pilcomayo, e novamente o problema da falta de água frustrou seu intento: Para no caer en manos de los tobas, quería el Padre Ignacio Chome, en el año de 1740, abrir un sendero diferente del que había caminado los años anteriores hacia el río Pilcomayo, formando su comitiva 70 morotocos, venidos para este fin del pueblo de San Juan .... Pues, al día dos de Abril comenzaron ellos, juntamente con zamucos, acompañados por el Padre Ignacio, abrir un sendero nuevo por la selva impenetrable, en dirección hacia el sur, con la intención de, al llegar a la latitud, donde el Padre Agustín había hallado a los tobas, dirigirse un poco hacia el occidente. Mientras así estaban trabajando muy fuerte, siguiendo adelantando por tierras muy faltas de agua, no pudieron gustar por diez dias enteros ni una gota de ella, supliéndola con el jugo de una raiz que era venenosa, así que les causó grandes calambres de estómago, y tenían que medicinarse con pimiento turco, para no morir de dolor.136

Nesse empreendimento faleceu o líder dos Zamuco que o acompanhava, por não levar consigo o dito remédio, e padeceu muito o padre Chomé pelo mesmo tipo de envenenamento, retornando então à redução. Porém, os perigos não haviam ficado para trás e assim: Apenas habían vuelto a sus respectivos pueblos los morotocos y los zamucos, notaron estos que les iba sobreviniendo un grave peligro de parte de los tobas, los cuales, irritados por el cautiverio de su gente, se habían resuelto a vengar la injuria. Para este fin se conjuraron, y por el camino

134

Documento 24: 518-519. Documento 24: 523. 136 Documento 24: 524. 135

188 abierto por los Padres, se acercaron al pueblo de San Ignacio, esperando una ocasión, para asaltar por sorpresa a los zamucos.137

Sabendo do fato, os habitantes da San Ignácio ergueram barreiras, cavaram trincheiras e a igreja teve suas janelas cerradas para caso o povoado fosse invadido e os habitantes tivessem de se refugiar no seu interior. Na iminência de um ataque traiçoeiro, os Zamuco investiram imediatamente contra os Toba, que recuaram e não tentaram mais atacar o povoado, pelo menos durante alguns meses. A vigilância que foi montada durou bastante tempo, porém sem necessidade para aquele momento. Um segundo assalto Toba ensinou, então, aos neófitos Inacianos a se defender contra o poderoso inimigo e seus cavalos: Son muy tenaces en tomar venganza los infieles tobas, como lo acostumbran todos los bárbaros. Así, en el año de 1741 otra vez intentaron asaltar el pueblo de San Ignacio, esta vez en número mucho mayor. Y pudieron acercarse, sin ser vistos por nuestros neófitos. 138 Era una especial providencia de Dios, que habían llegado los enemigos muy avanzada la tarde, así que diferieron el asalto para el día siguiente, que era un domingo, día en que nadie de los nuestros va al campo, estando ocupados todos con el servicio religioso, Muy al amanecer, uno de los zamucos descubrió el enemigo, y luego alarmó a todos. Acudieron los neófitos, para defender su hogar, mientras el sexo débil se refugió hacia la casa de los Padres. ... Salieron armados primero los zamucos, porque vivían en la parte del pueblo, por donde se acercaban los tobas. Comienza la batalla, y detienen al enemigo en su avance, hasta que los primeros de los neófitos cacutades y zatienos podían acudir al socorro de los zamucos. Se aumentó la pélea; pero no duró mucho tiempo, porque se acercaron del otro lado los ugaraños. Temían los tobas, que estos les cortarían la retirada, por lo cual, apenas habían visto a los ugaraños, cuando volvieron las espaldas los tobas, primero los de a pie, y despues también los de a caballo. Era tan precipitada su fuga, que arrojaron sus armas, y todo que les podía impedir en ponerse a salvo lo mas pronto posible. 139 ... De los cristianos, habían atravesado con la lanza a una mujer en su primer asalto, hiriendo a otros más, sin que mueriese nadie. De los tobas se cautivaron dos, y muchos de ellos habían sido gravemente heridos. Para que los cautivos no se escapasen a los suyos, luego se los condujo al pueblo de San Juan, donde viven todavía hoy, muy contentos de ser cristianos. ...El resultado más importante de esta refriega fue, que nuestros neófitos han aprendido vencer a los tobas, y en adelante eran más animosos para defender lo suyo. ... procuraron los Padres luego que se rodease el pueblo con una sólida muralla .... 140

137

Documento 24: 525. Documento 24: 531. 139 Documento 24: 531-532. 140 Documento 24: 532-533. 138

189 Charlevoix (1916) destaca que a necessidade fez com que fosse cercada a redução com uma espécie de muro de terra: Sin embargo, los PP. Chomé y Contreras, que tenían a su cargo aquella iglesia, se aprovecharon del peligro que habían corrido sus neófitos para persuadirlos a cercar su pueblo de una buena muralla de tierra en la que se hicieron aberturas por donde se pudiese disparar contra el enemigo sin descubrirse.141

Findada a investida dos inimigos e diminuido o pânico de novos ataques, neste mesmo ano foi levada a cabo a última tentativa empreendida pelos jesuítas de abrir caminho pelo Pilcomayo. Essa também foi a última vez que o Padre Castañares tentou cumprir a missão da qual foi investido por Juan Bautista Zea e Francisco de Arce, pagando com sua saúde o intento. Assim, as Cartas Ânuas descrevem a expedição de 1741: Antes de concluir este capítulo, exige la serie de los acontecimientos, mencionar los esfuerzoz extraordinarios, que se hicieron el año de 1741 para abrir una comunicación, por el rio Pilcomayo, entre la misión del Paraguay, y la de los Chiquitos. Para este fin, ordenó el Padre provincial Antonio Machoni, que al mismo tiempo se fuese por tierra el Padre Ignacio Chome, desde el pueblo de San Ignacio, sin desistir de la empresa, hasta llegar a la orilla del Pilcomayo, mientras el Padre Agustín Castañares subiría por el rio Pilcomayo, desde su desembocadura al rio Paraguay, hasta hallar a los zamucos del Padre Ignacio. A este objeto, el Padre Agustín, recién llamado a la congregación provincial, fue enviado de Córdoba a las misiones guaraníticas, y desde allí a la Asunción, para organizar la navegación por este río. Fuéle dado de compañero el Hermano Salvador Colón, antíguo capitán de buque. Se compraron dos embarcaciones menores, y fueron provistos de alimentos, siendo su tripulación indios de las misiones, Así preparado salió el Padre Agustín del puerto de la Asunción en la una, y el Hermano Salvador en la outra barca a la tan deseada expedición.142 Tenía la intención el Padre de entrar por el brazo superior del rio (el cual, como se sabe, se desemboca en dos cauces al río Paraguay), por el cual había ya entrado el año de 1721 el Padre Gabriel Patiño....143 No hallando el deseado brazo del Pilcomayo, cayeron en cuenta, por algunas señales que se les dieron, de que le habían pasado por alto. Volvieron para trás, pasando también delante el segundo brazo sin verlo. Notólo un español desde la outra ribera del río Paraguay, y acudió con una lancha rápida, ofreciéndose por guía de ellos. Así se fue este adelante, y notaron ellos la más grande dificultad de pasar por allí con sus barcos, teniendo ellos que romper con el mayor esfuerzo por los tupidos juncales. Vencieron este casi inesuperable obstáculo nuestros indios guaraníes, luchando en diferentes parajes, con este tropiezo del viaje. Fastidiados ya por tal cúmulo de trabajos, y desesperados de su feliz éxito, resolvieron el Padre y el Hermano salir a tierra, para explorar, si había esperanza de poder llegar por tierra a un pedazo del rio libre de 141

Charlevoix, 1916 : 132. Documento 24: 534. 143 Documento 24: 534-535. 142

190 tanto juncal. Marcharon adelante por espacio de una legua, y vieron que era interminable el juncal. Perdida ya la esperanza, de poder jamás pasar adelante por aquella parte, volvieron ellos atrás, y entre semejantes trabajos se fueron al paraje de la ribera del Paraguay, donde se encuentra el pueblo de San Fernando; y de allí dieron cuenta de todo al rector del colegio de la Asunción, esperando lo que les aconsejaría este en vista de tanta dificultad.144 La contestación fue, si era impenetrable el brazo superior del Pilcomayo, que hiciesen la prueba de pasar por el otro. Para cumplir con estas órdenes, se echaron a andar, y hallándolo, navegaron por él sin dificultad, renaciendo la esperanza de un viaje más fácil, tan pronto que llegarían al paraje del río, donde corre por un solo cauce. Pero pasaron por alto todas las señales, que no se lo sabían dónde estaban, porque había cada vez menos fondo en el río, y había ya tan poca água, que temían quedar con sus barcos en seco de un momento al outro. Perplejos y afligidos, notaron que pasaba por allí un arroyo, rico en pescado, de lo cual conjeturaron, que el cauce se había desviado por allí por un taco de troncos arrastado por el río, y comenzaron a deliberar, cómo podían remover este taco, para conducir toda el agua, al viejo cauce. Al fin se imposibilitó por completo la navegación por falta de agua, y así se resolvieron irse a pie para registrar el rio, y para ver, dónde estaba el taco que tenían que remover, para que se vaya el agua por el camino, por donde habían venido. Creyó el padre Agustín fiarse de nadie en este asunto, sino explorarlo en propia persona. Así se marchó con diez indios voluntarios, dejando sólas al Hermano Salvador por cien días, encargándole, si dentro de este tiempo no volvería, no le esperase más, sino se volviese a la ciudad de la Asunción con toda su comitiva, dejando en un lugar determinado algo de comer, y unos regalillos, para ganarse la voluntad de los infieles. Pues, su vuelta se podía demorar por dos causas o, porque los infieles le habían quitado la vida, ya que se veían de lejos sus fuegos; o porque había hallado infieles, que le habían recibido amigablemente. 145 En ambos casos no había motivo para esperarle por más tiempo exponiéndose al manifiesto peligro de perecer. Animado, pues, para cualquier emergencia y resuelto, o a lograr su intento, o, si era necesario morir en la demanda, se dispidió de su compañero con ternas lágrimas, y emprendió su árdua tarea. ... En el mês de Diciembre, el más caliente en aquellos parajes, caminaba a pie entre las espinas, y con la yerba hasta la cintura, sin sendero ninguno, a veces vadeando lagunas con el agua hasta los hombros, continunado siempre su viaje, entre las fieras crueles, y serpientes venenosas, y casi siempre en la cercanía de bárbaros, más crueles que fieras y savandijas. De día y de noche fue atormentado por los mosquitos, no hallando a veces ni un palmo de tierra seca, para poder descansar de sus fatigas diurnas por el sueño de la noche. Pero, todo esto no pudo vencer al corazón intrépido de este varón infatigable, hasta que vino al origen de aquel arroyo, arriba mencionado, donde comprendió, a ojos vistos, que el ser el Pilcomayo tan somero en agua, no se podía atribuir a un desvio de por aquel arroyo, al cual ya encontró completamente seco, persuadido de que la falta de agua en el Pilcomayo venía de la sequedad de la temporada, así que humanamente no había medio, para lograr un buen éxito de su intento. Caminó, pues, las veintecinco leguas atrás, distancia que le separó de los barcos.146

Apesar de todo esse esforço, mais tarde outros exploradores confirmariam que o braço de rio percorrido pelo sacerdote não era o Pilcomayo. En su vuelta le sorprendieron tan copiosas lluvias que casi tuvo que pasar adelante a nado, formando aquellos llanos una tan continuada superficie de agua, como si fuesen un océano. ... venció todos los obstáculos, apresurando su viaje como podía, con tanta felicidad, que, aunque ya tarde, alcanzó todavía los barcos, habiendo ellos esperado el Padre algo más, de lo que se había determinado .... Grande fue la alegría de todos al volver a ver al Padre, y al instante se

144

Documento 24: 535. Documento 24: 536. 146 Documento 24: 536-537. 145

191 prepararon para la vuelta, y el día once de Enero del año de 1742 llegaron ellos al puerto de la Asunción con toda felicidad. 147

Porém a aventura não se encerrava por ali: No há sido más feliz el empeño del Padre Ignacio Chome, de irse por tierra. Se había marchado para cumplir las órdenes de los superiores, pero solo con pocos zamucos escogidos, con la idea de llegar desde el pueblo de San Ignacio hasta las orillas del rio Pilcomayo. Apenas había avanzado unos tres días, cuando tropezó con dificuldtades insuperables. Toda la tierra estaba todavía bajo el agua, desde la pasada inundación, y además muy fangosa, así que los viajeros continuamente entraron al barro hasta las rodillas, fatingádolos de tal manera, que desesperaron poder pasar adelante en esta bajada, y no hubo esperanza de hallar más adelante un suelo más duro. Así resolvieron todos, volver al pueblo. Era muy acertado este arbitrio, de no querer vencer inutilmente lo imposible.148 Así quedó abundantemente comprobado, que era completamente impraticable el intento por tantos años acariciado. Pues, al hacer una tentativa de pasar por allí en tiempo de sequía, se hace ella intolerable por la falta de agua; si se la hace inmediatamente despues de las inundaciones, la hace imposible la dificultad recién expresada. Bien considerado todo esto, no era difícil comprender, que este problema era muy pesado, habiendo quedado fracasadas todas las tentativas de hallar una comunicación entre las misiones del Paraguay y las de los chiquitos por vía del río Pilcomayo.149

O abandono do projeto de se construir um caminho seguro para comunicar Santa Cruz de la Sierra a Assunção, marca também o fim do período áureo da redução de San Ignácio de Zamucos. A partir de então a situação declinou até o completo abandono da redução por parte dos indígenas cristianizados. Aos poucos se abriam novas esperanças de estabelecer os contatos entre as províncias através do rio Paraguay, pois a conquista espiritual se extendia por Chiquitos em direção ao Leste, conquistando novos povos indígenas para a fé em Cristo e, assim, criando-se novas reduções. Charlevoix (1916) lembra que havia quatro etnias reduzidas em San Ignácio, deixando

claro

as

dificuldades

enfrentadas

pelos

sacerdotes

em

mantê-las

apaziguadas: ... entre los indios es muy raro que los odios dejen de ser perpetuos, no siendo menester menos que un milagro de la gracia para sofocarlos del todo; y que, aún después de la más sincera 147

Documento 24: 538. Documento 24: 538-539. 149 Documento 24: 539. 148

192 reconciliación, basta el más leve motivo para avivarlos de nuevo. Esto es lo que sucedió en San Ignacio cuando menos se pensaba. Los ugaraños, que eran los últimos que se habían juntado con los demás, habían sido mucho tiempo enemigos mortales de ellos, y el P. Castañares se lisonjeó con demasiada facilidad de haberlos reconciliado perfectamente unos con otros. No tuvo ocasión de arrepentirse mientras él gobernó aquella iglesia; pero apenas los hubo dejada, cuando se suscitó de nuevo la antipatía por una y otra parte, y cobró tales fuerzas, que para evitar que se viniese a un rompimiento, juzgaron prudente ambos partidos separarse sin decir nada a sus pastores; y, tirando cada uno por su lado, se halló la Reducción sin habitantes.150

Em 1745 o colapso iminente se apresentou com o deslocamento dos grupos reduzidos para suas antigas moradas fora da esfera de influência dos jesuítas.

Figura 14: Quadro demonstrativo da incidência de tributação e densidade demográfica das reduções de Chiquitos em 1743. (Fonte: Pastells, 1948)

Já no período de decadência da redução, o quadro acima demonstra a dificuldade de mantê-la estável, pois os párocos enfrentavam problemas de cunho ambiental (grandes períodos de estiagem e pouca produtividade do solo), étnicos (internos, com as disputas entre as lideranças dos componentes indígenas, e externos com as investidas de diversos grupos indígenas e de portugueses aprisionando índios), políticos (com as ausências constantes e prolongadas dos padres curas em expedições de catequese ou de desbravamentos) e administrativos (falta de alimentos, tentativa de

150

Charlevoix, 1916 : 132-133.

193 tributação, precariedade das condições de moradia por falta de recursos, distâncias elevadas e falta de comunicação com as demais reduções).

Como foi visto no decorrer deste capítulo, uma das questões que se impôs redundando no abandono de San Ignácio foi sua localização e distância que, além de prejudicar as relações com as demais reduções de Chiquitos, impossibilitava o acesso da comissão encarregada de fazer a contagem de índios para a tributação. De acordo com a Real Cédula a dom Francisco Javier de Palacios, ouvidor de La Plata, o Rei de Espanha ordenou que se elegesse um representante para que, juntamente com o Provincial e outros padres, se fizesse a contagem de índios tributários e que: ...cargue un peso a cada tributario y no más por ahora, y que informe de las resultas, y muy individualmente del estado de aquellos pueblos, con todas sus circunstancias de terreno, frutos, comercio de aquellos indios y cuanto discurra digno de la Real noticia, y que se la dé a los Oficiales Reales del Potosí de la tasa que hiciere a cada indio tributario. - Buen Retiro, 17 de deciembre de 1743.151

Contúdo, segundo Caleffi (1989-90), a tributação nunca foi efetivada, não por falta dos indígenas ou dos padres, mas pela morosidade da burocracia estatal e pela expulsão dos jesuítas, em 1767, das possessões espanholas em todos os territórios ocupados. Em pleno processo de abandono, uma carta do Bispo do Paraguay, Dom Fray José Cayetano Paravicino, a Sua Majestade, datada de 06/03/1745, informa da necessidade de mais recursos humanos nas missões de Chiquitos e Mojos, devido à morte de vários colaboradores, entre eles: ...P. Augustín Castañares, después de haber empleado la mayor parte de su vida en conversiones de gentiles, después de haber fundado el nuevo pueblo de Zamucos y haber agregado muchas almas de varias naciones al gremio de la Santa Iglesia y al dominio de Su Majestad; últimamente fué violentamente muerto por los Mataguayos, cuya conversión solicitaba, coronando sus

151

Pastells, 1948 : 534-536.

194 apostólicos trabajos en tan gloriosa muerte, el día 15 de septiembre el mismo año de 44, según lo refiere la relación de su entrada y muerte que acaba de llegar a su noticia.152

No mesmo ano, a carta do Provincial da Companhia de Jesus do Paraguay, Bernardo Nursdorffer, a Sua Majestade evidencia a importância das reduções de Chiquitos para conter o avanço português em território espanhol, bem como os trabalhos para se abrir as portas do Chaco à colonização (tendo como base a redução de San Ignácio) juntamente com a derrocada do projeto jesuítico para cumprir sua missão no interior desse território: En el gobierno de Santa Cruz de la Sierra tiene también siete pueblos de nación Chiquita, que constan de 14.232 almas de varias naciones sacadas de los montes por la diligencia de los jesuítas. De todos estos pueblos se hacen correrías para extender la religión católica y agregar los infieles circunvecinos a los pueblos ya cristianos, y este año de 1744 se agregaron al de Chiquitos 200 infieles, aunque es verdad que por el Norte ya no los hay .... Por el Oriente impiden el curso de estas conquistas los portugueses poblados en las minas de oro del Cuyabá ..., que no dejan de hacer vivas diligencias para agregarse los infieles que pueden a que trabajen sus minas. ... quedan sólo por el Sur las naciones del Chaco, a donde há tenido esta provincia desde sus principios puesta su atención y se han hecho muchas entradas, aunque todas ellas, después de principios muy felices, las há frustrado la envidia del común enemigo, como consta por la historia del Chaco .... Con todo esto nunca se há desistido de esta ardua y difícil empresa. El año de 1742, desde el pueblo de San Ignacio de Zamucos hacia la parte del Sur, salió el Padre Ignacio Chomé caminando por tierra en descubrimiento del rio Pilcomayo. Al mismo tiempo salieron otros dos sujetos por el río Paraguay, en donde desagua el Pilcomayo, con ánimo de descubrir esse camino que atraviesa lo más interior del Chaco, y está poblado de muchos infieles, y subiendo por él a encontrar con el Padre misionero que salió de los Zamucos con la misma instrucción e intento; pero habiendo padecido increíbles trabajos los sujetos y neófitos que salieron por una y otra parte, se desistió de esta expedición por considerar insuperables las dificultades que lo embarazan.153

Através de uma autuação para que se fizesse o "empadronamiento de los indios" da redução de San Ignácio percebe-se o ato final de abandono da redução, com Audiência de Charcas requisitando que o padre Cura levasse todos os livros e documentos guardados nessa redução para San Juan Bautista: Prosigue la numeración y el empadronamiento del pueblo de San Ignacio de Zamucos, con una certificación de los Padres Misioneros Juan Esponella y José Rodrigues, que residen en San Juan Bautista de Chiquitos, que de este pueblo al de San Ignacio, que dista como 80 leguas, no hay ni río, ni arroyo, ni otra aguada sino la que se recoge de las lluvias que han faltado por espacio de seis meses .... Sigue un exhortatorio del Doctor Palacios a los Padres Superior, Esponella y Rodriguez, para que certifiquen lo que supieren tocante a lo representado por el Corregidor de San Juan Bautista don Pablo Parabas y los Alcaldes ordinarios don Luis Yosuris y don Gabriel 152 153

Pastells, 1948 : 585-587. Pastells, 1948 : 603-607.

195 Subes, sobre la imposibilidad de pasar al pueblo de San Ignacio por no haber agua que beber, ni para las mulas de carga, en más de 50 leguas, a causa de la mucha sequía y no haber llovido en más de siete meses, y que de ponerse en camino se pone a riesgo de perder la vida, la de su familia y religiosos que le acompañan.... Y en 17 del mismo mês y año proveyó auto del Doctor Palacios mandando se despache cañari con carta al Padre Ignacio Chomé, que está haciendo oficio de Cura en dicha reducción de San Ignacio de Zamucos, para que remita a este pueblo de San Juan Bautista todos los libros y padrones generales que tiene de los indios naturales, con relación jurada de no haber ocultación de ninguno y de los ausentes, poniendo con toda individualidad y distinción los nombres, apellidos y edades de todos, etc. En 5 de noviembre de 1745 proveyó nuevo auto de San Juan Bautista para que se empiece el padrón del pueblo de San Ignacio de Zamucos, ... de las parcialidades de los Zamucos, Cucutares, Satienos, Ugaraños, Itapíos; con el resumen general y memorias de los bienes de comunidad de dicho pueblo, consistentes en dos estancias de ganado vacuno, que la una tendrá 300 cabezas y la outra 100, entre grandes y chicas, y en una chacra en que siembra maíces, yucas y porotos y otros frutos de la tierra.154

Ao que parece, a contagem de índios da redução não foi efetivada naquele ano por já estar despovoada quando o auto chegou às mãos do padre Cura, Ignacio Chomé. Além disso, seguindo a ordem dos superiores, padre Contreras também já havia abandonado a redução, voltando para San Juan: A la primera noticia que tuvo de ello el Visitador de las Misiones de Chiquitos, de quien dependía San Ignacio, escribió al P. Contreras que fuese a verle a San Juan Bautista, lisonjeándose de que la mayor parte de los Zamucos, que le eran muy adictos, acudirían para vivir bajo de su dirección luego que supieran que estaba allí. No se frustró su esperanza. Apenas había llegado el misionero a San Juan Bautista, cuando acudieron allí las tres primeras tribus de los Zamucos. Recibiólos con los brazos abiertos, y como ellos le declarasen que nunca se resolverían a regresar a San Ignacio, donde el terruño, decían ellos, no era bueno para proporcionarles todo lo que habían menester, informó al Visitador de aquella resolución.155

Logo depois, sabendo que os Ugaraños também o seguiriam, pois já estavam acostumados com o sistema reducional e não teriam condições de levar a vida como antes, Contreras decidiu deixar as outras etnias em San Juan e deslocar outros Chiquitos para, juntamente com os Ugaraños, formar uma nova redução em um local com melhores condições de habitação, dando a este o nome de San Ignacio. Assim, os indígenas do Chaco Boreal cristianizados buscaram aproximar-se dos centros coloniais, principalmente as reduções de Chiquitos, onde a vida parecia mais próspera com a

154 155

Pastells, 1948 : 656-657. Charlevoix, 1916 : 133

196 perspectiva de diminuir ou sanar os problemas ambientais e étnicos que os assolavam no interior chaquenho. Al final del período jesuítico las dies reducciones de Chiquitos (la de Zamucos había desaparecido en 1745) sumaban 23.788 conversos.156

Em 1746 a redução e pueblo de San Ingácio de los Zamucos já não vigora na contagem de índios da Província de Chiquitos157, demonstrando, assim, seu total abandono antes do final do ano anterior. 4.3 A Derrocada do Projeto Atravessando o Chaco de oeste a leste, desde Santa Cruz de la Sierra até as margens do Paraguay, 69 anos separaram os intentos jesuítas de diminuir as distancias e, posteriormente, as agruras do caminho que levaria à Assunção. Somente em janeiro de 1767 se conseguiu estabelecer uma rota confiável e decumentada no interior do Chaco, através dos registros do padre José Sánches Labrador que, atravessando o rio Paraguay, penetrou o norte do Chaco Boreal chegando à redução de Sagrado Corazon, a mais oriental naquele tempo. Entretanto, a expulsão dos jesuítas dos territórios americanos findou com o antigo sonho do, há muito falecido, Padre José Francisco de Arce, a quem a Companhia de Jesus e a Coroa de Espanha incumbiram com a missão de

evangelizar

aos

selvagens

chaquenhos,

abrindo

espaço

para

novos

empreendimentos coloniais e balizando o avanço português em terras de El Rey. Para que se entenda o terceiro e último objetivo das reduções de Chiquitos e, em especial, dos Zamuco, é preciso que se recue um pouco no tempo.

156 157

Finot, 1978 : 349. Conforme Documento 22.

197 Assim, desde 1696 sabia-se que os paulistas e outros portugueses se acercavam do Chaco Boreal para prear indígenas e procurar ouro. Chegou-se a ordenar que se fechassem todos os caminhos a oeste do rio Paraguay para que, desse modo, os portugueses tivessem mais dificuldades em adentrar o território espanhol no coração da America. A partir de 1734 soube-se que haviam fundado uma vila mineradora (Cuiabá) numa área que, de acordo com os tratados internacionais, fazia parte das possessões da Coroa Hispânica. Em 1738, então, o assédio dos portugueses tornava-se mais freqüente e em uma carta do padre Castañares ao governador de Santa Cruz de la Sierra foi relatada a presença deles nas proximidades da redução de San Ignácio: Dice luego el motivo de la carta, que no es otro sino que se le aclare la confusión que hay en esta ciudad de San Lorenzo de la Barranca, de estar situados los portugueses en sus cercanias sin decir el paraje, y ahora, con las noticias referidas de Buenos Aires, se infiere lo inmediato que están los portugueses a la Mision de San Ignacio, por el mapa impreso en la historia del Gran Chaco por el Padre Antonio Machoni el año 1733, donde disfrutan de poderosa riqueza en los términos y jurisdicción de esta gobernación, donde han fundado la población de Cuyabá, con evidente perjuicio de su Majestad y de sus vasallos, y el que debe recelarse de tan considerable número de gente, con la facilidad que tienen para internarse en esas Misiones, como sin ella hicieron los Paulistas el año de 1696, que llegaron hasta el río de San Miguel, apresando y poniendo en collera a los indios de esas Misiones, sin respeto a sus reverencias ni a esa nueva cristiandad, hasta que el Gobernador de esta Plaza despachó socorro y pudo detenerlos, dándoles muerte, sin que dejasen vivas más de siete personas que trajeron a esta ciudad, y desde enconces hasta ahora no volvieron a inquietarlas. Y no distando de esta ciudad del río de San Miguel, donde se castigó a los portugueses, treinta leguas, poderá inferir Su Reverencia la misma facilidad que pueden tener para hacerse dueños de esta ciudad y pasar adelante a lo demás del Reino, si con tiempo no se pone remedio. En 1734 tuvo orden de la Audiencia de La Plata, dimanada del Virrey Marqués de Castelfuerte, de que informase con individualidad los minerales de oro que se trabajan en el Paraguay por los portugueses, en que parajes se hallaban y a qué distancia del paraguay y Santa Cruz. Que no pudiendo hacer dicho informe por no poder pasar los españoles de la primera Misión de sus reverencias al comercio, ocurrió al Padre Superior Bartolomé exhortándole que de no tenerla se sirviese que penetrasen sus indios desde la última misión cuando fuera posible hacia la parte de los Paulistas, para dar razón a su Alteza, a que respondió en carta de 18 de octubre de 1734 que en ninguna de todas esas Misiones se tenía notícia en más de 100 leguas descubiertas por esos indios Chiquitos dónde se beneficiaba dicho mineral, y que solamente por cartas del Paraguay se sabía cómo un Payagua había llegado a La Asunción a vender mucha cantidad de oro que habían quitado a unos portugueses que bajaban por el río Paraguay, y que de la Misión y pueblo de San José, que es el último y donde estuvo antiguamente Santa Cruz la Vieja, no habían internado en busca de infieles para reducir; y que por esta razón y otras muchas dificuldades que expresa, juzgaba el Superior sería más fácil esta averiguación por el lado del Paraguay; considerando que esta riqueza la disfrutaban los portugueses de la banda de allá de dicho río. Y dió respuesta con dicha carta original a Su Alteza, y supo después cómo en virtud de ella se dió la misma orden a don Bruno de Zabala, con ocasión de ir al Paraguay con ejército contra los

198 rebeldes, y respondió tenía por cierto que de esta parte del Paraguay estaban situados los portugeses trabajando los minerales de oro, y que por ella se sabría mejor su situación. Y precisando hacer más diligencias por la forma que aquí corre de que los indios de esas Misiones han llegado ya cerca de esta población portuguesa, por ella y las noticias que van en la copia referida se evidencia más, que Cuyabá está de la banda de acá por el Paraguay, subiendo por outro riachuelo que en el citado mapa se dice Zaravire, cerca de la isla que apunta en dicho mapa, donde se divide el río en dos trozos, siendo mayor el de la banda de acá, donde se cree está la población portuguesa 40 leguas más adentro, subiendo por uno de dichos riachuelos, en menos de 70 leguas de estos parajes; de donde se puede inferir que de la Misión de San Ignacio de Zamucos serán los indios que dice han visto a los portugueses, y ruega a Su Reverencia, requiere y exhorta, mande hacer esta diligencia, por su suma importancia, para que él pueda dar cuenta a Su Majestad de lo cierto de esta población, que sin ninguna duda está en sus dominios, y fuera muy culpable él y sus reverencias de no hacerlo así, por la obligación de los cargos que ejercen, ya que antes no haya podido ser por los motivos expresados. - San Lorenzo de la Barranca, 10 de octubre de 1738.158

A carta de dom Francisco Antonio Argomosa Ceballos, Governador de Santa Cruz, à Real Audiencia de La Plata, datada de 06/10/1740159, reafirma o dito pelo Padre Castañares, contrariando o que os jesuítas diziam anteriormente, de ser muito difícil a entrada no interior chaquenho, pois percebia que cada vez mais os portugueses se aproximavam da cordilheira, uma vez que Chiriguanos avistaram vestígios da passagem desses elementos, sem grandes dificuldades, pelos desertos chaquenhos. Devido a essas incursões, pediu na carta mais munição, armas e homens, dentre eles alguns capazes de refinar pólvora, pois a que estava de posse do Padre Castañares sofreu com a umidade, pedindo ainda que se observasse a vinda do destacamento militar no princípio de junho do ano seguinte: "antes que lo impidan las aguas". Percebe-se que os portugueses estavam atravessando antigo território Zamuco e se aproximando cada vez mais da cordilheira e suas minas de prata, bem como das cidades espanholas. Para conter o avanço luso, o Procurador da Província do Paraguai, padre

158 159

Juan

José

Pastells, 1948 : 327-329. Pastells, 1948 : 393-395.

Rico

estabeleceu

alguns

pontos

que

deviam

ser

199 observados pelo Conselho das Índias ao tomar providências no estabelecimento de uma fronteira entre ambas possessões de Espanha e Portugal: ... en orden al reparo que se deberá poner a la frontera de los portugueses que mira a mi provincia del Paraguay se me ofrece añadir de nuevo uno u otro punto que será de suma importancia, así para oponerse las internaciones de los portugueses, como para el más suave modo de reducir a la obediencia de ambas Majestades la grande provincia del Chaco. En orden a lo cual añado lo primero, que para la mayor seguridad y consistencia de la Reducción que se estabeleciere más cercana al Paraguay, junto al río Yaberirí o confuso, que es una de las tres que ya tengo insinuado a V.S.I., convendría se estabeleciesen a orillas del paraguay hasta la laguna Mamoré. Para la mejor consistencia, pues, de dicho pueblo, sería convenientísimo, lo primero, que se renovase el orden de que todos los años saliesen de La Asunción del Paraugay a reconocer la tierra por la banda oriental del río Paraguay, lo que se practicaba antes para observar los movimientos de los portugueses por aquella parte, y ya por ocasión de los disturbios de aquella provincia se há dejado. Lo segundo, sería no menos conveniente que enfrente de dicho pueblo, a la banda occidental del río Paraguay, se procurase hacer otra Reducción a orillas del río Pilcomayo, y en el sitio que juzgasen más a propósito los misioneros, que estos últimos años han bajado desde los Zamucos a reconocer dicho río Pilcomayo(...)."160

Entende-se, então, que durante todos os anos de atuação da redução de San Ignácio, além de ponto de apoio tanto para as conquistas das "nações" indígenas chaquenhas quanto para os desbravamentos para se encontrar o Pilcomayo, ela serviu, também, como espia das movimentações que os paulistas e demais portugueses fizeram no interior do território ocupado pelos Zamuco em busca de recursos humanos para as lavouras do Brasil e de metais preciosos para os cofres da Coroa Portuguesa. Ao se estabelecerem em Cuiabá, os mineiros barraram o avanço espanhol para o centro da América do Sul, criando a necessidade de se estabelecerem limites bem marcados entre ambas possessões. Com isso, o projeto de conquista do Pilcomayo através dos trabalhos de desbravamento jesuítico ficaram relegados a um segundo plano, e tentou-se buscar a primeira forma de comunicação projetada, através do Alto Paraguay, onde se supunha que Cuiabá fosse localizada. Parece que o desinteresse da Companhia de prosseguir 160

Pastells, 1948 : 507-511.

200 com a redução de San Ignácio e a própria ordem de abandono da mesma, seguiram o propósito de se acercar mais ao rio Paraguay, uma vez que se trasladou todos os indígenas para Chiquitos e fundaram-se novas reduções em direção a este. Os motivos vistos no decorrer desse capítulo obrigam a se descordar com a afirmativa de Susnik que: Todos los ensayos de misionización fracasaron; no solamente los grupos tribales sino también los interparciales mantenían relaciones mútuas agresivas, luchando por aguadas y cazaderos potenciales en su hábitat árido, aliando o segmentándose; esta lucha implicaba continuas venganzas por sangre o mediando ya la simple necesidad del prestigio social o la primacía de los jefes de las bandas. En tales condiciones los Jesuítas abandonaron su proyecto chaqueño e iniciaron la práctica de transplantación de los grupos Zamucos aislados a las reducciones de los Chiquitos, donde los Zamucos formaban conscientemente sus propios "barrios socioétnicos". Los grupos tribales no transmigrados quedaron diseminados en la amplia área desde el sur de las serranías de San José hasta el Riacho Zamucos; su libre movilidad vióse amenazada por las continuas entradas esclavistas de los ecuestres Mbayá-Guaycurú, quienes penetraban desde el río Paraguay hacia el interior; muchos grupos Zamucos quedaron diezmados, de donde la frecuencia de forzosas integraciones interparciales para fines de una sobrevivencia sociodemográfica.161

Pois as tendências psicosociais dos Zamuco não foram os únicos nem os principais fatores que levaram ao suposto "fracasso" da obra missional jesuítica em San Ignácio. Porém eles contribuíram, de alguma forma, para agudizar os problemas enfrentados pelos padres da Companhia de Jesus durante a execução do seu projeto de colonização do território chaquenho. Muito mais importantes, nesse sentido, foram: os processos de segmentação e miscigenação inter-étnica influenciados, também, por epidemias e pelas condições ambientais da região, como a própria pesquisadora destacou em seus trabalhos; o modo de ser caçador-coletor dos Zamuco; o excesso de pequenas lideranças que disputavam o poder político da redução e o prestígio perante os jesuítas; o projeto colonial proposto através da metodologia de missões volantes e reduções estáveis dos jesuítas, que aglutinavam em um só lugar um grande número de pessoas falando uma só língua e voltadas à produção de produtos para comércio; as

161

Susnik, 1998 : 199.

201 alterações nos projetos de encurtar distâncias entre Santa Cruz de la Sierra e Assunção; bem como a ação dos portugueses em território espanhol. Para conter o avanço português, dentro do seu curto espaço de vida (17231745), a redução de San Ignácio de los Zamucos contribuiu de forma valiosa, servindo como ponto de apoio aos intentos jesuítico-coloniais do início do século XVIII e de observação da movimentação dos seus inimigos. Foi também o ponto de encontro e de atrito entre o mundo colonial e o universo Zamuco. O abandono da missão de San Ignácio marcou, então, o fim dos Zamuco, pois aqueles que se distanciaram dos trabalhos catequéticos, despiram-se completamente da roupagem cristã e retornaram ao seu antigo habitat, fundindo-se com outras etnias ou se segmentando, até formarem o que hoje se conhece por Ishir-Chamacoco. De outro modo, aqueles que seguiram os jesuítas até a Missão de Chiquitos foram sendo absorvidos, aos poucos, pelos integrantes indígenas da redução ou adaptando sua cultura aos valores e ao modo de ser da etnia Chiquito, a tal ponto que, após a expulsão dos padres, em 1767, já não se podia mais diferenciar os antigos Zamuco de San Ignácio dos Chiquitos cristãos.

SÍNTESE E CONCLUSÕES No desenvolvimento da presente dissertação, três pontos foram fundamentais para a compreensão do fenômeno estudado: o ambiente, o nativo e o estrangeiro. Estes três pontos estão interligados pelas relações estabelecidas através de ações e reações intrínsecas à dinâmica do processo de reconhecimento do Outro, seja natural ou humano. O ambiente dicotomizado entre o Chaco Seco e o Chaco Úmido (ou Pantanal), foi apropriado por diversas populações nativas durante, aproximadamente, 4.000 anos, de acordo com as necessidades que se apresentavam e a tecnologia de que dispunham. No decorrer desse período, foram estabelecidas relações com este meio, de modo que um certo equilíbrio ecológico fosse mantido, e que o usufruto dos recursos fosse compartilhado, harmonicamente, por ambas as partes. Enquanto captavam os recursos proporcionados, os seres humanos criavam regras de convivência entre si e com o ambiente, visando essa harmonia.

203 Contudo, o equilíbrio foi quebrado a partir das pressões exercidas por elementos estrangeiros que, apesar de também serem nativos, se expandiram carregando consigo elementos novos e uma forma diferente de relação com o ambiente e com a Humanidade (traduzido pelo exercício de uma dominação impositiva, segundo Susnik, 1994). Aos poucos, os primeiros habitantes da região chaquenha foram sendo marginalizados, e tiveram de adaptar suas formas de se relacionar em função desse processo e dos novos contatos estabelecidos. Cada grupo optou por um método adaptativo próprio, que nem sempre igualava-se ao dos demais. Nesse processo, através dos contatos com os Outros, elementos culturais foram trocados, mesclados e/ou transformados, de forma a satisfazer as problemáticas geradas, seja de cunho social, seja ambiental. Mais de 4.000 anos foram necessários para se restabelecer um equilíbrio relativo, agora mais entre as sociedades que se formaram, do que entre os seres humanos e a natureza. Enquanto os agentes sociais lutavam entre si e contra os agentes naturais aos quais foram expostos pelas pressões sociais desencadeadas pela expansão de grupos horticultores, outro elemento estrangeiro foi introduzido no continente, oriundo de longínquo ambiente e de um processo histórico diferenciado. Novas pressões foram, então produzidas e novas relações tiveram de se desenvolver para dar conta das transformações causadas por esta invasão. Sob tal prisma, podemos afirmar que o fim deste processo ainda não pôde ser vislumbrado, e que as relações desarmônicas e de dominação continuam exercendo enorme influência no que hoje se conhece como América.

204 Neste contexto, a história de um pequeno grupo humano, que surgiu naquele primeiro período e que sobreviveu a todo desenrolar do processo histórico de conquista e colonização da América do Sul, sem sofrer, contudo, alterações em sua essência, foi o objeto de estudo deste trabalho. Os Zamuco estiveram, então, no centro das pressões relatadas acima, sofreram com elas e modificaram aspectos de sua cultura e de seu modo de vida para que, dessa forma, pudessem se manter enquanto humanidade. Em função de terem sido restringidos a uma área cujo ambiente lhes proporcionava recursos característicos de um clima semi-árido, composto por pequenos mamíferos, algumas aves migratórias e grandes predadores, por uma vegetação notadamente rasteira e espinhosa, na qual, quando alguma árvore de grande porte se sobressaía

possuía

madeirame

extremamente

duro,

em

função

do

sistema

pluviométrico e hídrico, essa população teve de criar uma série de adaptações culturais e organizacionais que fossem capazes de dar conta das transformações radicais às quais ficavam expostos entre períodos alternados de tempo. Esses períodos eram regidos pelas duas estações climáticas chaquenhas, ou seja, a estação da seca e a estação chuvosa. Assim, os Zamuco desenvolveram um sistema econômico baseado na caçacoleta de animais e vegetais que se ligava ao sistema social baseado em parentescos e afinidades, dividido por sexo e faixa etária, de modo a suprir a falta de recursos em determinadas épocas do ano. Devido à falta de matéria-prima para criar instrumentos mais elaborados, a principal arma de que dispunham era a relação de companheirismo por associação. Essas associações se deram entre os grupos de trabalho divididos por

205 sexo, ou seja, entre homens e mulheres; os grupos associados executavam tarefas designadas para cada sexo, unindo-se por um determinado período de tempo, a fim de juntos, acumularem recursos suficientes para prover as famílias extendidas. Excludente, tal sistema alijava os jovens e os velhos. Ao desenvolve-lo, cedeu-se aos velhos o poder político/decisório, pois ficavam de fora das obrigações de manutenção da vida comunitária. Assim, esses criaram uma cosmologia que pautava a vida da comunidade em todos os aspectos, físicos e legais, na qual o centro de controle era guardado e fiscalizado por esses velhos, em especial os homens. Tabus alimentares, regras de convivência, conselhos deliberativos, contratos matrimoniais, mitos, ritos, etc., eram cuidadosamente vigiados e regulados por este segmento social. Eles também eram os responsáveis pelos ensinamentos para a vida adulta dos jovens, e vigiavam os segredos tribais de tal modo que nem mulheres nem crianças tinham acesso a essa sabedoria ancestral. Para a manutenção desse modo de vida, eram necessárias constantes movimentações, sendo que segmentações e mestiçagens inter-tribais e inter-étnicas foram geradas, a longo prazo, tanto pelas pressões internas, quanto pelas pressões externas ao grupo. Ao se verem privados de recursos devido a intensa exploração de uma mesma área, os Zamuco tinham de se deslocar de uma, para outra região do Chaco Boreal, onde houvesse maior disponibilidade de alimentos. Durante essas movimentações, a falta de água fazia com que as famílias tivessem de se dividir, de modo a não perecerem devido a desidratação. Contudo, nem sempre se chegava a um acordo sobre que local seria mais adequado para migrar, aparecendo atritos entre essas famílias extensas. Disputas por "oasis" acabaram levando ao aparecimento de

206 líderes guerreiros e líderes xamânicos que formavam seus próprios bandos, divididos em clãs e metades que se relacionavam entre si, através de alianças e disputas. Era

inevitável

encontrar-se

com

outros

grupos

étnicos

durante

essas

movimentações, e a troca de mercadorias podia ser efetuada caso se dispusesse de recursos suficientes para tal e se as necessidades assim o exigissem. Deve-se ressaltar que a mesma situação vivida pelos Zamuco, também era vivida por outros grupos étnicos que habitavam as regiões mais periféricas do Chaco Boreal, porém as condições ambientais extremadas foram pouco vivenciadas por essas, pois ocupavam outra área de deslocamento e dispunham de recursos diferenciados. Contudo, essa situação não excluiu os contatos entre segmentos dos Aruak, Chiriguano, Chiquitos, Guaicurú, Bororo e Maskoi com os Zamuco do interior. Desses contatos, surgiram reproduções de conceitos, instrumentos utilitários, mitos, ritos, normas de conduta e relações na cultura Zamuco que se aproximavam das expressadas em tais grupos humanos. Dessa maneira, muitos materiais de que não se dispunha no deserto chaquenho, eram trocados, principalmente, por cativos fornecidos pelos Zamuco, sejam eles de origem extra-tribal, sejam do próprio grupo. As tribos de outras origens étnicas também transmitiam as informações referentes a outros grupos, e assim, os Zamuco ficaram sabendo, através dos Chiriguano e dos Guaicuru, que outros homens se aproximavam e que possuíam um modo muito peculiar de se vestir, de falar e de agir. Através dos Chiquitos, os Zamuco conheceram os sacerdotes da Companhia de Jesus, e souberam como se portar e que vantagens poderiam tirar de uma convivência com eles. De outro modo, seja por

207 experiência própria ou pelos Chané do alto Paraguai, os Zamuco descobriram que existiam outros cativadores nas cercanias, os bandeirantes portugueses, cujo ímpeto para o aprisionamento era muito maior do que qualquer outro grupo com os quais já tinham entrado em contato. Apesar de se movimentarem numa região cujo potencial agro-pastoril fosse muito baixo, os Zamuco se localizavam num ponto estratégico para a colonização espanhola e portuguesa. Eles estavam no meio do caminho entre São Paulo e as preciosas minas de prata dos Andes, bem como podiam ser úteis como escravos para agüentar a insalubridade do sistema agrícola colonial. Para os espanhóis, representavam uma porta de entrada para diminuir as distâncias entre Santa Cruz de la Sierra e Assunção, que na época eram cidades importantes para o desenvolvimento e avanço da colônia, conheciam bem a região, eram hábeis em se movimentar pelo território, podendo ser úteis na defesa da fronteira entre as possessões de Espanha e Portugal, e ainda poderiam prover de sal e cera o comércio que se desenvolvia nestas cidades. Além disso, seriam muito úteis para auxiliar na pacificação dos Chiriguano, que impediam o acesso às maiores regiões de extração de sal, conhecidas até então. Os sucessos das campanhas dos jesuítas para conversão dos Guarani, durante o século XVII, a metodologia empregada na conversão de tais indígenas, bem como o desencargo do Erário Real, devido à criação de cidades autônomas e a capacidade de defenderem as fronteiras reais, fizeram das Reduções Jesuíticas do Guairá, Paraguay e Tape o modelo pelo qual se deveria fazer a conversão de outros grupos étnicos que dificultassem o avanço da "civilização" sobre o território Sul-americano.

208 Adaptando o modelo missional à realidade do ambiente e populações do Chaco Boreal, os jesuítas criaram de 1692 a 1720 seis reduções entre os Índios Chiquitos (porém não compostas apenas por tribos desta etnia), que visaram, entre outros objetivos, abrir um caminho seguro capaz de ligar Santa Cruz de la Sierra à capital do Província do Paraguay, Assunção. Ao se verem forçados a retroceder na empresa, devido à belicosidade dos índios e aos avanços das bandeiras paulistas sobre o alto Paraguay, os jesuítas centraram seus esforços na busca por um caminho pelo rio Pilcomayo. Para isso, era inevitável que se convertesse os Zamuco ao cristianismo, abrindo novas rotas de extração de sal e cera, criando desse modo, uma base para exploração do território chaquenho. Num primeiro momento, contudo, os Zamuco não viam vantagens em se ligar aos jesuítas, pois estes pretendiam fixá-los em uma aldeia, alterando, assim, seu sistema de vida caçador-coletor nômade, para o de pecuarista e agrícola sedentarizado, tal como fizeram com os Chiquitos. De um certo modo, os Zamuco sabiam que este meio de vida estava fadado ao fracasso, devido às condições ambientais que há séculos enfrentavam no semi-árido chaquenho. A fome, as doenças e as perseguições dos encomenderos espanhóis e bandeirantes paulistas, fizeram com que os Zamuco mudassem de opinião e se aproximassem dos sacerdotes e dos Chiquito. Estes garantiam suprimentos de alimentos e água, proteção em caso de guerras, a cura para as moléstias, e um novo status para as lideranças; bastando para isso, que os indígenas seguissem as normas estabelecidas pelos jesuítas, obedecessem a um senhor distante e adotassem uma divindade única, mais distante ainda.

209 Ao criar a redução de San Ignácio de Zamucos, em 1723, o padre Juan Bautista Zea não imaginava os problemas e as turbulências pelas quais seus sucessores teriam de passar até conseguirem estabilizar tal população, fixa em um mesmo local, convivendo com outros grupos étnicos e com tribos historicamente inimigas entre si. Tal façanha só foi conquistada por que os sacerdotes aprenderam com a experiência, que custou a vida e a saúde de indígenas, coadjutores e outros colegas da Ordem, as maneiras pelas quais se poderia penetrar nos corações desses "selvagens" e dissuadilos, através de objetos, curas e discursos, a abandonar certas práticas e viver em uma relativa harmonia. Conviveram, então, num mesmo espaço, quatro tribos que falavam um mesmo dialeto, o Zamuco, além dos dois padres encarregados da cristianização dos indígenas e de alguns índios Chiquito, que serviam de intérpretes num primeiro momento, e que auxiliaram nas lides do campo, principalmente na estância de gado, mais tarde. Por procurarem manter esses indígenas práticos no manuseio do arco e flecha, os jesuítas permitiram que alguns elementos da cultura ancestral fossem mantidos (tais como os jogos e danças). Nos bairros, que foram dispostos de modo que cada tribo constituísse o seu próprio - cuja representação no cabildo administrativo fosse mantida pela liderança escolhida por eles -, eram fomentados e mantidos alguns traços da cultura original, já que os olhos dos curas não conseguiam estar voltados a todos os problemas ao mesmo tempo. Assim, se houvesse alguma adversidade à qual não se podia atribuir uma explicação racional, esta era logo referida a algum feitiço do xamã de outro bairro, politicamente "rival". Além do mais, as lideranças facilmente enciumavam-

210 se de novos líderes que despontavam toda vez que um novo bairro fosse criado, buscando sempre as atenções do Padre responsável pela missão. Desse modo, durante todos os anos em que a redução se manteve, diversas vezes os jesuítas tiveram de intervir nas relações inter-tribais, pois uma tribo expulsava a outra ou um líder acusava o outro de estar recebendo mais auxílio do que o concedido pelo padre a si. Normalmente, os problemas se agravavam quando o Cura da missão se ausentava, por buscar recursos nas outras reduções de Chiquitos, por sair em missões volantes para converter outros indígenas, ou por estar desbravando o território buscando novos caminhos que os ligassem a Assunção. Devido aos problemas internos, San Ignácio de los Zamuco chegou a ser abandonada, parcialmente por diversas vezes, e completamente duas (uma em 1724, por ordem do Provincial, e a outra em 1745, quando sucumbiu de vez). Contribuíram para isso: a) o modo de vida indígena, aliado aos problemas na obtenção de recursos alimentares e de água; b) as investidas dos inimigos dos Zamuco, sejam elas formadas por tribos de outros Zamuco, seja por grupos étnicos diversos; c) a presença constante de portugueses nas proximidades do rio Paraguay, chegando inclusive a passar pelo território Zamuco, e acampar em uma região muito próxima a Santa Cruz de la Sierra; d) a criação da cidade de Cuiabá, no atual estado de Mato Grosso, o que gerou não só insegurança por parte dos administradores civis - que faziam diversas queixas ao Rei, à Audiência de Charcas e à Companhia das Índias, pedindo providências contra os mesmos, contra os jesuítas e contra os próprios índios -, como também insegurança por parte dos líderes indígenas da redução; e) as doenças que se espalhavam rapidamente

211 pelos bairros da redução e vitimando dezenas de índios, principalmente devido à falta de água potável. Confirmam estes dados, os levantamentos feitos pelos padres nos anos de 1739, 1742, e 1743, quando a população indígena atingiu o ápice, chegando a contar 683 almas em San Ignácio de los Zamucos. Se comparado com a mais próxima, San Juan Bautista de los Chiquitos, que contava com 1969 almas, a dos índios Zamuco era muito pequena e de pouca expressividade no intento de cristianizar indígenas. Contudo, sua importância estratégica permitiu que fossem investidos 22 anos na manutenção dessa missão. A principal característica funcional de San Ignácio parece ter sido, então, um ponto de apoio para as explorações jesuíticas em direção ao rio Pilcomayo e ao rio Paraguay, e, quando fossem conquistados tais caminhos, pudesse servir como um pouso seguro, onde os viajantes pudessem descansar e obter recursos para prosseguir em suas possíveis viagens para Santa Cruz ou para Assunção. As atenções das administrações civis e religiosas voltaram-se para o alto curso rio Paraguay quando a notícia de que os portugueses haviam encontrado ouro e fundado uma vila nesta região. Assim, resultado também de não se ter nunca conseguido abrir um caminho eficiente até o rio Pilcomayo, o projeto de se criar uma rota através desse foi abandonado e, conseqüentemente, San Ignácio de los Zamuco perdeu importância. As disputas internas e epidemias de varíola que assolavam a redução, fizeram com que, em 1745, todas as tribos indígenas abandonassem os padres Ignácio Chomé e Diego Contreras, para voltar ao seu antigo território, onde acreditavam que encontrariam a cura para seus males. Ambos sacerdotes foram então chamados de

212 volta à Missão de Chiquitos, com ordens de carregar o máximo de documentação e objetos sacros que pudessem e que se deixasse definitivamente que o deserto tragasse essa mal fadada experiência, juntamente com seus nativos. A ordem foi dada, porém ainda havia esperanças de que, ao se verem desprovidos de ajuda, os indígenas procurassem novamente o auxílio dos jesuítas. Efetivamente foi o que ocorreu, inclusive sendo criada novamente a redução de San Ignácio, porém agora, não se cometeriam os mesmos erros e as motivações que levaram a essa situação foram completamente diversas daquelas que criaram a antiga redução. Algumas famílias retornaram ao convívio dos jesuítas, mesclaram-se com a população de Chiquitos e voltaram a levar uma "vida cristã". Outras retomaram seu antigo modo de vida, segmentando-se e aliando-se com outros zamucos ou outras etnias. Essas buscaram acercar-se cada vez mais de um novo ambiente que se oferecia através das derrotas sofridas pelos Guaicurú perante a sociedade colonial, que era a porção úmida do Chaco/Pantanal, deixando para trás uma história que queriam esquecer. San Ignácio de los Zamucos foi completamente apagada da memória de seus antigos habitantes e nem mesmo ruínas sobraram para marcar essa integração entre o mundo colonizado e o universo indígena. Assim, apesar de anos de convivência com os jesuítas, os indígenas chaquenhos que foram reduzidos nunca deixaram de ser o que os distinguia dos demais. Eles não permitiram que o modo de vida cristão apagasse a sua cultura e seu antigo modo de vida, fazendo o possível para as características que lhes despertava a dicotomia entre o interesse e o medo pela novidade.

213 O mítico temor do cambio del mundo e da extinção total dos Ishir-Chamacoco permitiu que, mais uma vez, a habilidade do pato superasse a força do tigre, e assim permanecessem no Chaco Boreal caçando com seus companheiros clânicos e ensinando aos seus filhos e aos seus vizinhos o modo de vida peculiar, de harmonia homem e natureza, que levavam antes do aparecimento dos invasores do outro lado do oceano. Observando todo esse processo, pôde-se chegar às seguintes conclusões: n

O ambiente chaquenho, desprovido de abundância de água, não resultava um problema sério para os pequenos bandos de caçadores-coletores enquanto estes mantivessem uma mobilidade constante, captando os diversos recursos durante as épocas propícias e nos locais onde a disponibilidade fosse maior.

n

O modo de vida caçador-coletor das populações chaquenhas permitia que, em determinadas épocas, algum tipo de manejo de recursos fosse possível, usufruindo, assim, de certos cultivos incipientes.

n

Para que tal sistema funcionasse, cada pequeno bando disperso se articulava de forma que houvesse lideranças capazes de atender as necessidades imediatas e auxiliar na busca de recursos quando necessário; portanto não havia interesse nem motivação para o aparecimento de grandes líderes tribais, como no caso dos Guarani ou mesmo entre os Chiquito.

n

Os mecanismos sociais de reciprocidade e segmentação, criados a partir das necessidades subsistenciais, eram suficientes para atender a demanda interna da estrutura dos bandos Zamuco, e as eventuais aglomerações que

214 se formavam sempre eram instáveis, se davam em períodos curtos sendo estes determinados em função da disponibilidade de recursos, colaborando para a inexistência de lideranças centralizadas. n

A formação de redes de relacionamentos permitia a complementação da economia de subsistência, através de contatos estabelecidos com outros grupos étnicos a fim de trocar bens não disponíveis nos espaços nos quais se inseriam.

n

O modelo jesuítico de reduções estáveis que se tentou implantar entre os indígenas do Chaco visava atender interesses específicos do sistema colonial que se implementava na América do Sul. O modelo reproduzido com os Zamuco se justificava na medida em que daria um suporte para: a) abertura de caminhos de comunicação seguros entre as cidades coloniais fora da área de circulação Andes/Pacífico; b) conversão de outros indígenas que barravam o avanço da colônia no Chaco Seco e no Chaco Úmido; c) montagem de um sistema de extração de víveres para o abastecimento das cidades da colônia espanhola (sal e cera); d) defesa

das

possessões

da

Coroa

contra

os

bandeirantes

que

os

paulistas/portugueses. n

Para

que

tal

fomentassem:

modelo

funcionasse

era

necessário

jesuítas

215 a) a racionalização dos espaços através da criação de uma organização urbana capaz de se auto-gerir, desvinculada dos cofres Reais e com abastecimento de água eficaz; b) a substituição dos incipientes cultivos de feijões, do algarrobo e de coletas generalizadas, pelas lavouras monoculturais de milho ou mandioca; c) substituição da caça pela criação de gado; d) racionalização do consumo dos produtos naturais extraídos; e) neutralização das pequenas lideranças e promoção de um líder destacado/principal que fizesse a ponte entre os religiosos e os indígenas; f) controle de doenças contagiosas, supressão de crenças pagãs e homogeneização cultural. n

Ao longo dos 22 anos de existência, a redução jesuítica de San Ignácio de los Zamucos, buscou atender ao referido acima. Porém as alternâncias dos revezes que surgiram, fizeram a vida na redução mais instável do que os sacerdotes imaginaram, pois: a) os indígenas custavam a se desvincular dos laços que os uniam ao antigo modo de vida caçador coletor (continuaram caçando e coletando seus alimentos, tinham pouco tempo/vontade para dedicar à lavoura), os líderes de bandos nunca perderam seu prestígio político nos seus bandos de origem e entravam em atrito constante com as lideranças dos outros bandos devido ao tratamento dispensado pelos sacerdotes aos quatro grupos reduzidos (Zamucos, Zatieños, Curacates/Tapios e Ugaraños);

216 b) havia escassez de água pois, ao se fixar a população num mesmo espaço, fora perdida a antiga mobilidade gozada pelos Zamuco; c) os recursos foram restringidos, com o direcionamento das redes de relacionamentos para a esfera de influência dos jesuítas, também comprometendo a mobilidade e as relações dos Zamuco com outros grupos étnicos com os quais mantinham contatos diversos, mas regulares; d) a tendência de haver um aumento da população em função da produção de alimentos (baseada na experiência com os Guarani) não se efetivou uma vez que os indígenas chaquenhos não estavam habituados ao sistema agrícola, demonstrando que a demanda era maior do que a capacidade de produzi-los; e) a disseminação de doenças foi bastante rápida e mortal, devido a falta de água limpa nas proximidades e de alimentos suficientes; n

Outros dois fatores da alçada dos jesuítas, também contribuíram para a instabilidade: 1. a única liderança capaz de apaziguar os ânimos dos componentes da missão era o padre Cura, que constantemente realizava expedições para as outras Missões de Chiquitos, a fim de prover os recursos para manutenção da vida em San Ignácio, ou estava buscando os novos caminhos pelos rios Pilcomayo e Paraguay, ou doutrinando novos grupos, ou tendo de convencer grupos fugidos a retornar para a missão;

217 2. o isolamento em relação aos demais povos da Província de Chiquitos dificultava o acesso aos produtos de circulação internos, bem como o controle por parte do Superior das Missões. n

Aos poucos, a redução de San Ignácio de los Zamucos foi perdendo importância, principalmente quando: a) a travessia do Chaco mostrou-se menos penosa para os portugueses e seus aliados do que para os espanhóis; b) os portugueses criaram a vila mineradora de Cuiabá, direcionando as atenções da Coroa hispânica para o nordeste do Chaco e não mais para o sul; c) os Chiriguano e Guaicurú começaram a ser pacificados pelas missões criadas entre eles; d) outras fontes de extração da sal e cera foram descobertas e utilizadas; e) a constante ameaça de invasão por parte de outros indígenas, a instabilidade interna e a impossibilidade de manter-se com os recursos de que dispunham fez com que os bandos dos quatro grupos indígenas que foram reduzidos nesta missão se dispersassem novamente pelo interior do Chaco, retomando seu antigo modo de vida caçador-coletor nômade e, a partir da apropriação de novos ambientes (com a expulsão dos Guaicurú de suas terras), recriam um sistema que se mostrou capaz de mantê-los vivos até os dias atuais.

n

A nova identidade assumida pelos grupos étnicos de língua Zamuco que se processou no período posterior à colonização, foi produto de um longo

218 processo de contatos inter-étnicos, de reformulação e adaptação a situações novas que constituem uma resposta ao colonialismo e às pressões do avanço da "civilização".

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DOCUMENTO 17. [I-29-6-13] Archivo: Octubre 1745. Relacion de los sucedido en el pueblo de N Padre San Ignacio de los Zamucos (?1743). (Coleção de Angelis transcrita pelo Padre Bruxel, depositada no Instituto Anchietano de Pesquisas) DOCUMENTO 18. [I-29-5-92] Publicado en el 7º tomo de las Cartas Edificantes de la Edicion de Madrid de 1755. Estado de las Misiones de los Padres Jesuitas de la Provincia del Paraguay, entre los indios de la America Meridional, llamdos Chiquitos, y de las otras misiones establecidas sobre los rios Parana y Uruguay en el mismo continente. Sacado de un memorial español; embiado a Su Magestad Catolica por el Padre Burgés, de la Compañia de Jesus, Procurador General de la Provincia del Paraguay. (Coleção de Angelis transcrita pelo Padre Bruxel, depositada no Instituto Anchietano de Pesquisas) DOCUMENTO 19. [I-29-6-17] Don Alonso Berdugo, 1763. El Gobernador y Capitan General de Santa Cruz en cuyas provincias se contienen las misiones de los indios Chiquitos, que estan al cargo de los padres de la Compañia de Jesus de la Provincia del Tucuman, Informa a Vuestra Magestad el estado de ellas, y la utilidad de su adelantamiento, para cuyo fin se necesita de sugetos que con su predicacion propaguen en aquellos bastos paizes el Santo Evangelio. (Coleção de Angelis transcrita pelo Padre Bruxel, depositada no Instituto Anchietano de Pesquisas) DOCUMENTO 20. [PARAG.13, 94r] Annua numeratio missionum chiquitorum anní 1739. (microfilme depositado no Instituto Anchietano de Pesquisas) DOCUMENTO 21. [PARAG.12, 192r] Catalogo de la numeracion de las doctrinas de los Chiquitos del año de 1742. (microfilme depositado no Instituto Anchietano de Pesquisas) DOCUMENTO 22. [PARAG.12, 194r] Catalogo de la numeracion de las doctrinas de los Chiquitos del año de 1746. (microfilme depositado no Instituto Anchietano de Pesquisas) DOCUMENTO 23. [PARAG.13 163r] 1753. Noticias del Gran Chaco. (microfilme depositado no Instituto Anchietano de Pesquisas) DOCUMENTO 24. 1735-1743. Cartas anuas de la provincia del paraguay (17351743, Terceira Parte). Las Misiones de los indios Chiquitos. Tradução de Carlos Leonhardt, S.J.(1928). pp. 486-543 (cópia digital depositada no Instituto Anchietano de Pesquisas) Editadas: ALARCON Y CAÑEDO, J. de; PITTINI, R. El Chaco Paraguayo y sus Tribus. Apuntes Etnográficos y Leyendas, la Mision Salasiana. Turin : s.ed., 1924 ALMEIDA SERRA, R. F. de. Continuação do Parecer sobre os Indios Uaicuru's, Guana's, etc, que se começou a publicar na Revista n. 26. Pag. 204 do T., 7°, etc. Ms. Original do Sr. Dr. Tenente Coronel Jardim. In : Revista Trimensal de Historia

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