\"Santa Catarina da Serra e Chainça: limite com a freguesia de Fátima: 1888-2007\", in «Cadernos de Estudos Leirienses», setembro de 2016, Ano III, vol. 9, pp. 429-436.

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Cadernos de Estudos Leirienses – 9 * Setembro 2016

Santa Catarina da Serra e Chainça: Limite com a freguesia de Fátima: 1888-2007 Vasco Silva*

Ao mesmo tempo que se tentava dar solução à situação da estrema com a então freguesia de Reguengo do Fetal, primeiro, e com São Mamede, depois, procurou-se resolver a questão com a de Fátima, principalmente no sítio da Fazarga, onde houve, em tempos mais remotos, profundas desavenças entre as duas Juntas de Paróquia, isto pelo facto de indivíduos de um lado e do outro não respeitarem a linha de delimitação, a qual, da cruz, cruzamento, que descia para a Moita Redonda, seguia, em linha reta, para o designado Cabeço do Amarelo, pelo que era fácil reconhecer a estrema. Assim, a 2 de dezembro de 1888, a Junta de Paróquia de Santa Catarina da Serra não só solicitou a demolição de algumas sebes que se andavam fazendo na Fazarga, como também procurou, com a então Junta de Paróquia de Fátima, efetuar a demarcação dessa área1, até porque aí os terrenos estavam a ser matriciados tanto no concelho de Leiria como no de Ourém. Nesse ano, por exemplo, avaliadores incluíram em Ourém os sítios do Vale do Poço e Castanheiro. O processo de demarcação com Fátima foi o mais moroso e durou décadas até ficar totalmente resolvido. No dia 15 de novembro de 1914, a Junta de Freguesia deliberou «unanimemente que se oficiasse a Junta de Parochia da freguezia de Fatima, a convoca-la para uma reunião a fim de se efectuar a demarcação entre as duas freguesias»2. No ano seguinte, a 3 de janeiro, um indivíduo da Moita Redonda foi multado por andar a vedar e a colocar arvoredo no sítio da Fazarga. * Investigador em História 1 2

Livro 2 de atas da Junta de Freguesia de Santa Catarina da Serra (1885-1890), AJFSCS-C, fl. 51. Livro 6 de atas da Junta de Freguesia de Santa Catarina da Serra (1910-1926), AJFSCS-C, fl. 36v.

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Fig. 1 – Representação fotográfica dos sítios que viriam a ser perdidos, em 1965, para as freguesias de Fátima e Atouguia. De sudeste para nordeste (direita para a esquerda): Cabeço do Amarelo, Outeiro da Cruz do Cacho, Outeiro das Cavadas e, por último, Castanheiro. A partir daquele ano, a estrema passou a ser definida no Vale Longo, ficando o mesmo entre o alto da Fazarga e o referido Cabeço do Amarelo3.

«No dia tres de janeiro de mil novecentos e quinze reuniu em sessão ordinaria a Junta de Parochia, lida, approvada e assignada a acta da sessão anterior. O zelador parochial Jose Pereira das Neves4 da Loureira, deu conhecimento a esta Corporação que no dia vinte e seis de dezembro de mil novecentos e quinze, digo, quatorse, multou no sitio da Fazarga, limite da Loureira, ambas desta freguezia, a Francisco Carreira, casado, cultivador, residente na Moita, freguezia de Fatima, concelho de Villa Nova d’ Ourem, por ter transgredido o artigo sexto das posturas parochiaes, desta freguezia, isto é, por andar vedando e roteando terreno publico, desta freguezia, no indicado sitio da Fazarga, avisando-o a demolir os respectivos tapumes e a pagar na thesouraria desta Junta a multa estripolada no indicado artigo sexto das posturas desta freguesia, por transgressão aos mesmos, isto no prazo de dez dias a contar do respectivo dia vinte e seis de dezembro. Foram testemunhas presentes a esse acto Jose Pereira da Cruz e Narcizo Pereira, soltei3

Fotografia obtida às 14:43 do dia 23 de outubro de 2009, domingo, com uma máquina Panasonic DMC-TZ6, de fabrico japonês e lentes alemãs, Leica. 4 Solicitou a exoneração do cargo a 1 de abril de 1917, tendo sido substituído por José Rito, casado, negociante, residente da localidade de Chainça. Vide Livro 6 de atas da Junta de Freguesia de Santa Catarina da Serra (1910-22), AJFSCS-C, fl. 54.

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ros, maiores, serradores, residentes na Loureira desta freguezia ficando a Junta inteirada e deliberando que se acertassem as dictas posturas. Como nada mais houvesse a tractar o presidente declarou encerrada esta sessão e mandou lavrar esta acta que depois de lida vae ser assignada por todos e por mim Jose Francisco Alves secretario a escrevi e assigno. Presidente: Joze Justino Gonçalves. Vice-presidente: Manoel Pereira. Vogal: Antonio Ferreira Constantino. Vogal: Jose Pereira das Neves. Vogal: Jose Pereira Relha. Secretario: Jose Francisco Alves»5. Como o dito Francisco Carreira, da Moita Redonda, não demoliu os tapumes, o processo seguiu, a 17 de janeiro de 1915, as vias judiciais6. Este foi a tribunal no ano de 1916, por ter violado as posturas de Santa Catarina da Serra. Contudo, não chegou a ser condenado por não haver prova suficiente7. Na década de 30 de novecentos, mais precisamente a 1 de julho de 1936, a Junta de Freguesia de Santa Catarina da Serra faz nova tentativa para resolver a situação do limite da Fazarga, que já se arrastava desde finais de oitocentos. «Ao primeiro dia de julho de mil novecentos e trinta e seis, na sala das sessões da Junta de Freguesia de Santa Catarina da Serra, estando presentes o presidente David d’ Oliveira Neves8, e os vogais Francisco Vieira9 e Joaquim Inácio Vicente10, se constituiu esta Junta em sua sessão ordinária, a fim de resolver vários assuntos. Aprovada a acta da sessão anterior, foi referido: tomar conhecimento dos oficios enviados a esta Junta e quais as respostas dadas, e a que se refere o novo oficio numero vinte traço trinta e seis, que solicita a comparência da Comissão da Camara Municipal de Leiria, para fim de demarcação a fazer no sitio denominado Fazarga, desta 5

Livro 6 de atas da Junta de Freguesia de Santa Catarina da Serra (1910-1926), AJFSCS-C, fls. 3838v. 6 Livro 6 de atas da Junta de Freguesia de Santa Catarina da Serra (1910-1926), AJFSCS-C, fl. 38v. 7 Leiria Ilustrada, Ano 11, n.º 526, 29.1.1916. 8 Da Quinta da Sardinha. 9 De Santa Catarina da Serra. 10 Da Chainça. Mestre de cantaria.

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freguezia, entre os logares da Moita e Loureira. Nada mais havendo a resolver, foi encerrada a sessão, pelo que se lavrou a presente, que, depois de ser lida, vai ser por todos assinada. David d’ Oliveira Neves. Os vogais, Francisco Vieira»11. Em junho de 1945, o problema não estava ainda resolvido, pelo menos na prática, pois a Junta de Freguesia de Santa Catarina da Serra refere-se, novamente, a incursões abusivas na Fazarga por parte de habitantes da Moita Redonda: «Que, em virtude das reclamações dos habitantes do lugar da Loureira, desta freguesia contra os habitantes do lugar da Mouta Redonda, freguesia de Fátima, devido às abusivas incursões destes, aos domínios desta freguesia, os quais pretendem apoderar-se do terreno baldio no sítio denominado Fazarga, resolveu que, em vista da gravidade da situação, se oficiasse ao senhor presidente da Câmara Municipal, solicitando, as indespensáveis diligências para que fosse reconhecida e respeitada a linha de demarcação da freguesia e acabado o litígio entre os povos dos dois lugares»12. A problemática toda estava em torno dos terrenos públicos posicionados no sítio da Fazarga, tanto da parte da Fátima, como da de Santa Catarina da Serra e que particulares pretendiam apossar-se dos mesmos, daí a insistência constante sobre os baldios. Nem uma nem outra autarquia podiam fazer nada, uma vez que, antes da década de 80 do século XX, as Juntas não tinham, aparentemente, património imóvel próprio, nem estavam autorizadas a matriciá-lo em seu nome. Antes do 25 de abril de 1974, as Juntas de Freguesia não dispunham de qualquer autonomia, limitando-se, tão-só, a pôr em prática ofícios provenientes das câmaras municipais e / ou de outras entidades públicas. Como a questão do limite da Fazarga não era resolvida, foi solicitada a demarcação entre Santa Catarina da Serra e Fátima pelo Instituto Geográfico e Cadastral, IGC, do Exército, resultando, daí, o decreto número 46.486, de 13 de agosto de 1965, que resolvia, definitivamente, o problema da estrema no sítio da Fazarga. Apesar das iniciais dificuldades em fazer cumprir o docu11 12

Livro 8 de atas da Junta de Freguesia de Santa Catarina da Serra (1927-46), AJFSCS-C, fl. 79v. Livro 8 de atas da Junta de Freguesia de Santa Catarina da Serra (1927-46), AJFSCS-C, fl. 157v.

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mento do Ministério do Interior, conseguiu-se demarcar, com precisão, o alto da Fazarga. «Ministério do Interior. Direcção-Geral de Administração Política e Civil. Decreto n.º 46.486. Tendo surgido dúvidas acerca da linha divisória entre as freguesias de Santa Catarina da Serra, do concelho e distrito de Leiria, e Fatima, do concelho de Vila Nova de Ourém e distrito de Santarém, procedeu o Instituto Geográfico e Cadastral ao estudo necessário para lhes pôr termo. Considerando as conclusões do aludido estudo, com as quais concordaram as Juntas das mencionadas freguesias; Ouvidos os governadores civis e as Juntas Distritais dos distritos de Leiria e de Santarém; tendo em vista o disposto no n.º 3 do artigo 12.º do Código Administrativo; Usando da faculdade conferida pelo n.º 3 do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo o seguinte: Artigo 1.º - A delimitação entre as freguesias de Santa Catarina da Serra e Fátima, dos concelhos de Leiria e Vila Nova de Ourém, respectivamente, junto ao lugar da Loureira, da primeira das citadas freguesias, é definida por uma linha que, começando por alturas do poço da Valada e orientando-se de poente para nascente, segue pelas estremas dos prédios rústicos pertencentes a Manuel Alho, Luís Ribeiro, Manuel Santos, Teresa Conceição, Manuel Ribeiro e José Gonçalves, todos do lado da freguesia de Fátima, e a José Francisco Neves e herdeiros de Manuel Pereira de Oliveira, do lado da freguesia de Santa Catarina da Serra; atravessa a estrada nacional Cova da Iria-Loureira13, junto à placa da Junta Autónoma de Estradas, indicativa dos distritos (Leiria e Santarém), seguindo depois pelas estremas dos prédios rústicos de Joaquim Ribeiro, do lado da freguesia de Fátima, e de Maria Marques, do lado da freguesia de Santa Catarina da Serra, até atingir a estrema do prédio de Faustino Alexandre Oliveira, do lado da freguesia de Fátima, ponto que inflecte para a esquerda, passando a estremar com esta propriedade e com o dito prédio de Maria Marques até alcançar o limite da propriedade de José dos Santos Silva, do lado da freguesia de Santa Catarina da Serra, inflectindo neste ponto para a direita e seguindo, depois, pela estrema da 13

N 357, hoje EM 357.

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mesma propriedade de José dos Santos Silva até atingir o caminho público denominado antigo caminho das padeiras; prossegue por este caminho até ao seu cruzamento com a estrada municipal Loureira-Moita Redonda; continua em linha recta em direcção ao canto noroeste da propriedade de Manuel Santos Vieira, seguindo pela estrema norte desta propriedade até ao Vale Longo14; aqui, inflecte para a esquerda e continua sempre pelo Vale Longo abaixo. Artigo 2.º - As Câmaras Municipais de Leiria e de Vila Nova de Ourém deverão proceder, no prazo de 60 dias e pela forma em que acordarem, à colocação de marcos, onde se tornem necessários, de modo que fiquem bem patentes os limites fixados no artigo anterior. Publique-se e cumpra-se como nele se contém. Paços do Governo da República, 13 de agosto de 1965. Américo Deus Rodrigues Thomaz. António de Oliveira Salazar. Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior». No ano anterior, a 6 de março, António Gonçalves, de Ulmeiro, então presidente da Junta de Freguesia de Santa Catarina da Serra, aceitou a perda, para a freguesia de Fátima, de toda a área do Cabeço do Amarelo, de forma a dar-se por concluído um conflito que já se arrastava há muito15. Em 1966, são colocados marcos no sítio da Fazarga. Todavia, tal não veio a suceder, na medida em que um marco do alto da Fazarga foi quebrado na noite do dia 8 / 9 (quarta / quinta-feira) de dezembro de 197116. Como a questão continuasse por resolver, a 29 de julho de 1987 a Junta de Freguesia, presidida por Manuel Francisco Lourenço, convoca, de novo, a de Fátima, por causa dos limites da Fazarga17, ao mesmo tempo que prepara quarenta e oito prédios rústicos, baldios, a serem integrados, por escritura de usucapião, no património da freguesia de Santa Catarina da Serra, pois nessa altura, devolvida a autonomia às Juntas de Freguesia, estas passam a poder dispor de imóveis. Tal situação não se verificou, no entanto, com as autarquias vizinhas, que se confrontaram com o património público cada vez mais delapidado.

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Vale localizado entre a Fazarga e o Cabeço do Amarelo. Correspondência recebida (1958-1967), AJFSCS-C, sem fólio. 16 Correspondência expedida (1969-1971), AJFSCS-C, sem fólio. 17 “Fazarga é terra de ninguém”, in Diário de Leiria, Ano V, n.º 1.356, 7 de abril de 1992, pp. 6-7. 15

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Fig. 2 – Representação fotográfica do marco 6, posicionado no sítio da Valada, limite da União das Freguesias de Santa Catarina da Serra e Chainça com o território de Fátima18.

Na tabela que se segue incluem-se as coordenadas de satélite dos 8 marcos que foram postos para delimitar o concelho de Leiria do de Ourém, entre o designado Poço do Povo, na estrema com a freguesia de Atouguia, e o Algar de Água, onde se acha o marco de limite de Santa Catarina da Serra e Chainça, concelho de Leiria, de Fátima, concelho de Ourém, e de São Mamede, concelho de Batalha. Tab. 1 – Coordenadas de satélite dos marcos limítrofes entre as freguesias de Santa Catarina da Serra e Chainça, Atouguia, Fátima e São Mamede. A cinza, os marcos que foram destruídos no alto da Fazarga Sítios 1 2 3 4 5 6 7 8

Vale do Poço Fazarga Fazarga Valada Valada Valada Valada Algar de Água1

Latitude 39º 39' 31,36'' 39º 38' 47,01'' 39º 38' 43,26'' 39º 38' 41,51'' 39º 38' 39,96'' 39º 38' 39,00'' 39º 38' 34,14'' 39º 38' 19,24''

Longitude

Altitude

N.º

8º 39' 19,05'' 8º 40' 45,41'' 8º 40' 49,07'' 8º 41' 70,29'' 8º 41' 60,65'' 8º 41' 80,75'' 8º 41' 23,60'' 8º 42' 09,67''

226 375 392 366 367 365 349 357

---------------17 S/F 16

A situação da Fazarga viria a ficar resolvida, em definitivo, por volta de 2007. No dia 24 de abril desse mesmo ano, sendo presidente Lino Dias Pereira, refere-se que a Junta de Freguesia de Santa Catarina da Serra encetou diligências amigáveis com a edilidade de Fátima para que fosse possível a resolução definitiva do assunto em apreço19. 18

Fotografia obtida às 14:13 do dia 18 de fevereiro de 2009, quarta-feira, com uma máquina Leica CLux 2, de fabrico alemão. 19 Livro 26 de atas da Junta de Freguesia de Santa Catarina da Serra (2007), AJFSCS-C, sem fólio.

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Bibliografia sumária – Correspondência recebida (1958-1967), AJFSCS-C, sem fólio. – Correspondência expedida (1969-1971), AJFSCS-C, sem fólio. – “Fazarga é terra de ninguém”, in Diário de Leiria, Ano V, n.º 1.356, 7 de abril de 1992, pp. 6-7. – Leiria Ilustrada, Ano 11, n.º 526, 29.1.1916. – Livro 2 de atas da Junta de Freguesia de Santa Catarina da Serra (1885-90), AJFSCS-C, fl. 51. – Livro 6 de atas da Junta de Freguesia de Santa Catarina da Serra (1910-26), AJFSCS-C, fls. 36v, 38-38v e 54. – Livro 8 de atas da Junta de Freguesia de Santa Catarina da Serra (1927-46), AJFSCS-C, fls. 79v e 157v. – Livro 26 de atas da Junta de Freguesia de Santa Catarina da Serra (2007), AJFSCS-C, sem fólio. – SILVA, Vasco Jorge Rosa da, Loureira 1610-2010: Estudo Histórico e Documental, Loureira, Associação para o Desenvolvimento Social da Loureira, ADSL, e Comissão da Capela da Loureira, 2010, pp. 166-169. Colaboração de Joaquim das Neves Vicente.

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