Santidade - Exegese de 1 Pe 1:13-21

July 14, 2017 | Autor: Thiago Thimoteo | Categoria: Estudos do Novo Testamento, Exegese Bíblica, BIBLIA SAGRADA, Santidade
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THIAGO THIMOTEO

SANTIDADE: UMA ANÁLISE BASEADA NA PERÍCOPE 1 PE 1.13-21

Trabalho acadêmico apresentado como exigência parcial para a conclusão do grau de Bacharel em Teologia, ao Prof. Dr. Ronald da Silva Lima, coordenador do curso de Bacharel em teologia, Noturno, da Faculdade de Teologia – Instituto Betel de Ensino Superior.

Instituto Betel de Ensino Superior São Paulo – Junho de 2015

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Parece-me que o bom cidadão deve preferir as palavras que salvam às palavras que agradam. Demóstenes

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Agradecimentos,

À Santíssima Trindade que me resgatou das trevas para a salvação em Cristo Jesus e que me sustenta todos os dias pela Sua misericórdia.

À minha esposa e filho que foram pacientes e me deram apoio em todo o momento que deixei de estar com eles para me dedicar aos estudos.

Ao pastor Juliano Dias que sempre me incentivou a concluir o curso e foi um exemplo de estudioso da Bíblia.

Ao professor Edemir Antunes Filho pela sua dedicação, exemplo de fé e conhecimento nas Escrituras.

Ao professor Doutor Ronald que me exortou e me incentivou num momento crítico e de dúvida na minha vida.

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RESUMO

O presente trabalho consiste numa análise exegética do texto de 1 Pe 1.1321, demonstrando qual a visão que o autor do livro tinha sobre a santidade dos cristãos. O método a ser utilizado é a pesquisa bibliográfica em locais físicos e virtuais. Para isso, faz-se necessário entender quais aspectos culturais, sociais e espirituais que reinavam naquela sociedade e quem eram os destinatários da carta, salientando as suas dificuldades e contraposições que enfrentavam naquela época. Diante desses aspectos busca-se entender a razão da utilização de uma referência das Escrituras pelo autor, a saber a frase “sereis santos, porque eu sou santo”. Assim, este trabalho busca responder aos seguintes questionamentos: Quais são os aspectos principais nos âmbitos culturais, sociais e espirituais que o autor de 1 Pedro quer salientar? E, finalmente, qual o significado de santidade? De posse das respostas das questões acima levantadas, propõe-se uma aplicação dos conceitos para os tempos atuais de acordo com os aspectos culturais, sociais e espirituais praticados pelos cristãos brasileiros.

Palavras-chave: santidade, santificação, lei, graça, legalismo, salvação.

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ABSTRACT The objective of the current monograph is to perform an exegetical analysis of the text 1 Pe 1.13-21, showing what vision the actor had about holiness among Christians. The used method is the literature and virtual search. Therefore, it is necessary to understand what cultural, social and spiritual aspects that ruled that society and whom the letter was written to, stressing their adversities and enemies from that time. From that point of view, the search seeks to understand the reasons which drove the actor to use Old Testament reference, “ye shall therefore be holy, for I {am} holy”. Then, the following questions are proposed to be answered: What main cultural, social and spiritual aspects wish the 1 Pe actor emphasize? Moreover, what does the actor mean about holiness? Finally, the monograph intends proposing the application of the concepts previously studied for the current days, according to the cultural, social and spiritual aspects of the Brazilian Christianity.

Key words: holiness, sanctification, law, grace, legalism, salvation.

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SUMÁRIO I.

INTRODUÇÃO .......................................................................................... 7

II.

DESENVOLVIMENTO .............................................................................. 8 ANÁLISE HISTÓRICA E CONTEXTUAL ................................................................... 8 Contexto escriturário.................................................................................. 8 Local e data da epístola........................................................................... 12 ANÁLISE HISTÓRICA ....................................................................................... 14 Contexto social e cultural ......................................................................... 14 Contexto político ...................................................................................... 16 Contexto religioso .................................................................................... 18 ANÁLISE LITERÁRIA ........................................................................................ 19 Análise morfológica ................................................................................. 19 Análise sintática e interpretativa .............................................................. 24 TEOLOGIA ASSOCIADA .................................................................................... 31 Deus é santo ........................................................................................... 31 Deus é juiz eterno .................................................................................... 33 Jesus Cristo é eterno ............................................................................... 34 O homem é pecador por origem .............................................................. 36 Jesus Cristo é o redentor do homem ....................................................... 39 SANTIDADE ................................................................................................... 42 Santificação ............................................................................................. 44 Características da santificação ................................................................ 46 Sinais visíveis da santificação ................................................................. 52 Erros doutrinários sobre a santidade ....................................................... 57 HERMENÊUTICA ............................................................................................. 64 A esperança do cristão ............................................................................ 64 A obediência à Palavra de Deus.............................................................. 65 Santidade no cotidiano ............................................................................ 68

III. CONCLUSÃO ......................................................................................... 76 IV. BIBLIOGRAFIA....................................................................................... 78

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I. INTRODUÇÃO Santidade é um tema já muito discutido na história da igreja, e apesar disso, ainda é um assunto que gera inúmeras dúvidas entre os cristãos. Homens e mulheres de fé ao longo de suas vidas buscam de alguma maneira agradar a Deus, porém poucos sabem verdadeiramente o que Deus espera de cada um de nós. Alguns seguem doutrinas de igrejas, outros, tradições familiares e ainda há aqueles que seguem uma linha independente de raciocínio, baseados em experiências individuais vividas ao longo de sua peregrinação cristã. Ainda é possível encontrar os extremos, ou seja, ora pessoas que não se importam com a santidade e creem que apenas participando de reuniões congregacionais e cumprindo as ordenanças do Batismo e da Ceia, já estão andando conforme aquilo que Deus espera de nós; ora pessoas que se sujeitam a diversas regras de aparência ou às práticas semelhantes ao monasticismo1. As Escrituras Sagradas citam diversos exemplos, regras e práticas que Deus espera de seu povo, sendo uma dentre muitas destas, o texto de 1 Pedro 1.13-21. Nesse texto encontramos a citação “Sede santos, porque Eu sou Santo”, a qual é uma referencia ao livro de Levíticos 11.44. Portanto, a análise exegética e hermenêutica do texto citado pode contribuir significativamente para o correto entendimento dos principais conceitos de santidade que Deus exige de cada cristão. Diante disso e de posse das informações coletadas em pesquisa bibliográfica, esse trabalho se propõe a responder às seguintes questões: Quais são os aspectos principais nos âmbitos culturais, sociais e espirituais que o autor de 1 Pedro quer salientar? E, finalmente, qual o significado de santidade? De posse das respostas das questões acima levantadas, propõe-se uma aplicação dos conceitos para os tempos atuais de acordo com os aspectos culturais, sociais e espirituais praticados pelos cristãos brasileiros.

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Considero apenas o aspecto do monasticismo como o estilo de vida em que a pessoa abre mão de

todos os seus bens materiais para se isolar do restante da sociedade a fim de se dedicar a uma vida piedosa.

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II. DESENVOLVIMENTO Análise histórica e contextual Contexto escriturário O AUTOR Segundo o primeiro versículo da 1ª. epístola de Pedro, o autor é o próprio Pedro. Além disso, há inúmeras semelhanças de pensamento ao longo da carta com os ensinos de Jesus (I Ped. 2:12 e Mat. 5:16; I Ped. 2:13-17 e Mat. 17:24-27; I Ped. 2:21 e Mat. 10:38; I Ped. 3:14, 4:13 e Mat. 5:10-12) e com os discursos de Pedro em Atos (I Ped. 1:10 e ss. e At. 3:18,24; I Ped. 1:17 e At. 10:34; I Ped. 1:20 e s., 3:21 e s. e At. 2:23 e s., 32 e s., 36; I Ped. 4:14,16 e At. 3:6,16, 4:10,12, 5:41, 10:31), os quais formam evidencias internas da autoria petrina. Externamente, também podemos encontrar evidencias na história e nos principais pais da igreja: Eusébio colocou esta carta no grupo denominado homologóumena, aqueles escritos cristãos universalmente reconhecidos e aceitos pelas igrejas. Embora Irineu tenha sido o primeiro escritor patrístico a citar esta carta e nomear Pedro como o autor, existem traços claros de seu uso mesmo por Clemente de Roma em sua carta à igreja em Corinto. Policarpo citou profusamente de I Pedro, e Basílides também fez uso da carta, sem mencionar o nome do autor. Após Irineu, a carta foi frequentemente citada e atribuída ao apóstolo Pedro, e havia obtido ampla circulação e aceitação; ela foi reconhecida como autoridade nas igrejas. [...] A evidência externa em favor da genuinidade de I Pedro é tão antiga e tão forte como a de qualquer livro do Novo Testamento2

Ao longo da história, muitos estudiosos tentaram contrapor à autoria petrina da epístola baseados nos seguintes argumentos: - A epístola foi escrita num grego bastante culto e Pedro era um pescador iletrado e inculto (c. At 4.13). Os contra-argumentos são: havia uma grande _____________ 2

HALE, B.D., Introdução ao estudo do Novo Testamento. Rio de Janeiro, Junta de Educação

Religiosa e Publicações, 1983, pág. 274

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influência helenista na Galileia da época e a contribuição de Silvano, o qual redigiu a carta (1 Pe 5.12). Silvano, ou Silas do livro de Atos, era cidadão romano (At 16.37) e foi companheiro de Paulo por um tempo e um dos escolhidos no Concílio de Jerusalém para redigir as cartas a serem enviadas aos gentios a respeito da circuncisão, relações sexuais ilícitas e idolatria. Assim, mediante esse histórico, pode-se concluir que Silvano tinha conhecimentos apurados para redigir uma carta em linguagem culta e linguisticamente correta; - o uso de teologia paulina na carta demonstra que a carta foi escrita posteriormente à morte de Pedro. O contra-argumento principal é de que em nenhum local do Novo Testamento se encontra divergência entre a teologia paulina e petrina em relação a interesses litúrgicos (I Ped. 1:3-12 e Ef. 1:3-14), submissão ao Estado (I Ped. 2:13-17 e Rom. 13:1-7), exortações para sofrer por Cristo (I Ped. 4:13; 5:1 e Rom. 8:17; II Cor. 1:5-7; Fil. 1:29), e deveres do lar (I Ped. 2:18-3:7 e Ef. 5:22-6:9; Col. 3:18-4:1). Sabemos que Pedro demorou mais em aceitar a universalidade do Evangelho que Paulo, porém isso não impede que ambos concordassem nestes assuntos. Além disso, pessoalmente, creio que os principais conceitos e doutrinas cristãos já estavam enraizados na Igreja e o fato de Pedro ter escrito a partir de Roma (conforme veremos posteriormente) corrobora para uma mescla das ideias paulinas com a teologia petrina.3 - a ausência de menção à vida e ao ministério de Jesus, já que Pedro foi um dos principais discípulos que acompanharam Cristo durante o seu ministério terreno. O contra-argumento é que a ausência de referências é justamente uma forma do autor não necessitar demonstrar quem ele é e o que ele viveu. Ironicamente, os críticos literários contrários à autoria utilizam exatamente o fato de haverem muitas referências à vida de Jesus para demonstrar a não autoria petrina para a 2ª. Epístola de Pedro. Isso demonstra claramente uma falta de critério e suposições que não podem ser confirmadas;4 - a citação das perseguições pode ser assumida como algo generalizado e governamental no Império Romano. O contra-argumento utilizado é que durante os primeiros anos de surgimento do cristianismo houveram vários casos de perseguições locais, que necessariamente não foram organizadas pelo Estado _____________ 3

Idem - pág. 277

4

MUELER, E. R. 1 Pedro – Introdução e comentário. São Paulo, Vida Nova, 1988, pág.22 e 23

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romano (p. ex. At 19.23-41). Assim o fato da perseguição ser mencionada na carta não implica necessariamente que a mesma foi escrita num período tardio da história, no qual Pedro não estivesse mais vivo. Adicionalmente, pode-se levar em consideração que um grupo de pessoas que foram discipuladas por Pedro, dentre os quais se encontra Silvano, Marcos e uma mulher da qual não se diz o nome (5.12-13) foram os redatores da carta após o martírio do apóstolo Pedro. Nesse sentido, o texto ainda possui a sua relevância em demonstrar a teologia petrina para os seus destinatários 5. Pessoalmente, não creio ser isso viável pois demonstra uma manipulação de palavras para provar uma teologia específica no meio cristão e até mesmo uma busca pela primazia da igreja romana diante das demais comunidades da Ásia Menor. Obviamente, isso veio a acontecer futuramente com a implantação do cristianismo como religião oficial do Império Romano, porém em outras circunstancias a partir do poder do Estado e não internamente à igreja. Portanto, diante dos argumentos internos e externos da autoria petrina e dos fortes contra-argumentos apresentados, entendo que a carta é verídica e de autoria petrina.

DESTINATÁRIOS Desde o primeiro versículo da epístola, é dito que a carta se destina “aos forasteiros da Dispersão, no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia”. Ainda ao longo da Epístola, nota-se que Pedro escreveu para os cristãos, ou seja, pessoas que já tiveram um “novo nascimento” pela fé em Jesus Cristo (1.3,12-14,23). A utilização do termo eleitos (gr. Eklektoi) demonstra que a carta foi endereçada a grupos de origem predominantemente gentia (apesar de não se excluir a possível presença de judeus), que foram inseridos através de Cristo para constituírem o novo povo de Deus.6 Todos estes locais se encontram na parte Nordeste da Ásia Menor. A ordem de menção deles pode ser o trajeto do portador desta Epístola — que provavelmente tenha sido o próprio Silvano — navegou da Itália desembarcando em Sinope, no nordeste da Ásia Menor, uma excursão por estas províncias seria um percurso _____________ 5

Idem – pág. 24

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Idem – pág. 25, 64 e 65

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circular que o levaria de volta ai ponto de partida a Sinope. Desde Sinope, em Bitínia, iria rumo ao Sul, à Galácia, e ainda mais ao sul, à Capadócia; então giraria a oeste para a Ásia, e novamente ao norte, à Bitínia; depois tomaria rumo ao Este chegando assim de volta a Sinope. É evidente pela própria Epístola que os destinatários da mesma eram principalmente gentios. Não há menção alguma da Lei judaica, assunto este que sempre era exposto para os judeus. A condição anterior dos destinatários tinha sido a de pecadores carnais e luxuriosos (1:14; 4:3-4), o que se ajusta muito melhor ao caráter dos gentios que ao dos judeus. Essas comunidades não possuíam qualquer relação entre si, ou seja, não possuíam uma institucionalização ou algum órgão centralizador. Elas eram consideradas casas espirituais (gr. Oikos pneumatikos), fato esse fortalecido pela menção na carta somente dos trabalhadores domésticos (gr. oiketai), e dos patrões (gr. despotai), além dos maridos e mulheres (2.11 – 3.12). Essa formação elementar, que necessitava apenas de dons de palavra e serviço, corrobora para a tese de que a carta fora escrita em data mais recuada. Os habitantes dessas comunidades foram chamados pelo apóstolo de estrangeiros residentes (gr. paroikos) e forasteiros visitantes

(gr.

parapidemoi),

dando

a

conotação

de

pessoas

que

eram

marginalizadas socialmente e, portanto, as comunidades ofereciam apoio e residência para aqueles que eram menosprezados pelo restante da sociedade dominante. O autor utiliza desse aspecto social dos destinatários para retratar a condição espiritual deles nesse mundo, ou seja, além de experimentarem a restrição pela sociedade e a não participação nos direitos comuns de um cidadão tradicional daquelas cidades, como cristãos, eles não deveriam ter qualquer expectativa de respeito e dignidade por parte das estruturas sociais da época, pois suas vidas terrenas eram apenas breves períodos de uma existência eterna celestial. Adicionalmente, podemos analisar o termo “dispersos” que, obviamente, traz um entendimento dos cristãos espalhados pelo mundo, mas também uma alusão à dispersão deles em meio à uma sociedade desigual e corrompida. Com relação às cidades para quem a epístola foi endereçada, não é possível afirmar que se trata da mesma região evangelizada por Paulo, mas pelas descrições em At 13.13-14.28 e At 16.1-8, é provável que a região paulina circunda a região de destino da epístola de Pedro. Claro que pode ter havido alguma sobreposição de

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planos geográficos, mas levando em conta somente as informações geográficas é bem provável que a epístola não fora destinada às regiões evangelizadas por Paulo. Daí, podem surgir alguns questionamentos como: de onde surgiram as igrejas, quem as iniciou? Provavelmente, os visitantes das regiões citadas que estavam presentes em Jerusalém na ocasião do Pentecostes descrita em At 2.10, quando ouviram os discursos de Pedro e voltaram para as suas cidades e evangelizaram os seus concidadãos.7

Local e data da epístola Partindo do pressuposto de que o apóstolo Pedro é o autor da carta, conforme exposição alguns parágrafos acima, e a utilização da palavra “Babilônia” em 1 Pe 5.13, temos alguma informação relevante para determinar o local e a data da escrita da epístola. Babilônia poderia ser uma pequena vila remanescente de judeus que permaneceram junto ao rio Eufrates nas ruínas da antiga Babilônia, ou uma cidade chamada Babilônia próxima a Suez no Egito. Ambas pressuposições não condizem com a importância que o autor dá ao local. Também não há nenhuma tradição sobre um ministério de Pedro nestes locais. Portanto, é de se presumir que o autor utilizou o termo “Babilônia” de forma literal para denominar a cidade de Roma numa época de perseguição. Com isso, caso a carta fosse interceptada e lida por qualquer soldado romano não seria imediatamente destruída e seus portadores condenados por traição. Da literatura do primeiro e segundo séculos (tanto cristã como judaica), vê-se que Babilônia tornou-se o nome simbólico para poder mundial arrogante e idolatria ligada com uma religião estatal (Apoc. 16:19; 17:18; 18:2,10; Oráculos Sibilinos, V, 143, 152; Baruque ix, 1): Roma. Além disso, os pais da igreja primitiva e a tradição colocam Pedro em Roma em torno da época da morte de Paulo. A menção de Marcos como estando presente com Pedro (I Ped. 5:13) e o pedido de Paulo a Timóteo para trazer Marcos consigo para Roma (II Tim. 4:11), após tê-lo (Marcos) enviado, numa viagem à Ásia Menor (Col. 4:10), faria sentido se Roma é o local, a Babilônia de Pedro. A presença de Pedro, Marcos e Silvano juntos em Roma é muito mais fácil de se entender que na Babilônia que está localizada no Eufrates. É também visto que Pedro de fato teve um ministério no

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Idem – pág. 26 e 27

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movimento evangelizador ocidental do cristianismo (I Cor. 1:12 e ss; 9:5). Além disso, um mensageiro que viajasse de Roma para as províncias mencionadas em I Pedro 1:1 naturalmente iria entrar nessa área através de um porto em Ponto, mover-se-ia para o oeste, através de cada província, na ordem mencionada, e finalmente para outro porto, em Bitínia, para retorno a Roma 8

Adicionalmente, a tradição remonta ao fato de que Pedro passou alguns anos em Roma antes de sua morte como mártir. Com essas informações, concluo que a epístola foi endereçada às regiões onde Pedro provavelmente passou durante a sua viagem a Roma e que após algum tempo em Roma, o apóstolo resolve escrever a epístola a fim de encorajá-los numa época de perseguições. Segundo essa mesma tradição, Pedro foi martirizado por Nero em 67 ou 68 d.C., portanto, a epístola fora escrita antes disso. Nesse período, ou seja, entre 60 e 65 d.C., houveram inúmeras perseguições locais contra os cristãos. [...]assinala-se que o tipo de perseguição mencionada em I Pedro presta-se mais à época imediatamente antes da perseguição nerônica, do que durante ela. Se isto é verdadeiro, então uma data de 63-64 d.C. seria a ocasião da escrita desta epístola.9

Por outro lado, ainda há a hipótese de a carta ter sido redigida um pouco depois desse período quando a perseguição de Nero foi mais acentuada sobre Roma. A perseguição nerônica foi principalmente limitada a Roma e Itália, pois não há nenhuma evidência concreta de que as perseguições de cristãos estenderam-se a outras províncias. As perseguições que os cristãos provincianos estiveram sofrendo eram mais de pressões por parte da comunidade; uma perseguição mais grave estava sobrevindo. Talvez Pedro, sabendo da fúria da perseguição em Roma, tenha escrito às províncias para adverti-los da "ardente prova" (I Ped. 4:12) que em breve viria sobre eles, uma extensão da perseguição nerônica nas províncias. Isto, naturalmente, é conjetura, mas é razoável. Se isto for verdadeiro, então I Pedro foi escrita após a morte de Paulo (64-65 d.C.) e antes

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HALE, B.D., Introdução ao estudo do Novo Testamento. Rio de Janeiro, Junta de Educação

Religiosa e Publicações, 1983, pág. 278 9

Idem – pág. 278

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da escrita de II Pedro e a morte de Pedro, que ocorreu em alguma ocasião entre 65 e 68 d.C.10

Portanto, a fim de não incorrermos em grandes erros, afirma-se que a carta foi escrita de Roma entre 63 e 66 d.C.

Análise Histórica Contexto social e cultural Uma leitura por toda a epístola de 1ª. Pedro nos leva a algumas considerações sobre a situação social dos destinatários. Parece que o autor busca apresentar formas de conduta entre os membros da igreja e também externamente à mesma. Parece que a situação deles no meio em que vivem não é muito boa, o que acaba acarretando a inúmeros problemas de relacionamento. Tais problemas são normais a qualquer comunidade cristã, porém ainda constituem uma fonte de tensões que desviam os destinatários da epístola do seu objetivo de alcançar a salvação, afinal de contas, o “velho homem” com suas paixões quer continuar a se manifestar segundo os padrões de sociedade em que vivem. Essa tensão entre os não-cristãos e os cristãos pode gerar certo desconforto, cansaço e talvez, até certo desanimo em se perseverar na fé em Jesus. Daí que surge a admoestação do apóstolo em animá-los a serem um testemunho da transformação realizada por Cristo dentro dessa sociedade. Conforme dito anteriormente, o autor os chama de forasteiros (gr. parapidemoi), e estrangeiros residentes (gr. paroikos). Ainda são chamados de servos (gr. oiketai) que difere de escravos (gr. doulos) nos aspectos que os servos eram empregados domésticos, servidores de uma comunidade familiar (gr. oikos), formação peculiar, cuja referência história brasileira mais semelhante seria das grandes fazendas com a casa grande, a senzala e os empregados livres. 11 Dentro desse cenário, paroikos é um termo específico e técnico para designar uma classe da população que, embora residente no lugar, não tinha plenos direitos de cidadania, não só por serem estrangeiros, mas também por trabalharem em _____________ 10

Idem – pág. 279

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MUELER, E. R. 1 Pedro – Introdução e comentário. São Paulo, Vida Nova, 1988, pág. 29

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profissões de menor ênfase social. Muitos tiveram de suas cidades por vários motivos: dificuldades econômicas, por serem escravos (2,18), por perseguição, etc. Tudo indica que a grande maioria eram lavradores sem-terra, diaristas, pequenos artesãos, empregados, subempregados, uns com alguma pequena propriedade rural, mas a grande maioria sem recursos próprios. Um importante historiador da Roma antiga, disse que os “estrangeiros residentes” eram “a espinha dorsal da economia” romana.12 Essa classe de cidadãos não usufruía de plenos direitos na sociedade, como por exemplo, não possuíam o direito de voto nas assembleias públicas, não poderiam se casar com pessoas de outra classe ou até mesmo comercializar alguns itens. Isso se dava primeiramente por serem estrangeiros e também por executarem serviços considerados inferiores pela sociedade, como artesãos, trabalhadores rurais, etc. Dentro dessa comunidade familiar, os estrangeiros recebiam apoio. As assembleias dos crentes em Cristo aconteciam predominantemente em casas particulares, o que é natural no caso de comunidades domésticas, onde recebiam hospitalidade, eventualmente também apoio financeiro nas casas dos companheiros de fé. Também as relações sociais dos crentes em Cristo entre si orientavam-se pela antiga solidariedade da vizinhança e família.13 Externamente às comunidades de fé, a sociedade típica grega e romana se esforçava para cumprir os rituais pagãos, pagar impostos ao Estado e a busca pelo prazer nas coisas materiais e relações sexuais. Assim, havia um certo distanciamento das comunidades de fé do restante da sociedade, pois não participavam de seus costumes pagãos e encontravam dentro da própria comunidade familiar uma ancora de sobrevivência e relacionamentos sadios. Esse

distanciamento

gerava,

consequentemente,

uma

preocupação,

desconfiança e preconceitos que se revelavam em injúrias, difamação e acusações infundadas (2.12-20; 3.14ss; 4.16). Essa interpretação pressupõe não haver uma

_____________ 12

ELLIOTT, John H., Um lar para quem não tem casa: interpretação sociológica da primeira carta de

Pedro, São Paulo, Paulus, 1995 – pág. 62 à 64 13

STEGEMANN, Ekkehard W. e STEGEMANN, Wolfgang. “Conceito e características básicas das

comunidades crentes em Cristo” In: História social do protocristianismo. São Paulo/Rio Grande do Sul: Paulus/Sinodal, 2004 – pág. 312 e 315

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perseguição do Estado (2.13), o qual é tratado como instituição humana que administra a justiça (2.13-14) e digna de respeito (2.17). Concluindo, a situação de conflito espelhada em 1 Pedro não parece supor uma perseguição oficial ao cristianismo, mas sim todo tipo de hostilidade que é comum a nível local, a um grupo que é separado e tem padrões diferentes de conduta. Poderia se pensar numa perseguição das autoridades, que também podiam não ver com muito bons olhos o movimento cristão, mas nem isso é exigido pelo texto da carta, como se nos apresenta.14

Entretanto, como o apóstolo Pedro sofria uma perseguição estatal em Roma por parte de Nero, é possível que ele presumia que a mesma perseguição se estenderia, posteriormente, aos demais cristãos das províncias romanas.

Contexto político Durante o período em que a 1ª. Epístola de Pedro foi escrita, o estado Romano era presidido por Nero (55-68 d.C.) e contava com o apoio administrativo de um senado constituído pelos patrícios, ou seja, pelas famílias mais antigas e nobres de Roma. Como o novo soberano tinha apenas 17 anos de idade, primeiramente o prefeito dos pretorianos e o filósofo Sêneca, um dos homens mais influentes e mais ricos de Roma, administraram o governo. Os anos de sua regência foram bemsucedidos. Mas, quando Nero assumiu o governo, tornou-se um homem descomedido. Gostava de apresentar-se publicamente como artista, portava-se como amigo e promotor da cultura grega e procurava conferir esplendor divino à sua soberana majestade. Sem escrúpulos, mandava matar as pessoas que de alguma forma pudessem se contrapor a ele.15

Com o aumento do Império e da necessidade de se governar as províncias agregadas pelas conquistas bélicas, também se aumentou a burocracia, de forma que os senadores se tornaram insuficientes para garantir o desempenho de todos os cargos de responsabilidade. Isso facilitou o ingresso da classe dos cavaleiros na alta _____________ 14

MUELER, E. R. 1 Pedro – Introdução e comentário. São Paulo, Vida Nova, 1988 – pág. 33.

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LOHSE, E., “Política e sociedade no Império Romano do século I d.C.” In: Contexto e Ambiente do

Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2000 – pág. 194

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administração do império. Os novos administradores deviam tudo ao imperador e contribuíam para fortalecer seu poder.16 A política não estava separada da vida econômica e muito menos da vida religiosa. Através das relações patronais, adquiria-se poder e status e cargos públicos eram granjeados por aqueles que possuíam influencia na sociedade. Através de obras públicas, jogos e outras benfeitorias, buscava-se o aumento da popularidade e assim uma indicação para uma representação no Senado ou em algum cargo público. Desta forma, somente os mais ricos e influentes tinham alguma chance de exercer um cargo público de influência e a bajulação era normalmente vista como forma de persuasão do imperador para se adquirir alguma posição política. Tanto durante o governo de Cláudio, antecessor de Nero, como durante o período do governo de Nero, o senado cumpria um papel meramente simbólico e administrativo. No entanto, caso o imperador usurpasse de seu poder de maneira insustentável, utilizava-se do assassinato como forma comum de espulgar o problema. Desta forma, a “voz do povo” não era necessariamente ouvida, se não estivesse em consonância com os interesses do imperador e da parcela aristocrática da sociedade e, mesmo com acúmulo de poder, o imperador devia se mover astutamente na esfera política para manter seu status. Nero ainda “Instigou a primeira perseguição contra os cristãos de Roma 17. Nero estava convencido de que nem considerações morais nem inibições naturais deviam interpor-se no caminho da satisfação de desejos sexuais normais e perversos, e achava que era perfeitamente justificável assassinar mesmo os membros mais íntimos da própria família assim que suspeitasse de interferir em seus projetos. 18

Assim, Nero se levantou contra os cristãos em Roma a fim de ampliar os seus interesses pessoais e arquitetônicos e causou a morte de inúmeros cristãos _____________ 16

WINTERLING A., “Politics and Society” In: Imperial Rome. Oxford: Wiley–Blackwell, 2009 – pág.

170 17

LOHSE, E., “Política e sociedade no Império Romano do século I d.C.” In: Contexto e Ambiente do

Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2000 – pág. 195 18

KOESTER, H., Introdução ao Novo Testamento, volume 1: História, cultura e religião do período

helenístico. São Paulo: Paulus, 2005 – pág. 136

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romanos, dentre os quais se encontravam o apóstolo Paulo e o próprio apóstolo Pedro. Portanto, fica evidente que os cristãos, em sua grande maioria pobres, sofriam as consequências de uma dominação política das elites que faziam benfeitorias públicas apenas para bajulação e interesse pessoal, como forma de agradar ao imperador e ao senado e, assim conseguir promoções públicas. Também fica evidente que Pedro escreveu a epístola em meio a esse cenário de perseguição romana e poderia muito bem ter pressuposto que a mesma perseguição se levantaria nas demais províncias romanas onde houvessem cristãos.

Contexto religioso Conforme dito anteriormente, não há sinais de que as comunidades, na vasta região de destino da epístola, possuíssem qualquer ligação ou institucionalização ente si. Cada uma representava uma casa espiritual (gr. oikos pneumatikos) onde habita e reina o Espírito de Deus (gr. pneuma theu). Fora da comunidade espiritual, a pessoas possuíam os seus ídolos e patronos (padroeiros) com seus respectivos rituais públicos muito bem conhecidos e difundidos no mundo greco-romano. Além disso, o culto imperial que surgiu mais fortemente com o imperador Augusto, tido como “filho de Deus” que conquistou a paz aos homens estava plenamente consolidado e abrangia todos os setores da sociedade. A dinastia fundada por Augusto passava de geração em geração os títulos de divindade e pontifex maximus, ou seja, sumo sacerdote, aquele que liga a terra ao céu. Desta forma, Nero, imperador regente na época do trecho estudado da epístola, também deveria ser adorado como divindade suprema. Essa situação externa e a pressão que a sociedade impunha sobre a comunidade de fé gerava certa tensão internamente entre os cristãos. Dúvidas sobre o que era lícito surgiam frequentemente. Invejas, hipocrisias, partidos e facções colocavam em risco a unidade do grupo e colocavam a fé de todos em risco. Como eles deveriam agir mediante as situações comuns da vida? No matrimonio, nas relações trabalhistas, na moralidade pessoal e em comunidade? Tais questões rodeavam o grupo e foi justamente para corrigir e ensinar a doutrina sã que Pedro escreve a epístola.

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Análise Literária Tomando como base a versão NA27, temos o texto de 1 Pe 1.13-21 em grego conforme abaixo: “διο αναζωσαμενοι τας οσφυας της διανοιας υμων νηφοντες τελειως ελπισατε επι την φερομενην υμιν

χαριν

εν

αποκαλυψει

ιησου

χριστου

ως τεκνα υπακοης μη συσχηματιζομενοι ταις προτερον εν τη αγνοια υμων επιθυμιαις αλλα κατα τον καλεσαντα υμας αγιον και αυτοι αγιοι εν παση αναστροφη γενηθητε διοτι

γεγραπται

αγιοι

γενεσθε

οτι

εγω

αγιος

ειμι

και ει πατερα επικαλεισθε τον απροσωποληπτως κρινοντα κατα το εκαστου εργον εν φοβω τον της

παροικιας

υμων

χρονον

αναστραφητε

ειδοτες οτι ου φθαρτοις αργυριω η χρυσιω ελυτρωθητε εκ της ματαιας υμων αναστροφης πατροπαραδοτου αλλα

τιμιω

αιματι

ως

αμνου

αμωμου

και

ασπιλου

χριστου

προεγνωσμενου μεν προ καταβολης κοσμου φανερωθεντος δε επ εσχατων χρονων δι υμας τους δι αυτου πιστευοντας εις θεον τον εγειραντα αυτον εκ νεκρων και δοξαν αυτω δοντα ωστε την

πιστιν

υμων

και

ελπιδα

ειναι

εις

θεον”

Análise morfológica Abaixo a análise morfológica de cada palavra do texto com sua respectiva tradução livre para a língua portuguesa19. As palavras se encontram na ordem do texto:

Versículo 13: 1) διο = conjunção – portanto 2) αναζωσαμενοι = verbo nominativo particípio aoristo masculino plural – preparados, cingidos 3) τας = artigo acusativo feminino plural – os / as 4) οσφυας = substantivo acusativo feminino plural – cinturas / lombos 5) της = artigo genitivo feminino singular – do / da 6) διανοιας = substantivo genitivo feminino singular – entendimento / mente 7) υμων = pronome genitivo plural 2ª. Pessoa – vosso

_____________ 19

Foi utilizado o software Bibleworks for Windows versão 4.0.032c e a gramática de SVETNAM,

James. Gramática do Grego do Novo Testamento – volumes 1 e 2. São Paulo: Paulus, 2004; para realização da análise morfológica e tradução livre.

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8) νηφοντες = verbo particípio presente ativo nominativo masculino plural – sede sóbrios 9) τελειως = advérbio – completamente / inteiramente 10) ελπισατε = verbo imperativo aoristo 2ª. Pessoa plural - esperem 11) επι = preposição acusativo - em / sobre 12) την = artigo acusativo feminino singular – a / o 13) φερομενην = verbo particípio presente passivo acusativo feminino singular – foi trazida / foi oferecida 14) υμιν = pronome dativo plural 2ª. Pessoa - a vós 15) χαριν = substantivo acusativo feminino singular – graça 16) εν = preposição dativo – em / a 17) αποκαλυψει = substantivo acusativo feminino singular = revelação 18) ιησου = substantivo genitivo masculino singular – de Jesus 19) χριστου = substantivo genitivo masculino singular – de Cristo “Portanto, cingidos os lombos do vosso entendimento, sede sóbrios, esperai completamente na graça

que

foi

trazida

a

vós

na

revelação

de

Jesus

Cristo;”

Versículo 14: 20) ως = conjunção – como 21) τεκνα = substantivo nominativo neutro plural – filhos 22) υπακοης = substantivo genitivo feminino singular – de obediência 23) μη = conjunção de negação – não 24) συσχηματιζομενοι = verbo nominativo passivo masculino plural - se conformando 25) ταις = artigo genitivo feminino plural - dos / das 26) προτερον = advérbio – anteriormente / previamente 27) εν = idem 16 28) τη = artigo dativo feminino singular – à / ao 29) αγνοια = substantivo dativo feminino singular - ignorância / iniquidade 30) υμων = idem 7 31) επιθυμιαις = substantivo dativo feminino plural – em paixões / em desejos “como filhos da obediência, não vos conformando às paixões de acordo com a vossa prévia ignorância:”

Versículo 15 32) αλλα = conjunção – mas 33) κατα = preposição acusativo – de acordo / conforme 34) τον = artigo acusativo masculino singular – o / a 35) καλεσαντα = verbo particípio aoristo acusativo masculino singular – chamou / nomeou 36) υμας = pronome acusativo 2ª. Pessoa plural – vos

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37) αγιον = adjetivo acusativo masculino singular – santo 38) και = advérbio – e / também 39) αυτοι = pronome intensivo nominativo masculino plural - mesmos / vós também 40) αγιοι = adjetivo nominativo masculino plural – santos 41) εν = idem 16 42) παση = adjetivo indefinido dativo feminino singular – em todo / em toda 43) αναστροφη = substantivo dativo feminino singular – maneira de viver 44) γενηθητε = verbo imperativo aoristo passivo 2ª. Pessoa plural – tornem-se / sejam “mas conforme é santo quem vos chamou, também vós mesmos tornem-se santos em toda a maneira de viver;”

Versículo 16 45) διοτι = conjunção – porque 46) γεγραπται = verbo perfeito do indicativo passivo 3ª. Pessoa singular – está escrito 47) αγιοι = idem 40 48) γενεσθε = verbo indicativo futuro 2ª. Pessoa plural – sejam 49) οτι = conjunção – pois 50) εγω = pronome nominativo 1ª. Pessoa singular – eu 51) αγιος = adjetivo nominativo masculino singular – santo 52) ειμι = verbo presente do indicativo ativo 1ª. Pessoa singular – sou “porque está escrito, sejam santos; pois Eu sou santo.”

Versículo 17 53) και = idem 38 54) ει = conjunção – se 55) πατερα = substantivo acusativo masculino singular – pai 56) επικαλεισθε = verbo presente do indicativo 2ª. Pessoa plural – invocam / chamam 57) τον = idem 34 58) απροσωποληπτως = advérbio – imparcialmente 59) κρινοντα = verbo particípio presente acusativo masculino singular – julga 60) κατα = idem 33 61) το = artigo acusativo neutro singular – o / a 62) εκαστου = adjetivo indefinido genitivo masculino singular – de cada um 63) εργον = substantivo acusativo neutro singular – obra / ação 64) εν = idem 16 65) φοβω = substantivo dativo masculino singular – em temor 66) τον = idem 34 67) της = idem 5

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68) παροικιας = substantivo genitivo feminino singular – de residência (entre estranhos) 69) υμων = pronome genitivo plural 2ª. Pessoa – de vosso(a) 70) χρονον = substantivo acusativo masculino singular = tempo 71) αναστραφητε = verbo imperativo aoristo passivo 2ª. Pessoal plural – andai “E se invocam ao Pai, que julga imparcialmente conforme a ação de cada um, andai em temor durante o tempo da vossa residência (entre estranhos):”

Versículo 18 72) ειδοτες = verbo particípio perfeito nominativo masculino plural – tendo por certo 73) οτι = idem 49 74) ου = advérbio – não 75) φθαρτοις = adjetivo dativo neutro plural – em perecíveis / mortais 76) αργυριω = substantivo dativo neutro singular – prata 77) η = conjunção – ou 78) χρυσιω = substantivo dativo neutro singular – ouro 79) ελυτρωθητε = verbo aoristo do indicativo passivo 2ª. Pessoa plural – foram libertos 80) εκ = preposição genitivo – de 81) της = idem 5 82) ματαιας = adjetivo genitivo feminino singular – de fútil 83) υμων = pronome genitivo 2ª. Pessoa plural – de vossa/vosso 84) αναστροφης = substantivo genitivo feminino singular – de conduta / maneira de viver 85) πατροπαραδοτου = adjetivo genitivo feminino singular = de herança de ancestrais “Tendo por certo que não foram libertos com coisas perecíveis, como prata ou ouro, da vossa fútil maneira de viver herdada de vossos pais;”

Versículo 19 86) αλλα = idem 32 87) τιμιω = adjetivo dativo neutro singular – em precioso 88) αιματι = substantivo dativo neutro singular = em sangue 89) ως = conjunção – como 90) αμνου = substantivo genitivo masculino singular – de cordeiro 91) αμωμου = adjetivo genitivo masculino singular – de (um) sem falhas 92) και = idem 38 93) ασπιλου = adjetivo genitivo masculino singular = sem defeito 94) χριστου = substantivo masculino genitivo singular – de Cristo “mas no precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro sem falha e sem defeito:”

23

Versículo 20 95) προεγνωσμενου = verbo particípio perfeito passivo genitivo masculino singular – conhecido de antemão 96) μεν = partícula de contraste – ainda 97) προ = preposição genitiva – de antes 98) καταβολης = substantivo genitivo feminino singular – de criação 99) κοσμου = substantivo genitivo masculino singular – de mundo 100) φανερωθεντος = verbo particípio aoristo passivo genitivo masculino singular – revelado 101) δε = conjunção – todavia 102) επ = preposição genitivo – em este 103) εσχατων = adjetivo genitivo masculino singular – de último 104) των = artigo genitivo masculino plural – dos/das 105) χρονων = substantivo genitivo masculino plural = dos tempos 106) δι = preposição acusativa – por causa de 107) υμας = idem 36 “conhecido de antemão ainda antes da criação do mundo, todavia revelado nestes últimos tempos por causa de vós,”

Versículo 21 108) τους = artigo acusativo masculino plural – os/as 109) δι = idem 106 110) αυτου = pronome genitivo masculino singular – dele mesmo 111) πιστευοντας – adjetivo acusativo masculino plural – cheios de fé / crendo 112) εις = preposição acusativo – em 113) θεον = substantivo acusativo masculino singular – Deus 114) τον = idem 34 115) εγειραντα = verbo particípio aoristo acusativo masculino singular – ressuscitou 116) αυτον = pronome acusativo masculino singular – ele 117) εκ = idem 80 118) νεκρων = adjetivo genitivo masculino plural – de mortos 119) και = idem 38 120) δοξαν = substantivo acusativo feminino singular – glória 121) αυτω = pronome dativo masculino singular – nele/a ele 122) δοντα = verbo particípio aoristo acusativo masculino singular – deu 123) ωστε = conjunção – de forma que 124) την = idem 12 125) πιστιν = substantivo acusativo feminino singular – fé 126) υμων = idem 83

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127) και = idem 38 128) ελπιδα = substantivo acusativo feminino singular – esperança 129) ειναι = verbo presente do infinitivo – estejam 130) εις = idem 112 131) θεον = idem 113 “por causa dele sois cheios de fé em Deus, o qual o ressuscitou dos mortos, e deu a ele glória; de forma que a vossa fé e esperança estejam em Deus.”

Logo, a tradução livre do trecho completo de 1 Pe 1.13-21 para a língua portuguesa: “Portanto, cingidos os lombos do vosso entendimento, sede sóbrios, esperai completamente na graça que foi trazida a vós na revelação de Jesus Cristo; como filhos da obediência, não vos conformando às paixões de acordo com a vossa prévia ignorância: mas conforme é santo quem vos chamou, também vós mesmos tornemse santos em toda a maneira de viver; porque está escrito, sejam santos; pois Eu sou santo. E se invocam ao Pai, que julga imparcialmente conforme a ação de cada um, andai em temor durante o tempo da vossa residência (entre estranhos): tendo por certo que não foram libertos com coisas perecíveis, como prata ou ouro, da vossa fútil maneira de viver herdada de vossos pais; mas no precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro sem falha e sem defeito: conhecido de antemão ainda antes da criação do mundo, todavia revelado nestes últimos tempos por causa de vós, por causa dele sois cheios de fé em Deus, o qual o ressuscitou dos mortos, e deu a ele glória; de forma que a vossa fé e esperança estejam em Deus.”

Análise sintática e interpretativa Pode-se notar no trecho em estudo que há uma parte imperativa (v. 13 à v. 16). Isso pode ser comprovado a partir do v. 13 com os verbos αναζωσαμενοι (particípio presente ativo), ελπισατε (imperativo do aoristo) e νηφοντες (particípio presente ativo), os quais dão uma ênfase em esperar e ao mesmo tempo manter uma posição já tomada anteriormente. O primeiro e o terceiro dão uma dimensão real e imediata ao que é solicitado.20

_____________ 20

MUELLER, Enio R. 1 Pedro – Introdução e comentário. São Paulo, Vida Nova, 1988 – pág. 97

25

A expressão metafórica utilizada no texto: Cingidos os lombos do vosso entendimento, é de suma importância. Segundo os costumes da época, as pessoas vestiam túnicas compridas soltas sobre o corpo e precisavam colocar uma espécie de “cinto” na cintura para terem maior mobilidade, normalmente antes de caminhar ou realizar alguma atividade no trabalho. Assim, podemos entender nos dias atuais que a expressão significa algo como: “já tendo preparado a sua mente para realizar algo”, “prontos em aplicar aquilo que já foi aprendido”. Cabe lembrar a memorável noite do êxodo dos israelitas do Egito. Naquele tempo Deus havia ordenado o seguinte para a ceia do Pessah: “Assim comereis: os lombos cingidos, os calçados nos pés e o cajado na mão” (Êx 12.11). Isso significava: pronto para partir a qualquer instante! É a mesma intenção de Jesus: seus discípulos devem estar prontos a qualquer instante para a parusia de seu Senhor – prontos para partir, a saber, para o arrebatamento (1Ts 4.17). Esse é seguramente também o sentido da exortação de Pedro, ainda mais que ao final da mesma frase ele aponta com muita ênfase para a parusia do Senhor a ser esperada.21

Outra expressão utilizada pelo segundo verbo: sede sóbrios, também tem caráter metafórico e expressa a capacidade de estar no pleno domínio da sua capacidade física e mental. Ou seja, estando alerta e pronto para agir em qualquer circunstância. O terceiro verbo esperai do grego elpisate que é uma forma verbal de elpis (esperança) é descrito como a parte concreta da salvação já possuída. O verbo é acompanhado

pelo

advérbio

τελειως

o

qual



intensidade

ao

mesmo

(completamente, inteiramente) e indica a atitude que se deve viver esperando pela salvação, pois o objetivo da esperança é a salvação final. Assim, tem-se uma noção da iminência, mas também da certeza dessa salvação e “aquilo que está sendo esperado pode irromper a qualquer momento, tendo que se estar preparado para tanto”.22 O v. 14 inicia com a expressão “filhos da obediência” que significa alguém que leva uma vida de obediência e conformidade com a vontade de Deus. Em seguida, _____________ 21

HOLMER, U. Primeira carta de Pedro – Comentário esperança. Curitiba: Editora Evangélica

Esperança, 2008 – pág. 20 22

MUELLER, Enio R. 1 Pedro – Introdução e comentário. São Paulo, Vida Nova, 1988 - pág. 98 e 99

26

observamos o verbo συσχηματιζομενοι (nominativo passivo) que dá uma noção de continuidade daquilo que fora dito anteriormente. Assim, pode-se entender que o v. 14 é uma continuação do v. 13 pois não possui verbo principal. 23 Esse verbo está na negativa e associado à palavra “paixões”, expressão usada para um sentimento que domina a pessoa que a possui. Assim, o autor expressa o desejo que os leitores não assumam mais a forma de um molde pré-concebido da sociedade que é dominada pelas paixões que são fruto do desconhecimento de Deus e da Sua vontade. O mas do início do v. 15 traz um contraste com a segunda parte do v.14. Portanto, ao contrário de se conformar com as paixões, os leitores devem seguir o imperativo que se segue. A seguir temos a referência de atitude que se é esperada, ou seja, quem os chamou é santo. A palavra santo (gr. αγιον acusativo) conota a ideia de ser separado, singular em relação a tudo o que existe no universo, inclusive moralmente. Foi esse Deus, único e singular, que os chamou (gr. καλεσαντα no aoristo, dando a indicação de algo já concluído). Assim, o chamado de Deus não foi um engano ou algo que ainda está para se concretizar, é algo realizado e firme. Esse chamado pode muito bem ser associado ao momento em que pela fé a pessoa se entrega a Cristo, ou seja, ao início da vida de fé no Filho de Deus como Senhor e Salvador. Após a definição da referência e do momento em que a ordem deve ser cumprida, temos a ação efetivamente: “tornem-se santos em toda a maneira de viver”. Assim, a santificação completa não é algo já atingido, mas um caminho a ser percorrido e conquistado. Porém, não é algo abstrato ou um objetivo inalcançável, pelo contrário, é uma ação contínua que requer consciência e esforço humano associados ao poder e agir do Espírito Santo. Essa santidade não deve ser aparente ou associada a algum ritual ou culto religioso, mas deve ser em toda a maneira de viver, ou seja, em qualquer circunstância da vida, seja ela rotineira ou especial. Para dar ênfase e ratificar a autoridade do pensamento anterior citado no v. 15, o autor utiliza uma referência bibliográfica das Escrituras no v. 16, ou seja, a exortação à santidade é fundamentada na palavra de Deus. A passagem utilizada é de Lv 19.2.24 _____________ 23

Idem – pág. 100 e 101

24

O capítulo 19 de Levíticos trata de inúmeras ordenanças sobre os rituais de adoração e purificação,

bem como de práticas sociais e morais que deveriam ser seguidas pelo povo de Israel, inclusive

27

O v. 17 dá início ao trecho indicativo da perícope, ou seja, é a parte em que o autor fundamenta o imperativo dado anteriormente. 25 Apesar do nome de Jesus não ser mencionado no versículo, o autor utiliza uma expressão que mostra um dos atributos divinos: “Pai, que julga imparcialmente conforme a ação de cada um”. Aqui há um contraste interessante: Deus é chamado de Pai, conforme a revelação de Jesus Cristo a respeito do caráter de Deus e do tipo de relacionamento íntimo que Deus espera ter com os homens. No entanto, esse Pai também é perfeito juiz, ou seja, não deixará impune os filhos “mimados” e desobedientes, mas enfrentará aqueles que o desobedeceram e os punirá devidamente. Então, diante desta expectativa de enfrentar um julgamento perfeitamente justo, o autor dá uma ordem que confirma a ordem anterior de ser santo em toda a maneira de viver: andai em temor. O verbo αναστραφητε utilizado no imperativo intensifica a ordem previamente dada e a palavra temor dá o sentido da consciência e da razão que se esforçam em obedecer para agradar ao Pai que amamos e não sofrer as sanções previstas por Ele para aqueles que são desobedientes. A fim de demonstrar o período de validade da ordem, encontramos a expressão: “durante o tempo da vossa residência (entre estranhos)”. Ela confirma que a ordem deve ser obedecida durante o tempo

quando estivessem habitando na terra de Canaã. O texto faz parte do grande trecho da Aliança do Sinai e é uma das colunas de fé do judaísmo. Inclusive o verbo hebraico utilizado no QAL imperfeito conota o mesmo sentido de se tornar, algo contínuo e real. Também no mesmo versículo se encontra o tetragrama do nome de Deus (YHWH) que dá ainda mais ênfase ao imperativo. Particularmente creio que o texto era frequentemente lido e meditado nas reuniões em sinagogas e nos ensinos cristãos, principalmente com o uso da Septuaginta entre os gentios. Mas, também sou levado a acreditar que o autor utilizou o texto propositadamente, pois é uma forma de ligar os preceitos morais ordenados por Deus na antiguidade com os preceitos morais que são expostos ao longo da epístola de 1 Pedro em relação à família, trabalho, autoridades e convívio social. Cheguei a esse raciocínio a partir do v. 20 quando o autor escreve que Jesus já existia antes da fundação do mundo. Assim, da mesma forma que Deus é imutável e perfeito, assim também o é Jesus e, respectivamente os seus preceitos morais para os homens. Desta forma, o autor reforça ainda mais a ordem de santidade dada anteriormente, afirmando que o mesmo Deus de Moisés chamou os cristãos e ordena a todos que sejam santos, utilizando os mesmos princípios morais pelos quais os judeus da época de Moisés também foram chamados. 25

MUELLER, Enio R. 1 Pedro – Introdução e comentário. São Paulo, Vida Nova, 1988 – pág. 96

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cronológico (gr. χρονον) de suas vidas. Outro fato relevante é a utilização do substantivo παροικιας (traduzido por residência entre estranhos). Conforme explicado na seção sobre o contexto social deste trabalho (pág. 15 e 16), os cristãos destinatários da epístola de 1 Pedro eram em sua grande parte constituídos de estrangeiros que viviam nas comunidades familiares e eram destituídos de muitos privilégios comparados com os cidadãos com plenos direitos.26 Nota-se que o autor se utiliza da condição social dos destinatários para explicar uma condição espiritual mais ampla, utilizando o mesmo conceito da parábola utilizado por Jesus. Desta forma, os cristãos vivem no mundo temporariamente, pois a sua verdadeira pátria eterna está no céu, preparada e reservada pelo próprio Cristo (Jo 14.1-3), sendo assim peregrinos e forasteiros nesse mundo (Hb 11.13; 1 Pe 2.11). A partir do v.18 inicia-se um trecho com verbos no indicativo que fundamenta e reforça as razões da exortação previamente escrita. Isso é confirmado pelo verbo ειδοτες (particípio perfeito nominativo) que exprime que o que será dito já é conhecido

e deve ser tomado como base para a exortação previamente escrita. O verbo ελυτρωθητε (aoristo do indicativo passivo) é entendido como libertação através de um

resgate, comparando-se à libertação de um escravo através do pagamento de uma quantia ao seu senhor. Assim, os leitores eram escravos do pecado e das forças do mal e não podiam por si próprios se libertarem dessa dominação. Esse domínio maligno desencadeia todo um processo de opressão e injustiça característico da sociedade humana27 e é fruto da tradição dos homens, passada de pai para filho ao longo da história. Essa vida dominada pelo pecado em si própria é fútil, pois não tem objetivo eterno, mas é falível e limitada às circunstancias humanas sobre a face da terra. O resgate desse domínio espiritual, ao contrário de uma alforria humana, não podia ser feito através de bens e coisas preciosas desse mundo e, lembrando que os destinatários eram, em sua maioria, pessoas pobres e de baixo status social, é relevante a ênfase do autor em exprimir que aquilo que a sociedade dominante busca incansavelmente e incessantemente não é capaz de resgatá-los do domínio do pecado. Então, no v. 19 o autor enfatiza que o preço do resgate foi pago pelo sangue de Jesus Cristo, o qual veio à terra em forma humana e morreu como homem para _____________ 26

Idem – pág. 106

27

Idem – pág. 107

29

pagar o devido preço pelos pecados da humanidade. É utilizada a concepção da legislação dos sacrifícios do Antigo Testamento em que um cordeiro sem defeito e sem mácula era morto como expiação pelos pecados (Lv 22.17-25). Em alusão ao trecho de Isaías 53 e o texto da páscoa e do cordeiro pascal contido em Êxodo 12, Jesus é comparado ao cordeiro pascal, ao servo humilde e sofredor que resgata o povo de Deus de uma vez por todas, o sacrifício perfeito.28 O cristão tem que viver em reverência porque a vida custou muito. Custou nada menos que a vida e a morte de Jesus Cristo. Desde então a vida é algo de valor tão inigualável que não pode ser esbanjada ou subestimada, mas sim tem que ser vivida como algo muito precioso. Nenhuma pessoa honorável esbanja aquilo que tem infinito valor humano.29

Continuando com o raciocínio o v. 20 funciona como uma indicação explicativa sobre a última palavra do v.19, ou seja, Cristo. O verbo προεγνωσμενου (particípio perfeito passivo) com o prefixo grego “pro” faz referência a Jesus conhecido antes do genitivo que se segue, ou seja, καταβολης κοσμου (Criação do mundo). A partícula μεν (ainda) e a repetição do prefixo “pro” reforçam ainda mais a ideia de que Jesus Cristo existe antes de todo o universo ser criado pelo próprio Deus, ou seja, Jesus é eterno, atributo exclusivo de Deus. Este Jesus foi revelado (gr. φανερωθεντος, verbo particípio aoristo passivo) agora dentro do “kronos” (gr. χρονων – genitivo plural), ou seja, no tempo da história da humanidade. O verbo no aoristo dá uma marcante intensidade do fato histórico, ou seja, o Jesus Eterno foi manifestado em forma humana no tempo apropriado da história humana (Fp 2.7). Além disso, a preposição no acusativo δι sucedida pelo pronome pessoal deixa claro que essa revelação de Jesus Cristo em forma humana foi a favor dos próprios cristãos. Ambos pensamentos corroboram para que o autor se veja vivendo os “fins dos tempos”, ou seja, na última etapa da história da humanidade, tendo em mente a iminência escatológica da igreja primitiva.30 Da mesma forma que o v.20, o v.21 se inicia com a explicação de quem são as pessoas que são favorecidas pelo sacrifício de Cristo. O “vós” do final do v. 20 é _____________ 28 29

Idem – pág. 109 BARCLAY,

W.

Comentário

do

Novo

Testamento.

Endereço

eletrônico:

http://ipuniao.org.br/biblioteca/1pedro.pdf - pág. 65 30

MUELLER, Enio R. 1 Pedro – Introdução e comentário. São Paulo, Vida Nova, 1988 – pág. 111

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ligado através do artigo τους (acusativo masculino plural) ao adjetivo πιστευοντας (acusativo masculino plural), mostrando que aqueles que são cheios de fé em Deus são os favorecidos pelo sacrifício de Jesus. Porém esta fé não é mérito dos próprios leitores, pelo contrário, foi por causa (gr. δι) do próprio Jesus que a fé surgiu. Dessa forma, vemos a confirmação da graça de Deus manifestada, em que todo o processo de redenção humano se inicia, é executado e tem seu desfecho no próprio Deus.31 Mas, a história de Jesus não termina em sua morte. Esse mesmo Deus, crido pelos leitores, ressuscitou a Jesus (gr. εγειραντα – passivo aoristo acusativo) e o verbo no aoristo reforça ainda mais a ação completa e real de Deus na história dos homens. Deus não é um ser espiritual distante, abstrato e indefinido, pelo contrário, Ele é real e atuante na vida dos homens. Este Jesus, a causa da fé dos leitores, além de ser ressuscitado, também recebeu glória da parte de Deus. (gr. δοντα – particípio aoristo acusativo – “deu”) e novamente o verbo no aoristo demonstra que Deus deu completamente e efetivamente glória a Jesus Cristo e Ele, após sua ascensão ao céu, foi entronizado à destra do Todo-Poderoso e detém todo o poder nos céus e na terra (Ap 11.15). Então, o autor conclui através da conjunção ωστε (de forma que) que a vitória de Jesus Cristo sobre a morte e sua exaltação fornecem aos leitores bom motivo para depositarem confiança irrestrita nesse Deus. Paralelamente, nota-se nitidamente uma comparação entre os sofrimentos de Cristo e os sofrimentos pelos quais os destinatários da carta estavam passando, sendo que o primeiro foi infinitamente mais severo e, substitutivo, ou seja, Cristo recebeu a punição que a raça humana deveria receber. Ainda se pode observar o paralelo da morte de Jesus Cristo e a perseguição sofrida pelos destinatários serem

_____________ 31

“Assim os apóstolos fizeram distinção entre aqueles que vivem na obediência de fé e aqueles que

se recusam. Essa é a diferenciação bíblica e necessária dos seres humanos. Quem dissimula e deixa de lado essa diferença fundamental não age por amor, mas por cegueira ou com a intensão de agradar a pessoas. A fé surge por meio dele. A fé vem de Jesus. Incendeia-se na pessoa dele, em seu sacrifício por nós. Sim, é ele que suscita em nós a fé por meio do Espírito Santo. Uma vez que o Filho e o Pai são um, a fé originada de Jesus e dirigida para ele é ao mesmo tempo fé em Deus. (Jo 12.44)” HOLMER, U. Primeira carta de Pedro – Comentário esperança. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2008 – pág. 25

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executadas pelos incrédulos.32 No entanto, da mesma forma que Jesus venceu a morte e ressuscitou, os leitores podiam ter a mesma esperança e são encorajados e constrangidos a não desistirem de sua jornada cristã e continuarem a viver piedosamente entre a sociedade. Logo, apesar das lutas e perseguições pelas quais eles passam durante as suas vidas, eles já receberam provas de amor e consideração suficientes da parte de Deus. Assim, eles podem crer e esperar em Deus que, se permanecerem firmes na postura e nos valores cristãos, Deus não os desamparará eternamente.33

Teologia associada A análise contextual e a análise literária do texto forneceram a base para que algumas conclusões teológicas sejam tiradas do trecho analisado. Para que se possa entender corretamente o imperativo do texto: “sede santos”, é necessário entender a porção do indicativo do texto, a qual funciona de base para o imperativo. Os conceitos teológicos observados na porção indicativa são: 34 

Deus é santo



Deus é juiz eterno



Jesus Cristo é eterno



O homem é pecador por origem



Jesus Cristo é o redentor do homem

Deus é santo A palavra santo é definida e normalmente traduzida do hebraico qadash ou do grego αγιος por “separado”. Esse sentido pode ser entendido como um ser separado e distinto de tudo o que é visível e conhecido ao homem, ou ainda acima de toda a

_____________ 32

KLINKEN, Willem v., The Relationship Between the Suffering of Christ and Christian Suffering

According to 1 Peter. Agosto/2014. Tese de mestrado. Seminário Hersteld Hervormd da Faculdade de Teologia da universidade de Amsterdã – pág. 11 33

MUELLER, Enio R. 1 Pedro – Introdução e comentário. São Paulo, Vida Nova, 1988 – pág. 113

34

A ordem utilizada na argumentação da parte indicativa do texto não é a mesma ordem escrita

apresentada pelo texto.

32

criação. 35 Também pode ser explicado como o ser que é absolutamente distinto de todas as Suas criaturas, e é exaltado acima delas em majestade infinita.36 Mas, o termo também é utilizado para dizer sobre uma perfeição moral e existencial em todos os sentidos. A ideia fundamental da santidade ética de Deus também é a de separação, mas, neste caso, a separação é do mal moral, isto é, do pecado. Em virtude da sua santidade, Deus não pode ter comunhão com o pecado, Jó 34.10; Hc 1.13. Empregada neste sentido, a palavra “santidade” indica a pureza majestosa de Deus, ou a Sua majestade ética. Mas a ideia de santidade não é meramente negativa (separação do pecado); tem igualmente um conteúdo positivo, a saber, o de excelência moral, ou perfeição ética. Se o homem reage à santidade majestosa de Deus com um sentimento de completa insignificância e temor, sua reação à santidade ética revela-se num senso de impureza, numa consciência de pecado [...] Esta santidade ética de Deus pode ser definida como a perfeição de Deus, em virtude da qual Ele eternamente quer manter e mantém a Sua excelência moral, aborrece o pecado, e exige pureza moral em Suas criaturas.37

Essa santidade transcende a tudo o que o homem conhece e não poderia, obviamente, ser conhecida pelo homem através de seus próprios esforços e intelecto. Assim, a santidade de Deus nos foi revelada através das Escrituras Sagradas, a saber, primeiramente a Israel através da Lei e dos profetas e, posteriormente ao mundo todo através de Jesus Cristo. “A suprema revelação da santidade de Deus foi dada em Jesus Cristo, que é chamado “o Santo e o Justo”, At 3.14. Ele refletiu em Sua vida a perfeita santidade de Deus”.38 É verdade que nem sempre santidade é ligada a moralidade ou ética nas Escrituras Sagradas, mas ao contraste entre a majestade e a glória de Deus versus a insuficiência humana. Com certeza, a santidade é a essência de Deus que o distingue de toda a criação e que atrai os seus adoradores, chamando-os a serem limpos, puros, justos e compassivos; mas acima de tudo, que sejam separados e diferenciados de toda a prática pecaminosa e injusta da sociedade em que vivem. _____________ 35

SPROUL, R.C. A santidade de Deus. São Paulo, Editora Cultura Cristã, 1997 – pág. 48

36

BERKHOF, L. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990 – pág. 67

37

Idem – pág. 67 e 68

38

Idem – pág. 68

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Deus é juiz eterno A ideia de que Deus julgará a todos os humanos de toda a história está intimamente ligada à ideia da santidade de Deus. Segundo as Escrituras, Deus julgará de acordo com as obras de cada um, segundo o seu padrão de santidade estipulado por Ele para sua criação – Mt 7.21-23, Mt 12.36-37, Mt 25.31-46, Ap 22.12. Como ser onisciente e perfeito, ou seja, que conhece todas as intenções dos corações e não possui qualquer variação de dúvida naquilo que deve ser seguido, não há qualquer tipo de engano ou erro no julgamento divino. Deus tem as três qualidades necessárias para um bom juiz: autoridade e soberania (Ex 7.27; 24.14; 33.20), decisões justas e imparciais (Gn 18.25; Sl 9.4; 67.4; 96.10) e a capacidade de perceber e interpretar corretamente todas as evidências (1Sm 16.7; Sl 44.20-21; Jr 11.20). A justiça se manifesta especialmente em dar a cada homem o que lhe é devido, em tratá-lo de acordo com os seus merecimentos. A inerente retidão de Deus é naturalmente básica para a retidão que Ele revela no trato de Suas criaturas, mas é especialmente esta última, também denominada justiça de Deus, que requer especial consideração aqui. Os termos hebraicos para “justo” e “justiça” são tsaddik, tsedhek e tsedhakah, e os termos gregos correspondentes são dikaios e dikaiosyne, todos os quais contêm a ideia de conformidade a um padrão. Esta perfeição é repetidamente atribuída a Deus na Escritura.39

Conforme dito anteriormente, esse padrão de santidade foi revelado e estabelecido por Deus através da Lei e dos Profetas e, posteriormente na história da humanidade, através da vida de Jesus Cristo. O ritual que a lei de Deus impôs um padrão sobre Israel, o qual tinha a finalidade de salientar a santidade de Javé e a imperfeição do Seu Povo.40 A lei exige a punição do pecado, independente de quaisquer outras considerações. Isso é válido, segundo a lei, na administração das leis humanas e das leis divinas. A justiça exige a punição do transgressor. Deus é o legislador e juiz, então a punição tem como principal objetivo a vindicação da justiça e santidade do próprio Deus. A santidade de Deus é contra o pecado em todos os sentidos. _____________ 39

Idem – pág. 69

40

SHEDD, Russel P. Lei, Graça e Santificação. São Paulo: Vida Nova, 1998 – pág. 14

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Segundo as Escrituras, o próprio Jesus Cristo afirmou que não veio para abrogar a Lei, mas sim para cumpri-la, Mt 5.17. Desta forma, Jesus traduziu o significado da Lei e dos mandamentos para o cotidiano das pessoas de maneira que o homem não realizasse apenas rituais repetidamente sem uma transformação de atitude no convívio com o próximo. Além disso, através do sacrifício de Jesus Cristo, todos os rituais sacrificiais, festas religiosas e outras atividades culturais foram cumpridos de uma vez por todas, Hb 9.11-12; permanecendo apenas a lei moral, a qual nunca foi negada e ainda deve ser cumprida pelo cristão, Rm 7.12-14. Este julgamento de Deus não possui aspecto somente escatológico, mas também pode se manifestar ao longo da jornada de cada indivíduo neste mundo. Porém, neste último caso tem mais um caráter de levar o ser humano ao arrependimento, gerando uma mudança de atitude e aperfeiçoando o mesmo para que cresça em santidade, Rm 8.28, 1 Pe 5.10. Então, neste caso, é melhor utilizar o termo punição ao invés do termo julgamento. Ambos os casos geram um temor e um senso de dívida no homem por causa do amor de Deus manifesto em Cristo. Esse senso de dívida e esse temor o impulsionam a se livrar de todo o embaraço e pecado que o rodeiam, Hb 12.1, 2 Tm 2.4 para viver dignamente segundo a vontade de Deus.

Jesus Cristo é eterno Quando o autor de 1 Pedro afirma que Cristo estava presente no momento da criação, ele indiretamente afirma a divindade de Jesus. Isso concorda com o pensamento da Igreja Primitiva, Jo 1.1-3,14; Jo 10.30; Fp 2.7. A cristologia da encarnação inclui a humilhação do Cristo pré-existente e exaltado, conforme Paulo; a encarnação da Palavra eterna, conforme João; e a perfeição do eterno filho de Deus que apareceu como Jesus conforme Hebreus. Apesar do conceito da Trindade não ser plenamente desenvolvido pelos primeiros cristãos, havia uma forte convicção que Jesus Cristo é Deus e, portanto, é eterno. Jesus Cristo é o eterno propósito de Deus. Antes da fundação do mundo já foi destinado para a obra que devia fazer (V. 20). Aqui há um grande pensamento que é repetido em Apocalipse 13:8, onde lemos: "o cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo". Este é um pensamento de infinito valor. Às vezes

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tendemos a pensar em primeiro Deus como Criador e depois como Redentor. Pensamos em que Deus criou o mundo e, depois, quando as coisas saíram mal, buscou algum modo de resgatar o mundo mediante Jesus Cristo. Mas aqui temos a majestosa visão de um Deus que foi Redentor antes de ser Criador. O poder e o propósito redentores de Deus, o amor redentor de Deus não são medidas de emergência às quais Ele se viu compelido quando as coisas foram mal. O divino propósito redentor se remonta a tempos anteriores à criação. Deus é Redentor tão eternamente como é Criador. Seu amor, assim como o seu poder, vai além do tempo. [...] Jesus Cristo não só é o Cordeiro que foi sacrificado, mas também é o Ser ressuscitado e triunfante a quem Deus glorificou. Os pensadores neotestamentários raramente separam a cruz e a ressurreição; quase nunca pensam no sacrifício de Cristo sem pensar em seu triunfo.41

Então, ao longo da história da humanidade, no momento mais apropriado, Deus encarnou entre os homens e revelou o seu perfeito amor e sua santidade. O mesmo Deus que havia feito maravilhas no passado se revelou aos homens na pessoa de Jesus Cristo. Esse fato demonstra a cognoscibilidade de Deus para todos quanto leem a epístola e levam ao mesmo senso de dívida e temor previamente apresentados. Como não andar em temor e santidade diante de um Deus amoroso que decidiu abrir mão de Sua glória e majestade para me resgatar? Entretanto, esse Deus também revelou o Seu poder e deu provas de Sua fidelidade através da ressurreição de Jesus Cristo. Assim, a ressurreição confirma o pensamento de que Jesus Cristo é uma das pessoas divinas da Trindade, que possui os mesmos atributos do Pai e que reina eternamente à destra do TodoPoderoso. A ressurreição confirma o reinado de Jesus Cristo, como Senhor da Igreja e consequentemente, fornece aos leitores da epístola uma esperança de que o Senhor não deixará que nada aconteça à igreja que não seja para a sua própria edificação e santificação. Como rei do universo, o Mediador guia de tal maneira os destinos dos indivíduos, dos grupos sociais e das nações, que promove o crescimento, a purificação gradual e a perfeição final do povo que Ele remiu com o Seu sangue. Nessa capacidade, Ele também protege os Seus dos perigos a que são

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BARCLAY,

W.

Comentário

do

http://ipuniao.org.br/biblioteca/1pedro.pdf - pág. 61

Novo

Testamento.

Endereço

eletrônico:

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expostos no mundo, e vindica a Sua justiça com a sujeição e destruição de todos os Seus inimigos. Neste reinado de Cristo vemos o restabelecimento inicial do reinado original do homem. A ideia de que Cristo governa agora os destinos dos indivíduos e das nações no interesse da Sua igreja, que Lhe custou o Seu sangue, é muito mais consoladora que a noção de que agora Ele é “um refugiado no trono do céu [...] É incumbência de Cristo, como o Rei ungido, estabelecer o reino espiritual de Deus, governá-lo e protegê-lo contra as forças hostis. Ele tem que fazer isto num mundo que está sob o poder do pecado e tendente a opor-se a todos os esforços espirituais. Se esse mundo estivesse fora do domínio de Cristo, facilmente frustraria todos os seus esforços. Por isso, Deus O revestiu de autoridade sobre o mundo, para que Ele pudesse dominar todos os poderes, forças e movimentos do mundo e, assim, pudesse garantir um alicerce seguro para o Seu povo no mundo, e protegê-lo contra os poderes das trevas. Estes não podem derrotar os Seus propósitos, e são constrangidos a prestar-lhes serviço.”.42

Desta forma, os leitores são novamente constrangidos, pois o Deus que os ama e sofreu por eles também vive, reina, é poderoso e perfeito e conhece todos as suas aflições, pensamentos e é poderoso para lhes dar a salvação tão esperada.

O homem é pecador por origem O texto analisado afirma que os homens foram libertos de uma “fútil maneira de viver herdada de seus pais”. Essa maneira fútil de viver tem origem no pecado que pode ser definido como: a prática, o dizer, o pensar ou o imaginar qualquer coisa que não esteja em perfeita conformidade com a mente e a lei de Deus. 43 Segundo as Escrituras Sagradas, todos os homens pecaram e estão destituídos da glória de Deus, esse pecado foi herdado pelos homens desde Adão, o pecado faz separação do homem e Deus e se alguém diz que não tem pecado é mentiroso – Is 59.1, Rm 3.23, Rm 5.12, 1 Jo 1.8. O primeiro aspecto a ser considerado é a ignorância do homem em relação a Deus e ao pecado. Desde os primórdios, as religiões e as filosofias humanas buscam uma explicação para o divino. No entanto, como que o finito pode explicar o _____________ 42

BERKHOF, L. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990 – pág. 411

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RYLE, J.C. Santidade – sem a qual ninguém verá o Senhor. São José dos Campos: Editora Fiel,

2009 – pág. 28

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infinito? Não há racionalismo humano que consiga explicar a decadência do próprio homem e a perfeição de Deus. Há, naturalmente, uma vaga ideia da imensa diferença que separa o homem dos princípios e atributos morais puros e daquilo que é comumente praticado na sociedade, At 17.27; mas mesmo essa noção é distorcida em si própria. O mundo pagão estava sempre apanhado pela impossibilidade de conhecer a Deus; no máximo os homens podiam conjeturar e andar tateando em torno do mistério de Deus.44 Então, é totalmente possível que o homem pode se julgar inocente mesmo cometendo pecado, pois é ignorante em relação a Deus. Porém, apesar da ignorância o homem continua a ser culpado diante de Deus e o pecado será condenado da mesma forma, Lc 12.48. Somente um relacionamento com Deus pode fornecer ao homem as informações e conceitos necessários para que haja conhecimento do pecado e do Divino. A iniciativa desse relacionamento não pode ser do homem, já que o mesmo é finito e falho, então, teve que partir do próprio Deus. Deus se revelou aos homens ao longo da história e o auge da revelação de Deus foi Jesus Cristo. Somente através de um relacionamento com Jesus Cristo, o homem é capaz de conhecer a Deus e entender que a sua vida é fútil e escravizada pelo pecado sem um relacionamento com seu Criador. Diante dessa ignorância, o homem é dominado pelos seus desejos. Desde os primórdios é notório a busca incessante do homem por poder, status e prazeres; contrários a um relacionamento sadio com Deus. A doutrina cristã ensina que esse desejo desenfreado tem origem no pecado original do homem e foi herdada de geração a geração: Chama-se “pecado original” (1) porque é derivado da raiz original da raça humana; (2) porque está presente na vida de todo e qualquer indivíduo, desde a hora do seu nascimento e, portanto, não pode ser considerado como resultado de imitação; (3) porque é a raiz interna de todos os pecados concretizados que corrompem a vida do homem.45

Esse pecado envolve também a perda do homem em resistir e negar, por si próprio, aos desejos e seguir rumo à santidade, tornando-o um escravo do pecado. _____________ 44

BARCLAY, W. Comentário do Novo Testamento. Endereço eletrônico:

http://ipuniao.org.br/biblioteca/1pedro.pdf - pág. 62 45

BERKHOF, L. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990 – pág. 244

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Pecamos se agimos de modo contrário à santidade que devemos manter, quando utilizamos a mente, o corpo ou as posses de maneira distinta da vontade de Deus. 46 Isso não significa que o homem perdeu a sua capacidade de escolha. “Há uma certa liberdade que é possessão inalienável de um agente livre, a saber, a liberdade de escolher o que lhe agrada, em pleno acordo com as disposições e tendências predominantes da sua alma.”47 No entanto, o homem pecador perdeu a sua capacidade de escolher em direção ao bem supremo, ou seja, de estar em harmonia com sua constituição moral original, criada por Deus e agradável a Ele. Dessa maneira o homem é naturalmente inclinado para o mal e mesmo que algumas de suas atitudes sejam vistas como corretas, a causa de suas atitudes não é o amor a Deus, mas algum benefício secundário. “A compreensão, os afetos, o poder de raciocínio, a vontade; tudo está, em certa medida, infeccionado pelo pecado.” 48 Em terceiro lugar, o pecado no homem gera uma maneira fútil de viver. “No pensamento de Pedro, a vida sem Cristo é uma vida de ignorância, de desejo e de futilidade; é uma existência despojada de significado e a que não se subtrai a não ser ao prazer fugaz do instante que passa.”49 Uma vida de busca de bens, poder e prazeres é uma jornada fútil, pois não tem em si um objetivo eterno. Mesmo que alguém deixe um legado para os seus filhos, ao longo da história, o que garante que aquilo será devidamente valorizado? Qual é o sentido de “dever cumprido”, se a obra de um ser humano pode em menos de uma geração se perder? Ou, mesmo que alguém conquiste no final de sua vida toda a prosperidade financeira, emocional e racional possível, qual será o fim de tudo isso e para que serviu? Assim, uma vida sem um relacionamento com Deus e sem a esperança da vida eterna é vazia pois não fornece ao homem um objetivo e uma garantia eternos e duradouros, 1 Co 15.19. Por fim, a ignorância do homem em relação a Deus e ao pecado associada ao pecado original que é a raiz intrínseca do homem que o leva a consumar os seus mais vis desejos, com a futilidade da vida consequente dos dois itens anteriores, _____________ 46

SHEDD, Russel P. Lei, Graça e Santificação. São Paulo: Vida Nova, 1998 – pág. 55

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BERKHOF, L. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990 – pág. 248

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RYLE, J.C. Santidade – sem a qual ninguém verá o Senhor. São José dos Campos: Editora Fiel,

2009 – pág. 30 49

BARCLAY, W. Comentário do Novo Testamento. Endereço eletrônico:

http://ipuniao.org.br/biblioteca/1pedro.pdf - pág. 64

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temos que raça humana, a partir de Adão e ao longo da história já está condenada, cada ser desde o seu nascimento. Deus não compartilha com o pecado e, na verdade, o Santo e Justo juiz não deixará impune o pecado, mas o condenará perfeita e retamente. O pecado é coisa muito séria, e é levado a sério por Deus, embora os homens muitas vezes o tratem ligeiramente. Não é somente uma transgressão da lei de Deus; é também um ataque ao grande Legislador, uma revolta contra Deus. É uma infração da inviolável justiça de Deus, que é o fundamento do Seu trono (Sl 97.2), e uma afronta à imaculada santidade de Deus, que requer que sejamos santos em toda a nossa maneira de viver (1 Pe 1.16). Em vista disso, é simplesmente natural que Deus visite o pecado com punição. [...] A Bíblia atesta abundantemente o fato de que Deus pune o pecado, nesta vida e na vida por vir.50

Jesus Cristo é o redentor do homem No trecho estudado, Jesus Cristo é apresentado como o cordeiro de Deus que redime a criação. No sentido corrente da palavra, "redenção" ou "resgate" é o ato pelo qual adquire-se novamente, pagando-se o preço devido, o que se possuía anteriormente e não se possui mais51. Pode-se então definir a redenção do ser humano como o ato pelo qual Jesus Cristo, pelo preço de seu Sangue, expressão do seu amor, livrou o ser humano da servidão do pecado e o reconciliou com Deus. De acordo com a legislação do Antigo Testamento, os sacerdotes deveriam sacrificar repetidamente um cordeiro sem defeitos para remissão dos pecados do povo e dele próprio, Lv 22.17-25. O autor também se utiliza do conceito do servo sofredor de Isaías 53 e o texto da páscoa e do cordeiro pascal contido em Êxodo 12: Jesus é comparado ao cordeiro pascal, ao servo humilde e sofredor que resgata o povo de Deus de uma vez por todas, o sacrifício perfeito, Hb 9.11-12. A morte de Cristo foi simultaneamente o resgate e o sacrifício que previamente foram prefigurados no Antigo Testamento. Assim, Jesus se tornou o mediador de uma eterna e nova aliança, na qual ele a selou com o seu próprio _____________ 50

BERKHOF, L. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990 – pág. 256

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Segundo Dicionário Bíblico. Endereço eletrônico: http://biblia.com.br/dicionario-biblico/r/redentor-

redencao-remir/?s=reden%C3%A7%C3%A3o

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sangue. Este conceito da purificação de pecados através do sangue de Cristo é encontrado frequentemente nas Escrituras Sagradas, e há concordância tanto na teologia paulina, Rm 3.25, Rm 5.9, 1 Co 11.27, Ef 1.7, Ef 2.13, Cl 1.14,20; na teologia de Hebreus: Hb 9.18-22, na teologia joanina: Jo 6.53, 1 Jo 1.7 e como na teologia petrina: 1 Pe 1.2, 1 Pe 1.19, Mc 14.24. 52 Na menção do cordeiro Pascal, o qual foi sacrificado na noite de libertação do povo de Israel do Egito, Ex 12.5, é possível identificar as mesmas verdades, a saber, a libertação da escravidão e a possibilidade de uma jornada para um novo relacionamento com Deus.53 Temos no cordeiro a figura expiatória do sacrifício, ou seja, os sofrimentos de Cristo e o derramamento de seu sangue foram o preço da punição pelo pecado da humanidade. Os sacrifícios não tinham apenas significado simbólico, mas também espiritual e profético, pois representavam o Evangelho na Lei. Foram destinados a prefigurar os sofrimentos vicários de Jesus Cristo e sua morte expiatória. Jesus não foi obrigado a morrer na cruz, Ele mesmo se entregou como sacrifício, Jo 10.15-18, cumprindo as profecias de Is 53.7. Desta maneira, o sangue de Jesus Cristo se tornou o sangue da expiação pelos pecados, derramado de uma vez por todas, e, consequentemente, da nova aliança do homem com Deus. Na Igreja primitiva, Irineu já ensinava a absoluta necessidade da expiação, e esta foi salientada por Anselmo na Idade Média, em sua obra intitulada Cur Deus Homo? (Por que Deus Homem?). A teologia reformada (calvinista) em geral mostra acertadamente uma decidida preferência por este conceito. Seja qual for a posição assumida por Beza nos últimos tempos da sua vida, o certo é que eruditos como Voetius, Mastrinct, Turrentino, à Marck e Owen, sustentavam a absoluta necessidade de expiação e a baseavam particularmente na justiça de Deus, a perfeição moral pela qual Ele mantém necessariamente a Sua santidade antagônica ao pecado e ao pecador, e impõe o devido castigo aos transgressores. Eles a consideram como o único modo pelo qual Deus poderia perdoar o pecado e, ao mesmo tempo, satisfazer a Sua justiça. 54

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MORRIS, Leon Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2003 – pág. 386

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BARCLAY, W. Comentário do Novo Testamento. Endereço eletrônico:

http://ipuniao.org.br/biblioteca/1pedro.pdf - pág. 60 54

BERKHOF, L. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990 – pág. 369

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A libertação do poder do pecado, conforme tópico anterior desse mesmo trabalho, é obtida por meio da fé na vida e na obra de Jesus Cristo, Rm 3.28, 1 Pe 1.21. A redenção é uma obra totalmente realizada por Cristo. Não há sentido em dizer que o homem precisa realizar alguma obra para alcançá-la, como se ainda fosse possível ao pecador pagar por si mesmo. A provisão para a redenção dos pecadores é absoluta. Não equivale a dizer que Ele não trata o pecador como pessoalmente culpado enquanto não for justificado pela fé, pois o que Deus faz é exatamente isso.55 Porém, aqui vale ressaltar que o ser humano não se torna imune ao pecado, porém o homem redimido por Jesus Cristo está livre da condenação e do poder oriundos do pecado original cometido por Adão, Rm 5.18-19. Portanto, é correto afirmar que o cristão é justificado por Deus através da fé em Jesus Cristo. Nesta passagem vemos Jesus como o grande libertador e emancipador, funções que cumpre à custa de sua própria vida e pagando o preço da cruz do Calvário. Aqui vemos Jesus como o eterno propósito redentor divino, propósito este que é mais antigo que o tempo. Aqui vemos Jesus triunfante sobre a morte e glorioso Senhor da vida, doador de uma vida a qual a morte não pode obstruir nem afetar, doador de uma esperança que ninguém pode arrebatar. 56

O propósito dos sacrifícios do Antigo Testamento também incluía a restauração do ofensor à posição e aos privilégios externos, desfrutados em sua condição de membro da teocracia, a que ele tinha perdido o direito por negligencia e transgressão.57 Da mesma forma, Cristo restaurou a comunhão do pecador com Deus através do seu sacrifício, e, após a sua redenção, o indivíduo volta a usufruir dos mesmos benefícios do momento da criação do homem, ou seja, um relacionamento íntimo sem medidas com Deus e Sua providencia sobre a vida. Logo, o ser humano não está livre de voltar a pecar, porém a partir do momento da sua redenção pelo sangue de Jesus Cristo, o homem, outrora escravo, torna-se livre da condenação do pecado original e não está mais sujeito aos desejos desenfreados da carne que antes o dominavam. A partir da redenção o ser humano

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Idem – pág. 268

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BARCLAY, W. Comentário do Novo Testamento. Endereço eletrônico:

http://ipuniao.org.br/biblioteca/1pedro.pdf - pág. 62 57

BERKHOF, L. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990 – pág. 364

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se torna livre para se relacionar com Deus, receber o Seu cuidado e buscar a santificação.

Santidade Na perícope de 1 Pe 1.13-21, objeto de estudo deste trabalho, fica claro o imperativo para os destinatários da carta: eles devem ser santos em toda a maneira de viver! Inclusive, a referência que lhes é fornecida é o padrão de santidade divino, ou seja, perfeito e distinto de tudo o que existe, conforme vimos nesse mesmo estudo. Santidade não é apenas o crescimento moral e o seu aperfeiçoamento nas virtudes em meio à sociedade. Assim como Deus se diferencia do resto da sua criação, a santidade também diferencia o homem de seus semelhantes. Além do pecado e dos desejos fúteis, o homem santo é desvinculado à valorização das coisas deste mundo e impulsionado a buscar os interesses do Reino de Deus. Esses interesses fazem parte do seu mais íntimo desejo e o levam a ter maior comunhão com o próprio Deus. A santidade é o hábito de ter a mesma mente de Deus à medida que tomamos conhecimento da Sua mente, descrita nas Escrituras. [...] Terá uma decidida inclinação mental para Deus; o desejo no íntimo de cumprir a sua vontade; um maior temor de desagradar o Senhor do que de desagradar o mundo e um amor a todos os caminhos de Deus.58

Conforme o homem se torna santo, ele será cada vez mais semelhante a Cristo, ou seja, perdoará como Cristo perdoou, amará como Cristo amou, se doará a favor de outros como Cristo se doou, será paciente, bondoso, gentil, terá autocontrole, etc.; ou seja, levará uma vida dedicada à comunhão com Deus, “em toda a vossa maneira de viver”. Assim, em todas as coisas e atividades que surgirem na vida de um indivíduo, o mesmo buscará agradar e buscar a vontade de Deus e do Seu Reino. Não serão apenas aspectos externos, mas seus anseios, objetivos, prioridades estarão alicerçados na constante busca em ser mais santo para Deus. Aí está a diferença entre alguém moralmente correto, mas que não possui a Cristo e o _____________ 58

RYLE, J.C. Santidade – sem a qual ninguém verá o Senhor. São José dos Campos: Editora Fiel,

2009 – pág. 67

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verdadeiro cristão que se santifica. Um bom exemplo dessa diferença é descrito no encontro do jovem rico com Jesus Cristo em Lc 18.18-23. Aquele jovem era moralmente correto, pois seguia todos os mandamentos e não tinha conquistado as suas riquezas à base do furto ou engano, segundo o próprio testemunho dele. Porém, seu coração ainda não se voltara para Deus completamente e se apegava às riquezas. Já um homem santo, deixa tudo o que tem, seus valores e princípios não se baseiam nos tesouros deste mundo, mas em Deus. A santidade produz no homem o desejo de “ser diferente deste mundo” com um relacionamento íntimo com Deus, o qual fornece ao homem segurança em relação à sua fé e fortalece a esperança para a salvação escatológica. “É presunção supor que alguém possa desfrutar de um vívido senso de justificação ou da certeza de seu chamamento, enquanto estiver negligenciando as boas obras ou não estiver se esforçando por viver de forma santa.” 59 As Escrituras Sagradas deixam bem claro que sem santidade, ninguém verá a Deus, Hb 12.14, Ef 5.27, Cl 1.22, Mt 7.21-23, Mt 24.31-46. A santidade deve acompanhar aqueles que um dia foram justificados pelo sangue de Jesus Cristo. Mediante o aperfeiçoamento na santidade, cada cristão é fortalecido na esperança da salvação e no relacionamento com o próprio Deus. Caso alguém despreze a busca pela santidade, mesmo obedecendo aos preceitos religiosos e sociais, há um grande risco da falta de um arrependimento genuíno acompanhado da fé na obra salvífica e redentora de Jesus Cristo, ou seja, não houve justificação, logo não haverá salvação, pois Deus é juiz santo e perfeito. Logo, a santidade é uma característica intrínseca de todo aquele que um dia já foi justificado, não com coisas corruptíveis como a prata ou ouro, mas com o precioso sangue de Cristo. “A santidade é seu dom especial a seu povo crente. A santidade é a obra que Ele efetua nos corações dos crentes, através do Espírito que Ele lhes proporciona no íntimo.” 60 Mas, ainda resta o imperativo do autor de 1 Pedro, dizendo “sejam santos”. Desta forma, não é algo obtido sem a participação decisória do homem. Para termos uma melhor compreensão de como crescer em santidade diante de Deus e dos homens é necessário entender o processo que torna o homem santo, qual a responsabilidade do homem e qual é o verdadeiro sinal que a _____________ 59

Idem – pág. 76

60

Idem – pág. 84

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santidade está presente e se aperfeiçoando no homem. Este processo pelo qual o indivíduo se torna santo é chamado de santificação.

Santificação Segundo o dicionário bíblico: “No ensino dos apóstolos a palavra santificar tem o sentido não somente de pôr de parte, ou consagrar (como no caso da mulher ou do marido incrédulo 1 Co 7.14), mas também o de purificação e direção do homem pela obra do Espírito Santo” (Rm 15.16 - 2 Ts 2.13 - 1 Pe 1.2).61 Para BERKHOF, “Pode-se definir a santificação como a graciosa e contínua operação do Espírito Santo pela qual Ele liberta o pecador justificado da corrupção do pecado, renova toda a sua natureza à imagem de Deus, e o capacita a praticar boas obras.”62 Nota-se em ambas definições que a santificação é um processo. Há várias teorias sobre a forma como a santificação ocorre no ser humano e muitas divergências no assunto ao longo da história da Igreja.

ANTES DA REFORMA Previamente à reforma, a Igreja buscou estabelecer a relação da graça de Deus na santificação com a fé, a relação da santificação com a justificação e o nível da santificação nesta existência. Usualmente o conceito de justificação e santificação eram confundidos, além da ideia de que o homem dependia da fé e das boas obras para ser salvo. Isso levou a um legalismo e a uma dependência de rituais (sacramentalismo) crescentes na igreja. Pensava-se na santificação como uma consequência de uma infusão da graça divina no indivíduo, donum superadditum (dom superádito), pelo qual a alma é elevada a um novo nível superior do ser, e é capacitada a crescer no conhecimento, no usufruir de Deus, e, consequentemente, na santificação para Deus. Essa graça era um dos méritos de Cristo concedidas aos homens através dos sacramentos. 63 [...] esta graça santificadora na alma assegura a remissão do pecado original, infunde um hábito permanente de retidão inerente, e leva consigo o potencial de

_____________ 61

Dicionário Bíblico. Endereço eletrônico: http://biblia.com.br/dicionario-

biblico/s/santificacao/?s=santidade 62

BERKHOF, L. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990 – pág. 537

63

Idem – pág. 534

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ulterior desenvolvimento, e até de perfeição. A partir dela a nova vida se desenvolve, com todas as suas virtudes. Sua obra pode ser neutralizada ou destruída por pecados mortais; mas a culpa contraída após o batismo pode ser removida pela eucaristia, no caso dos pecados veniais, e pelo sacramento da penitência, no caso dos pecados mortais. Consideradas do ponto de vista humano, as obras sobrenaturais da fé, operando pelo amor, têm mérito perante Deus e garantem um aumento da graça. Contudo, tais obras são impossíveis sem a contínua operação da graça de Deus.64

APÓS A REFORMA Os reformadores fizeram distinção entre a justificação e a santificação, sendo a primeira um ato jurídico de Deus para o homem e a segunda como o agir de Deus no homem. Apesar de distinguirem os dois aspectos da graça divina, eles não as separaram entre si, ou seja, a santificação só é possível se houver a justificação do homem primeiramente. Diferentemente da doutrina papista, os reformadores afirmavam que a santificação é uma obra sobrenatural e graciosa do Espírito Santo, obtida a princípio pelo ouvir da Palavra de Deus, e também através dos sacramentos, os quais nos libertam paulatinamente do poder do pecado e nos capacitam a praticar boas obras. Entre os pensadores racionalistas, Kant, Scheleiermacher e Ritschl, a santificação passou a ser uma consciência moral no homem desenvolvida individualmente ou através da participação do homem no reino de Deus.65 Atualmente, as divergências de opiniões ainda existem. RENDERS afirma que há um consenso de que santificação se baseia na obra de Cristo, mediante uma vida piedosa e a consumação da santidade é feita através da presença de Deus no indivíduo. Mas, ainda há muitos que afirmam a necessidade de uma resposta humana à iniciativa divina, e até a suficiência humana na superação de pecados conscientes.66 No Brasil prevalecem as doutrinas puritana, arminiana, metodista e pentecostal. A primeira se destaca no fato que a santidade plena é inatingível pelo homem, pois o mesmo é pecador. No entanto, o homem deve busca-la por toda a sua vida. Já a teologia arminiana e o metodismo dizem que essa perfeição é _____________ 64

Idem – pág. 535

65

Idem – pag. 535

66

RENDERS, Helmut. "Santificação". In: Dicionário Brasileiro de Teologia, São Paulo: ASTE, 2008,

pág. 907

46

atingível para os pecados conscientes dando maior ênfase à responsabilidade humana, opinião compartilhada pelo pentecostalismo histórico que salienta o caráter imediatista.67

Características da santificação A primeira confusão que deve ser evitada é entre justificação e santificação. Justificação é a declaração definitiva de Deus de que o homem é perdoado de seus pecados e feito justo, recebida pelo homem através da fé nos méritos adquiridos por Jesus Cristo em sua vida, morte e ressurreição. A santificação é o processo de desenvolvimento da justiça interior no homem, a qual produz no homem uma retidão própria que o afasta do pecado e o aproxima de Deus. A santificação é uma obra progressiva, ainda imperfeita durante o tempo nesse mundo, mas que atingirá a perfeição ao chegarmos ao céu. Ao que parece, a santificação do crente deve completar-se no exato momento da morte, ou imediatamente após a morte, no que se refere à alma, e na ressurreição, quanto ao concernente ao corpo. Isto parece decorrer do fato de que, por um lado, a Bíblia ensina que, na vida presente, ninguém pode arrogarse liberdade do pecado, 1 Rs 8.46; Pv 20.9; Rm 3.10, 12; Tg 3.2; 1 Jo 1.8; e que, por outro lado, os que já partiram estão inteiramente santificados. 68

Não

é

possível

haver

santificação

sem

justificação,

ambas

estão

intrinsicamente ligadas, mas são independentes. A justificação gera o início do processo de santificação, mas a santificação não gera justificação.69 A santificação é obra do Espírito Santo no ser humano Rm 8.11; 15.16; 1 Pe 1.2. É obra de Deus, 1 Ts 5.23; Hb 13.20,21, consequente à união do indivíduo com Jesus Cristo, Jo 15.4; Gl 2.20; 4.19, realizada interiormente no homem, Ef 3.16; Cl 1.11, porém que se manifesta exteriormente através de virtudes e boas obras, Gl 5.22. “A santificação, pois, é o invariável resultado da união vital com Cristo, que a verdadeira fé confere a um crente”.70 “Jamais deverá ser descrita como um processo _____________ 67

Idem – pág. 909

68

BERKHOF, L. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990 – pág. 540

69

RYLE, J.C. Santidade – sem a qual ninguém verá o Senhor. São José dos Campos: Editora Fiel,

2009 – pág. 81 70

Idem – pág. 46

47

meramente natural de desenvolvimento espiritual do homem, nem tampouco deverá ser rebaixada ao nível de uma simples realização humana, como se faz em grande parte da teologia “liberal” moderna.”71 Por isso existe uma ampla diferença entre virtudes morais e manifestações cristãs da graça. Estas últimas brotam de amor santo e tem sua origem em motivação santa. Elas surgem pelo poder de Deus e para sua glória. Mantém o alto interesse do Reino em mira e controlam as relações dos homens com seus próximos como Deus ordena.72

SHEDD ainda afirma que Deus “decidiu tornar santos também seus escolhidos, por meio da atribuição ou imputação”. Através do sacrifício redentor de Jesus Cristo, o homem é justificado do poder e domínio do pecado original: [...] os que receberam o Espírito de Deus, incorporados em Cristo, são posicionalmente santos. Em outros contextos, o importantíssimo termo “santificação” trata do processo pelo qual os justificados se tornam de fato justos, Os que incluídos em Cristo tem a posição de “aceito no amado”, desenvolvem na vida diária a transformação esperada. A caminhada em direção ao alvo da santidade importa em ultrapassar de algum modo o legalismo e abraçar a realidade de Jesus Cristo como nossa santificação. 73

Isso não significa que o homem não tenha parte nesse processo, senão o imperativo do autor da perícope de 1 Pedro estaria totalmente fora de contexto. A santificação conta com a cooperação humana. A santificação tem lugar, em parte, na vida subconsciente, e, como tal, é uma operação imediata do Espírito Santo; mas também, em parte, dá-se na vida consciente, e, neste caso, depende do uso de certos meios, tais como o exercício da fé, o estudo da Palavra de Deus, a oração e a associação com outros crentes.74

_____________ 71

BERKHOF, L. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990 – pág. 538

72

SHEDD, Russel P. Lei, Graça e Santificação. São Paulo: Vida Nova, 1998 – pág.61

73

Idem - pág. 55

74

BERKHOF, L. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990 – pág. 539

48

O Espírito Santo é o único que possui o poder de revelar o erro daquilo que fatalmente abraçamos, pensando ser admissível ou bom. 75 Então, cabe ao homem reconhecer a voz do Espírito Santo no seu interior e se arrepender de seus pecados. Vale ressaltar aqui que o arrependimento não é apenas uma confissão mental, com palavras durante uma oração ou pública diante de homens. O verdadeiro arrependimento bíblico é acompanhado de frutos, ou seja, é uma decisão do indivíduo em mudar de atitude, “mudar o rumo” de suas ações e pensamentos de maneira que não mais rompam a sua comunhão com Deus. A motivação do homem em buscar a santidade não parte de si próprio, mas do próprio Deus que o impulsiona a se decidir pela santificação através do arrependimento. 76 “Toda boa ação e tentativa de agradar a Deus pelo esforço próprio é pura estultícia.” 77 SHEDD defende que a vontade humana sozinha é ineficaz na luta pela santidade e argumenta pela teologia paulina que as mudanças geradas unicamente pela vontade humana são inúteis, pois “o cerne da pecaminosidade humana reside na vontade do próprio homem. [...] Portanto, o caminho que conduz à santificação fica barrado a toda tentativa humana de alcançar o alvo sem auxílio divino.”

78

Então,

a santificação é uma ação conjunta do homem e Cristo, atuando pelo poder do Espírito Santo. Nesta economia, o homem deve se arrepender e se submeter a Deus continuamente em sua vida, e desta maneira, avança gradativamente em santidade segundo o padrão divino. Um exemplo contemporâneo de entendimento diferente dessa realidade pode ser visto na obra de Henry BLACKABY, um pastor norte-americano, avivalista de denominação pentecostal. Apesar de concordar que a santificação é um processo que se dá através do agir sobrenatural do Espírito Santo durante a ministração da Palavra de Deus, que convence o homem do pecado, ele afirma que uma confissão pública, habilita o indivíduo a ser santificado imediatamente para Deus. Segundo ele, “o caminho de santidade é algo criado por Deus mas, quando Ele o faz, expõe o pecado como um fogo purificador.” Sua tese é baseada em experiências religiosas

_____________ 75

SHEDD, Russel P. Lei, Graça e Santificação. São Paulo: Vida Nova, 1998 – pág.15

76

Idem – pág. 60

77

Idem – pág. 63

78

Idem – pág. 57

49

entre estudantes universitários e igrejas norte-americanas.79 Pode-se notar na obra de BLACKABY uma tendência ao sensacionalismo de grandes movimentos missionários entre estudantes e igrejas norte-americanas. Em nenhum momento de sua obra, o autor coloca a santificação como algo inerente à vida cristã, consequência da presença do Espírito Santo no indivíduo. Apesar de não tratar do assunto, em todos os exemplos citados, sempre há a participação de algum interlocutor humano que expressa a vontade de Deus, alguém com maior nível de espiritualidade que possui a sensibilidade e a maturidade para alertar o indivíduo sobre o pecado ou frieza espiritual. A obra de santificação do ser é imediata à confissão arrependida do transgressor, que a partir daquele momento, segundo o autor, está apto a não mais cometer os mesmos pecados anteriores. Segundo o autor, caso alguém volte a tropeçar em algum erro novamente, o tal não se arrependeu verdadeiramente, ou não possui temor de Deus suficiente para se afastar do pecado. Em nenhum momento o autor cita algo sobre a justificação. Portanto, entende-se que a obra de santificação no indivíduo pressupõe um esforço humano, seja através de outro indivíduo superior em santidade ou do esforço próprio após a confissão de arrependimento. Assim como BERKHOF, SHEDD e RYLE concordo que a santificação é uma obra sobrenatural do Espírito Santo, mas que conta com a cooperação do homem, o qual deve aceitar e se dispor a seguir as orientações e alertas de Deus. Porém, acho interessante a ênfase que BLACKABY dá ao arrependimento genuíno e ao temor a Deus, os quais estão alinhados com o texto objeto de estudo deste trabalho: como filhos da obediência, não vos conformando às paixões de acordo com a vossa prévia ignorância”. Então, entendo que a santificação é obra sobrenatural do Espírito Santo no homem interior, que nos convence da justiça, do juízo e do pecado e o homem não deve negligenciar os seus alertas, pelo contrário, deve aceitar o seu parecer e se dispor a permanecer Nele através dos meios da santificação.

MEIOS DA SANTIFICAÇÃO A santificação não é aprendida, mas ela é imputada no homem sobrenaturalmente como consequência da presença do Espírito Santo. Assim, _____________ 79

BLACKABY, H. Santidade – O plano de Deus para uma vida abundante. Rio de Janeiro: CPAD,

2013 – pág. 68

50

alguém pode conhecer as Escrituras Sagradas, ser membro de uma igreja ou participar de um excelente curso de teologia e mesmo assim não se santificar. Não é algo que os homens são persuadidos através de boa argumentação, pois conforme mencionado anteriormente, os homens podem ser instados a praticar boas obras, porém as intenções e os anseios do coração não são alterados e a pessoa continua a viver moralmente conforme os preceitos sociais, porém afastada da comunhão com Deus. O Espírito Santo age no íntimo de uma pessoa através do ouvir da Palavra de Deus. Porém, BLACKABY vai além do simples anunciar da Palavra de Deus. Para ele, a santidade só pode ser despertada nos ouvintes da Palavra de Deus, quando o interlocutor leva uma vida santa e tem a verdadeira revelação da Palavra de Deus. Em outras palavras, um sermão sem a revelação do próprio Deus não tem eficácia nenhuma segundo o autor.80 Somente após a recepção da Palavra de Deus no coração e a firme convicção do pecado, o homem é santificado para Deus, sendo que o homem deve estar sempre disposto a permitir que Deus aja em sua vida como o fogo purificador até ser puro como a prata e o ouro.81 Assim, para ele, todo pecado é disciplinado por Deus, o qual tem como principal meta a santidade do indivíduo. Desta maneira, BLACKABY deixa claro que o processo de santificação se origina na exposição do pecado, depois da punição do pecado, mesmo que somente na consciência

do

ouvinte,

a

qual leva

o

indivíduo

ao

arrependimento

e,

sequencialmente, leva-o à santidade. Segundo ele, um cristão só não é santificado quando ignora a Palavra de Deus, e, consequentemente, ignora ao próprio Deus, vivendo sem temor e sem obediência.82 SHEDD também compartilha do pensamento que a Palavra de Deus desperta no homem a sua consciência para o pecado, porém defende uma maneira racional do assunto, ao contrário da maneira mística de BLACKABY. SHEDD defende que a lei moral orienta a humanidade em geral a respeito do certo e do errado, porém somente com a revelação e o convencimento gerado pelo Espírito Santo na consciência do homem é que este pode se arrepender verdadeiramente. 83 Assim, ao _____________ 80

Idem – pág. 73

81

Idem – pág. 85

82

Idem – pág. 34

83

SHEDD, Russel P. Lei, Graça e Santificação. São Paulo: Vida Nova, 1998 – pág.88

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contrário de BLACKABY, SHEDD defende que o arrependimento não depende do interlocutor ser mais santo que o receptor da mensagem do Evangelho, mas que o receptor da mensagem seja convencido pelo Espírito Santo. A mensagem em si, quando anunciada sem falsificações, expõe o pecado e revela a santidade que Deus espera de todos os homens, ou seja, a Palavra já contém todos os ingredientes necessários para revelar ao homem o que é ser santo, Hb 4.12. BERKHOF também concorda que a Palavra de Deus é o meio mais usual que gera santificação no homem: Em oposição à igreja de Roma, deve-se afirmar que o principal meio usado pelo Espírito Santo é a Palavra de Deus. A verdade em si mesma certamente não tem eficiência adequada para santificar o crente, mas é naturalmente adaptada para ser o meio de santificação empregado pelo Espírito Santo. A Escritura apresenta todas as condições objetivas para exercícios e atos santos. Ela é útil para estimular a atividade espiritual apresentando motivos e incentivos, e nos dá direção para essa atividade por meio de proibições, exortações e exemplos, 1 Pe 1.22; 2.2; 2 Pe 1.4.84

O próprio Jesus indicou a seus discípulos que o Consolador os faria lembrar das Suas palavras e que as Suas Palavras trariam libertação aos seus discípulos, Jo 8.31-32, Jo 14.26, Jo 17.17, Rm 7.12. Dessa maneira, é válido identificar uma doutrina já presente na igreja primitiva que acentuava a ministração da Palavra de Deus como meio para a santificação. BERCKHOF ainda afirma que os sacramentos, a saber, o batismo e a ceia do Senhor, são formas externas de expressar a Palavra de Deus e por isso, também podem ser contabilizados como meios de santificação. A Ceia do Senhor, mais especificamente, que traz à memória a morte de Cristo na cruz é um bom exemplo que adere perfeitamente ao indicativo contido no texto de estudo deste trabalho. A partir do momento em que somos lembrados da paixão de Cristo quando comemos o pão e bebemos do cálice, somos lembrados que não fomos resgatados através de coisas corruptíveis, como prata ou ouro, mas sim, pelo precioso sangue de Cristo. Simbolizam e selam para nós as mesmas verdades que são expressas verbalmente na Palavra de Deus, e podem ser considerados como uma palavra

_____________ 84

BERKHOF, L. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990 – pág. 540

52

em ação, contendo uma viva representação da verdade, que o Espírito Santo torna ocasião para santos exercícios. Eles não somente são subordinados à Palavra de Deus, mas também não podem existir sem ela, e, portanto, sempre são acompanhados por ela, Rm 6.3; 1 Co 12.13; Tt 3.5; 1 Pe 3.21.85

Deus também se utiliza de meios sobrenaturais para despertar a consciência do homem. Segundo BERKHOF, os acontecimentos providos por Deus, sejam eles adversos ou favoráveis, na vida de um cristão podem cooperar, juntamente com a Palavra de Deus, agindo em nosso afeto natural e aprofundando a verdade de Cristo no íntimo do ser. Sl 119.71; Rm 2.4; Hb 12.10.86 Esses acontecimentos providenciais de Deus podem ocorrer na vida cotidiana ou em manifestações do Espírito Santo na Igreja, obviamente, sempre em concordância com a Palavra de Deus.87

Sinais visíveis da santificação É muito difícil afirmar que alguém é santo através das obras exteriores. Somente Deus é capaz de perscrutar os mais íntimos pensamentos e intensões do coração humano, Sl 94.11, Sl 139.2. Porém, Jesus afirmou que através dos frutos da vida de uma pessoa é capaz discernir se o mesmo é um falso profeta, Mt 7.15-23. Durante a história da igreja e mesmo nos dias atuais é comum confundirmos alguém religioso com uma pessoa piedosa de fé verdadeira. Diante disso, os argumentos a seguir expostos não servem como doutrina eclesiástica para julgamento, porém podem ser de alguma forma úteis para auto avaliação do progresso da santidade. Eles refletem o preparo que o cristão deve exercer, o qual tem relação direta com a primeira frase do texto estudado “cingindo o lombo do vosso entendimento”. A santidade gera no cristão um progressivo hábito de ter os pensamentos voltados nas coisas do alto, em detrimento dos pensamentos nas coisas terrenas, conforme seu conhecimento das coisas celestiais progride, Cl 3.2. “Terá uma decidida inclinação mental para Deus; o desejo no íntimo de busca-Lo em oração, através das reuniões eclesiásticas, louvores, estudo e meditação das Escrituras _____________ 85

Idem – pág. 541

86

Idem – pág. 541

87

Entendo como agir sobrenatural do Espírito Santo a manifestação dos dons do Espírito distribuídos

para a edificação do corpo de Cristo espalhado pelo mundo, ou seja, profecias, visões, dom de línguas e suas interpretações, curas, libertações, etc.

53

Sagradas, ou seja, em tudo depender de Deus; um maior temor de desagradar o Senhor do que de desagradar o mundo e um amor a todos os caminhos de Deus.” 88 A santidade no cristão gera uma maior disciplina em buscar conhecer a Deus através da leitura e compartilhar da Palavra de Deus. Como visto anteriormente, a Palavra de Deus é o principal instrumento que o Espírito Santo utiliza para convencer e levar arrependimento ao coração. Esse arrependimento é confessado em oração, um dos hábitos mais comuns de um cristão que busca a santidade. Quanto maior a consciência de seus pecados, maior é o desejo de se voltar pra Deus. Então, o cristão verdadeiro busca um relacionamento íntimo com Deus e gasta tempo em oração para expor o que está em seu coração e achar refúgio e misericórdia. Isso se torna um ciclo virtuoso, Palavra de Deus  arrependimento  oração  desejo por mais santidade  Palavra de Deus. Essa cooperação disciplinada e obediente é a parte humana no processo de santificação. 89 Nesse tipo de oração Deus coloca o espelho de Sua santidade diante de nós e nos chama para contemplá-la. Neste reflexo aparecem as imagens miseráveis de nossa rebelião e indiferença, nossa autossatisfação criando uma náusea divina (Ap 3.17). Ao mesmo tempo o espelho da glória de Sua santidade formará a imagem do próprio Senhor diante dos olhos do coração.90

A santidade gera no homem um esforço em se desviar do mal e do pecado, mas não por obrigação religiosa, mas um esforço impulsionado pelo amor 91. Através da justificação, ou novo nascimento, o Espírito Santo imputa no homem os mandamentos de Jesus, ou seja, amar a Deus sobre todas as coisas, com toda a alma, forças e entendimento e, semelhantemente, amar ao próximo como a si mesmo, Mt 22.37-19. A Lei e os profetas se baseiam nesse padrão, portanto, todas as ações e reações da vida humana devem seguir esse padrão e o homem progride em santidade quanto mais esse padrão conduz a sua jornada neste mundo. A santidade é acompanhada com o fruto do Espírito, a saber, amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança, Gl 5.22. _____________ 88

RYLE, J.C. Santidade – sem a qual ninguém verá o Senhor. São José dos Campos: Editora Fiel,

2009 – pág. 67 89

SHEDD, Russel P. Lei, Graça e Santificação. São Paulo: Vida Nova, 1998 – pág. 98

90

Idem – pág. 81

91

Idem – pág. 65

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Além de nos repelir do pecado por causa do amor que temos a Deus, a santidade ainda é acompanhada com os aspectos positivos da presença do Espírito Santo, fazendo que o homem se torne cada vez mais semelhante a Cristo em misericórdia, humildade, fidelidade, fraternidade e amor.92 Esses sentimentos devem transparecer no agir perante a sociedade, a qual notará o avanço do agir do Espírito Santo no indivíduo. A santidade gera no homem o desejo de renunciar às coisas e poderes que perfazem a sociedade. O verdadeiro cristão é instado a abrir mão de sua justiça própria, do prazer do pecado, do amor ao entretenimento e da aprovação do mundo93. O homem renega todos os seus prazeres a fim de buscar agradar e fazer a vontade de Deus, pois entende que seu tempo de vida é curto e deve ser bem aproveitado, Jó 14.2, 1 Pe 1.24. O homem santo deseja ser sábio para Deus, remindo o tempo, Ef 5.14-17; ou seja, não desperdiça o seu tempo de vida em coisas fúteis e que não trarão benefícios para o Reino de Deus ou para o seu próximo. Acima de tudo, prevalece o amor a Deus acima de todas as coisas, então, a busca por status, sucesso e glória entre os homens se torna algo vazio e sem sentido. “Ser sábio implica na escolha dos valores divinos, afastando-se da insensatez dos valores carnais e satânicos.”94 Portanto, há um preço de renúncia a ser pago pelo cristão que dia-a-dia se vê constrangido pelo amor de Jesus Cristo a se desapegar das coisas e poderes deste mundo. A santidade também produz no cristão o desejo de realizar boas obras na sociedade. O cristão que cresce em santidade, também se aperfeiçoa em doar suas posses a quem necessita e se contenta com aquilo que tem, 1 Tm 6.6-8. Ele não folga com a injustiça social e não retém qualquer tipo de ajuda ao próximo, seja ela financeira, emocional ou social. Busca visitar os órfãos, viúvas, encarcerados e hospitalizados a fim de levar consolo, alento e viver a Palavra de Deus, Mt 25.34-40, Tg 1.27. As boas obras são uma consequência da união do homem com Cristo, Jo 15.5. Deus exige que as pratiquemos, Rm 7.4; 8.12, 13; Gl 6.2, como frutos da fé, Tg

_____________ 92

RYLE, J.C. Santidade – sem a qual ninguém verá o Senhor. São José dos Campos: Editora Fiel,

2009 – pág.68 93

Idem – pág. 111

94

SHEDD, Russel P. Lei, Graça e Santificação. São Paulo: Vida Nova, 1998 – pág. 95

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2.14, 17, 20-22, por sermos gratos a Ele, 1 Co 6.20, e para que os homens O glorifiquem, Jo 15.8; 1 Co 10.31. Tais obras atendem a um fim próximo que recebe a aprovação de Deus. Ademais, em virtude dos restos da imagem de Deus presentes no homem natural e da luz da natureza, o homem pode ser guiado em sua relação com outros homens por motivos louváveis e, dentro destes limites, levar o selo da aprovação de Deus. Contudo, essas boas obras não podem ser consideradas frutos do coração corrupto do homem. Só encontram sua explicação na graça comum de Deus.95

A santidade também pode ser vista em comunhão com o cumprimento das obrigações sociais e cíveis, ou seja, um bom testemunho entre os de sua própria casa e aqueles que nos circundam da sociedade.96 Assim, o cristão que se esforça em crescer na santidade, também progride na observação e cumprimento das leis terrenas (desde que não firam a sua fé), respeito pelas autoridades políticas e de segurança pública, fidelidade e cuidado com o cônjuge, filhos e familiares, respeito e consideração pelos líderes espirituais, professores, líderes profissionais, etc. Infelizmente é comum encontrarmos nos dias de hoje muitos cristãos professos que cometem torpezas financeiras e enganos nos negócios. Esse não é o padrão de santidade exigido por Deus, mas é carnal e maligno. A santidade de Deus exige que todos sejam honestos, não caluniadores, não maledicentes e fiéis, 2 Tm 3.1-5. Tendo o vosso viver honesto entre os gentios; para que, naquilo em que falam mal de vós, como de malfeitores, glorifiquem a Deus no dia da visitação, pelas boas obras que em vós observem. Sujeitai-vos, pois, a toda a ordenação humana por amor do Senhor; quer ao rei, como superior; Quer aos governadores, como por ele enviados para castigo dos malfeitores, e para louvor dos que fazem o bem. Porque assim é a vontade de Deus, que, fazendo bem, tapeis a boca à ignorância dos homens insensatos; Como livres, e não tendo a liberdade por cobertura da malícia, mas como servos de Deus. Honrai a todos. Amai a fraternidade. Temei a Deus. Honrai ao rei. Vós, servos, sujeitai-vos com todo o temor aos senhores, não somente aos bons e humanos, mas também aos maus. Porque é coisa agradável, que alguém, por causa da consciência para

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BERKHOF, L. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990 – pág.547

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SHEDD, Russel P. Lei, Graça e Santificação. São Paulo: Vida Nova, 1998 – pág. 70

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com Deus, sofra agravos, padecendo injustamente. - 1 Pedro 2:12-19 (Versão Almeida Corrigida e revisada fiel)

A santidade também impulsiona o cristão a divulgar o Evangelho. A Palavra de Deus acompanhada de procedimentos coerentes com o ensino cristão torna a pregação do Evangelho eficaz. “Precisamos permitir que os homens vejam, através da nossa boa conduta, que realmente somos filhos do Santo de Israel, pois, de outra forma, a nossa filiação será um título sem sentido”.97 Se sabemos fazer o bem ao próximo e não o cumprimos, cometemos pecado, Tg 4.17; desta forma, sendo santos em toda maneira de viver é uma das melhores formas de anunciar o Evangelho de Cristo. Nossas vidas devem ser cartas vivas que todos podem ler, 2 Co 3.3. Por outro lado, quando um crente leva uma vida profana e incoerente com o Evangelho de Cristo, o próprio nome de Deus é blasfemado entre os incrédulos e uma barreira se forma para a propagação do Reino de Deus, Rm 2.24. “Não devemos trazer o nome de cristão, ser possuidores do conhecimento típico do cristianismo; mas também devemos mostrar o caráter cristão”.98 Por fim, a santidade produz no cristão uma segurança com relação à sua salvação eterna e à providencia divina durante a sua jornada terrena. Quando o homem se relaciona continuamente com Deus e percebe o seu progresso com relação à fé e à santidade, naturalmente há um senso maior de segurança de que Deus o ampara em todas as circunstancias da vida. O indivíduo que busca a santidade crê que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”, Rm 8.28, portanto, como a pessoa está em constante aperfeiçoamento por Deus em santidade, pela fé se agarra às promessas divinas de proteção e salvação futura. Vimos nas Escrituras alguns exemplos de homens que declararam a sua confiança: Davi (Sl 23.4), Isaías (Is 32.17), Paulo (Rm 8.39-39, 2 Co 5.1-6, 2 Tm 1.12), o autor de Hebreus (Hb 6.11 e 10.22), João (1 Jo 3.14, 1 Jo 5.13), dentre outros. Estabeleço, ampla e plenamente, como verdade de Deus, que o crente verdadeiro, o homem convertido, pode atingir um grau tão confortável de confiança em Cristo que, de modo geral, sinta-se inteiramente confiante de que recebeu o perdão de seus pecados e está seguro em sua alma, sentindo-se mui

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Idem – pág. 75

98

Idem – pág. 80

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raramente perturbado por dúvidas, raramente desencorajado por medos, raramente aflito diante das indagações ansiosas.99

Erros doutrinários sobre a santidade Em total desacordo com o exposto acima, ao longo dos anos, foram observados muitos erros doutrinários sobre o tema santidade. Os homens deixaram de se basear apenas na Palavra de Deus e buscaram explicações na tradição, nos rituais religiosos e na volta ao julgo da Lei para sistematizar a santidade no meio eclesiástico, visando identificar os cristãos mais proeminentes para atuação em cargos de liderança nas estruturas religiosas. Infelizmente, com isso veio o distanciamento entre os relacionamentos interpessoais, a criação de doutrinas humanas de segregação cultural e social e a frieza espiritual típica do desconhecimento das Escrituras Sagradas e de uma racionalização do sagrado.

O TRADICIONALISMO O tradicionalismo se baseia em doutrinas e práticas originadas em situações e discussões do passado, mas que

são ultrapassadas. São bases de

comportamento e teorias que não partem das Escrituras, como regra conceitual, para se elaborar a práxis cristã. Ao contrário, partem das práxis de um passado circunstancial para explicar o conceito. “O tradicionalista mostra zelo pela lei de sua igreja e denominação porque entende que aí ele encontra o receptáculo da sabedoria dos séculos”.100 Nessa doutrina, a igreja local com suas regras se torna o fundamento de toda a fé para o cristão, o qual pensa que satisfaz a Deus e a sua comunidade quando detém a aprovação de seus líderes e correligionários. Dessa forma, a santidade se torna uma conformidade com as regras e crenças do seu grupo comunitário, ao invés de buscar o Reino de Deus em primeiro lugar.101 Já desde os primórdios da Igreja Primitiva, é possível notar que alguns cristãos convertidos do judaísmo desejavam impor sobre seus irmãos de fé práticas judaicas de culto e rito. A circuncisão, a proibição de alimentos considerados _____________ 99

RYLE, J.C. Santidade – sem a qual ninguém verá o Senhor. São José dos Campos: Editora Fiel,

2009 – pág. 146 100

SHEDD, Russel P. Lei, Graça e Santificação. São Paulo: Vida Nova, 1998 – pág.35

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Idem – pág. 36

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impuros pelos judeus, a guarda do sábado e das festas judaicas e os costumes de purificação foram exemplificados no Novo Testamento (At 15.29, At 21.24-26, Rm 4.10, Rm 14.5; 1 Co 7.19) Também é possível, até os dias de hoje, notar a influência do tradicionalismo no catolicismo. A instituição da missa, a adoração à Maria, a eucaristia como consubstanciação, dentre outros aspectos da fé católica remontam a decisões de concílios e conclaves do passado que fogem da fé contida nas Escrituras Sagradas. No entanto, como forma de tradição e até como forma doutrinária, o catolicismo eleva às decisões e doutrinas do passado ao nível das Escrituras Sagradas em igual importância. Isso, obviamente, é uma contradição por si própria, pois muitos preceitos da tradição católica são condenados pelas Escrituras Sagradas. A mais pura fé dos apóstolos e da igreja primitiva aos poucos foi modificada, até se tornar a religião católica da Idade Média. [...] Dentro da mesma igreja, num só país, há divergências. [...] Não há tradição pura e imutável batista, presbiteriana ou pentecostal. O que nos orienta é uma expressão tradicional modificada por forças históricas culturais, por líderes, pela expressão do povo, pelo caráter e gostos nacionais. Se identificarmos a lei de Deus com a nossa tradição, estamos sujeitos ao perigo de navegar pelo oceano sob nuvens, sem bússola. Na proporção em que a tradição engole a fé independentemente da Palavra autorizada de Deus, ela sofrerá modificações. Estas modificações, por sua vez, frequentemente impedem, em vez de encorajarem ou facilitarem, o crescimento da verdadeira santidade.102

O grande perigo do tradicionalismo é a confiança em práticas e doutrinas religiosas, ao invés da confiança em Cristo e no agir do Espírito Santo, ambos em total concordância com as Escrituras Sagradas. Mais especificamente em algumas igrejas brasileiras é claro o tradicionalismo como regra de conduta que expressa a santidade. Muitos preceitos sobre vestuário, forma de oração, cânticos, cortes de cabelo e pelos, alimentação, conduta em meio aos cultos religiosos, proibições de participação em eventos sociais, dentre outros, são comumente aplicadas como obrigações para os fiéis. Aqueles que não se sujeitam a tais ordenanças ora são punidos ou desprezados para qualquer serviço eclesiástico na comunidade. Essa população rejeitada não se enquadra na tradição _____________ 102

Idem – pág. 37

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do grupo e, por isso, não pode ter qualquer influência sobre os demais e deve ser “disciplinada” a fim de que o ciclo não seja quebrado e o líder não seja deposto. A lei local reina e o líder religioso, como se fosse um ditador, impõe as obrigações aos fiéis, e aqueles que se sujeitam a tais mandos julgam levar uma vida piedosa e santa já que usufruem da aprovação do líder religioso e possuem cargos de influência dentro das comunidades. O Senhor Jesus Cristo exemplificou muito bem esse conceito quando criticou os fariseus por observarem leis ritualísticas, mas desprezarem princípios fundamentais do mandamento divino: “Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Por que transgredis vós, também, o mandamento de Deus pela vossa tradição? Porque Deus ordenou, dizendo: Honra a teu pai e a tua mãe; e: Quem maldisser ao pai ou à mãe, certamente morrerá. Mas vós dizeis: Qualquer que disser ao pai ou à mãe: É oferta ao Senhor o que poderias aproveitar de mim; esse não precisa honrar nem a seu pai nem a sua mãe, e assim invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de Deus.” - Mateus 15:3-6

O FORMALISMO O formalismo se baseia na forma de culto e na atenção aos pormenores externos da fé, que tornam o cristianismo visível e distinto de qualquer outra religião. A forma é tudo e deve ser correta para a consciência e agradável aos olhos. É a mera observância dos rituais com a obediência à lei de Deus, porém sem qualquer relacionamento pessoal e direto com Deus. O dever é a chave da sua religião e não há prazer espontâneo de uma vida de louvor a Deus.103 Veja, por exemplo, os milhares de pessoas cuja religião inteira parece consistir cerimônias religiosas e ordenanças. Elas comparecem regularmente a adoração pública, participam regularmente da Santa Ceia. Elas vão regularmente para o a mesa de Senhor. Mas isto é tudo! Elas não conhecem nada sobre o cristianismo experimental. Elas não estão familiarizadas com as Escrituras e não tem prazer em lê-las. Elas não se separam do mundo. Elas não fazem nenhuma distinção entre crentes e incrédulos nos seus relacionamentos conjugais e de amizade. Elas dão pouco ou nenhum valor às doutrinas distintivas do evangelho. Elas parecem totalmente indiferentes sobre o que ouvem na pregação. Você pode andar na companhia delas por muito tempo sem jamais supor que eram infiéis

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Idem – pág. 41

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ou deístas. O que pode ser dito sobre estas pessoas? Eles são indubitavelmente cristãos professos e não há nem coração nem vida no cristianismo delas. Há apenas uma coisa a ser dito sobre elas: elas são cristãs formais. Sua religião é uma forma.104

Quando se trata de formalismo, também há outra faceta que não é menos importante. Há também aqueles que dedicam grande parte de seu tempo de vida ao sagrado, seja ao estudo das Escrituras, ou à edificação de templos aconchegantes e suntuosos. Há uma grande preocupação em deter o conhecimento religioso e mostrar qualidade no que falam ou fazem. Porém, o envolvimento com tais coisas, ao invés de ser um adendo aos sentimentos profundos de Deus no homem, como o amor, a alegria, o quebrantamento de espírito, a misericórdia, etc.; abafam a sua fé e fortalecem a confiança nas estruturas humanas. Há uma crescente perda de entusiasmo, o qual é ausência de prazer. E, nesse caso, a ausência do prazer é resultado de carência de sentido no que faz ou na fé que professa. Essa ausência de prazer tem relação direta com o formalismo exacerbado, não da ordem do culto, mas na doutrinação, nas exigências impostas e não esclarecidas, na prática de castração do pensamento, na esterilização das ideias, na repetição do discurso, na preocupação com a aparência sem alimentar o interior. 105 A santidade deixa de ser importante em toda a maneira de viver em interação com o mundo exterior, ao contrário, os momentos de culto lavam a consciência do indivíduo que não exerce qualquer tipo de práxis cristã no meio laico em que vive. Na outra direção, há centenas de pessoas cuja religião inteira parece consistir em conversas e conhecimento acadêmico. Elas conhecem a teoria do evangelho intelectualmente, e professam se deleitar na doutrina evangélica. Elas podem dizer muito sobre a "sanidade " das suas próprias visões e a "escuridão" de todos que discordam deles, mas também não vão além! Quando você examina a vida interior delas, perceberá que não conhecem nada sobre a prática da santidade. Eles não são verdadeiros, nem caridosos, nem humildes, nem honestos, nem mansos, nem gentis, nem desinteressados, nem honrados. O que diremos destas pessoas? Elas são cristãs, sem nenhuma dúvida, nominais, e

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RYLE, J.C. Formalismo. In: http://www.monergismo.com/textos/advertencias/formalismo_ryle.htm

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SALES, A. O formalismo religioso e seus efeitos danosos. Endereço eletrônico:

http://apontandocaminhos.blogspot.com.br/2013/07/o-formalismo-religioso-e-seus-efeitos.html

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não há substância nem frutos no cristianismo delas. Há apenas uma coisa para ser dizer: elas são cristãs formais. Sua religião consiste de uma forma vazia. 106

É claro que esse formalismo não gera qualquer santidade interior no homem, mas somente uma aparência de retidão, conforme as palavras do Senhor Jesus Cristo direcionada aos líderes religiosos da época que se apegavam às formas dos rituais judaicos: "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia. Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniquidade.” Mateus 23:27-28 O tradicionalismo e o formalismo se assemelham no aspecto da importância de uma aparência religiosa para deter uma aprovação coletiva. No caso do formalismo, há uma certa falsidade ideológica já que a pessoa possui duas formas de agir distintas. Pode-se dizer que há um problema de integridade, ou seja, há um discurso e uma parte da vida voltada para a santidade, mas outra, consciente e desejada, voltada para o profano. Conforme as palavras do Senhor Jesus: “Dizendo: Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus. Todas as coisas, pois, que vos disserem que observeis, observai-as e fazei-as; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não fazem; Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com seu dedo querem movê-los;” - Mateus 23.2-4

O LEGALISMO O legalismo traduz as exigências da santidade em regras observáveis no meio religioso, fazendo com que as práticas iníquas sejam controladas internamente no indivíduo, ao invés do mesmo ser realmente livre. Assim, a pessoa busca controlar os seus desejos, mas não abre mão deles, pelo contrário, vive de maneira a equilibrá-los numa autodisciplina, enfatizando o dever. Ao contrário disso, um verdadeiro relacionamento de santidade com Deus requer um total abrir mão da vontade própria, ao ponto em que o indivíduo se sujeita totalmente à vontade de

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Idem

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Deus, não por obrigação, mas por reconhecimento da total dependência do Espírito Santo.107 Também é possível definir legalismo como uma forma de alguém que toma a Lei e a usa de maneira que mereça a salvação. Legalismo é uma tentativa de salvação por méritos próprios.108 É certo que a observância da Lei dá uma sensação de segurança ao verdadeiro cristão. A diferença básica consiste na crença de que tal observância garante a justificação que leva à salvação. O legalista confia nos seus próprios méritos para sua própria salvação. Crê que é santo porque se esforça o suficiente para alcançar essa condição diante de Deus e, desta forma, ignora que somos salvos pela graça, por meio da fé, e isso é dom de Deus (Ef 2.8). Segundo as próprias Escrituras ninguém pode guardar os mandamentos como forma de justificação porque todo o ser humano pecou e está destituído da glória de Deus (Ec 7.20; Rm 3.10-12, 23; 1 Jo 1.8-10). Quem tropeça em um só ponto torna-se culpado da Lei inteira (Tg 2:10). “A Lei apresenta o nosso pecado, mas não pode nos salvar. Ela somente nos faz conscientes de nossa necessidade (Rm 7:7)”.109 O legalismo também suscita outros problemas no relacionamento com Deus e com o próximo. Para o legalista, a visibilidade e aprovação da comunidade é o que importa, pois deve fazer a sua obra diante dos homens para receber o seu galardão. Todos ao seu redor devem notar a sua pseudo-santidade, caso contrário não terá confiança na sua própria salvação. Em sua certeza, o legalista chega até ao absurdo de exigir de Deus que seja abençoado e que Deus atenda à sua petição, pois pensa que segue todos os mandamentos e se utiliza da verdade que Deus não pode ir contra a Sua própria Palavra. Parece até que a pessoa “coloca Deus na parede” para exigir que uma dívida seja paga. Neste caso, há uma clara inversão de papéis na qual a criatura se julga suficientemente capaz de demandar algo do Criador. As Escrituras deixam claro que Deus não se deixa convencer por nada, nem ninguém (Rm 11.34-36) e que seus planos são perfeitos (Rm 12.2). Além disso, todas as obras dos homens, por melhor que sejam, são consideradas como imperfeitas diante _____________ 107

SHEDD, Russel P. Lei, Graça e Santificação. São Paulo: Vida Nova, 1998 – pág.46

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McMAHON, C. M., Qual é a diferença entre legalismo e obediência? (2015).

http://www.monergismo.com/textos/legalismo/legalismo_obediencia_McMahon.htm 109

Idem

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de Deus (Is 64.6). O verdadeiro sentimento do cristão deve ser de gratidão por poder realizar qualquer tipo de obra de santificação, crendo que a misericórdia de Deus é o fator relevante que permitiu que algo se concretizasse: “Assim também vós, quando fizerdes tudo o que vos for mandado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos somente o que devíamos fazer.” - Lucas 17:10 Outro aspecto é o julgamento que o legalista faz das pessoas ao seu redor. Caso alguém não se enquadre no modus operandis do legalista, tal pessoa é considerada ímpia e indigna de participar do corpo de Cristo. Como o legalista não observa no próximo a mesma autodisciplina em cumprir os preceitos da Lei, ele se julga superior em santidade em relação ao próximo 110, deixando de seguir o exemplo de Jesus Cristo que andava com os publicanos, prostitutas e pecadores a fim de atraí-los para o Reino de Deus (Mc 2.16; Lc 15.1-2). Obviamente, Jesus não praticava os mesmos pecados daqueles que o acompanhavam, mas podemos notar claramente nas Escrituras que Jesus não desprezava a ninguém que desejasse se aproximar Dele com um coração sincero. Jesus ama a todos incondicionalmente e atrai os pecadores a Si para que alcancem a salvação. Ao contrário, o legalista despreza aos fracos da fé e dificulta a vinda dos pecadores para Cristo. “Um espírito defensivo, crítico e rígido, que olha mais para os códigos de comportamento do que para o relacionamento com Deus, não atrai ninguém para Cristo.” 111 Podemos associar as palavras do Senhor com os legalistas: “Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que fechais aos homens o reino dos céus; e nem vós entrais nem deixais entrar aos que estão entrando.” - Mateus 23.13 Porém, o outro extremo também é perigoso e não leva ao caminho da santificação. A lei deve ser observada nos seus aspectos morais de maneira que haja uma obediência à Cristo (Mt 5.18; Jo 14.21; 1 Jo 2.4). Essa obediência deve ser alicerçada pelo amor e gratidão que o cristão possui por seu Salvador. Nesse âmbito, a observância da Lei sempre gerará glórias e ações de graças a Deus, pois toda a obra de santificação do ser é gerada e cumprida pelo Espírito Santo (Tg 1.17; Ef 2.5-10). Assim, o cristão não confia nos seus próprios méritos para atingir a segurança e, paralelamente a salvação; pelo contrário, reconhece a Deus em todos

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SHEDD, Russel P. Lei, Graça e Santificação. São Paulo: Vida Nova, 1998 – pág.50

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Idem

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os seus caminhos e busca progredir na santificação para agradar e se separar para o Senhor Jesus Cristo. Nós não somos legalistas quando guardamos a Lei, porque não buscamos a Lei para encontrar a vida. Pelo contrário, a Lei nos apresenta que temos verdadeira vida em nossos corações. Guardamos a Lei para sermos obedientes a Cristo e apresentar-lhe o quanto nós o amamos por ter nos resgatado das influências condenáveis de tentar guardar a Lei para ganhar a vida eterna. Obediência está muito longe de legalismo.112

Hermenêutica Através dos conceitos definidos previamente é possível interpretar o texto de 1 Pe 1.13-21 para os dias atuais de forma que os ensinamentos retirados do texto sejam aplicáveis às situações correntes dos cristãos na sociedade e igreja brasileira do século XXI.

A esperança do cristão De acordo com o trecho analisado de 1 Pe 1.13-21, o texto começa convidando cada cristão a estar preparado de maneira que sua vida seja sóbria neste mundo, sempre preparados para volta de Cristo. Esse convite ao futuro escatológico, à promessa de uma realidade sem morte, sem trevas, sem choro e em constante comunhão com Deus deve ser a esperança de todo o cristão sobre a face da Terra. Esse é o objetivo único e mais importante: alcançar a vida eterna junto a Deus. Atualmente muitos cristãos se esquecem desse objetivo ao longo de suas vidas e andam despreparados e se embriagando com prazeres e distrações deste mundo. É comum observarmos nas comunidades cristãs brasileiras pessoas que não possuem conhecimento e expectativa alguma sobre a volta de Cristo; seja pela falta de informação, ou pelo apego às coisas deste mundo. Segundo as Escrituras, se um cristão buscar somente as coisas deste mundo, é considerado o mais miserável dos homens (1 Co 15.19) e o próprio Senhor Jesus deixou o exemplo da _____________ 112

McMAHON,

C.

M.,

Qual

é

a

diferença

entre

legalismo

e

obediência?

http://www.monergismo.com/textos/legalismo/legalismo_obediencia_McMahon.htm

(2015).

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mulher de Ló (Lc 17.32), que se apegava mais à Sodoma, uma exemplificação das posses deste mundo, do que à promessa de salvação e livramento da morte que Deus lhe proporcionara113. Infelizmente, a causa pode ser o fato de que muitos líderes não ensinam aos seus discípulos sobre a volta de Cristo e ainda há aqueles que enfatizam somente as “bênçãos materiais” e a fé para a satisfação de desejos pessoais em seus sermões. Esse exército de crentes materialistas que não aguardam a volta iminente de Cristo, certamente não se auto avaliam e não buscam a santificação. Esse materialismo e essa paixão por esse mundo poderiam ser explicadas pelas constantes dificuldades sociais e financeiras pelas quais o povo brasileiro está sujeito. Contudo, conforme vimos anteriormente no estudo, os destinatários da carta de Pedro também eram pessoas das mais baixas classes sociais que não possuíam os mesmos direitos cíveis dos cidadãos comuns. Também eram pessoas que se mantinham com o pouco que ganhavam em seus trabalhos. Assim, por semelhança, a mesma exortação do texto também é válida para os cristãos de hoje que vivem na pobreza: devemos viver preparados e desraigados das coisas deste mundo esperando a volta de Cristo. Esse preparo consiste de uma disposição mental, sentimental, física e espiritual para alcançar a esperança prometida pelo próprio Senhor Jesus. A salvação e a vida eterna devem ser sempre a esperança e o objetivo de todo cristão. A expectativa da parusia gera no cristão um temor que se baseia nos argumentos indicativos do texto. É normal associar a volta de Cristo ao julgamento de Deus na consumação da raça humana. Como vimos, Deus é santo e juiz justo e perfeito que não deixará o culpado por inocente e, muito menos o inocente por culpado. Diante dessa verdade e cientes dos pecados que cometemos, a própria consciência cristã se esforça em obedecer a Palavra de Deus e deixar o pecado, através do arrependimento e da vigilância para que as mesmas torpezas de outrora não sejam novamente cometidas.

A obediência à Palavra de Deus Assim de posse desta esperança e objetivo de salvação, o texto continua a exortar o leitor a viver uma vida de obediência, a qual é a consequência do preparo _____________ 113

RYLE, J.C. Santidade – sem a qual ninguém verá o Senhor. São José dos Campos: Editora Fiel,

2009 – pág. 218 à 238

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e da sobriedade exigidos anteriormente. Essa obediência deve ser conforme a verdade da Palavra de Deus. Ao contrário do que vimos sobre o tradicionalismo, a Palavra de Deus está acima de toda a tradição eclesiástica. Não é objetivo desse estudo analisar e criticar os variados costumes observados nas igrejas brasileiras, porém, conforme abordado anteriormente, a verdadeira santidade não se baseia na observância de tais costumes, mas na obediência à Palavra de Deus. Um exemplo que pode esclarecer melhor o que digo é sobre o costume de algumas denominações de entender que somente o dom de línguas é considerado como sinal divino da presença do Espírito Santo. Jesus deixou claro que muitos ficarão perplexos quando tiverem sua salvação rejeitada apesar de seus inúmeros dons, porque não obedeceram à Palavra de Deus (Mt 7.21-23). A verdadeira presença do Espírito Santo no homem leva à santificação, pelo crescimento e amadurecimento do fruto do Espírito que é amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão e temperança. (Gl 5.22). Igualmente, ainda observamos práticas pagãs que adentraram a igreja cristã para servir de desculpa para uma santificação. Muitas são semelhantes a alguns rituais realizados em situações específicas do Antigo Testamento, porém são contrárias aos princípios cristãos da Palavra de Deus. Alguns exemplos contidos na igreja brasileira são: oração com copo d’água, utilização de lenços com o suor do pastor, meias, flores ungidas, etc. Tais práticas são normalmente acompanhadas de doações financeiras e são utilizadas para canalizar a fé do indivíduo e enriquecimento da instituição religiosa. Nesse contexto, as pessoas não são ensinadas a levarem uma vida de obediência e confiança em Cristo e na sua provisão, pelo contrário, são levadas ao conceito de troca religiosa tão comum nas religiões pagãs. Nesse sentido, a santidade e uma vida desassociada de bens e interesses desta vida são deixados de lado e a santificação deixa de ser um fator preponderante na caminhada cristã. Pode-se dizer que se trata de um formalismo diferente, onde o ritualismo de interesses seculares se sobrepõe à Palavra de Deus. Muitos cristãos frequentem e se submetem a tais práticas pensando que desta forma agradam a Deus, pois possuem a aprovação da comunidade. Em terceiro lugar nota-se um movimento místico onde se enfatiza a experiência espiritual. Muitos cristãos brasileiros frequentem vigílias, congressos, retiros, cultos com preletores famosos, etc. na expectativa de serem milagrosamente transformados e santificados pelo Espírito Santo e que a partir de tais eventos

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estarão aptos a não mais cair nos mesmos erros prévios. Semelhante a um analgésico, há o equívoco de se pensar que uma atuação pontual de Deus na vida do homem o santificará e removerá todo o desejo pelo pecado. Nesses eventos há ênfase em músicas sentimentais de autoajuda, na confissão de pecados passados, na exteriorização de sentimentos repreendidos e numa experiência de encontro com o sobrenatural que transformará as suas vidas. Concordo que tais práticas podem ser benéficas para a fé e servem como ferramenta para um despertar dos princípios cristãos contidos da Palavra de Deus, os quais são trazidos à consciência de cada indivíduo crente pelo Espírito Santo. O problema consiste na crença de que a santificação é possível e limitada a tais eventos. Isso não é explicitamente comentado no meio eclesiástico, mas é notória a valorização de seus participantes. Ao invés de incentivar os cristãos a uma vida de obediência à Palavra de Deus e a valorização do fruto do Espírito brotando e crescendo no indivíduo no seu dia-a-dia, o termômetro espiritual se torna a frequência de participação e de sensações em tais eventos. Esse tipo de reunião é bom para despertar a Palavra de Deus no homem interior, porém o processo de santificação deve continuar em todo tempo e em qualquer circunstância na vida de um cristão verdadeiro. O Espírito Santo santifica o homem arrependido que confessa os seus pecados tanto num evento deste porte, como dentro de seu quarto solitário, lendo a Palavra de Deus, ouvindo a pregação de seu pastor em sua igreja, etc. Deus chama o homem a tornar-se santo em toda a sua maneira de viver, ou seja, devemos encarar toda e qualquer circunstância da vida como uma oportunidade para o processo de santificação. Em quarto lugar há pessoas que creem que o homem não tem qualquer parte no processo, ou seja, é pecador por natureza e somente um milagre pode remover os desejos e apegos às coisas deste mundo instantaneamente, afinal de contas somos salvos pela graça e isso é dom de Deus. Nesse contexto, qualquer iniciativa humana é inútil e a obediência é restrita à conveniência dos próprios conceitos religiosos formados na consciência do indivíduo. São cristãos assíduos em suas igrejas, mas que não dão bom testemunho no meio em que vivem. É possível observar tais exemplos entre pessoas desonestas, que brigam, xingam, olham para a mulher alheia, etc. Através das redes sociais, é possível identificar comentários obscenos, xingamentos, julgamentos, vaidades, falsidades, fotos sorridentes de pessoas com problemas homéricos em suas casas, fotos sensuais, cristãos que fornecem cheques sem fundo, caloteiros, caluniadores, etc. A corrupção, a

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sensualidade e a malandragem são comumente observadas em meio ao povo cristão brasileiro, se é que podemos chamar de cristão quem pratica tais coisas. O pecado é subestimado e encarado com leveza e a imagem e status de pessoa religiosa é o que interessa. Entretanto, as Escrituras deixam bem claro que o homem deve lutar contra o pecado e que a graça não nos dá o direito de continuarmos a pecar (Rm 6.1-2). Sem santidade ninguém verá a Deus (Hb 12.14). Também somos ensinados pelas Escrituras que Deus julga o homem interior (1 Sm 16.7). O texto exorta o indivíduo a não se conformar às paixões de acordo com a prévia ignorância anterior à Cristo. Sem a justificação de Cristo e sem a presença do Espírito Santo, qualquer pessoa é moldada pelos valores da sociedade, a qual busca o enriquecimento, o poder, o status e a satisfação dos prazeres. A obediência à Palavra de Deus requer a renúncia aos valores e desejos impostos pela sociedade e pela natureza humana pecaminosa, os quais perfazem a vida de um ser humano desde o seu nascimento. As práticas imorais comuns e naturais para a sociedade, a partir da conversão a Cristo, não podem mais dominar os corações daqueles que se nomeiam cristãos (Ef 5.1-6). Conforme vimos anteriormente nesse estudo, o Espírito Santo é responsável por alertar continuamente, através da Palavra de Deus, o homem sobre o pecado. Porém, cabe ao homem se decidir por Deus e fugir de toda e qualquer situação que possa levá-lo ao pecado (1 Ts 5.22; 2 Tm 2.4). O texto confronta o pecador fazendo-o lembrar que Jesus Cristo deu, voluntariamente, a sua vida e seu sangue para pagar o preço do pecado. Jesus abriu mão de sua glória na eternidade para se humilhar em forma humana, se sujeitou às limitações e dores humanas para pagar o preço do pecado. Portanto, o homem deve valorizar o sacrifício de Jesus e dizer sim para o Espírito Santo e pagar o preço da renúncia às vontades que esse mundo oferece.

Santidade no cotidiano É comum a fusão do conceito de santidade a momentos de celebração religiosa. Durante os cultos, reuniões domésticas, orações, ensaios, etc. os cristãos são lembrados sobre a santidade, como que um pré-requisito para a execução de uma tarefa de âmbito sagrado. Porém, o texto analisado nesse estudo aborda o conceito de santidade de maneira muito mais ampla, a saber, em toda a maneira de viver. Esta é a chave da exigência divina: uma vida íntegra de santidade. Assim

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como Deus é santo, ou seja, a santidade faz parte da essência de Deus, da mesma forma, a santidade deve estar associada ao cotidiano do indivíduo integralmente. Isso remete à ideia de tempo e espaço, ou seja, não importa onde ou quando, não importam as circunstâncias pelas quais a pessoa esteja passando, a exigência divina é que o cristão torne-se santo, separado totalmente para Deus. Suas ações, palavras e pensamentos devem ser para agradar ao Criador, na expectativa que a qualquer momento Jesus Cristo voltará na parusia e sua vida terrena se findará e a vida celestial se iniciará. Esse é um ponto crucial para entendimento, principalmente na cultura brasileira. A sociedade brasileira vive numa montanha russa econômica e política. A prosperidade e estabilidade da nação oscilam intensamente e com muita frequência, o que gera picos de abundancia e vales de necessidades em toda a sociedade. Obviamente, que todo o cristão brasileiro está sujeito a essas oscilações e as comunidades cristãs acompanham o mesmo ritmo. Em momentos de prosperidade, muitos se embaraçam com as oportunidades de entretenimento e prazeres que uma melhor condição financeira pode oferecer e deixam suas vidas à deriva dos desejos seculares. Nesse caso, a busca por santidade e por uma comunhão maior com o Espírito Santo deixam de ser o fator principal na vida do homem. Não quero dizer que o homem deve, por obrigação, buscar a Deus, mas é fato que o verdadeiro cristão vigia para não se deixar dominar por essas coisas (1 Co 6.12). Como ouvi do filósofo e teólogo Mario Sérgio Cortella, “o que temos não pode nos ter”. Ainda nesse contexto é possível associar a escolha pelo secular às inúmeras oportunidades de entretenimento em que estamos inseridos na sociedade brasileira. É possível assistir a um esporte todos os dias da semana, há opções de filmes, séries e telenovelas em todos os horários; teatros, cinemas, shopping centers são encontrados até nas cidades mais interioranas do país; videogames, redes sociais, festas, comemorações, etc. Nunca na história da humanidade houveram tantas oportunidades para entreter o homem. E mesmo que toda essa diversão seja inofensiva em relação ao pecado, ela rouba o tempo e o vigor dos cristãos brasileiros, de maneira que a sobriedade encontrada na meditação nas Escrituras Sagradas e na oração dão lugar a uma embriagues na alma que desvia a atenção do cristão da parusia para controvérsias e disputas seculares. Não quero dizer que o cristão não deva ter algum entretenimento na sua vida, mas isso não pode, de

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maneira alguma, ter a primazia em sua vida. O problema não está nas oportunidades de entretenimento em si próprias, mas como fazemos uso delas. O cristão pode fazer uso de redes sociais, mas suas ações e o tempo gasto podem afetar o seu relacionamento com Deus e, consequentemente, a sua santidade. A grande questão é novamente o deixar a própria vontade para fazer a vontade de Deus. Ainda mais sério é quando se deixa uma oportunidade de se fazer algo bom para o próximo para se entregar a algo secular, tomando a frente na vida de um cristão. Nesse segundo caso, valem as palavras: “Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado.” Tg 4.17. Portanto, quem deseja se santificar continuamente dedica progressivamente mais tempo para fazer boa obras e buscar a intimidade com o Espírito Santo na oração e meditação na Palavra de Deus; nunca por obrigação, mas por prazer em agradar e conhecer a Deus. Semelhantemente àqueles cristãos da Ásia, somos chamados de peregrinos e forasteiros nesse mundo (1 Pe 2.11), então, os aspectos culturais da sociedade brasileira não devem nos dominar e apesar dos possíveis insultos, danos e isolamento que o restante da sociedade não-cristã pode nos impor (1 Pe 4.4, 1 Jo 2.15), temos em mente que na parusia retornaremos para a nossa pátria celestial, onde a santidade reina. Por outro lado, nos vales de necessidades financeiras, o desespero e a confiança na própria força são tentações frequentes na vida do cristão. Nisso, muitos se sujeitam a atividades de tempo integral e deixam sua vida devocional e sua própria família para buscarem algum conforto financeiro. Lógico que sou contrário ao ócio de não trabalhar, porém o cristão deve vigiar para que o trabalho não seja o seu mestre. Como disse Jesus, “Nenhum servo pode servir dois senhores; porque, ou há de odiar um e amar o outro, ou se há de chegar a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom.” – Lucas 16.13. Aquele que pensa que pela força de seu braço e pela sua própria sabedoria pode adquirir riquezas e status, na verdade está se conformando com a fútil maneira de viver herdade de seus pais. As Escrituras Sagradas ensinam que “nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra de Deus.” (Lc 4.4b) “e digas no teu coração: A minha força, e a fortaleza da minha mão, me adquiriu este poder. Antes te lembrarás do Senhor teu Deus, que ele é o que te dá força para adquirires riqueza; para confirmar a sua aliança, que jurou a teus pais, como se vê neste dia.” (Dt 8.17-18). Como vimos anteriormente, aquele que se santifica, busca a vontade de Deus e o glorifica pela Sua obra. Então, o

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cristão trabalha com dignidade, respeitando os seus superiores e em todas as coisas buscando o Reino de Deus e Sua justiça (Mt 6.33), confiando em Deus para capacitá-lo ao trabalho e para toda providência necessária do seu dia-a-dia, pois age pela fé e esperança em Deus. Isso também inclui os serviços eclesiásticos. É frequente conhecermos ministros do evangelho que passam por problemas enormes em sua família porque se deixaram levar pelo ativismo religioso e não dedicaram tempo aos seus amados e à oração. Somos exortados pelas Escrituras a cuidarmos da nossa família: “Mas, se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente dos da sua família, negou a fé, e é pior do que o infiel.” 1 Tm 5.8. O ministro do Evangelho deve ser santo dentro de sua casa, assim como busca agradar a Deus em seu trabalho eclesiástico. Deve vigiar e estar preparado para servir à sua família em todo tempo. A mesma dedicação de um aconselhamento espiritual a um membro da igreja deve ser dada, e até mais intensamente, na educação dos filhos e no cuidado com o cônjuge. O tempo para a família e de dedicação à oração e meditação nas Escrituras Sagradas não pode ser roubado para o atendimento das pessoas da igreja, ou para a administração e manutenção do templo da igreja, por exemplo. Todos eles são importantes e devem ter a plena dedicação do ministro do Evangelho, mas nenhum deles está acima do relacionamento íntimo com Deus e do cuidado da família. Da mesma forma que a pessoa que trabalha secularmente e dedica muito de seu tempo para ganhar dinheiro, deixando de lado a sua intimidade com o Espírito Santo e com sua família, muitos ministros de Deus se desgastam nas atividades eclesiásticas e fazem o mesmo. É grande o número dos que se perdem nesse ponto pois recebem tantos chamados de necessidades que acabam se entregando e, ousadamente, digo que por orgulho. Não delegam atividades administrativas e cotidianas da igreja por medo que outra pessoa não faça o trabalho tão bem. Assim, ao invés de se santificarem para Deus, desgastam-se na obra, não dedicam tempo para suas famílias e não permitem que outros tenham a honra e o privilégio de exercerem uma atividade no meio eclesiástico. Temos o exemplo de Moisés (Ex 18.15-23), Jesus (Mc 6.7), os discípulos (At 6.2-4), dentre outros que delegaram atividades pois de outra forma sucumbiriam e fariam o restante da comunidade sofrer. O texto de 1 Pe nos chama a confiarmos e nos separarmos para Deus, de maneira que não coloquemos a nossa confiança nas nossas forças e raciocínio, mas que a nossa fé e esperança estejam em Deus, o qual ressuscitou a Jesus Cristo e deu a Ele glória.

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Essa situação financeira caótica pela qual muitos cristãos estão submersos também pode gerar uma tendência ao famoso “jeitinho brasileiro”, o qual é sinônimo de malandragem. Diante das dificuldades, muitos cristãos são tentados a achar brechas na lei, ou em relacionamentos profissionais para usufruírem de algum ganho que não requer esforço. Alguns exemplos: quem pede e emite nota fiscal falsa (popularmente conhecida como “nota fria”), sonegação fiscal, ser vagaroso no trabalho, apresentar e emitir atestado médico falso para compensar uma falta, emitir e utilizar cheques sem fundo, agiotagem, cometer erros propositadamente para usufruir de seguro desemprego, etc. Todas essas práticas buscam burlar a lei e a confiança numa negociação e afastam o cristão da santidade, pois não estão baseadas na verdade. Deus é santo, logo, Ele não engana ninguém e nele não há treva alguma (1 Pe 3.11-13, 1 Jo 1.5). A santidade exigida por Deus pede ao cristão que se diferencie nos relacionamentos em relação ao que o mundo pratica e não está de acordo com a Palavra de Deus. Quando o cristão caminha em santidade, busca uma vida de amor com todos ao redor e se depender dele, tem paz com todos os homens (Rm 12.18). Vale a pena lembrar que os destinatários da carta de Pedro também eram pessoas pobres que padeciam necessidades financeiras e privação social e, mesmo assim, a ordem para eles foi a mesma que é dada hoje a nós: “também vós mesmos tornem-se santos em toda a maneira de viver; porque está escrito, sejam santos; pois Eu sou santo.” Um terceiro aspecto presente no cotidiano brasileiro é a sensualidade. Devido ao clima tropical, ao histórico do carnaval e de abusos sexuais, a sensualidade e a malícia fazem parte do cotidiano da população brasileira. Isso pode ser notado nos relacionamentos, no vestuário, nas expressões verbais utilizadas, na mídia, etc. Minha vivencia no exterior, principalmente na Europa, Japão e EUA, me mostraram que a forma de abordagem e relacionamento entre pessoas de sexos opostos é totalmente distinta do que é comum no Brasil. O Brasil conta com a maior população de implantes artificiais em partes íntimas 114, o que demonstra a vaidade e a sensualidade valorizadas na sociedade. Além disso, é unanime no mundo a valorização do corpo e do vestuário brasileiro, principalmente entre as mulheres. No carnaval, nas danças, nas estórias da cultura brasileira e mesmo entre os mais _____________ 114

FONTE: revista EXAME.COM de 25/02/2015 em http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/brasil-no-

mundo/2015/02/25/silimed-brasil-domina-mercado-mundial-de-implantes-de-silicone/

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renomados escritores brasileiros, a sensualidade prepondera. A cultura do sexo livre, da masturbação, da pornografia e da visita a prostíbulos é, de maneira generalizada, bem vista no meio secular masculino e passada de pai para filho. Obviamente que a igreja está inserida nesta sociedade e os cristãos são “bombardeados” diariamente por essa influência. Os cristãos vieram dessa realidade e a sociedade os pressiona para aceitarem suas condutas, mesmo que contrárias à Palavra de Deus.115 Assim como os destinatários da carta de 1 Pedro, os cristãos de hoje são pressionados, desprezados e injuriados quando não aceitam e não participam tais atos e, infelizmente, muitos acabam sucumbindo às exigências imorais impostas pelo meio que vivem. Isso pode acontecer por falta de orientação dos líderes espirituais, os quais estão mais preocupados e interessados em igrejas cheias que rendam um valor monetário expressivo com os dízimos e ofertas, do que em pessoas que servem fielmente ao Reino de Deus. Mas, também pode acontecer por falta de vigilância dos próprios cristãos que não levam o assunto com a seriedade dada pelas Escrituras Sagradas. O texto analisado nesse trabalho diz “não vos conformando às paixões de acordo com a vossa prévia ignorância” as quais faziam parte da “vossa fútil maneira de viver herdada de vossos pais”. Assim, o cristão verdadeiro não se conforma, não aceita, não pratica e não divulga tais práticas imorais de sensualidade e malícia, mesmo que o restante da sociedade os critique (1 Pe 4.2-4). Pelo contrário, dedicase a Deus em toda a sua maneira de viver, afasta-se da aparência do mal (1 Ts 5.22) e não se entrega aos frutos da carne (Rm 1.28-32; Rm 7.5; Gl 5.19-21), porque ama a Deus e deseja se santificar para cultivar uma intimidade maior com seu Criador e Redentor. Anteriormente à conversão, tais práticas eram normais e possivelmente até valorizadas, porém após o perdão de seus pecados e o início do relacionamento com Jesus Cristo e do agir do Espírito Santo, tais obras não devem fazer parte da vida do cristão, porque constituem pecado e afastam o cristão da santidade exigida por Deus. Portanto, o cristão deve vigiar no vestir, para não despertar desejos impuros do sexo oposto; no falar, para que não transmita malícia e desperte desejos imorais no próximo; no olhar, para que não tenha pensamentos e _____________ 115

de

Vide reportagem no canal GNotícias sobre miss bumbum evangélica em feira de produtos eróticos 09/03/2015

em

http://noticias.gospelmais.com.br/miss-bumbum-evangelica-testa-produtos-

eroticos-gospel-74841.html

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desejos impuros pelo próximo e, por fim, no agir, para que não dê ocasião para cair em armadilhas sexuais de ímpios ou de despertar desejos sexuais no próximo. Deus deseja que o cristão se santifique no corpo, na alma e no espírito (1 Ts 5.23). O corpo do cristão é o templo do Espírito Santo (1 Co 3.16-17) e por isso, deve ser separado e dedicado para Deus. Veja que em nenhum momento cito doutrinas particulares de igrejas evangélicas, as quais proíbem o uso de saias, corte de cabelos, maquilagem, tecidos, etc. A questão a ser feita pelo cristão homem ou mulher é: minha maneira de se vestir, falar, dançar, maquilar, olhar ou de fazer qualquer outra coisa podem despertar desejos sexuais no meu próximo? Se sim, a Palavra de Deus recomenda a deixarmos tais práticas e, desta maneira, cumpriremos a ordenança de Deus de andarmos sobriamente entre a sociedade, ou seja, conscientes e seguros de que os nossos atos não causarão danos aos outros e muito menos à nossa santidade. Lembremos sempre que sem santificação, ninguém verá a Deus (Hb 12.4). Por fim, é importante ressaltar o comportamento requerido por Deus durante as reuniões eclesiásticas. Nas Escrituras Sagradas vimos alguns exemplos da exigência divina quando alguém deseja se apresentar diante de Deus. Moisés teve que retirar as sandálias dos pés (Ex 3.5), Isaías repreendeu a Israel para que comparecesse diante de Deus com atos de justiça (Is 1.12-17), Jesus deixou claro na parábola entre o publicano e o fariseu que aquele que se humilha em sinceridade diante de Deus recebe a justificação (Lc 18.10-14), Paulo adverte os Coríntios a não se ajuntarem com disputas entre si (1 Co 11.17-18), etc. Assim como Deus é santo e não suporta o pecado, Ele pede para que qualquer pessoa que se achega a Ele reconheça o seu pecado e as suas limitações em sinceridade e tenha reverencia. Isso demonstra humildade e reconhecimento que Deus é santo e que necessitamos crescer em santidade. Não se trata de normas de condutas rígidas, ou rituais que ditam cada movimento que o cristão deve fazer durante uma reunião solene, mas de um coração aberto, sincero e contrito que se entrega em louvor, adoração e oração. Durante as reuniões eclesiásticas brasileiras é comum observar pessoas conversando sobre outros assuntos, andando pelos templos em busca de algo para se fazer, curiosos sobre a atitude ou oração de outra pessoa, etc. Ainda é possível notar pessoas que disputam cargos e que fazem suas obras para serem vistos e aceitos pelos homens, conformando-se ao restante do mundo que busca primazia e status diante da sociedade (Mt 6.5). Pode-se dizer que o corpo está presente na

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reunião, mas a mente e o coração estão distantes de Cristo. Todavia o chamado de Deus permanece o mesmo, tornem-se santos em toda maneira de viver, porque Eu sou santo. Deus chama o seu povo a se separar para Ele, a se entregar para Ele, a se dedicar a Ele e quando se ajuntarem, fazerem-no para a glória Dele com um coração contrito e quebrantado em oração e ações de graça (Sl 34.18; Sl 51.17; Is 57.15; Is 66.2; Mt 11.20-21; 1 Tm 2.1). Deus chama a cada indivíduo que se achega diante Dele a reverenciá-Lo como Deus santo e a reconhece-Lo em todos os seus caminhos (1 Rs 8.58; Sl 145.17; Pv 3.6). Portanto, cada cristão que participa de uma reunião eclesiástica deve se apresentar com sobriedade, com a mente preparada e disposta a adorar a Deus, a buscar o Seu favor e a Sua vontade com reverencia.

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III. CONCLUSÃO Vimos durante a pesquisa que santidade é um assunto muito discutido ao longo da história do cristianismo e seria pretensão dizer que houve um esgotamento sobre o tema. A santidade é a essência de Deus que perpassa todos os Seus demais atributos. O texto de 1 Pe 1.13-21 afirma essa santidade de Deus e conclama os cristãos de todos os lugares e época a serem santos. Essa santidade não é referenciada através de conceitos humanos, moldadas pelas tradições e pelas culturas de um determinado grupo social, mas pelo próprio Deus que se coloca base, juiz eterno e perfeito que julgará a humanidade nos fins dos tempos. Justamente nessa noção escatológica, a perícope exorta a cada cristão que veja como anda e se porta no restante da sociedade, tendo em mente o alto preço da redenção, a saber, o sangue de Cristo. Esse preço nunca poderia ser pago com coisas criadas, pois herdaram a corrupção do pecado original, mas o preço foi pago pelo cordeiro santo de Deus, o qual existe antes mesmo da criação do mundo. Esse Jesus eterno e santo foi ressuscitado e recebeu toda a glória de Deus para que todo cristão verdadeiro que se santifica tenha fé e esperança na salvação eterna. Portanto, cada cristão deve se santificar em todas as áreas da vida, em todos os momentos e em qualquer circunstância, pois não está preso a este mundo, pelo contrário, como cidadão celestial, apenas vive neste mundo como estrangeiro, estado social pelo qual os destinatários da 1 epístola de Pedro também viviam. A santificação não pode contar com a aprovação do restante da sociedade, pois não está associada a conceitos filosóficos, à racionalidade humana, às circunstâncias locais e culturais, mas seus princípios e conceitos são oriundos da Palavra de Deus, a qual é universal e eterna, assim como Deus é santo e eterno. Notamos também que a santidade não é uma obra puramente do esforço humano, ou seja, o cristão não tem a capacidade de reconhecer o pecado e se desfazer dele. O Espírito Santo é o agente que gera o arrependimento no ser, pela graça de Deus, utilizando as Escrituras, os sacramentos e demais intervenções divinas na vida do cristão. Porém, o homem também possui a sua parte de se decidir por Deus, ou seja, de se decidir a obedecer ao alerta e ao mandamento do Espírito Santo, conforme as Escrituras Sagradas. Digno de nota é a não dependência a estruturas e tradições eclesiásticas, mas única e exclusivamente ao Espírito Santo

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que remete à Palavra de Deus e essa, por sua vez, aos mandamentos de Jesus Cristo. Na igreja brasileira, o chamado à santidade é urgente. As tradições, os usos e costumes e a historicidade da cultura brasileira, juntas, colaboram para que a igreja se desvie do plano de santificação. O texto de análise desse trabalho, então, serve como um farol e um alerta para os cristãos brasileiros para que deixem as suas tradições e costumes, larguem o materialismo e a busca insaciável por uma vida confortável e cheia de entretenimentos e sejam santos e íntegros diante de Deus, conforme os ensinamentos e mandamentos de Jesus Cristo. A perícope de 1 Pe 1.13-21 lembra cada cristão brasileiro que vivíamos uma vida fútil herdada de nossos pais antes de conhecermos a Jesus Cristo, e que temos a oportunidade de sermos livres dessa maneira de viver através da redenção que há pelo sangue de Cristo. Então, não é bom buscar riquezas, status e prazeres, pois eles não podem nos dar a salvação eterna; antes devemos buscar a comunhão e intimidade com Deus através da santificação. Concluímos que todo cristão verdadeiro se separa para Deus, com temor se santifica diligentemente durante a sua caminhada cristã, tendo por base seu relacionamento com o Espírito Santo e o objetivo de alcançar a promessa da vida eterna em Cristo Jesus. Essa santidade não é mística, mas prática e constante em todas as áreas da vida.

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IV. BIBLIOGRAFIA BARCLAY,

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