São Bernardo e a presença de traços do sistema capitalista: Uma leitura sociológica da obra de Graciliano Ramos

May 31, 2017 | Autor: Pablo Rodrigues | Categoria: Literatura brasileira, Teoria da literatura, Graciliano Ramos
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Pablo Baptista Rodrigues

SÃO BERNARDO E A PRESENÇA DE TRAÇOS DO SISTEMA CAPITALISTA
UMA LEITURA SOCIOLÓGICA DA OBRA DE GRACILIANO RAMOS

Trabalho com vistas à obtenção de nota
apresentado as Professoras Ana Alencar,
Danielle Corpas e Flávia Trocoli. Turma
LED. 4º Período do Curso de Teoria
Literária da Faculdade de Letras/UFRJ

Faculdade de Letras
Rio de Janeiro – 01/2013
São Bernardo e a presença de traços do Sistema Capitalista.
Uma leitura Sociológica da Obra de Graciliano Ramos


Introdução:

Entre as diversas vertentes que o pesquisador literário pode se orientar
escolheu-se aquela que identifica o caráter sociológico da obra. Os
inúmeros trabalhos acadêmicos desenvolvidos, até então, comprovam que
Graciliano Ramos é uma fonte que ainda jorra em nossos dias fomentando uma
serie de novos trabalhos. Busca-se então, comprovar a presença de traços
capitalistas na obra, trazendo à tona parte da sociologia presente nos
relatos de Paulo Honório. Portanto, este trabalho tem com objetivo
apresentar o livro São Bernardo, de Graciliano Ramos, sobre uma perspectiva
sociológica, contida principalmente na obra de Karl Marx e Friedrich
Engels, o Manifesto Comunista. Analisou-se a presença de temas como: a
divisão do trabalho, a família burguesa, a relação material entre os
indivíduos, a "origem" de Paulo Honório e o "socialismo de Madalena."






Trazendo à tona o Socialismo de Graciliano Ramos:

Pode-se perceber inicialmente o caráter enérgico que a obra possui.
Segundo a afirmação de João Luiz Lafetá a narrativa é apresentada de
maneira direta ao tratar de qualquer assunto. (LAFETÁ, 1989) não havendo,
portanto, rodeios. Todo o impacto que atravessa o leitor se dá pela
composição da narrativa. O narrador afirmar que os dois primeiros capítulos
já foram perdidos. Entretanto, o leitor deve ficar atento, já que é nesses
dois capítulos iniciais que é apresentado "a figura dominadora" (LAFETÁ,
1989) de Honório, sua forma de dirigir sua própria vida e dos que o cerca.

O narrador-personagem apresenta, nas primeiras linhas da narrativa, seu
desejo de construir um livro que imagina ser possível de ser realizado
"pela divisão do trabalho" (RAMOS, 1989). O narrador sai à procura de
amigos que possam contribuir para o desenvolvimento das letras nacionais.
Esses seriam Padre Silvestre com a parte moral e as citações latinas; João
Nogueira, encarregado da pontuação, a ortografia e a sintaxe; Arquimedes
com a composição tipográfica e Azevedo Gondim para a composição literária.
Paulo Honório, o próprio narrador, contribuiria com seu conhecimento de
agricultura e pecuária, e por fim colocaria seu nome na capa. Porém o que
ocorre é o oposto: "o otimismo levou água na fervura, compreendi que não
nos entendíamos" (RAMOS, 1989). O trecho nos leva a compreender que o
imaginado por Paulo Honório não se realiza, isto é, o seu projeto falhou.

O que pode ser visto na obra de Graciliano Ramos, em especial em São
Bernardo, são pontos abordados na crítica que Marx e Engels fazem ao
sistema capitalista. A relação de opressor e oprimido, ponto importante da
critica marxista, pode ser apresentado por Paulo Honório, aquele que ao
final receberá todo o lucro. E em Padre Silvestre, João Nogueira,
Arquimedes e Azevedo Gondim a relação de simples funcionários a disposição
de Paulo Honório. Os colaboradores passam a ser simples apêndice da
maquina, e só é requerido deles "a operação mais simples, mais monótona,
mais fácil de aprender." (MARX e ENGELS, 1848)
Ainda que as atividades realizadas pelos colaboradores demonstrem
instrução, no momento em que o conflito se apresenta e o desejo do narrador
é frustrado, a reação de Paulo Honório é tratar seus amigos como simples e
pequena parte da realização de sua ambição. O que se tem é a relação fria
entre Honório e seus cooperadores, o que é sintetizado no Manifesto
Comunista (MARX e ENGELS, 1848): "Esses operários, constrangidos a vender-
se diariamente, são mercadorias, artigo de comércio como qualquer outro; em
consequência, estão sujeitos a todas as flutuações do mercado. O crescente
emprego de máquinas e a divisão do trabalho, despojando do operário de seu
caráter autônimo, tiram-lhe todo atrativo." (MARX e ENGELS, 1848)


No momento em que não estão em acordo com os interesses de Paulo Honório,
logo são descartados:


"O resultado foi um desastre. Quinze dias depois no nosso primeiro
encontro, o redator do Cruzeiro apresentou-me dois capítulos
datilografados, tão cheios de besteiras que me zanguei:
- Vá para o inferno, Gondim. Você acanalhou o troço. Está pernóstico,
está safado, está idiota. Há lá ninguém que fale dessa forma (RAMOS,
1989)


A relação de Paulo Honório foi afetada com Gondim devido a sua forma de
escrita. Mesmo afirmando que não há "ninguém que fale dessa forma." (RAMOS,
1989) o colaborador dispensado prefere apagar o sorriso e engolir em seco
"os cacos da sua pequenina vaidade." (RAMOS, 1989). A escrita oral é
diferente de "arranjar palavras com tinta." (RAMOS, 1989), explica. Porém,
isso não é entendido por Paulo Honório e da mesma forma são tratados João
Nogueira "que queria o romance em língua de Camões", Padre Silvestre, que o
recebe friamente. Ambos contrariam as expectativas do narrador e são
dispensados.
Temos, então, uma relação de coisificação do indivíduo, tanto na dispensa
rápida dos próprios amigos, como na relação por parte de outras pessoas que
compõem a narrativa. O homem é reduzido à coisa, parte de um processo
apenas, um bem material. Se a forma enérgica de Paulo Honório demonstra sua
frieza, os que com ele se relacionam também replicam o sistema. No diálogo
da procura de Margarida, mulher que cuidou de Paulo Honório, têm-se as
seguintes afirmações:


"É conveniente que a mulher [Margarida] seja remetida com cuidado, para
não se estragar na viagem. E quando ela chegar, pode encomendar as
miçangas, Gondim. Como se chamam?
- Clichês. Clichês e vinhetas.
-Pois sim. Mande buscar os clichês e as vinhetas, quando tivermos a
velha.
-Estava aqui pensando em Padilha.
-E eu. Tirou-me a palavra da boca, atalhou João Nogueira. Convide
Madalena, seu Paulo Honório. Excelente aquisição, mulher instruída.
- Até lhe enfeita a casa, seu Paulo, gritou Azevedo Gondim." (RAMOS,
1989)


Estragar. Adquirir. Enfeitar. Ainda que sejam verbos ou como substantivo,
as palavras utilizadas dão aos personagens citados, Margarida e Madalena,
características de objetos. A utilização de verbos que possuem argumentos
menos animados reforça a tese da relação inferior presente na obra como um
todo, e não somente na figura principal representada por Paulo, mas todos
que estão dentro desse sistema possuem uma ótica compartilhada.
Essa relação esta presente no tratamento dos trabalhadores de Paulo
Honório que são considerados somente meios produtivos: "Para diminuir a
mortalidade e aumentar a produção, proibi a aguardente." (RAMOS, 1989).
Novamente um termo que nos chama a atenção é "produção", que revela somente
a preocupação com o lucro, e não com os inúmeros acontecimentos acidentais
com seus funcionários:


"Na pedreira perdi um. A alavanca soltou-se da pedra, bateu-lhe no peito,
e foi a conta. Deixou viúva e órfãos miúdos. Sumiram-se: um dos meninos
caiu no fogo, as lombrigas comeram o segundo, o último teve angina e a
mulher enforcou-se.
Para diminuir a mortalidade e aumentar a produção, proibi a aguardente."
(RAMOS, 1989)


Essas marcas também são encontradas nas relações conjugais, como o desejo
de Paulo Honório de constituir uma família. Isso não se dá de forma amorosa
e sentimental como pode se buscar atualmente. O romântico não está em jogo.
"A burguesia rasgou o véu de sentimentalismo que envolvia as relações de
família e reduziu-as a simples relações monetárias." (MARX e ENGELS, 1848).
A família é simples mecanismo de ascensão do sistema burguês. É parte do
mecanismo que é utilizado para a realização dos planos capitalistas o que é
comprovado no seguinte trecho:


"Amanheci um dia pensando em casar. Foi uma ideia que me veio sem que
nenhum rabo se saia a provocasse. Não me ocupo com amores, devem ter
notado, e sempre me apareceu que mulher é um bicho esquisito, difícil de
governar.
A que conhecia era a Rosa do Marciano, muito ordinária. Havia conhecido
também a Germana e outras dessa laia. Por elas eu julgava todas. Não me
sentia, pois, inclinado para nenhuma: o que sentia era desejo de preparar
um herdeiro para as terras de São Bernardo" (RAMOS, 1989)


O Casamento é um simples acordo, e entre Paulo Honório e a futura esposa
Madalena, temos a representação de uma união que tem como base o interesse
na profissão e na fortuna (PROST, 1992). O casamento se constitui como um
contrato social, ou seja, mecanismo do sistema. Não importa as relações
afetivas com o herdeiro, o desejo é que ele preencha seu lugar de destino,
e enquanto isso vai ocorrendo é bom que esse "infeliz" (RAMOS, 1989) que o
choro ao nascer se cale. O padrão da época é visto nos trechos seguintes:


"Ainda em 1930, a profissão e a fortuna, bem como as qualidades morais,
pareciam mais importantes do que as inclinações estéticas ou psicológicas
para decidir uma união. As pessoas casavam para dar sustento e auxílio
mútuo ao longo de uma vida que se anunciava penosa, e ainda mais dura
para os solitários; casavam-se para ter filhos, aumentar um patrimônio e
deixar-lhes de herança, para que os filhos se realizassem e, com isso, os
próprios pais também se realizassem." (PROST, 1992)


Paulo Honório é o homem sem origem, assim como os burgueses livres das
primeiras cidades. Marx e Engels afirmam a existência de classes anterior a
Idade Média, mas nesse período histórico em questão, ele aponta que dos
servos da Idade Medieval nasceram à burguesia. Uma classe sem origem, menos
importante em comparação com o clero e a nobreza, que ocupavam lugar
favorecido na sociedade feudal graças a sua linhagem. Da mesma forma é
Paulo Honório: "Possuo a certidão, que menciona padrinho, mas não menciona
pai nem mãe." (RAMOS, 1989)
Honório apresenta "o emblema contraditório do capitalismo nascente em
nosso país." (LAFETÁ, 1989), sendo marca da modernização devastadora de São
Bernardo. O narrador encara os valores-de-uso como valores-de-troca,
apresentando a relação intima do sistema economico com a vida privada.
Essa reificação está presente na construção do livro, na conquista de São
Bernado, no desejo de constituir uma família, na consquista de Madalena, ou
seja, em toda obra, como pode ser comprovoda na fala de Honório: "A
profissão é que me deu qualidades tão ruins". (RAMOS, 1989). Novamente
vemos que os recurso utilizados por Graciliano Ramos impacta o leitor, que
encontra a combinação: "qualidades ruins". O autor coloca todo o egoísmo e
brutalidade adquirida como "qualidades ruins" dadas pela vida, ou melhor,
pela relação profissional.
Uma das conquistas de Paulo Hónorio trazem à obra a relação Socialismo
versus Capitalismo. Se São Bernardo é a conquistada que recebe toda a força
de Hónorio, Madalena será a oposição, o que está além do controle do
narrador-personagem. Ela é a mulher humanitária que não possui a mesma
relação de propriedade do que o esposo, é o contraste que acusa Paulo
Honório de sua ambição. Madalena era vista com suspeita por Honório:
"Conheci que Madalena era boa em demasia, mas não conheci tudo de uma vez.
Ela se revelou pouco a pouco, e nunca se revelou inteiramente. A culpa foi
minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma
agreste." (RAMOS, 1989).E seu suicidio poder ser lido como a fraqueza de
Paulo Honório, já que este não domina Madalena. Ela é a representação da
sua ruína




Considerações finais


Pode-se observar que a obra de Graciliano Ramos apresenta pontos
importantes que torna possível uma leitura sociológica. A Divisão do
Trabalho, a relação material entre os indivíduos, a família burguesa, a
"origem" de Paulo Honório e o Socialismo de Madalena foram temas utilizados
para trazer em questão a "sociologia de Graciliano Ramos", e com isso
demonstrar traços do sistema capitalista. Observou-se que a obra ainda
oferece outros pontos que podem ser aprofundados, como a modernização
exemplificada na relação com Seu Ribeiro, o aprofundamento da observação da
linguagem utilizada por Graciliano Ramos no decorrer da obra e insubmissão
de Madalena com Paulo Honório.































Referências Bibliográficas:
LAFETÁ, J. L. O Mundo à revelia. In: RAMOS, G. São Bernardo. 51. ed. Rio de
Janeiro: Record, 1989. p. 189-213.

MARX, K.; ENGELS, F. O Manifesto do Partido Comunista. Dominio Público,
1848. Disponivel em:
. Acesso em:
18 jan. 2013.

PROST, A. Fronteiras e espaços do privado. In: PROST, A.; VINCENTE, G.
História da vida privada. São Paulo: Companhia das Letras, v. 5, 1992. Cap.
1, p. 61-115.

RAMOS, G. São Bernardo. 51. ed. Rio de Janeiro: Record, 1989.
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