São Paulo e o Brasil: comemoração, regionalismo e construção social do espaço nacional na década de 19201 Marcelo Santos de Abreu2
Resumo O artigo analisa as comemorações do Centenário da Independência em São Paulo (1922). Procura-se compreender como os rituais cívicos instituíam certa imagem do espaço nacional baseada numa interpretação peculiar da história nacional. Esta interpretação instituía o Estado de São Paulo e sua capital como centro a partir do qual o passado e o futuro nacionais se delineavam. A criação e difusão desta percepção do espaço nacional correspondia simultaneamente à afirmação simbólica da hegemonia das elites regionais no cenário político na década de 1920. Trata-se, portanto, de estabelecer a relação entre as comemorações, a construção social do espaço e a política. Palavras-chave: Comemorações. Construção social do espaço. São Paulo na década de 1920. Abstract The paper analyses the commemoration of the Centennial of Brazilian Independence in Sao Paulo (1922). The aim is to understand how the civic rituals instituted an image of the national space based on a particular interpretation of national history. This interpretation asserts the centrality of Sao Paulo State and its capital in national history as if this space were the very place where the Nation past and its future were created. The creation and diffusion of this perception of the national space corresponded to the symbolic assertion of the hegemony of the regional elites in the political scene in the 1920s. Thus, the historical perspective enlightens the relationship between the commemorations, the social construction of space, and politics. Keywords: Commemorations. Social construction of space. São Paulo in 1920’s.
1
2
Uma versão deste texto foi apresentada durante o 14th Cultural Studies Workshop – Urban Cultures, organizado pelo Center for Studies in Social Sciences (Calcuta, Índia) na North-Estern Hill University, Shillong, em fevereiro de 2009. Agradeço aos organizadores e ao SEPHIS (South-south Exchenge Programme for Research on the History of Development) pelo custeio das despesas de viagem e estadia que permitiram a participação no seminário – oportunidade ímpar de colaboração sul-sul na criação do conhecimento. Agradeço, assim, aos leitores críticos do CSSCAL e demais participante pelas sugestões. É preciso ressaltar, ainda, que estas reflexões também foram possíveis graças à bolsa de doutorado concedida pela CAPES. Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Adjunto I da Universidade Federal de Uberlândia UFU/ FACIP.
[email protected]
Cad. Pesq. Cdhis, Uberlândia, v.24, n.1, jan./jun. 2011
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A cidade de São Paulo tornou-
desta representação do espaço instituem
-se uma imagem do Brasil moderno na
as possibilidades de liderança das elites
primeira metade do século XX. Hoje,
regionais no cenário político nacional. As
a segunda maior metrópole da Améri-
comemorações, como outros processos
ca Latina representa a integração desta
rituais, dão visibilidade e instituem rela-
parte do mundo no processo de globali-
ções sociais existentes ou desejadas. Ao
zação. Essa representação da metrópole
mesmo tempo, também, os ritos não são
paulista como espaço síntese da riqueza
apenas celebração da coesão, subsistindo
nacional se constituiu a partir do cres-
neles os conflitos inerentes às sociedades.
cimento industrial da cidade decorrente
Interpretá-los a partir de uma perspectiva
do desenvolvimento da economia agríco-
processualista implica reconhecer no seu
la de exportação no estado de São Paulo.
desenvolvimento temporal as tensões que
O processo de concentração econômica
eles procuram elidir ao passo que revelam
que elevou São Paulo à suposta condi-
relações sociais já estabelecidas, e que se
ção de liderança no espaço nacional foi
transformam pela ritualização, ou seu po-
acompanhado pela construção simbólica
der de instituir relações novas4. Nesta pers-
da cidade e da região como centro a par-
pectiva, o centenário da Independência na
tir do qual a Nação e o Estado brasileiro
cidade e na região de São Paulo configura
se formaram. A partir da análise das co-
um processo ritual que se baseia nas e visa
memorações da Independência brasilei-
à instituição das delimitações do espaço
ra, em 1922, busca-se discutir o processo
social. Assim, espera-se demonstrar neste
de delimitação desta imagem do espaço
artigo que as comemorações evidenciam
nacional.
os movimentos complexos que caracteri-
O espaço não é uma grade neutra
zaram aquele ritual cívico, sendo possível
onde os processos sociais se desenvolvem,
afirmar que a ritualização da história que
ao contrário, ele é resultado dos processos
se desenrolou tendo a cidade de São Paulo
sociais que nele se inscrevem. Além disso,
como centro projetou duas representações
os espaços são lugares imaginados que
significativas que se perpetuaram no tem-
devem ser lembrados para que se tornem
po para além daquele momento: a imagem
“âncoras simbólicas para gente dispersa” .
da cidade e da região como lugar de cons-
Nesse sentido, quando a comemoração de
tituição do Estado Nacional uma vez que
um evento político evoca a centralidade
lá se deu o evento decisivo para a emanci-
3
de uma cidade ou uma região na história é que a hierarquia do espaço nacional se estabelece. Ao mesmo tempo, os autores
3
GUPTA, Akhil & FERGUSON, James. Mais além da cultura: espaço, identidade e política da diferença. In: ARANTES, Antonio Augusto (org.). O espaço da diferença. Campinas: Papirus, 2000. p. 36.
160
4
Sobre os ritos como processos sociais ver TURNER, Victor. O processo ritual; estrutura e antiestrutura. Petrópolis: Vozes, 1974; Turner, Victor. Dramas, fields, and metaphors: symbolic action in human society. Ithaca: Cornell University Press, 1974; e TURNER, Victor. Mukanda: the politics of a non-political ritual. In: SWARTZ, Marc J. Local-level politics: social and cultural perspectives. Chicago: Aldine, 1968. p. 135-185.
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pação política em 1822; e o direito à lide-
mundial porque concentra os fluxos de
rança das elites paulistas na arena política
capital que atravessam os continentes
que tornaria possível o desenvolvimento
em suas localizações temporárias na pe-
nacional, possibilitado por uma liderança
riferia. Seu caráter metropolitano não
que se cria estabelecida desde o início da
se deve exclusivamente à sua integração
nacionalidade.
aos fluxos econômicos do sistema capi-
O trabalho divide-se em quatro par-
talista. A cidade também compartilha, e
tes. Na primeira, descreve-se o processo
apresenta-se orgulhosa disso em repre-
de metropolização da cidade de São Pau-
sentações sancionadas pelos poderes po-
lo como decorrência das transformações
líticos, a cultura comum às metrópoles:
da economia regional. Espera-se, assim,
a impessoalidade nas relações sociais;
estabelecer as bases sobre as quais a re-
a diversidade dos grupos que compõem
presentação de São Paulo como centro
o tecido social urbano, contando ainda
tornou-se possível na década de 1920.
um grande número de estrangeiros, co-
Na segunda parte, trata-se das visões
reanos e bolivianos principalmente; o
de São Paulo que emergiram naquele
consumo de bens materiais e simbólicos
momento, buscando contrastar a auto-
produzidos em outros espaços, desde a
-imagem promovida pelas elites políticas
mais simples camiseta, automóveis sofis-
com outras apreensões do papel de São
ticados e aparelhos eletrônicos até a gas-
Paulo no cenário nacional. Nestas duas
tronomia, cinema, artes visuais; e, final-
primeiras partes do texto, as fontes uti-
mente, as formas da cidade construídas
lizadas são as análises históricas sobre as
segundo os padrões da arquitetura con-
transformações da cidade e da região de
temporânea internacional5. É como se
São Paulo, bem como algumas obras lite-
estas evidências que conectam a cidade
rárias produzidas no período. Na terceira
de São Paulo às principais metrópoles do
parte, utiliza-se as narrativas da impren-
mundo ocultassem seu papel subalterno
sa diária e documentação oficial para
nos circuitos globais.6
recompor o cenário e o clima das come-
A cidade é lugar de desigualdades
morações de 7 de Setembro de 1922. De
que assumem tons dramáticos. É possí-
caráter conclusivo, a última parte retoma
vel ver nas ruas uma Ferrari ao lado de
o desenvolvimento da encenação do pas-
um ônibus lotado de trabalhadores que
sado e discute teoricamente o processo
chegam a viajar 3 ou 4 horas em seus
de construção social do espaço nacional. São Paulo no espaço nacional
deslocamentos para o trabalho diaria5
São Paulo hoje se apresenta como uma das maiores metrópoles do mundo. Pode ser entendida como uma cidade
6
MORAES, Antonio Carlos Robert. Notas metodológicas sobre metropolização e a metrópole paulistana. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri & OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. (org.). Geografias das metrópoles. São Paulo: Contexto, 2006. p. 26-27. SANTOS, Milton. Da totalidade ao lugar. São Paulo: Edusp, 2005. Cap. 3. p. 55-75.
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mente. Em uma colina de um dos bair-
de São Paulo, que concentra o parque
ros mais ricos da cidade, o Morumbi,
industrial e as atividades financeiras. As
há uma favela que resiste às tentativas
atividades de planejamento técnico da
de remoção. Nos edifícios desocupados
ação governamental concentram-se em
há anos do centro da cidade, grupos de
São Paulo. As instituições culturais situ-
sem teto tentam garantir o direito à mo-
adas na cidade, como a Universidade de
radia7. As diferenças na distribuição de
São Paulo (1934), passam a centralizar
serviços e condições de habitação entre
a formação das elites intelectuais e polí-
as regiões centrais e a periferia de São
ticas em escala regional e nacional com
Paulo são uma evidência das desigual-
o correr do tempo. A indústria cultural
dades na construção do espaço metropo-
localizada na cidade começa a ditar os
litano paulista. O fato é que a imagem
costumes e padrões de consumo nacio-
da metrópole que se difunde no espaço
nalmente. Estes processos conjugam-se
nacional e além destas fronteiras oculta
e estabelecem a centralidade de São Pau-
as disparidades internas e os conflitos
lo no cenário brasileiro11. As representa-
sociais que caracterizam o cotidiano. Na
ções sociais sobre a cidade e seu lugar no
periferia, São Paulo se apresenta como
espaço nacional acompanham estes pro-
centro de onde os valores da modernida-
cessos e constituem parte decisiva deles.
8
de irradiam9.
As representações da cidade são
A centralidade de São Paulo não é,
formas de delimitação que “organizam
contudo, um fato recente. A imagem da
a apreensão do mundo social como ca-
cidade como pólo de desenvolvimento
tegorias fundamentais de apreensão e
econômico, centro político e de difusão
de apreciação do real”12. Tais represen-
da alta cultura torna-se recorrente a par-
tações aspiram à universalidade de um
tir da década de 1920. Deste momento
diagnóstico verdadeiro do real, mas são
até a década de 1950, a capital paulista
“determinadas pelos interesses dos gru-
ganha contornos metropolitanos, tal
pos que as forjam”13. Nesse sentido, es-
como estes são definidos por Lewis Mu-
tas representações acerca de São Paulo
mford em A cidade na história10. A eco-
amparam-se no processo histórico vi-
nomia do interior do estado e do resto
venciado por seus habitantes e apreendi-
do país passa a depender cada vez mais
do pelas elites intelectuais e políticas. O que estes pensam sobre a cidade de São
7
8
9
10
À MARGEM DO CONCRETO. Evaldo Morcazel. Brasil: 2006. (85 min). NOGUEIRA, Aída Pompeo. Desvendando o habitar no espaço urbano periférico. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri & OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. (org.). op.cit. p. 375-376. SHILS, Edward. Centro e periferia. Lisboa: Difel, 1996. MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. – 3a ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
162
11
12
13
MORSE, Richard. Formação histórica de São Paulo: de comunidade à metrópole. São Paulo: Difel, 1970; e ARRUDA, Maria Aparecida do Nascimento. Metrópole e cultura: São Paulo no meio século XX. Bauru: EDUSC, 2001. CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. –1a ed. – Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992. p. 17. Idem.
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Paulo e a região converte-se em práticas,
ra. Ainda não se trata de uma multidão
em esquemas incorporados, num habi-
febricitante a ocupar os espaços públi-
tus14. As imagens sobre a capital paulista
cos, mas a população paulistana saiu de
são parte das lutas de representação que
31.385 habitantes, em 1872, para 64.934
procuram estabelecer um espaço legíti-
em 1890. O salto mais significativo ocor-
mo de atuação e a projeção de um futuro
reu num espaço de 10 anos: em 1900,
para o conjunto do espaço nacional. A
a população da capital contava mais de
Nação deveria espelhar a racionalidade
200 mil habitantes. Nesse momento, as
e eficiência que a história de São Paulo
atividades industriais passam a ter um
evidenciava. Parecia ser esta a percepção
peso mais significativo na economia ur-
das elites culturais e políticas paulistas
bana, atraindo trabalhadores do interior
na década de 1920. O que as elites inte-
do estado e estrangeiros. Os dados sobre
lectuais e políticas viam na história e no
as proporções de habitantes da capital no
presente e imaginavam como futuro para
conjunto da população do estado eviden-
o Brasil?
ciam o processo de migração: em 1886,
Entre as décadas de 1890 e 1940, a
a cidade de São Paulo continha 6,1% da
cidade de São Paulo transforma-se em
população regional; em 1900, 12,3%. A
ritmo vertiginoso. Tudo começa com a
onda de imigrantes contratados para tra-
acumulação de capital decorrente do
balharem nas fazendas de café foi acom-
comércio do café produzido nas terras
panhada por uma imigração voluntária.
férteis do interior do estado15. A partir
Boa parte dos italianos, portugueses e
da década de 1870, a abertura de novas
espanhóis que chegavam pelo porto de
áreas de plantio aumentou as possibili-
Santos se dirigia à capital. Esperavam
dades de exportação de café, principal
encontrar oportunidades diferentes de
produto da balança comercial brasileira.
seus compatriotas presos às obrigações
A cidade desempenha, então, outro papel
contratuais nas fazendas do interior16.
na organização do espaço regional. Além
Neste fluxo migratório, chegaram à
de centro político e tímido pólo cultural,
cidade de São Paulo mais de 200 mil es-
São Paulo passava a concentrar as ati-
trangeiros, em sua maioria italianos, entre
vidades de comercialização e financia-
1908 e 192017. Estes trabalhadores torna-
mento da produção agrícola. Na década
ram-se a mão-de-obra e os empreendedo-
de 1890, as transformações tornam-se
res da indústria paulista. Sob condições
visíveis: pouco a pouco a forma da cidade
de renda, mordia e transporte precários,
se altera e o ritmo do cotidiano se acele-
estes trabalhadores fizeram a indústria paulista crescer. Grande parte das indústrias do estado de São Paulo situava-se na
14
15
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel; São Paulo: Bertrand Brasil, 1989. p. 61-62. LOVE, Joseph. A locomotiva: São Paulo na federação brasileira (1889-1937). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 64 e ss.
16 17
MORSE, Richard. op.cit. p. 301. Idem.
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capital, aproveitando as possibilidades
converter o capital acumulado no sistema
de acesso à mão-de-obra a preços baixos,
de transportes e na indústria20. A recon-
matérias primas e mercado consumidor
versão da agricultura de exportação para
interno graças à extensa rede de trans-
o abastecimento de matérias-primas para
portes que ligava a capital ao interior do
a indústria crescente é um dos temas de
Estado e ao resto do país. Em 1907, a pro-
Marco Zero, romance do escritor moder-
dução industrial paulista correspondia a
nista Oswald de Andrade escrito nos anos
16% do total nacional; em 1919, as indús-
de 1940. Atento às contradições daquele
trias paulistas produziam 32% dos manu-
processo, o autor recriou a decadência das
faturados; em 1939, a produção paulista
elites rurais agro-exportadoras, os confli-
correspondia a 43% do total nacional . O
tos com posseiros e pequenos sitiantes, o
crescimento da industrialização em São
fascínio exercido pela cidade para a gente
Paulo, como de resto no Brasil, liga-se à
do campo21.
18
substituição de importações durante a I
As mudanças na economia altera-
Guerra Mundial e ao impulso industrial
vam a paisagem regional e a cidade de
orientado pelo Estado depois da crise de
São Paulo surgia como centro articula-
1929. A tese mais aceita entre os historia-
dor deste espaço em mutação. A vida na
dores da economia conjuga estes even-
cidade se altera marcada pela presença
tos políticos e econômicos à conversão
das multidões nas ruas, ritmada pela
dos capitais utilizados no cultivo do café,
velocidade do tempo do trabalho, dos
produto sujeito a oscilações cíclicas nos
modernos meios de transporte, do lazer
preços devido ao fechamento do merca-
dirigido às massas como o cinema e o fu-
do internacional ou à superprodução . É
tebol22. O ponto de inflexão na vida urba-
significativo que uma das saídas para os
na paulistana é a década de 1920. Nesse
plantadores de café – os lavradores - te-
momento, a cidade já contava cerca de
nha sido a substituições dos cafezais por
600 mil habitantes, número que saltaria
lavouras de algodão, enquanto os grandes
para mais de 1 milhão em 193323. Parte
19
fazendeiros e comerciantes do produto – os comissários de café – optavam por
20 21
18 19
LOVE, Joseph. op.cit. p.81-83. Sobre o debate acerca da industrialização ver: FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1977; DEAN, Warren. A industrialização de São Paulo (18801945). – 4ª Ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991; OLIVEIRA, Francisco de. A emergência do modo de produção de mercadorias: uma interpretação da economia brasileira da República Velha. In: FASUTO, Boris (dir.). História Geral da Civilização Brasileira; O Brasil Republicano – estrutura de poder e economia (1889-1930). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. t. III, v. 1. p. 391-414
164
22
23
MORSE, Richard. op.cit. p. 382-384. ANDRADE, Oswald. Marco Zero I: a revolução melancólica. São Paulo: Globo, 1991; e Marco Zero II: chão. São Paulo: Globo, 1991. Sobre estas obras de Oswald que caminhavam na contramão do romance histórico que dava forma à épica bandeirante, ver: FERREIRA, Antonio Celso. Um eldorado errante: São Paulo na ficção histórica de Oswald de Andrade. São Paulo: Ed.UNESP, 1996. ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. –16a ed. - São Paulo: Martins, 1978; MACHADO, Antonio de Alcântara. Novelas paulistanas. – 2a ed. - Rio de Janeiro: José Olympio, 1971. LOVE, Joseph. op.cit. p. 44; e MORSE, Richard. op.cit. p. 365.
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significativa dos moradores da metrópo-
eram acompanhadas pelo afluxo de no-
le que surgia era de origem estrangeira,
vidades modernas e estrangeiras, desde
sobretudo italiana. A existência das colô-
o mais prosaico gramofone ao automóvel
nias estrangeiras na cidade despertou o
Ford, das apresentações de companhias
interesse de observadores da vida urba-
de ópera italianas ao cinema norte-ame-
na . Para as elites intelectuais e políticas
ricano26. Ao mesmo tempo, por mais as-
esse elemento novo ressaltava o aspecto
sustadoras que fossem, as manifestações
cosmopolita da cidade em crescimento.
das classes subalternas, como nas greves
24
O apelo ao cosmopolitismo encon-
operárias de 1917 a 1920, também indi-
trava-se em vários aspectos da vida urba-
cavam que São Paulo vivia o tempo novo
na. Além da fala estrangeira que se ouvia
da política de massa27. Tudo parecia in-
nas ruas da cidade, a arquitetura dos edi-
dicar que a prosperidade local colocava
fícios públicos e privados também sim-
a cidade de São Paulo em compasso com
bolizava a inserção da capital paulista no
os ritmos do mundo.
mundo. O Teatro Municipal (1903-1911),
Na aceleração da história nacional,
projetado pelo arquiteto italiano Claudio
preconizando a superação do atraso co-
Rossi e pelo paulista Ramos de Azevedo,
lonial, as elites paulistas viam a cidade e
evidenciava o gosto das elites paulistas
a região de São Paulo como a locomotiva
pelo ecletismo historicista em voga na
a puxar os outros estados da federação,
Europa. Outra expressão significativa do
meros vagões de um trem que se dirigia
gosto arquitetônico como marca do cos-
ao futuro. O uso freqüente desta metáfo-
mopolitismo das elites locais era a nova
ra somava-se a outra comparação igual-
catedral (1913) que seguia o neogótico
mente significativa: os paulistas seriam
apropriado às construções religiosas. A
os yankees da América do Sul28. A com-
introdução do art nouveau desenhava as
paração com o espírito empreendedor
residências das elites enriquecidas desde
dos colonos e pioneiros norte-america-
o início do século. Na década de 1920,
nos amparava-se na própria história de
o apelo nacionalista das comemorações
São Paulo. As elites sentiam-se herdeiras
do centenário transmutava-se no esti-
de uma tradição que remontava ao perí-
lo neocolonial utilizado nas residências
odo colonial. Tratava-se de enfatizar os
urbanas e casas de campo dos novos-
laços entre os paulistas contemporâne-
-ricos e em alguns edifícios públicos . As
os com os desbravadores do sertão dos
alterações na paisagem física da cidade
séculos XVII e XVIII – os bandeirantes.
25
24
25
ALMEIDA, Guilherme de. Cosmópolis, São Paulo/29, 8 reportágens. São Paulo: Nacional, 1962. apud. MORSE, Richard. op.cit. p. 333-334; ANDRADE, Mário. op.cit. p. 105; MACHADO, Antonio de Alcântara. op.cit. BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2002. p. 38-41; p. 52-61.
SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo: Cia. das Letras, 1992. Cap. 2. p. 89-152. 27 FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social. – 4a ed. - São Paulo: Difel, 1986. 28 LOVE, Joseph. op. cit. Cap. 3. p. 107-148. 26
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165
A marcha para o interior para apresar
pônimo imaginário que fazia referência
índios e encontrar ouro teria alargado o
ao principal produto de exportação bra-
território colonial e desenvolvido uma
sileiro majoritariamente produzido em
sociedade original sustentada na inte-
São Paulo, o café. O viajante imaginário
gração dos elementos europeus e nati-
descreve aspectos diversos da vida social
vos. No século XX, esse impulso era con-
da região, como o costume da “gente rica
ceituado como o primeiro movimento de
da província” que construía suas genea-
São Paulo para desenvolver o país, como
logias remontando aos antropófagos pri-
se este existisse como unidade desde os
mitivos habitantes da província – alusão
tempos coloniais. Diante das realizações
evidente a uma das marcas do regionalis-
do presente, a elite paulista se via como
mo paulista que traçava a continuidade
cumpridora desse espírito empreende-
histórica entre os bandeirantes e os pau-
dor. O tempo de prosperidade da cidade
listas contemporâneos31. Além do estra-
e da região era visto como o cumprimen-
nho costume dessa “singular nobreza”,
to de um destino manifesto. Parte deste
a população também se tinha em alta
destino implicava transformar a realida-
conta. Segundo o viajante inventado por
de nacional que deveria ser reformulada
Lima Barreto:
segundo a imagem de São Paulo. O traço característico da população da província de Kaphet, da República da Bruzundanga, é a vaidade. Eles são os mais ricos do país; eles são os mais belos; eles são os mais inteligentes; eles são os mais bravos; eles têm as melhores instituições, etc. etc.32
Visões de São Paulo Em Os Bruzundangas, um viajante inventado por Lima Barreto descreve o curioso “pais da encrenca”. Neste país, que é uma caricatura do Brasil da Primeira República29 e uma nota de sarcas-
Esta visão de São Paulo integra a ima-
mo sobre a grandiloqüência dos diversos
gem caricatural do Brasil elaborada atra-
discursos nacionalistas elaborados no
vés dos quadros da Bruzundanga. Lima
período30, há uma “província tida por
Barreto não poupa a “província modelar”,
modelar”, a província de “Kaphet”, to-
assim como não deixa de ser sarcástico com todos os aspectos da vida social do
29
30
BARBOSA, Francisco de Assis. Lima Barreto, precursor do romance moderno. In: BARRETO, Afonso Henriques de Lima. Prosa Seleta. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001. p. 93. Sobre as comemorações das datas cívicas na Primeira República v. OLIVEIRA, Lúcia Lippi de. As festas que a República manda guardar. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n.4, p. 172-189, 1989; e sobre o nacionalismo brasileiro no mesmo período v. OLIVEIRA, Lúcia Lippi de. A questão nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1990.
166
31
32
ABUD, Kátia Maria. O Sangue Itimorato e as nobilíssimas tradições: a construção de um símbolo paulista: o bandeirante. 1985 Tese (Doutorado em História Social). Universidade de São Paulo, São Paulo, 1985; e FERREIRA, Antonio Celso. A epopéia bandeirante: letrados, instituições, invenção histórica (1870-1940). São Paulo: Ed. UNESP, 2002. BARRETO, Afonso Henriques de Lima. op.cit. p. 819.
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país, mas é preciso dizer que a caricatura
importava34. Em poucas palavras, São
de Lima Barreto coincide com a auto-ima-
Paulo era o trabalho e o Rio a preguiça35.
gem construída pelos intelectuais e políti-
Esta imagem de São Paulo como lugar do trabalho se confirma na acelera-
cos paulistas no mesmo período. Em seu estudo sobre as comemo-
ção do tempo da nova metrópole. Imer-
rações do centenário na cidade do Rio
sos nas transformações da vida social
de Janeiro, Marly Motta destaca uma
que se materializam no espaço da cidade
questão importante naquela ocasião: São
em crescimento, a elite paulistana nutria
Paulo ou Rio de Janeiro, qual das cidades
em seus dias de descanso uma predileção
melhor representava a nação? A autora, a
pela velocidade como nas exibições do
partir do debate que se institui na virada
aeroplano de Edu Chaves e nas corridas
das décadas de 1910 para 1920, traça um
de automóvel e motocicletas. A mesma
quadro das representações sobre as duas
elite cultuava espetáculos de corpos atlé-
cidades que circulavam nos meios inte-
ticos, como nas partidas de futebol, en-
lectuais naquele momento.
quanto no subterrâneo da cidade, sob o
São Paulo era associada à eficiência,
peso do calor que se dissipava pelas cha-
ao trabalho, tanto no passado como no
minés das novas fábricas, uma multidão
presente, como se o etos bandeirante se
de operários produzia a riqueza que pou-
revelasse em cada nova atividade criado-
cos consumiam36.
ra que compunha a cidade – a indústria,
Como contraponto a esta angústia
o comércio, as artes e a arquitetura. Sua
de futuro, o gosto pelo passado também
localização assentava o moderno na tra-
tomava conta dos corações e mentes
dição, uma vez que o Brasil profundo,
da “singular nobreza” paulistana. Na
verdadeiro, se encontrava no interior .
década de 1920, aumentam as investi-
A composição étnica dos seus habitantes
gações históricas sobre o passado das
se caracterizava pela mestiçagem origi-
bandeiras ao mesmo tempo em que o
nal, que deu forma à raça brasileira no
bandeirante é convertido em arqué-
mameluco, capaz de incorporar novos
tipo do paulista operoso e destemido
33
contingentes como os trabalhadores imigrantes. O Rio de Janeiro, ao contrário, era o lugar dos negros e portugueses,
34
associados ao atraso e a valores tradicionais incompatíveis com a modernidade.
35
Na cidade deitada à beira mar e dominada pela natureza, a força de seus habitantes sucumbia à contemplação e admiração acrítica dos valores estrangeiros que 36 33
MORSE, Richard. op.cit. p. 349.
MOTTA, Marly Silva da. A Nação faz cem anos: a questão nacional no centenário da Independência. Rio de Janeiro: Ed.FGV, 1992. p. 102. Em Retrato do Brasil, Paulo Prado define a preguiça como um dos traços do caráter brasileiro. O mesmo tema é retomado na construção do anti-herói Macunaíma por Mário de Andrade. v. PRADO, Paulo. Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira. São Paulo: Duprat-Mayenca, 1928.; e ANDRADE, Mário de. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. – 16ª ed. – São Paulo: Martins, 1978. SEVCENKO, Nicolau. op.cit.Cap. 2 e 3; p. 89-152; p. 153-222.
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167
do presente37. Não só a literatura his-
numento que perpetuasse “na colina
tórica contribuía para a construção da
do Ipiranga, a proclamação da Inde-
imagem do bandeirante como símbolo
pendência Nacional”39. No texto da lei,
integrador dos paulistas, outras inicia-
manifestava-se o desejo de fazer da es-
tivas caminhavam no mesmo sentido.
cultura pública um esforço de toda a Na-
A reforma do Museu Paulista sob a di-
ção, pois autorizava o governo estadual a
reção de Afonso d`Escragnolle Taunay
“entender-se com o Governo da União e
concentrou-se sobre criação da seção
dos Estados, de modo que o monumento
de história e materializava a intenção
projetado tenha caráter nacional”40.
de traçar a continuidade histórica entre
Nos anos seguintes, a partir de 1917
o bandeirismo e o presente, passando
e prolongando-se até as vésperas da cele-
por momentos cruciais da vida brasi-
bração de 192241, a área em torno da “co-
leira que aconteceram em São Paulo,
lina histórica” do Ipiranga foi preparada
como a proclamação da Independência
para servir de cenário aos rituais que
em 182238. Os “festejos” do centenário
culminariam com a reabertura do Museu
em São Paulo tornaram-se ocasião para
Paulista e a inauguração do Monumen-
combinar a tradição já estabelecida de
to à Independência. O bairro do Ipiran-
culto ao bandeirismo com a celebração
ga, até então um lugar distante, ganhou
da Independência política.
uma larga avenida. O ponto de fuga da avenida Independência era o edifício do
São Paulo na história
Museu Paulista, instituição estabelecida na década de 1890 às margens do riacho
Desde 1912, o governo do Estado
onde a emancipação política fora procla-
preocupava-se com a organização dos
mada42. Em frente ao edifício do museu
“festejos”. Uma das primeiras iniciativas foi a proposta de construir um mo-
37
38
ABUD, Kátia. op. cit. p. 133-135.; e FERREIRA, Antonio Celso. op.cit ELIAS, Maria José. Museu Paulista: memória e história. 1996. Tese (Doutorado em História Social) Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996. p. 246. Ver ainda os artigos: BREFE, Ana Claudia. Fonseca. História nacional em São Paulo: o Museu Paulista em 1922. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 10/11. p. 79-103, 2002-2003. Disponível em http://132.248.9.1:8991/hevila/Anaisdomuseupaulista/2003/no10-11/5.pdf. Acesso em: 20 fev 2011; e OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. O espetáculo do Ipiranga: reflexões preliminares sobre o imaginário da Independência. Anais do Museu Paulista. São Paulo, v.3 p.195208 jan./dez. 1995. Disponível em: http://www. scielo.br/pdf/anaismp/v3n1/a18v3n1.pdf Acesso em 20 fev. 2011.
168
39
40 41
42
Lei no. 1324 de 31 de outubro de 1912. Autoriza o Governo a promover a ereção de um monumento, no Ipiranga, que perpetue a proclamação da Independência. In: SÃO PAULO. Coleção de Leis e Decretos do Estado de São Paulo de 1912. São Paulo: Tipografia do Diário Oficial, 1913. t. XXII. p. 10. Idem. Decreto no. 2861 de 31 de outubro de 1917. in: SÃO PAULO. Coleção de Leis e Decretos do Estado de São Paulo de 1917. São Paulo: Tipografia do Diário Oficial, 1918. t. XXVI; Lei 1719 de 30 de dezembro de 1919. Estabelece providencias necessárias à comemoração do centenário da Independência do Brasil. in: SÃO PAULO. Coleção de Leis e Decretos do Estado de São Paulo de 1919. São Paulo: Tipografia do Diário Oficial, 1920. t. XXIX. p. 164. PEREIRA DE SOUZA, Washington Luiz. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo em 14 de julho de 1922. São Paulo: Tipografia do Diário Oficial, 1923. p. 107-110.
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reformado para a ocasião ficaria o Monu-
tas foram co-autores do gesto libertador.
mento à Independência.
Soma-se a isso a interpretação republica-
A imagem que se criava, então, va-
na do evento ao representar a Insurreição
lorizava a participação dos paulistas nos
Pernambucana e a Inconfidência Mineira
eventos da independência através das es-
como fatos que sustentavam e realizavam
tátuas de José Bonifácio e Diogo Antonio
a idéia superior de liberdade que, repre-
Feijó. Além da posição do monumento,
sentada na alegoria da vitória da indepen-
fixado nas margens do Ipiranga como a
dência no topo da composição escultórica,
lembrar que foi na terra paulista que a In-
conduzia a história.
dependência se fez, a valorização dos per-
Curiosamente, o Monumento à In-
sonagens também sugeria que os paulis-
dependência só seria visto em sua tota-
Figura 1: Monumento à Independência depois de concluído. Imagem disponível em: http://www.historia.uff.br/labhoi/image/tid/81
lidade em 1925, pois as obras não foram
que se ergue, Brasil-Nação43 e era acom-
concluídas a tempo. Em 1922, os paulistas
panhada de um pequeno texto que dizia:
tiveram apenas um vislumbre do monuEsse monumento, em grandes e belas proporções, será, em breve, uma das
mento através de uma fotografia de sua maquete publicada no Correio Paulistano no dia 7 de setembro. A fotografia compunha um grande artigo de Afonso d’Escragnolle Taunay intitulado Brasil
43
TAUNAY, Affonso d’E. Brasil que se ergue, Brasil-nação. 1500-1822 – 1822-1922. Correio Paulistano, São Paulo , 5ª feira, 7 de setembro de 1922. p. 4-11.
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169
mais imponentes e grandiosas obras de arte comemorativa do Continente. Além dos grupos laterais históricos e do grande baixo relevo de usa fachada, destaca-se, no alto, o carro da vitória, simbolizando a marcha da nacionalidade para os seus altos e gloriosos destinos.44
Aires e Nova Iorque até São Paulo46. O clima de celebração vinha crescendo à medida que se aproximava o dia 7 de setembro. Gradativamente, a partir do dia primeiro, passa-se das noticias relativas aos festejos aos comentários sobre a empolgação que tomava conta das ruas, passando pelo “entusiasmo patrió-
É preciso lembrar que, no imagi-
tico” do dia quatro e culminando no “al-
nário dos paulistas, os altos e gloriosos
voroço” notado no dia seis pelo Correio
destinos aos quais o texto se refere nas-
Paulistano47. Neste dia, além de noticiar
ceram em São Paulo. Os rituais do dia
o programa dos festejos na capital esta-
7 de Setembro de 1922 comprovam este
dual, o texto afirmava que os paulistas
sentido.
comemorariam com justificado alvoro-
Dias antes da celebração do dia sete,
ço a data do centenário porque ela teria
a imprensa diária noticiava os preparati-
o caráter de celebração nacional e local,
vos para a comemoração do centenário:
pois foi na terra de São Paulo que d. Pe-
conferencias no Instituto Histórico e Ge-
dro “soltou o grito memorável” e porque
ográfico de São Paulo, reabertura do Mu[...] foram os paulistas os que, com maior denodo e mais decidido afinco, se bateram pela libertação, apoiando os pensamentos do príncipe regente, dando-lhes horizontes e fazendo germinar, na alma brasileira, a confiança que nos armava para as lutas do futuro e a fé em nosso esforço, que havia de frutiferar (sic), depois, em tão belos pomos para a árvores portentosa da nacionalidade.48
seu Paulista com sua nova seção de história, participação dos paulistas na “turma nacional” de futebol que formaria para o torneio sul americano na capital, chegada dos comboios vindos do interior para os “festejos” 45. A julgar pelas notícias publicadas, São Paulo era tomada de um novo movimento, ritmado,talvez, pelo “poema entoado pelas hélices das possantes aeronaves” que realizavam “raids” aéreos partindo de Santiago, Buenos
Palavras de sentido semelhante foram ditas pelo orador escolhido para a cerimônia de inauguração do Monu-
44
45
O Monumento da Independência. Correio Paulistano, São Paulo , 5ª feira, 7 de setembro de 1922. p. 10. Instituto Histórico. Correio Paulistano, São Paulo, 6ª feira, 1 de setembro de 1922. p. 5; REABERTURA DO MUSEU PAULISTA. Correio Paulistano, São Paulo, Dom., 3 de setembro de 1922. p. 3; As festas do Centenário. Correio Paulistano, São Paulo, 6ª feira, 1 de setembro de 1922. p. 6; O CENTENÁRIO. Correio Paulistano, São Paulo, Sábado, 2 de setembro de 1922. p. 3 e 4
170
mento à Independência. No dia sete, por 46
47
48
O CENTENÁRIO. Correio Paulistano, São Paulo, 2ª feira, 4 de setembro de 1922. p. 2. O CENTENÁRIO. Correio Paulistano, São Paulo, 2ª feira, 4 de setembro de 1922. p. 2; e O CENTENÁRIO. Correio Paulistano, São Paulo, 4ª feira, 6 de setembro de 1922. p. 3. O CENTENÁRIO. Correio Paulistano, São Paulo, 4ª feira, 6 de setembro de 1922. p. 3.
Cad. Pesq. Cdhis, Uberlândia, v.24, n.1, jan./jun. 2011
volta das oito horas da manhã, uma mul-
pode ouvi-lo graças aos alto-falantes ins-
tidão se avolumava nas proximidades da
talados, foi executado o Poema Sinfônico
escultura apesar da chuva fina que caía e
da Independência. A imagem da história
do lamaçal em que se transformaram os
manifesta no monumento e nos textos,
acessos ao Ipiranga não concluídos em
como no discurso de Roberto Moreira,
tempo. Junto ao monumento, um coral
também se transformava em música e
de mais de 4500 vozes de escoteiros e
gesto. A própria escolha do orador não
praças da Força Pública entoaria o Hino
era gratuita: representante do 1º distrito
Nacional no momento em que o presi-
eleitoral, nascido em Pindamonhanga-
dente do Estado chegasse para cortar a
ba52, Moreira representava a guarda de
fita que prendia a bandeira nacional co-
honra que partira daquela cidade acom-
brindo o alto-relevo Grito do Ipiranga,
panhando d. Pedro até São Paulo em
explicitamente baseado no famoso qua-
1822. Os passos que se seguiram à inau-
dro de Pedro Américo exibido no salão
guração parcial do monumento também
de hora do Museu Paulista desde 192049.
corroboravam o papel atribuído aos pau-
Após o hino, Washington Luís desvelou
listas na história nacional.
a imagem sob aplausos. Em seguida,
Depois de visitarem o Museu Pau-
o deputado estadual Roberto Moreira,
lista reformado e de inaugurarem o Mo-
nascido em Pindamonhangaba, iniciou
numento a Olavo Bilac na avenida Pau-
que ressaltava o duplo
lista, as “autoridades” estaduais, como
sentido da homenagem para os paulistas,
numa viagem de volta ao passado, des-
destacava os personagens de São Paulo
ceram até Santos. O primeiro gesto foi
envolvidos no processo de emancipação
a inauguração do Monumento aos An-
política – José Bonifácio e Diogo Antonio
dradas e depois, como numa viagem de
Feijó – e lembrava mais uma vez o víncu-
volta ao presente e às promessas de fu-
lo entre o bandeirismo e a independência
turo, retornaram à São Paulo pela Serra
ao afirmar: “Primeiro foi a conquista da
do Mar, refazendo ao longo do caminho
terra, a delimitação da pátria. Porque,
os passos de d. Pedro I, mas não só dele.
como sabeis, o Brasil foi feito pelos bra-
Toda a história de São Paulo e do Brasil
sileiros, ou melhor, pelos paulistas”.
era recuperada e resignificada nos diver-
seu discurso
50
51
Logo depois do discurso, aplaudi-
sos monumentos inaugurados ao longo
do fervorosamente pela assistência que
da serra. Na saída de Santos, o Cruzeiro Quinhentista representando a abertura
49 50
51
BREFE, Ana Claudia. Fonseca. op.cit. p. 90. O CENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA. O Estado de São Paulo, São Paulo, 5ª feira, 7 de setembro de 1922. p. 41. AS COMEMORAÇÕES EM S.PAULO. São Paulo, O Estado de São Paulo, 6ª feira, 8 de setembro de 1922. p. 2; e O CENTENÁRIO. Correio Paulistano, São Paulo, 6ª feira, 8 de setembro de 1922. p.3.
do caminho entre Santos e Piratininga e a catequese de José de Anchieta. Mais à frente, os Marcos do Lorena dispostos à
52
O CENTENÁRIO. Correio Paulistano, São Paulo, 2ª feira, 4 de setembro de 1922. p. 2.
Cad. Pesq. Cdhis, Uberlândia, v.24, n.1, jan./jun. 2011
171
margem da estrada, representando a re-
Ritual cívico e construção social
abertura do caminho entre 1560 e 1757.
do espaço nacional
Em seguida, na “curva da Maioridade”, painéis de azulejos representavam a pas-
O espaço não é uma grade neutra so-
sagem de Pedro II em visita a São Pau-
bre a qual os processos sociais se desen-
lo em 1844. Depois de passarem pelos
rolam. Ele é um resultado destes proces-
primeiros anos da nacionalidade, alcan-
sos, a manifestação física e observável do
çarem o período do Império quando “o
tempo humano. Seria igualmente limi-
país já era um organismo completo em
tado compreende-lo apenas como resul-
, os viajantes chega-
tado de transformações econômicas. No
ram ao cume da serra onde tiveram: “a
caso da cidade, estas mudanças se tradu-
visão do Brasil presente, da nossa época
zem na alteração da paisagem: as vias de
atual. Acha-se ali construído um edifício
comunicação, as formas arquitetônicas,
vistoso que se harmoniza com a beleza
a variedades das personagens urbanas
pitoresca da paisagem.”54
que circulam pelas ruas. O espaço se al-
plena evolução”
53
Neste edifício, os viajantes daquele
tera materialmente e esta transformação
dia puderam contemplar, de um lado,
se faz acompanhar da construção de sig-
o mar e a serra vencidos pelos antepas-
nificados, de sentidos para a experiência
sados, e, do outro, o planalto paulista.
vivenciada. Ao mesmo tempo em que o
Nesta encenação, a história justificava
espaço materializa as mudanças ele tam-
as pretensões hegemônicas do presente.
bém precisa ser imaginado. Diante dos
Na visão dos poucos paulistas que pro-
fluxos que atravessavam a capital paulis-
tagonizaram os eventos daquele dia 7 de
ta e a região que representava, era preci-
setembro, São Paulo era a metonímia
so instituir um sentido que unificasse a
de um Brasil desejado. Talvez nunca te-
experiência de diferentes grupos sociais.
nham chegado a ler a crítica velada na
A imaginação de São Paulo como centro
descrição da Bruzundanga que, ironi-
visava a unificação dos significados da
camente, foi publicada ao final de 1922,
cidade e da região, tão diversos quanto
quando seu autor, uma das tantas vozes
eram os grupos que dela faziam parte,
dissonantes naquele momento político
frente a um lugar imaginado mais amplo,
conturbado, já havia suspirado55.
o espaço nacional brasileiro. Não foi por acaso, portanto, que o
53
54
55
O CENTENÁRIO DA INDEPENDENCIA. O Estado de São Paulo, São Paulo, 5ª feira, 7 de setembro de 1922. p. 41; e AS COMEMORAÇÕES EM S.PAULO. São Paulo, O Estado de São Paulo, 6ª feira, 8 de setembro de 1922. p. 2; e O CENTENÁRIO. Correio Paulistano, São Paulo, 6ª feira, 8 de setembro de 1922. p.3. CENTENÁRIO DA INDEPENDENCIA. O Estado de São Paulo, São Paulo, 5ª feira, 7 de setembro de 1922. p. 41 BARRETO, Afonso Henriques de Lima. op.cit p. 24.
172
centenário da Independência servisse de pretexto para a afirmação da centralidade da cidade e da região de São Paulo no conjunto do Brasil. Afirmar a proeminência de São Paulo e de suas elites no cenário nacional exigia um significante amplo, um fato que ultrapassava a história local.
Cad. Pesq. Cdhis, Uberlândia, v.24, n.1, jan./jun. 2011
Ao mesmo tempo, a emancipação política
que um dos momentos importantes do 7
deveria ser interpretada a partir do re-
de Setembro de 1922 fosse a inauguração
gional, combinando-se a outros temas de
do busto do8assem o corpo político com-
cor local que remetiam à longevidade do
posto por cidadãos desiguais: os funerais
compromisso paulista com a construção
de grandes personagens, as datas cívicas
do Brasil. À retórica da epopéia das ban-
e as comemorações tornavam manifesto
deiras somava-se a construção paulista da
o passado que se acreditava compartilha-
independência política.
do57. Neste sentido, as comemorações da
Esta leitura do passado deveria ter
Independência objetivavam uma leitura
visibilidade no tecido mesmo da cidade.
do passado brasileiro cultivada pelas eli-
Daí a construção do Monumento à Inde-
tes paulistas segundo a qual o Brasil teria
pendência e os planos para o Monumen-
emergido como nação – povo, território
to às Bandeiras. Além destas esculturas
e Estado – pelas mãos dos paulistas. O
públicas, outras foram inauguradas por
povo e o território nacionais teriam se
ocasião do centenário. Duas delas expres-
formado durante a epopéia bandeiran-
savam a gratidão das colônias estrangei-
te. Situada no período colonial, esta fase
ras ao país e à região que adotaram: o
da história se inicia com a ocupação do
Monumento à Amizade Sírio-Libanesa,
litoral e avança com os núcleos de povo-
homenagem da colônia sírio-libanesa de
amento no interior. A própria cidade de
São Paulo executada pelo mesmo escul-
São Paulo era uma evidência desse pro-
tor do Monumento à Independência; e
cesso: primeiro núcleo colonial estabele-
o Monumento à Carlos Gomes, de auto-
cido no planalto (1554) depois da trans-
ria de Luigi Brizollara56 que lembrava o
posição da Serra do Mar. Nos séculos
compositor erudito paulista que fez seus
XVII e XVIII, os moradores do núcleo ur-
estudos e carreira na Itália, uma inicia-
bano do planalto avançaram para o oeste
tiva da colônia italiana. Outra escultura
na conquista de índios para a lavoura ca-
pública, inaugurada na ocasião dos fes-
navieira do litoral e ouro. Implantaram
tejos do centenário, homenageava o po-
núcleos de povoamento nas futuras ca-
eta Olavo Bilac. Bilac havia estudado na
pitanias de Minas Gerais e Mato Grosso,
Faculdade de Direito de São Paulo e fun-
fizeram recuar o meridiano que separava
dara a Liga de Defesa Nacional em 1917,
as possessões espanholas e portuguesas
momento de forte apelo nacionalista com
desde o Tratado de Tordesilhas. Avan-
o envolvimento do Brasil na I Guerra. A homenagem partiu dos estudantes da escola de direito. É compreensível, então,
56
Brizollara havia também participado do concurso internacional para o Monumento à Independência. v., AHMWL. PASTA MONUMENTOS I – Monumento a Independência.
57
CATROGA, Fernando. Ritualizações da história. In TORGAL, Luis Reis, MENDES, José Amado e CATROGA, Fernando. História da história em Portugal, secs. XIX – XX. Lisboa: Círculo de Leitores, 1996. p. 547-671; GILLIS, John R. (ed.) Commemorations: the politics of national identity. Pinceton: Princeton Uniersity Press, 1994; CONNERTON, Paul. Como as sociedades recordam. s.l./ Celta Editora: 1993.
Cad. Pesq. Cdhis, Uberlândia, v.24, n.1, jan./jun. 2011
173
çaram ao sul e ao norte, estabelecendo a
respondendo a uma escritura peculiar,
ocupação portuguesa no que viria a ser
era como se o espaço se tornasse um livro
o Rio Grande do Sul e alcançaram o rio
em que a história paulista e brasileira po-
Amazonas. Nesse processo de avanço
dia ser visualizada por todos. Os relatos
para o interior, uma nova “raça”, tipica-
da imprensa diária sobre as comemora-
mente brasileira, teria se plasmado com
ções ampliavam a visibilidade dos ritu-
a mestiçagem de índios e europeus58. No
ais, fazendo chegar à imaginação de um
século XIX, a Independência e a forma-
público mais extenso aquilo que apenas
ção do Estado também seriam obras de
as “autoridades” puderam ver em sua
paulistas como José Bonifácio e Diogo
viagem metafórica ao passado. As autori-
Antonio Feijó, dois dos personagens re-
dades estaduais partiram do lugar onde a
presentados no monumento. Os paulis-
Independência fora proclamada, do tem-
tas cultos do século XX acreditavam-se
po presente da comemoração que fazia
herdeiros desta tradição. Mas como ma-
reviver o momento mítico da fundação
nifestar estas representações do passado
do Estado Nacional. Desceram a Serra do
brasileiro? Mais precisamente, como tor-
Mar em direção a Santos. Nesta cidade,
nar visível a continuidade entre a forma-
inauguraram o Monumento aos Andra-
ção do território e do povo e a construção
das, homenagem à família de políticos
do Estado nacional?
paulistas envolvida nos momentos deci-
Todo o ritual cívico do sete de Se-
sivos da emancipação e de construção do
tembro se sustenta numa retórica da
Estado. Regressaram à capital pela mes-
caminhada que demarca o território do
ma Serra do Mar, refazendo os passos
Estado de São Paulo a partir daquela lei-
dos antepassados e celebrando em cada
tura do passado, reunindo num mesmo
parada uma personagem ou fato da his-
ato a predileção das elites pela história
tória: a obra de catequese e pacificação
e a geografia, saberes que davam fun-
dos índios pelo padre José de Anchieta
damento aos projetos de modernização
no século XVI; a abertura do caminho
para o conjunto da nacionalidade . Cor-
da baixada litorânea ao planalto, obra de
59
Bernardo José de Lorena governador da 58
59
TAUNAY, Afonso d’Escragnolle. Na era das bandeiras. São Paulo: Melhoramentos, 1922; TAUNAY, Afonso d’ Escragnolle. História Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo: Ideal, 1924-1950. 11 v.; RICARDO, Cassiano. Marcha para Oeste. – 4ª ed. – Rio de Janeiro: José Olympio; São Paulo: EUDSP, 1970; ELLIS Jr., Alfredo. O bandeirismo paulista e o recuo do meridiano. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1934. Sobre esta questão ver: DE LUCA, Tania Regina. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N)ação. São Paulo: Ed.UNESP, 1999. Cap. II. p. 85-130. Neste capítulo a autora analisa a conformação de um discurso sobre o saber histórico e geográfico como fundamentos para transformar o
174
capitania de São Paulo no século XVIII; a parada na Curva da Maioridade, alusiva à elevação de d.Pedro II à direção do Estado imperial; e finalmente a chegada ao Rancho de Paranapiacaba, momento de país. Formulada pelas elites cultuas que colaboravam na Revista do Brasil, esta visão espraia-se, configurando-se como parte do pensamento das elites políticas estaduais, até porque alguns de seus representantes colaboravam no órgão dirigido por Monteiro Lobato.
Cad. Pesq. Cdhis, Uberlândia, v.24, n.1, jan./jun. 2011
contemplação do presente republicano,
novamente em lugar63. Recria-se, ainda
tempo inaugurado com a fundação do
que de forma momentânea, uma ordem
Partido Republicano Paulista em 1870.
das posições. No caso dos rituais cívicos
Os discursos proferidos nesse momento
do sete de Setembro que descrevi, qual é
enfatizavam a linha evolutiva, a marcha
a ordem que se pretendia recriar? Qual
civilizatória protagonizada pelos paulis-
sistema de posições o relato do ritual
tas desde o século XVI até o século XX60.
desejava instituir?
A expressão máxima deste desenvolvi-
Tratava-se
de
estabelecer
a
mento seria a cidade de São Paulo. Não
hierarquia do espaço nacional que não
por acaso, ao cair da noite, a comitiva
se define por um território, por uma
do governador do Estado regressara de
grade física determinada por fronteiras
automóvel à capital regional, símbolo do
mais
novo tempo.
existe mesmo uma naturalização das
ou
menos
naturais.
Antes,
A ritualização da história efetuada
fronteiras que resultam de delimitações
no dia sete de Setembro pelos mais altos
arbitrárias do mundo social64. Se as
representantes da elite política de São
nações podem ser pensadas, na fórmula
Paulo sustentava-se na demarcação
consagrada de Benedict Anderson65,
do espaço regional que instituía São
como
Paulo como lugar. Michel de Certeau
espaços que servem de base para sua
estabelece uma distinção entre espaço
identificação são lugares imaginados
e lugar que parece útil para pensar os
que estabelecem os limites do outro66.
rituais cívicos. O lugar seria a ordem,
O espaço nacional, portanto, resulta
uma indicação de estabilidade para
de
as relações entre os elementos que
diferentes atores regionais defendem
constituem um dado espaço. Um lugar
suas posições e procuram impor uma
é uma “configuração instantânea de
ordem que assegura a legitimidade de
posições”61. O espaço, por sua vez,
sua proeminência frente aos outros.
define-se
pelos
Portanto, as elites intelectuais e políticas
deslocamentos físicos e de significado
que protagonizaram os rituais do sete
pelo
movimento,
comunidades
operações
imaginadas,
políticas
em
os
que
que a retórica da caminhada cria. Por isso, pode-se dizer que o “o espaço é um lugar praticado”62. Quando, ao caminhar, determinados pontos são demarcados, 60
61
62
o
espaço
63 64 65
converte-se
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66
Ibidem. p. 203. BOURDIEU, Pierre. op.cit. p. 114. Anderson mesmo parece atento a esta relação entre a imaginação espacial e a criação de sentimentos nacionais ao analisar a vinculação dos nacionalismos oficiais pós-coloniais às técnicas de controle do espaço dos territórios coloniais que precederam a constituição das novas nações, ver: ANDERSON, Benedict. Imagined communities: reflections on the history and spread of nationalism. London, New York: Verso, 2006. Cap. 10. p. 163-185. GUPTA, Akhil & FERGUSON, James. op.cit.
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