São Paulo, uma cidade - Como um náufrago, um índio e um jesuíta contribuíram para a construção do espírito paulistano, da taipa ao concreto.

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São Paulo, uma cidade – Como um náufrago, um índio e um jesuíta contribuíram na construção do espirito paulistano, da taipa ao concreto.

Ana Luiza Pasotti Damasceno Maria Inês Casado de Oliveira Alcaniz

Resumo Este artigo tem como objetivo mostrar a evolução da cidade de São Paulo, desde sua fundação, sob um novo paradigma, baseado em seus personagens iniciais e na construção de um espirito emprendedorista e autônomo, características fundamentais da grande megalópole brasileira. Sem entrar profundamente nos fatos históricos, já muito explorados pela historiografia cuja relevância é incontestável, visa reviver alguns aspectos curiosos de sua fundação, sua arquitetura, que está diretamente relacionada com a construção da cidade contemporânea, sua arte e seu carisma estão intrinsicamente ligados ao espirito paulistano.

Palavras chave – Jesuítas, índios, empreendedorismo, autonomia, bandeirantes, arquitetura, cidade, taipa.

1- Introdução. Embora a fundação da Vila de São Paulo de Piratininga tenha ocorrido oficialmente em 25 de janeiro de 1554, em homenagem a conversão de São Paulo, sua história começa alguns anos antes, de forma meio nebulosa, mas não menos interessante. Consta nos relatos oficiais que João Ramalho, talvez náufrago, talvez aventureiro, tenha chegado às terras da Serra Acima do litoral de São Vicente, pertencentes ao donatário Martim Afonso1, anos antes das missões jesuíticas e do assentamento de colonos na região. Nesta região iniciou-se um elo entre três grupos distintos para explorar o então sertão desconhecido. Estes grupos percorriam os 2 caminhos do Peabiru saindo de São Vicente e através do sertão passando por Piratininga, daí seguindo por terra até Assunção e chegando até Cuzco. Natural de Vizeu, norte de Portugal, presume-se que João Ramalho tenha chegado ao Brasil por volta de 1512, sendo provavelmente um naufrago, das primeiras viagens portuguesas ou mesmo um degredado. O fato é que viveu na região de São Paulo onde faleceu em idade avançada. Encontrado por Martim Afonso de Souza, vivendo entre os tupiniquins foi casado com Bartyra, filha do cacique Tibiriçá, completamente indianizado conhecedor e participante dos rituais indígenas e das guerras entre índios e brancos na região. Foi o grande agente do êxito na colonização que surgia no Brasil, tendo sido nomeado capitão mor, pelo então Governador Geral Tomé de Sousa em 1553 e alcaide mor do campo, na região de sua ermida em Santo André da Borda do Campo. Os Campos de Piratininga foram escolhidos por ser o princípio do caminho do planalto, possuir terras mais equipada e estabelecer apoio para aprofundar nas matas ainda inexploradas. Os indígenas tinham habitações perenes, porque era costume a cada três ou quatro anos os índios migrarem. A localização não poderia ser melhor, sobre o Trópico de Capricórnio, numa colina plana com vista de várias direções, proporcionando fácil defesa e segurança, circundada por cursos d’água do rio Tamanduateí e seu afluente o ribeirão do Anhangabaú. Um ponto estratégico para um projeto do estilo colonial. As condições que organizavam o altiplano levaram o Padre. Manuel de Nobrega, que se encontrava em São Vicente, a estender sua missão à região de João Ramalho, com a transferência de seu núcleo e a fundação do primeiro colégio no interior das terras brasileiras. Foi então celebrada, pelo padre Manuel de Paiva, em 25 de janeiro de 1554, a famosa missa evocadora da conversão do Apóstolo das Gentes e ato inicial da existência do arraial de São Paulo de Piratininga, elevada a vila em 1560 e cidade em 1711. Esta cerimônia inesquecível foi realizada no pátio do colégio e foi assistida por um jovem noviço de 20 anos a quem caberia o glorioso título de Taumaturgo do Brasil e sua atual condição de Santo Padre Anchieta. A São Paulo desta época era assim descrita pelo próprio Anchieta “terra de grandes campos, fertilíssima de muitos pastos e gados, bois, porcos e cavalos e abastada de muitos mantimentos”. Junto à igreja erguida pelos jesuítas plantaram-se novas ervas que somadas às velhas plantas da região acabaram ligando o conhecimento indígena ao europeu, mostrando de forma simples ainda, a complexidade da convivência entre brancos e nativos.

É neste lugar que, em 1550, o padre Manoel da Nobrega principia a “escola de meninos” e a catequese com o padre Leonardo Nunes, o Irmão Pero Correa e o Irmão Manuel Chaves; como descrita na carta do Padre Anchieta: “(...) uma casa pobrezinha, feita pelos índios, de barro e paus, coberta de palha, medindo quatorze passos de comprimento e dez de largura, ao mesmo tempo escola, dormitório, refeitório, cozinha e despensa (...)”.

. 1. Mapa da Capitania de São Vicente 1597 (donatário Martim A. Souza). Fonte: http://www.novomilenio.inf.br/santos/mapa17a.htm 2. Os caminhos do Peabiru A Trilha dos Tupiniquins e o Caminho do Padre Anchieta Livro: Capitães do Brasil de Eduardo Bueno.

Fonte:

Em 1554 são transferidos de São Vicente para Piratininga treze padres (Pe. Manuel de Paiva, Pe. Francisco Pires, Pe. Afonso Brás, Ir. Vicente Rodrigues, Ir. Diogo Jácome, Ir. Gregório Serrão, Ir. José de Anchieta, Ir. Pero Correa, Ir. Leonardo do Vale, Ir. Mateus Nogueira, Ir. Antônio Rodrigues, Ir. João de Sousa e Ir. Manuel Chaves) para introduzir em torno do Colégio os primeiros aldeamentos como no Regime das Missões. Ao Padre Afonso Brás é incumbido à construção da nova igreja e colégio para substituir a de palha da primeira missa em 25 de janeiro de 1554. A técnica de construção utilizada foi a de Taipa de Pilão3 para as paredes externas com a tabatinga e Taipa de Mão nas paredes internas, sem alicerces e baldrames de pedra, porque a pedra era um material raro aqui, diferentes do que encontramos em outros lugares, como nas construções litorâneas que utilizavam pedras e calcários. É a partir desta escolha, que as construções de todas as casas da aldeia passam a ser nesta técnica, o que caracteriza as construções bandeirantes, estabelecendo um dado fundamental no conjunto do Patrimônio Cultural Paulista.

3. Taipa de Pilão e Socadores de taipa de mão. Fonte: Montoro(1994) e Manual de Construcción com Tierra, de Gernot Minke.

Taipa de Pilão- técnica de construção de terra mourisca utilizada pelos portugueses e espanhóis. Montando uma estrutura retangular de madeira, com 0,30 /0,40 cm de largura por 0,60/a 1m de comprimento, e estruturando com cunhas e torniquetes, vai sendo colocado o barro vermelho para ser amassado com o pilão na estrutura de madeira até atingir a altura desejada. Secagem 04 a 05 meses.

Taipa de Mão, de sopapo, Pau-a-piquetécnica utilizada até hoje em construções rurais pela qualidade e baixo custo e materiais naturais. Monta-se em duas fases, primeiro uma estrutura com varas, bambus, madeiras entrelaçando-se e estruturando com amarrações. Depois de toda estrutura feita começa a colocação do barro com as mãos em pequenas quantidades (por isso o nome sopapo), até preencher todos os 4 e5 espaços. Alisando com o barro. 4. Taipa de Mão. Foto: Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, Ana Luiza. 5. Desenho de montagem. Fonte: http://csc2cp2.net/matpedagogico/art/8_ANO_Sistemas_Construtivos_do_Brasil_Colonial.pdf

Telhados- inicialmente montada em sapé, (técnica índia utilizada até hoje) e depois substituída por telhas de capa ou canal. Moldadas manualmente em cerâmica por escravos que não possuindo moldes colocava em sua perna, irregulares porque eram produzidas em dimensões e formas diferentes. O que deu forma a “expressão feita nas coxas” pela falta de uniformidade.

Ao cacique Tibiriçá cabia à proteção da pequena vila, uma vez que era afeiçoado aos brancos devido ao fato de terem seus netos ascendência portuguesa, através do casamento de sua filha com João Ramalho, possibilitando ao grande chefe indígena se aproximar dos colonos e também dos jesuítas adotando o batismo na nova ordem religiosa. Os confrontos que se seguiram, entre os três grupos representados por João Ramalho, Padre Manoel de Nobrega e Padre Anchieta e o cacique Tibiriçá, entrelaçados pelos objetivos específicos de cada grupo, sendo o poder politico, a catequese e a manutenção da posse da terra e conservação das tradições nativas, respectivamente, chocaram-se ainda com outros grupos indígenas que não eram simpáticos a ocupação portuguesa no Brasil. 2- João Ramalho e os jesuítas. Se os motivos que trouxeram João Ramalho ao Brasil são desconhecidos suas relações com os jesuítas foram amplamente contadas pela historiografia e marcadas por contradições e controvérsias. Os índios encontraram João Ramalho na praia, na região de São Vicente aproximadamente em 1510 e levado a Tibiriçá no planalto de Piratininga, sendo que para sua sorte, caiu nas graças do índio. O cacique ofereceu sua filha em casamento, como era o costume nativo, e desta forma muitos filhos, netos e bisnetos deram origem a uma população mestiça. Quando Martim Afonso de Souza chegou ao Brasil em 1532, encontrou com Ramalho e seus filhos, já adultos e indianizados, com muitos descendentes e adquiriu grande reputação junto ao donatário que foi convencido de estabelecer seus colonos tanto no litoral como no interior paulista.

Embora tenha sido fiel a sua esposa Bartyra, posteriormente batizada Isabel, deixou em Portugal sua primeira esposa Catarina, com quem nunca mais estivera. Os jesuítas queriam, no entanto, manter a reputação de João Ramalho por sua facilidade em conseguir guerreiros que protegessem a ermida erguida no pátio do Colégio6, mas, os hábitos indígenas, as festas, o comportamento “nativo” de seus filhos, levaram ao rompimento entre eles. Em carta para a sede da Companhia de Jesus, de primeiro de setembro de 1554, o padre José de Anchieta queixava-se da má influência dos brancos sobre os catecúmenos, relatando uma viagem do irmão Pero Correia a povoação de Ramalho onde teria sido convidado a beber. Mesmo negando-se foi convencido pelos brancos e caiu em grave doença e acabou vitimado por ela. Em confissão, após o batismo contou seu infortúnio, mostrando que esses cristãos eram ainda piores que os pagãos. (TORRÃO FILHO, Amilcar pg. 85) Para Anchieta, a relação com os colonos e a formação de uma comunidade inaciana dependia de certo isolamento em relação aos colonos, cuja integração era danosa para a conversão dos mesmos, preferindo muitas vezes, o convívio com o gentio. Ramalho, por sua vez, obstruiu inúmeras vezes a evolução dos missionários no planalto que só foi retomada após a mudança dos colonos da vila de Santo André para os arredores do Colégio Jesuíta. Quando morreu, em 1580 com mais de 90 anos, ainda se preocupava com sua esposa portuguesa, mas seus descendentes se espalhavam por toda a região do Planalto de Piratininga, já que fora condenado por seu comportamento “nativo”. Essa conduta entre jesuítas e colonos, levou ao isolacionismo característico de São Paulo observado fartamente na historiografia da cidade determinando visões baseadas na pobreza, desordem e no desenvolvimento de uma cultura tipicamente paulistana, pois a formação da região do planalto ficou restrita a poucas povoações. As características da arquitetura da cidade, pouco ou quase nada diferiam do projeto colonial português, e a partir de 1560 é transferida toda a vila de Santo André da Borda do Campo, por ordem do governador-geral para o agrupamento de Piratininga, transformando o destino da aldeia em povoado. Isto faz com que o sitio urbano comece a se modelar, em torno do colégio jesuítico apesar do isolamento do planalto, com ruas estreitas sem calçamento.

6. Pátio do Colégio. Desenho de J.B.Debret (1824).

3- Os índios e os portugueses Neste período inicial, São Paulo contava com poucos colonos e muitos mestiços já que não vieram de Portugal muitas mulheres para esta região o que levou a um número expressivo de casamentos entre brancos e indígenas e, consequentemente, uma população mameluca, filhos de portugueses com mães índias. A capacidade de adaptação dos portugueses em solo paulistano teve seu inicio facilitado pelas relações conquistadas por João Ramalhos levando inúmeros colonos adotar hábitos e conhecimentos indígenas para permanecer na região. Falavam tupi, sua língua materna, e aprendiam português na escola, e durante quase um século mantiveram esta estrutura quase intacta, ajudando os colonos que chegavam a São Vicente a se assentar nas terras altas, o que chocava os jesuítas que ficavam horrorizados com a forma que as índias se ofereciam aos novos habitantes. O próprio Padre Anchieta chegou a comentar “as mulheres andam nuas e não sabem negar a ninguém, mas elas mesmas acometem e importunam os homens em suas redes”. (pag. 92 – As cartas de Anchieta a Diogo Laynes, mencionada por Gilberto Freire). Mas as relações entre índios e brancos iria se deteriorar com o tempo devido ao escambo de mão de obra, da escravização do gentio e dos consequentes enfrentamentos entre as duas etnias, mas o caráter mestiço já havia lançado suas sementes nas terras paulistanas. A carência de recursos devido à dificuldade de contato com o Reino levou o paulistano a desenvolver certa originalidade que podia ser percebida tanto em suas vestimentas rusticas como nas construções de taipas, ruas estreitas e tortuosas com um ou outro edifício conventual. Os jesuítas negociaram o projeto dos aldeamentos com a Coroa portuguesa para obter rendimento, pois os recursos eram muito pequenos, e conseguindo, deram inicio ao projeto que Anchieta em sua carta datada 1584 comentava sobre as doze aldeias. Essa peculiar formação de vários aldeamentos indígenas, situados ao redor do colégio jesuítico acabaram contribuindo com a proteção e povoamento da região Planaltina. As aldeias mais antigas, anteriores a Piratininga, foram Mairanhaia, Jeritiba e Maniçoba, sendo esta ultima distante 40 léguas sertão adentro. O Padre. Manoel de Nobrega e outros catecúmenos construíram pequenas igrejas e começaram nela o ensino da doutrina cristã. Segundo o padre Serafim Leite, ergueram-se pequenas ermidas em cada uma das aldeias no entorno de Piratininga. Contemporâneas a Piratininga foram fundadas Ibirapuera em 1560 pelo próprio Anchieta com os índios Guainás, que com o tempo acabou por se tornar uma vila rural. Outros aldeamentos incorporaram o projeto catequético dos jesuítas no planalto paulistano como Pinheiros, São Miguel, Barueri, Carapicuíba, Guarulhos, Embu, Escada, Itaquaquecetuba, Itapecerica, e São José de Peruíbe. O padre Manoel da Nobrega e o Irmão Antônio Rodrigues iniciaram com esse projeto pela antiga aldeia indígena de Maniçoba ou conhecida como Japyuba, próxima ao caminho do Peabiru que distava quarenta léguas de Piratininga. Erigiram uma pequena igreja em setembro

de 1553, que durou alguns anos por ser esta região insegura e com o tempo se transfere para o Embu e depois para a Fazenda de Fernão Dias Paes como relata o padre Serafim Leite. Dando continuidade nas aldeias temos: Itanhaém (vila em 1561) início com Piratininga; Ibirapuera, 1560 por Anchieta com os índios Guaianás, as margens do Jeribatiba - Pinheiros com o passar dos anos, pela grande afluência de portugueses passou a ser bairro rural, em 1680 montando uma paróquia. Construíram ainda, Nossa Senhora dos Pinheiros, distante uma légua, após Piratininga passar a vila os índios Guaianases mudam-se para essa região; São Miguel de Urura8, é do irmão do Tibiriçá (2 léguas)1622; Embu- Aldeia dos Reis Magos, região habitada por índios tupiniquins 1554 iniciou a aldeia de Bohi, depois M’Boy e 1690 o padre Belchior de Pontes iniciou a Igreja do Rosário; Barueri, fundada no início do século XVII; Carapicuíba 7 (fundada12 de outubro de 1580) por Afonso Sardinha 1º. Bispo do Brasil ; Guarulhos 1580/90; Nossa Senhora da Escada (Guararema 1652) pré-cabralina; Itaquaquecetuba igreja Nossa Senhora da Ajuda (1560/80); Itapecerica 2ª metade sec. XVI, (vizinha a Embu) sobre sítio cabralino – igreja Nossa Senhora dos Prazeres; São José dos Campos (2ª. Metade do sec. XVI e fazenda jesuítica 1643/1660) e São José de Peruíbe pré-cabralina. Todas estas aldeias formaram toda a “cadeia de casas jesuíticas” conforme o projeto inicial de Nóbrega, que depois dessa primeira etapa vencida passa a frutificar, embora bem mais tarde com as missões dos índios Guarani.

7. Vista Aérea da Construção jesuítica da Aldeia de Carapicuiba. http://www.paginazero.com.br/site/images/stories/1077/AldeiaCarAerea1.jpg

8. Igreja de São Miguel Paulista, Anchieta http://zonalestenews.com.br/?p=2265

No entanto, o desenvolvimento da vila tomou força na construção da casa de Tibiriçá, onde hoje está o colégio de São Bento, porque sua tribo incorporava a nova Vila com uma Câmara, muros definindo contornos e espaços do terreno onde se localiza o centro da cidade de São Paulo atualmente. Os núcleos urbanos, geralmente possuíam um desenho geométrico minucioso, obtendo uma simetria e harmonia do estudo do sitio, com o levantamento do terreno e o ato de projetar a forma urbana. Com o objetivo de uma disposição e comodidade pública para agradar as povoações e a cultura dos seus habitantes. Para montar o plano da cidade a Câmara Municipal em 1630 contrataram um piloto, ou melhor, um marujo de nome Pero Rodrigues (Roiz) Guerreiro, conhecedor do rumo da agulha, topografo sabendo utilizar uma bússola, para assumir a função de arruador. Os proprietários de fazendas paulistas que viviam nesta região possuíam naquele momento um perfil psicossocial de senhor absoluto do sertão desbravado, dono das terras, da

família e dos escravos, distribuidor de justiça e de religião, com os traços autárquicos da sua vida refletidos claramente na construção quadrangular, esquematizada, definida e segura. No período 1600/1700 onde encontramos a arquitetura rural com casas/sedes de taipa, que resistem valentemente até hoje. Tinham como características construtivas plantas retangulares com vãos de entrada (envasaduras), parede de taipa de pilão com carpintaria em canela-preta, alicerces com terra socada em valas abertas no solo, telhado de quatro águas formando beiral com telhas canal, e montagem sobre plataforma natural ou artificial próximo a um riacho. Atualmente graças ao alguns esforços e de conservação destes Patrimônios podemos visitar estas casas denominadas “Bandeiristas”, monumentos do nosso patrimônio: Butantã séc. XVII 9, Caxingui/Sertanista sec. XVII, Tatuapé meados 1611, Sítio Morrinhos 1702, Sítio da Ressaca/Jabaquara 1719, Sítio Santa Luzia/Santana séc. XIX, Sítio do Capão/ Regente Freijó séc. XVII, Sítio do Itaim-Bibi, Sítio Mirim 1759, Piraquara, Santo Amaro e Vila Nova Cachoeirinha. E mais distantes temos: Sítio Mandu de Cotia, Sítio do Padre Inácio de Cotia 10, Santana de Parnaíba, Querubim, Santo Antônio de São Roque e São Romão.

9. Casa do Bandeirante, Butantã.Fonte: mapio.net/pic/p-26587571/

10. Sítio do Padre Inácio, Cotia. Fonte: www.aetec.org.br

4. O caráter único empreendedor e carismático de São Paulo. No entanto, a construção da vila de Piratininga, não observou as regras dominantes das povoações brasileiras quinhentistas, como observou Ernani Bruno, com regras e arruamentos dispostos pelo poder municipal. Contrariamente a cidade se originou de um colégio jesuíta, congregando aldeamentos indígenas, incorporando povoamentos dos brancos e produzindo uma imensa população mameluca. Não se formou também a população do planalto obedecendo a um modelo clássico, mas sim de forma espontânea adquirindo um curioso tipo de aglomeração. A cidade também não seguiu o modelo habitual, formação em torno da igreja, do mercado e da casa de administração em nada parecido com aquele esquema que faria mais tarde Hercules Florence dizer que todos os povoados do Brasil eram idênticos. Em São Paulo formou-se uma povoação de residência transitória para a maioria dos moradores, que mantinham casas para tratarem de negócios e ou permanecerem aos domingos e em dias de procissão.

Ligadas estreitamente ao objetivo do colonizador português as reduções, escolas e igrejas jesuíticas contribuíram fortemente com o desenvolvimento cultural, religioso, social e politico da região, transferindo os indígenas das antigas aldeias para próximo das aldeias coloniais. A vila colonial de São Paulo deveria ser e era o espaço onde se tornava viável o exercício efetivo do poder politico, econômico e eclesiástico, que definia os limites da conquista e da administração das riquezas. A relativa autonomia, a falta constante de recursos e o alto número de mestiços levou ao surgimento de um movimento importantíssimo para o crescimento e enriquecimento da metrópole portuguesa, o bandeirantismo. O esvaziamento da província foi acentuado no decorrer do século XVII, pois os moradores abandonavam tudo e adentravam o sertão a procura de índios, esmeraldas e ouro, a ponto do ouvidor geral escrever em sua correição, relativa ao lançamento do donativo real, que a relação de contribuintes tinha sido feita no tempo que havia moradores na vila, e que boa parte deles se encontrava em vilas vizinhas. Durante boa parte dos séculos XVII e XVIII São Paulo tornou-se praticamente um quartel general das Entradas e Bandeiras, que buscavam riquezas, mas que acabaram incorporando um aspecto negativo devido ao mercado de escravos. O conhecimento geográfico da região e sua farta bacia hidrográfica facilitaram as viagens para o interior brasileiro o que levou ao despovoamento da região da vila. O resultado foi seu grande empobrecimento, embora nela tenham permanecido algumas famílias que possuíam pequenas fortunas conquistadas através do tráfico de escravos índios. A evolução desse processo culminou com uma transformação do próprio espirito paulistano marcado pelo gosto da liberdade e de aventura inicialmente substituído pelo gosto por uma vida sedentária, confortável e pela acumulação de riquezas. Sua construção edificada não possuía engenheiros e arquitetos e pelos registros o primeiro profissional foi o engenheiro militar João da Costa Ferreira, construtor da primeira estrada calçada do Caminho da Serra do Cubatão, ligando São Paulo a Santos, no final do século XVIII. Ele quem moderniza as construções da vila com novos métodos e materiais. E depois de sua permanência é que aparecem registros de outros profissionais que não os mestres taipeiros. Um dos profissionais que temos conhecimento é o escravo Joaquim Pinto de Oliveira Tebas, mestre de obras muito talentoso que construiu o chafariz da Misericórdia. A partir daqui as casas passaram de sobrados com janelas retas para padieiras arqueadas, apresentando rótulas, treliças, balcões e muxarabis. Em 1711 São Paulo passa a categoria de cidade em consequência da descoberta do ouro em Cuiabá, acentuando o interesse da coroa portuguesa na região e o desenvolvimento de uma politica opressora e de restrições econômicas. Durante o governo de Rodrigo Cesar de Meneses a cidade foi marcada pela transição entre a antiga liberdade rude e a nova vida amenizada pela riqueza. Após este governo diria Washington Luís que “não havia mais Paulistas, mas apenas a Capitania de São Paulo”.

A descoberta do ouro levou a criação de um governo separado de Minas Gerais e a presença permanente de um delegado régio colocando a capitania dentro do sistema de controle da metrópole, numa tentativa de igualar sua organização às demais regiões da colônia. No entanto, o ouro, de inicio, representou um fator negativo para a capitania, paralisando as atividades pastoris e extraviando os rebanhos, agravando-se ainda mais com as medidas tomadas pelo então Marques de Pombal em 1758 que retirou dos paulistanos os gentios escravizados, que representavam boa parte da riqueza desta região. Os bandeirantes matavam o tempo enviando pássaros e animais caçados pelos índios para animar as coleções europeias, principalmente de sua majestade, e foram gradativamente transformados em soldados, embora este título em nada os agradasse. Pouco depois os habitantes de São Paulo foram incentivados a fabricar o anil, juntando-se aos mais variados negócios que já compunham a realidade da cidade, devido à necessidade de abastecer os habitantes das Minas e já no final do século XVIII a agricultura encontrava-se em grande progresso, com o açúcar produzido nas regiões de Itu, Piracicaba, Sorocaba, Campinas, Araçatuba entre outras. Mas a capital da província guardava sua própria produção e os habitantes eram incentivados a desenvolver uma agricultura diversificada para atender esse mercado. Por conseguinte, a população regional foi enriquecendo de novos elementos como a presença de negros africanos e imigração de europeus e de mineiros. Entre os séculos XVIII e XIX a cidade de São Paulo se desenvolveu as margens da produção aurífera e intrinsicamente ligada ao seu próprio domínio, onde terra e trabalhador passaram a constituir a força da transformação que veio a seguir. A cidade foi palco da Independência e cumplice do descarado amor proibido do Imperador Dom Pedro I com a Marquesa de Santos que acabaria seus dias no Palacete do Carmo conhecido atualmente como Solar da Marquesa, próximo ao Pátio do Colégio na antiga Rua do Carmo. Ironia? Talvez não, pois a influência da senhora marquesa sobre os rumos da liberdade brasileira são notórias, como revelou Mary Del Priori em seu livro “A Carne e o Sangue”. A cidade paulista acolheu a dama proscrita da corte do Rio de Janeiro e desfrutou, como consequência, da presença do Imperador e acabou participando intimamente da construção politica do Brasil. Após a independência a capital da província adquiriu algumas melhorias e o desenvolvimento de alguns serviços de interesse coletivo e de empreendimentos urbanísticos, sociais e educacionais. Pouco mais tarde, na segunda metade do século XIX São Paulo já despontava como sede residencial de todas as autoridades civis e religiosas, exatamente por ser a capital da província e de guardar uma autonomia pertinente a sua população. No inicio do século XIX a cidade tinha em seus governantes a preocupação de fundar um horto botânico, projeto que havia sido objetivo dos mais importantes do Pe. José de Anchieta ainda no século XVI e o lugar escolhido foram as terras devolutas do Campo da Luz, com ordenação Régia que também estabeleceu nas mesmas terras o quartel para artilharia. Infelizmente em 1830 o lugar estava praticamente abandonado, como constatou o então presidente da Província Dr. José Carlos Pereira de Almeida Torres, tendo se transformado em pasto de gado e com empregados sem função, mas que tinham seus proventos inseridos nas

contas públicas. Assim, mudaram-se as atribuições do espaço da Luz que seguiu transformado em Parque Público e que mais tarde acolheria a magnifica construção pelo escritório Ramos de Azevedo do Liceu de Artes e Ofício no final do XIX e transformado na Pinacoteca do Estado de São Paulo a partir de 1903. Em 1827 a criação da Faculdade de Direito do largo São Francisco se consolidou após forte discussão se esta não deveria ser na sede da corte, pois São Paulo não tinha estrutura física para dar moradia aos estudantes. Entretanto, o centro paulista acabou por contar com grande número de republicas de estudantes, becos e ruas tortuosas que preencheram o folclore urbano de curiosas e divertidas histórias. A presença dos estudantes da academia de Direito resultou na transformação da população paulistana onde, praticamente não havia literatura, em um centro intelectual dos mais importantes do país propagado através das sociedades estudantis e de suas revistas literárias, cujo auge se deu em torno de 1860. Os estudantes ilustres como Alvares de Azevedo, Fagundes Varela, José de Alencar, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa só incentivaram a vinda de muita gente do interior, do Rio, e de outras províncias que, sem duvida nenhuma, desenvolveram esse fenômeno paulistano, um “certo magnetismo” que persiste até os dias atuais. Os conventos da região central da capital paulistana acabaram por hospedar os frequentadores da academia, mas foram as repúblicas que ocuparam quase todas as casas da região da Sé, República, Largo São Francisco, entre outras. Esse aumento significativo da população desenvolveu um número considerável de indústrias na cidade, como lavanderia, restaurantes, confeitarias e bares para alimentar o corpo e a alma dos intelectuais. No entanto, era uma população flutuante e transitória, que esperavam a formatura para dar lugar aos novos ocupantes das cadeiras acadêmicas. No séc. XIX São Paulo girava em torno da Academia de Direito principalmente por conta do curso jurídico e já contava com problemas conhecidos atualmente, como transito ruim, e sujeira nas ruas mal organizadas, devido a uma ocupação ordenada apenas pela necessidade de cada cidadão. A motivação, no entanto era diferente. Animais como vacas e cavalos, dividiam o espaço com os moradores da região, muitas vezes deixando as ruas com odores insuportáveis e praticamente intransitáveis. Outra modificação ocorrida na cidade vem de encontro com os alunos que ocuparam os aposentos do convento e cada uma das casas do centro, transformando-as nas repúblicas de estudantes, cujo formato ainda pode ser encontrado atualmente, em que todos os cômodos são transformados em dormitórios, com pouca mobília e apenas mesas de estudos. Mas havia também os estudantes nômades que comiam e dormiam nas repúblicas em que se encontrassem no momento, o que causava uma grande peregrinação de acadêmicos diariamente pelas ruas do centro. Hábitos novos foram inseridos na comunidade paulistana, através dos estudantes que não deixavam que suas folias atrapalhassem seus estudos, mas não tinham o mesmo cuidado quando levavam sua “alegria” para traquinagens como, por exemplo, quando o Veado de Ouro

emblema da farmácia alemã da Rua São Bento, desapareceu misteriosamente, levando seu dono o Sr. Shumann a reconquistar seu valioso emblema através do seguinte anúncio: “O ilustríssimo senhor ladrão que levou do frontispício deste estabelecimento o veado de ouro que lhe servia de emblema , terá a bondade de vir ou mandar restituir nesta casa, à Rua São Bento. Garante-se absoluto segredo e uma gratificação de cinquenta mil-réis”. (BRUNO, Ernani S. “História e Tradições da Cidade de São Paulo” – vol. II – pag. 824). Os acadêmicos cercavam transeuntes, criavam confusões e acabaram algumas vezes entrando em confronto com as autoridades policiais o que levou a nomeação do professor da academia – conselheiro Furtado – como delegado de policia, para evitar incidentes mais graves. Apesar de tantas pessoas ilustres terem passado pela Faculdade nenhuma delas teve a honra de ser sepultada no interior da Velha Academia. Somente uma pessoa teve esta glória. Não foi nem aluno, nem professor de Direito e nem era brasileiro. O único túmulo que existe no interior da Faculdade abriga os restos mortais de Julio Frank, fundador da sociedade secreta denominada "bucha", que congregava os estudantes e que teve grande influência na política do Segundo Império e da Primeira República. O verdadeiro nome do misterioso fundador da bucha não era Julio Frank e sua identidade ninguém conhece. Sabe-se que ele era alemão, e que veio para o Brasil fugido em razão de algum crime político que cometeu na Europa. Aqui chegando, foi recebido por pessoas ilustres e enviado primeiramente ao interior de São Paulo, de onde foi posteriormente trazido para lecionar na FDUSP em um curso anexo de história e geografia para ele especialmente criado... Como Julio Frank era protestante, nenhum cemitério católico acolheu os seus restos mortais. Daí porque os estudantes da Academia o enterraram, no pátio das Arcadas, exigindo-lhe um túmulo com ricos significados esotéricos. As muitas histórias da universidade de Direito, ainda povoam o imaginário paulistano persistem na manutenção das tradições, como o dia do pendura, seguido por todos os estudantes, inclusive de outras instituições. Devido ao desenvolvimento da vida acadêmica surgiram as primeiras tipografias para imprimir os livros, e o primeiro jornal impresso em São Paulo “O Farol Paulistano” que colocava em dia o noticiário da Secretaria de Governo da Câmara Municipal. Segundo Afonso de A. de Freitas foi a produção literária que contribuiu com o surgimento de uma literatura popular de origem erudita e abriu as portas para a fundação das escolas secundárias e de primeiras letras. Essas tipografias passaram a fazer parte do cenário paulistano para a publicação de inúmeros periódicos como “O Comércio de São Paulo”, “Diário da Manhã”, e “Gazeta Liberal” que contavam o cotidiano da cidade em suas mais peculiares histórias, como na ocasião do velório de importante capitão-mor da cidade caiu a lâmpada principal da Catedral da Sé durante a celebração, alvoroçando o público presente que deixaram o local dizendo – “Apagou-se a luz da Diocese de São Paulo”.

Este cenário bastante atípico paulistano está completo e integrado verticalmente, para abrigar os poderosos da produção cafeeira que vindos do interior da província, se estabeleceram na região alta da capital, construindo seus poderosos casarões e uma avenida larga o bastante para o desfile dos primeiros carros. Batizada de Avenida Paulista 11, marco da opulência dos Barões do Café mais tarde se tornaria a sede das mais importantes instituições financeiras e empresariais estabelecidas no Brasil. Por estar distante dos movimentos das cidades litorâneas não desenvolveu arquitetonicamente, mesmo com a chegada, no Rio de Janeiro, de D. João VI e a Missão Francesa. Era uma cidade com temperaturas frias e sempre com uma leve garoa. Os documentos nos mostram o estilo neoclássico que chegou somente com o imigrante alemão engenheiro Hermann von Puttkammer (1842-1917) construtor do Grande Hotel 12. As técnicas construtivas passam de telhado de beiral para platibanda, as paredes de taipa para tijolos cozidos e cal os vãos para alpendres e varandas.

11. Avenida Paulista inaugurada 08 de dezembro 1891. Fonte: acervo Fundação Energia e Saneamento.

12. Fachada principal Grande Hotel (1876-1878) Reconstituição gráfica com técnica digital (2009). Fonte: www.arquiamigos.org.br

Com o plantio do café e os lucros a cidade se abriu para os arquitetos imigrantes europeus, recém-chegados com conhecimentos novos, buscando enriquecer rapidamente com o trabalho exclusivo para a nova elite cafeeira. A burguesia também se beneficiava destes profissionais para construir casas de aluguel, eles de um lado projetavam as mansões e palacetes para a elite, e de outro, casas operárias para a chamada classe média burguesa. A cidade crescia e se desenvolvia com a fartura do café e o desenvolvimento industrial. A implantação da estrada de ferro, estações, com novos materiais de ferros, vidros e vitrais atinge esta elite havida de novidades. Os escritórios de Arquitetura e construção como Ramos de Azevedo 13, Severo e Vilares, Pucci e Sociedade Comercial e Construtora formaram um conjunto arquitetônico bem diversificado e com consistência. Por exemplo, os edifícios: Teatro Municipal, Tribunal de Justiça, Estação da Luz 14 e Mercado Municipal entre outros.

13. Desenho da Casa das Rosas, arquiteto Ramos de Azevedo. Fonte: euqueroviajar.wordpress.com

14. Estação de ferro da Luz. Fonte: pt.wikipedia.org

Do ponto de vista politico surgem às oligarquias estaduais, cujo modelo seria São Paulo, para que se escolhessem os presidentes da República, mas que não resistiria a Revolução de 1930, colocando a cidade em uma condição de ostracismo politico durante toda a Era Vargas. A evolução politica da cidade durante a transformação da monarquia para a república contou com a participação dos imigrantes que estabeleceram seus investimentos na indústria têxtil da região do Brás além da fundação de bancos que financiavam a aquisição de terras e o desenvolvimento de comércio. A fundação de partidos políticos como o PRP, Partido Republicano Paulista, e a participação em movimentos de contestação na Era Vergas, que se opunha ao governo provisório e definiu a independência da capital paulista e seu isolacionismo politico até o Golpe de 1964. Durante a Ditadura Militar foi palco da oposição contra a opressão e em favor de uma liberdade de expressão que culminou com as caminhadas pelas Diretas e que reunia milhares de pessoas na Praça da Sé, cujo apoio da Igreja sempre foi imprescindível na formalização dos protestos. Figuras ilustres da diocese, como Dom Paulo Evaristo Arns, intermediaram as discussões politicas e evitaram, muitas vezes, atitudes de violência praticadas pelo Estado. O movimento dos Caras Pintadas pelo impeachment do presidente Collor as passeatas em oposição ao aumento da tarifa de ônibus do ano passado demonstram a continuidade do movimento politico empreendedor histórico da cidade de São Paulo, que perseverante, continua estabelecendo mudanças importantes que acabam refletindo em todo país.

4- Considerações finais. A cidade de São Paulo hoje é o polo financeiro do país, mas guardou de sua trajetória aspectos tanto simbólicos como culturais, econômicos e sociais, religiosos e sagrados que transformaram muitas vezes seu destino. Transitar pela pauliceia é perceber um número significativo de estrangeiros que aqui estão, de passagem ou não, que desde a evolução industrial ocorrida através do café, patrocinou o movimento republicano, governou o país e recebeu as ondas migratórias

decorridas das duas grandes guerras, abrigando japoneses na Liberdade, italianos no Brás e no Bixiga, sírios, libaneses e turcos no Bom Retiro, judeus em Higienópolis e assim por diante. Depois de visitar o passado desta cidade pode-se perceber a presença do caráter educativo dos jesuítas que nunca desistiram de seu projeto iniciado pelo Padre José de Anchieta, através do colégio e sua parede de taipa, da presença das outras ordens religiosas que investiram na educação dos filhos dos colonos e dos índios que aqui viveram. Na ambição corajosa do viajante João Ramalho que atravessou os mares em busca de aventura, sorte e riqueza, e que acabou dando inicio a uma população mestiça, assentada sobre culturas diferentes, perpetuando costumes e incorporando ao repertório metropolitano palavras que são referencia na cidade como Ibirapuera, Anhangabaú, Moema, Tamanduateí entre outras. Sua descendência mameluca imprimiu a cidade um caráter dinâmico cultural, que abraça outras tradições com naturalidade e tranquilidade, a mesma dos primeiros séculos. O naufrago que serviu de intermediário entre colonos e gentios deixou na população paulista a facilidade de se envolver com estrangeiro, enquanto sua conversão serviu de passo inicial a conversão dos indígenas do planalto. Defendeu os jesuítas, e serviu, assim, a sua pátria mãe, sem talvez ter-se dado conta disso. Do grande cacique Tibiriçá, herdamos a tolerância e generosidade em aceitar o estrangeiro, pois ao colaborar com o colonizador em aceitar a nova crença espalhando por seus conterrâneos os benefícios da convivência que agrega experiências, soma costumes e constrói novas tradições, perpetuando sua história. Ao juntar sua filha Bartira, batizada Isabel pelos jesuítas, com o náufrago português João Ramalho, podemos entender os primórdios do espirito de aventura do paulistano, através de sua imensa coragem na defesa dos aldeamentos originais. Essa coragem de Ramalho e sua capacidade de adaptação aos costumes indígenas também contribuíram na formação de nossa própria cultura, enquanto seus inúmeros filhos perpetuaram a miscigenação característica da cidade. A relação dos indígenas com os jesuítas estabelecidas pelo projeto da Companhia de Jesus podem ser percebidas na riqueza da arte sacra paulista que, embora tivesse sido ensinada pelos europeus, adquiriram contornos peculiares à cultura indígena, em sua expressão e leveza. As igrejas coloniais resistiram ao tempo e ao crescimento da cidade e se adaptaram, infelizmente, muitas vezes, sendo substituídas por modernas construções, e as que restaram são cuidadosamente preservada tanto física como na memória do paulistano. A cidade tem contornos modernos e antigos misturados, recheadas de segredos positivos e obscuros, estabelecendo um constante ir e vir entre o presente e o passado. O sincretismo religioso revela a presença de escravos, orientais e viajantes de todos os lugares do mundo além de dar lugar a uma culinária internacional encontrada, nessa quantidade, em poucos lugares do mundo. Como o Conjunto Arquitetônico do Mosteiro de Nossa Senhora da Luz, preservado até hoje e que graças a Domingos Luís e sua mulher Ana Camacho que trouxeram a imagem de Nossa Senhora para a região do Guaré em 1603, montando uma pequena ermida, com o

passar do tempo sendo chamado “Campo da Luz”, e é aqui que o arquiteto e fundador o Frei Antônio San’Anna Galvão, nosso primeiro santo nascido no Brasil, construiu este convento e igreja nos moldes de edificação octogonal em taipa de pilão, com pátios ajardinados, jardins laterais e uma horta (atualmente a única na cidade). Mas o personagem mais atuante na formação do espirito paulistano foi, sem duvida nenhuma, o Padre Anchieta que em sua missão catequética ultrapassou em muito os objetivos da Cia de Jesus. Ao desenvolver a gramática, eternizar poemas incríveis, estabelecer colégios, ainda aprendeu com os índios sobre a flora brasileira, um conhecimento botânico, capaz de introduzir ervas poderosas no tratamento de doenças, tanto no Brasil como na Europa. Suas viagens pelo país são reconhecidamente uma fonte histórica inestimável para a reconstrução de nossa trajetória social e edificada, religiosa e sincrética, capaz de traduzir, muitas vezes, nosso universo mais intimo nossa alma paulistana constituída de elementos ímpares presentes na arte colonial, no barroco paulista, despretensioso e expressivo, encontrado em cada uma das igrejas da cidade.

15. Mosteiro de Nossa Senhora da Luz. Fonte: www.saopaulo.com.br

16. Pátio do Colégio. Fonte: www.saopaulo.sp.gov.br

A arte paulistana preserva a presença do índio e do negro, que são marcantes no barroco paulista e no nome dos bairros e ruas que se espalham por toda a cidade que junto com os jesuítas que fundaram o primeiro colégio, deixaram de herança a bela construção do centro, o famoso pátio, o apego pelas culturas estrangeiras e nativa, as quais ajudaram a tornar esta uma cidade de muitas culturas, identidades e formas em constante mutação. Como um estandarte de nossa história, todo o crescimento desordenado de nossa cidade, o paulista preserva as linhas iniciais da sua geometria sagrada 17 traçada no centro da

capital com os mosteiros de São Bento, Pátio do Colégio, São Francisco e da Nossa Senhora do Carmo, permanecem como alicerces sólidos da fé, se estendendo até o Mosteiro da Luz.

“Nas paredes de taipa com mais de quatro séculos provam que o tempo não pode desfazer aquilo que é eterno.” “São Paulo é sem duvida uma cidade com espirito empreendedor, mas acima de tudo uma cidade de alma aberta a todos que por ela passam.”

17. Planta do centro de São Paulo com as linhas da Geometria, (KEHL, Luis Augusto B.“Simbolismo e profecia na Fundação de São Paulo”-pág.145).

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