Saturno Devorando um Filho - Goya

July 15, 2017 | Autor: Mosi Simão | Categoria: Historia, Artes, Arte, Pintura, Rubens, Desenho, Saturno, Francisco Goya, Desenho, Saturno, Francisco Goya
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Descrição do Produto

Saturno Devorando um Filho


Francisco Goya e Lucientes


























Trabalho feito para a cadeira de História da Arte Contemporânea I

por Joana Simão, nº7053, 2ºano Pintura





Sumário


"Introdução "1 "
"Saturno Devorando um Filho "2 "
"As Pinturas Negras "2 "
"Mitologia, Interpretação, "3 "
"Comparação " "
"Conclusão "7 "
"Bibliografia "8 "
"Imagens "9 "



Introdução


"Prende os demónios e os monstros e prega-os às paredes da que julga ser
a sua última morada."1
Estamos em 1819, quando Francisco de Goya y Lucientes, já com 68 anos
vividos na Terra, compra uma propriedade nos arredores de Madrid, na margem
do rio Manzanares, que mais tarde foi apelidada de Quinta del Sordo, a
Quinta do Surdo. Assumindo assim que esta vai ser a última fase da sua
vida, Goya decide deixar as suas 'últimas palavras' pintadas nas paredes da
sua casa.
Já na fase final da sua vida, já não responde a encomendas de terceiros,
e finalmente pode entrega-se à pintura sem preocupações exteriores. "Nenhum
público continuará a interpor-se entre ele e a sua arte. Tentações de
facilidade que o talento e o êxito emprestam, infortúnio e felicidade,
suportou sucessivamente todas as provas vulgares e ei-lo que defronta a
prova das provas: confronta-se, a sós, com a sua razão de existir, que é
pintar."[1]
Mas Goya não estava sozinho. Partilhava a casa com a sua governanta,
Leocadia Weiss, que há quem afirme ser prima afastada do pintor e/ou amante
do mesmo, e com a filha desta, ainda criança, Rosarito. Estas duas mulheres
tiveram grande influência nesta fase artística de Goya, essencialmente a
pequena Rosarito, a qual travava como se fosse uma filha. Goya começa assim
a decorar a casa à qual tanto se afeiçoa, e nascem então as 14 obras que
mais tarde são chamadas de Pinturas Negras, à qual Saturno Devorando um
Filho pertence.


Saturno Devorando Um Filho

As Pinturas Negras
Saturno Devorando um Filho é uma das 14 pinturas a óleo, que foram
pintadas em 1819, nas paredes do interior da sua casa, na sua propriedade
em Quinta del Sordo.
Apenas em 1874 (até 1878), é que foram transferidas para tela. Se tal não
tivesse sido feito, já nada restaria destas pinturas. Actualmente, estão
expostas no Museu do Prado. A série foi apenas catalogada em 1828 por
Antonio Brugada, pois Goya não pôs título a nenhuma das obras. Ao não
catalogá-las, não ter tido interesse em torná-las públicas, não ter tentado
sequer preservá-las, dá-se a entender que estas pinturas foram pintadas
para um público singular - o próprio autor - o que torna assim as Pinturas
Negras algo muito mais pessoal.
Pouco se sabe sobre a razão de Goya ter dado uma "decoração" tão sombria
à sua nova casa. O mais fácil seria afirma que era reacção de desespero e
tragédia em relacção à guerra, mas isso é pouco provável. A guerra já fora
há 10 anos, e Goya já tinha deixado o seu testemunho sobre o tema através
d' Os Desastres da Guerra. Poderá ter sido o estado avançado da sua doença,
da surdez total e definitiva, a falta de fé na vida, ou problemas
pessoais... não sabemos, apenas temos o produto das causas.
O pintor que na sua idade madura descrevia nas suas telas temas leves
através de pequenas manchas de diversas cores levemente sobrepostas, agora
já envelhecido, deixa escorrer cores mortas e secas pelo seu pincel,
espalha tinta incansavelmente pela parede, saturando e massacrando o traço
forte e expressivo das figuras caricaturescas que cria. "Estas , como são chamadas, são um desafio lançado à cor, uma negação do
prisma solar, uma fuga na noite. (...) Do fundo da noite, surgem ao longo
da parede outras visões mais distintas."[2]
As pinturas foram executadas em cima de outras já existentes de paisagens
campestres, e isso consegue notar-se em algumas obras como no Duelo a
Bordoadas e Cabeças em uma Paisagem. "Consegue-se quase imaginá-lo a
encobrir as cenas agradáveis que já estavam nas paredes com tinta preta e
transformando uma paisagem de montanha bucólica numa imagem escura e de mau
presságio."[3]
Apesar da reputação sombria e terrível que estas pinturas ganharam, é de
notar que nem todas são frutos do horror como Saturno Devorando um Filho.
Algumas são mais satíricas e irónicas, como os Dois Velhos. Porém, os temas
variam bastante entre todas estas obras, é difícil até encontrar alguma
conexão entre elas, apesar do estilo técnico ser comum entre elas;
consideradas bastante modernas para o seu tempo, as Pinturas Negras
reflectem já traços expressionistas, que só se vai difundir no final do
século.
Esta série é considerada assim a obra mais negra de toda a carreira de
Francisco Goya., devido à grande carga emocional que elas carregam e nos
transmitem, através dos seus temas violentos ou da sua técnica altamente
expressiva e forte.

Mitologia, Interpretação, Comparação


"São assim os homens"[4], justificou Goya a uma das raras pessoas que
visitou o pintor na sua Quinta, quando este se impressionou com a
verocidade de Saturno (fig.4). Pintado numa das esquinas da sala de jantar,
entre janelas, um temível gigante devora um corpo ensanguentado e mutilado.
Saturno Devorando Um Filho ilustra um momento clímax da lenda de Júpiter.
Saturno, equivalente a Cronos na mitologia grega, era o senhor do Universo,
e tinha sido avisado pelo Oráculo que um dos seus filhos o destronaria.
Assim, este decide devorar todos os seus filhos, mal eles acabam de nascer,
tentando evitar a profecia. Porém, um deles consegue ser salvo, Júpiter,
que mais tarde cumpre a previsão do Oráculo.
Saturno é representado numa forma grotesca, as pinceladas fortes e
carregadas deixam um contorno pouco definido, não dando assim muita
importância à proporcionalidade e fisionomia. Os olhos esbugalhados do Deus
que devora os seus filhos revelam a crueza do acto, que por um lado mostra
terror e medo, mas também violência e sangue frio ao cometer este crime.
Tons de ocre, o vermelhão do sangue e da carne viva, marcam o contraste
acentuado entre as figuras e o fundo negro. Não só o acto de canibalismo
em si já é tremendo, como podemos notar que o filho que Saturno devora tem
um corpo de homem adulto, porém em miniatura, tornando assim a imagem mais
violenta e perturbante. No esboço original (ver fig.5), o filho a ser
devorado estava numa outra posição, a ser devorado pela perna, e quase
conseguíamos ver o seu rosto. Saturno não aparenta tão louco ou obcecado
como no trabalho final, e conseguimos ver a sua mão agarrando outro corpo,
também este adulto.



Há muitas especulações quanto à mensagem que Goya escondia por detrás
desta obra, ou a razão que o levou a pintá-la. A partir do conhecimento que
temos da sua carreira, Goya sempre teve fascínio pelo surreal, fantasia e
mitologia[5]. O mais fácil de calcular seria que esta obra fosse resultado
do seu interesse pelo sobrenatural, mas isso seria de longe muito
superficial e ingénuo.
Segundo Freud, esta obra é uma provável analogia à impotência que o
artista sentia, causada pelo seu estado decrépito e enfraquecido devido à
doença e ao estado avançado da idade. O facto de ter uma provável relação
com uma mulher mais nova[6], podia fazê-lo sentir-se fraco e gasto em
comparação à sua vitalidade. Também dum ponto de vista pessoal, há quem
relacione esta pintura com o a relação que Goya tinha com o seu filho
Xavier, o único dos seus 6 filhos que sobreviveu até à idade adulta.
Contudo, não se sabe se o corpo sendo devorado é feminino ou masculino, mas
é mais provável e parecido com um homem.
Também se pode fazer uma possível interpretação dum ponto de vista
mitológico; Saturno, que na mitologia grega corresponde a Chronos (ou
Cronos), é o senhor do universo e do tempo. Sendo assim, Cronos era o
criador de tudo o que existe e que pode ser relatado, e assim, a obra pode
ser uma alegoria ao facto de não podermos fugir ao tempo e ao destino que
nos espera.
Porém, as interpretações mais credíveis e populares são as relacionadas
com a política, guerra e com o estado de Espanha que Goya tanto sofreu e
assistiu.
É possível que a obra seja uma metáfora para o Estado, o 'pai da nação',
que está a devorar os seus filhos, o povo; Espanha passava por grandes
dificuldades devido ao pós guerra e ao pós invasões francesas, que deixou o
país degradado e na miséria. Também pode ser uma crítica ao rei da altura,
o rei Fernando VII.
Mas como Goya nunca explicou nada acerca desta obra nem de nenhuma outra
das outras 13, qualquer interpretação que façamos não passa de uma
especulação. As Pinturas Negras não levaram qualquer acabamento ou verniz,
não tendo qualquer preocupação com a conservação, como já disse
anteriormente, por isso é possível afirmar que Goya não tinha qualquer
interesse em partilhar estas suas criações com o público, e muito menos que
eles as entendessem.


Esta pintura de Goya muitas vezes foi comparada a uma com o mesmo tema,
mas pintada por Rubens, em 1636 (ver fig.6).
Este mito pintado por Rubens apresenta um carisma muito mais descritivo e
ilustrativo, e apesar da imagem ser explícita, não é tão crua como a de
Goya. O estilo influencia bastante, enquanto Rubens provavelmente apenas
queria ilustrar o mito, Goya como já sabemos tinha frustração e raiva
carregadas na tinta e no pincel.
Em Rubens, a imagem consegue ser violenta mas delicada, talvez pela
escolha da paleta e pela forma das pinceladas, mas suaves e diluídas,
enquanto Goya não teve qualquer problema em espalhar e empastar a tinta
contra a parede. No entanto, enquanto que na versão de Goya, Saturno devora
um homem adulto, na versão de Rubens conseguimos ver claramente um bebé
carnudo e palpável, ao qual a vida está a ser arrancada, atraíndo
automaticamente a nossa atenção e pena. É impossível ignorar o sofrimento
na expressão dele, enquanto que na de Goya, a vítima nem tem cabeça,
aparenta ser apenas um cadáver sem vida, sendo devorado por um monstro
desumano; "É o princípio e o fim de todas as coisas. Uma pequena vida
humana está inerte e suspensa, exposta aos assaltos das fomes eternas"[7].
Em Rubens, a nossa atenção é focada em torno de duas personagens, o bebé
indefeso que é brutalmente consumido, e no homem cruel e desumano que o
devora sem parecer ter qualquer remorso. Conseguimos ver a maldade na sua
expressão, como quem comete um crime propositado e consciencializado, ao
focar os olhos no bebé que ele próprio está a assassinar. Já na versão de
Goya, o cadáver (talvez por não ter rosto?) não sobrepõe o protagonismo de
Saturno, que nos hipnotiza com os olhos grandes, brancos e esbugalhados,
aterrorizados, como se lá no fundo soubesse do crime e ultraje que estava a
cometer. Este Saturno parece-nos brutalmente desesperado, louco,
completamente guiado pela obsessão e ferocidade e instinto.


De acordo com a maior parte dos críticos, a versão de Rubens é muito mais
aterrorizadora que a de Goya. Porém, na minha opinião como espectadora, a
versão de Goya aflige-me e impressiona-me muito mais. Talvez seja pelo
significado que tenha por detrás, das possíveis interpretações que tenha,
mas a maneira pela qual foi pintado, a expressão e horror, perturba-me
muito mais do que o belo-terrível de Rubens.




















Conclusão
"Um poder de evocação sem igual revela-se prodigamente naquele eterno
símbolo da crueldade: Saturno devorando os próprios filhos."[8]
Saturno tornou-se assim uma das obras mais aterradoras e impressionantes
de toda a carreira de Francisco Goya, não só pela técnica e pelo seu
grafismo, mas também pela possível mensagem e significado.
Mas é impossível falarmos de Saturno sem referir as restantes Pinturas
Negras, com as quais o pintor conviveu durante anos. E durante anos viveu
lado a lado com pais que devoravam filhos, feiticeiras, homens e mulheres
revoltados, damas misteriosas."Os seus demónios são-lhe familiares, como os
monstros domesticados o são aos ilusionistas que o comandam; mas Goya sabe
que só a ele o são e que podem, no entanto, fascinar qualquer pessoa..."
[9] Pode-se tomar assim Saturno e todas as outras Pinturas Negras como uma
forma de expulsão que Goya fez dos demónios que o atormentavam desde
sempre, estes mesmos demónios que se reflectiram nas suas séries Os
Caprichos e Os Desastres da Guerra.
Quanto à sua técnica, facilmente associariamos ao expressionismo devido à
pincelada forte e expressiva, aos altos contrastes e às cores fortes e
berrantes, mas é uma corrente artística que só se vai difundir umas décadas
mais tarde, tornando assim Goya como uma espécie de vanguardista.
Inicialmente um pintor clássico, o seu 'expressionismo' deve-se ao
improviso e à despreocupação da sua última fase, na Quinta do Sordo. 'Vejo
apenas planos que avançam e planos que recuam, relevos e depressões.. Na
natureza a acor não predomina sobre a forma; dêem-me um bocado de carvão e
far-vos-ei um quadro; pois toda a pintura está no sacrifício e na
intenção", são as palavras do próprio Goya acerca da sua arte.[10]
Separando-se assim das têndencias romanticas e impressionistas, Goya foi
dos primeiros pintores a defender que a arte devia ser uma experiência de
sensações e uma reflexão do estado de alma.
Saturno nasceu assim como um desabafo, uma libertação e uma obra prima do
pintor espanhol Francisco Goya y Lucyentes.





Bibliografia


SOTO, VICTORIA (12/2001)Dicionário de Pintura do Século XIX. Lisboa:
Editorial Estampa,
GOMBRICH, E.H (2000) A História da Arte, LTc.
CHABRUN, J.F (1974) Goya, Editorial Verbo
RAU, FERNANDO (1953) Goya, Edição do Autor
VALLENTIN, ANTONINA (ano) Goya – A sua vida e a sua obra
CIVITA, VICTOR (1997) Mestres da Pintura – Goya (1997), Abril
Cultural


Online:
Abstracção Colectiva (2012) Francisco Goya " Biografia e obra.
Disponível em:
< http://abstracaocoletiva.com.br/2012/11/01/francisco-goya-
biografia/>


Wikipédia, Los Desastres de la Guerra. Disponível em:


Wikipédia, As Pinturas Negras. Disponível em:


Wikipédia, Saturno Devorando um Filho. Disponível em:


G. Fernández, Las Pinturas Negras. Disponível em:


Eric E. Weems (1997-2006) The Black Paintings – Saturn Devouring his
Son. Disponível em:












Imagens

" "http://en.wikipedia.org/wiki/ "
" "File:Francisco_de_Goya,_Saturno_d"
" "evorando_a_su_hijo_(1819-1823).jp"
" "g "
" " "
" "Saturno devorando um filho "
" "(1819-20) "
" "http://en.wikipedia.org/wiki/File"
" ":Quintasordo.svg "
" " "
" "Quinta del Sordo, em Madrid "
" "http://commons.wikimedia.org/wiki"
" "/File:Self-portrait_at_69_Years_b"
" "y_Francisco_de_Goya.jpg "
" " "
" "Auto-retrato aos 69 anos "
" "http://en.wikipedia.org/wiki/File"
" ":Rubens_saturn.jpg "
" " "
" "Saturno – Rubens (1636-1638) "
" "http://eeweems.com/goya/saturn.ht"
" "ml "
" " "
" "Esboço para Saturno Devorando um "
" "Filho (1819-1820) "
















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[1] CHABRUN, J. F.- Goya (pag.204)
[2] VALLENTIN, ANTONINA; Goya – A sua vida e obra (pag.271)
[3] WEEM, ERIC E. - The Black Paintings – Saturn Devouring his Son
(website)
[4] RAU, FERNANDO – Goya (pag.46)
[5] Tal como se vê nas gravuras d'Os Desastres da Guerra. Algumas destas
gravuras têm temas/personagens fantásticos e mitológicos, como por exemplo
na fig1.
[6] Leocadia Weiss, a governanta interna da Quinta del Sordo.
[7] VALLENTIN, ANTONINA – Goya – A sua vida e a sua obra (pag.272)
[8] VALLENTIN, ANTONINA – Goya – a sua vida e a sua obra (pag.271)
[9] CHABRUN, J.F. – Goya (pag.205)
[10]CHABRUN, J.F. – Goya (pag.230)


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Fig. 3 Quinta del Sordo
Disposição das pinturas negras.



Fig. 4 Saturno Devorando Um Filho



Fig.6 – Saturno, Rubens (1638)



Fig. 5 Esboço inicial de Saturno
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