Saude do professor nova e velhas questões mynaio

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Saúde do trabalhador: nova s - velhas questões Workers’ health: new-old questions

Ca rlos Mi n ayo Gomez 1 Fra n c i s co An tonio de Castro Lacaz 2

1 Cen tro de Estu dos da Sa ú de do Tra b a l h ador e Eco l ogia Humana, E s cola Nac i onal de Sa ú de Pública, Fiocruz. Rua Leopo l do Bulhões 1480, Ma n g u i n h o s , 21041-230, Rio de Ja n ei ro RJ. m i n ayogo @ ensp. f i oc ru z . br 2 Un ivers i d ade Federal de São Pa u l o, E s co l a Paulista de Medicina, s etor de Planeja m en to em Sa ú de , Dep a rt a m en to de Medicina Preven tiva.

Ab s tract This theoretical paper for deba te presents three crucial questions about the workers’ health subject: (a) the absence of a National Policy that gives a co n ceptual fundamen t , guides fo r implementation, stra tegies and plans for action and eva l u a tion of its effectivity; (b) fragmen t ation and dispersion of the sci en tific produ ction of the are a , defaulting the important co n tribution that the academic sector could offer for fundament the action of health policy makers, social movements, ex e c u tives and professionals of the area; (c) weakness and low capacity of social m ovem ents and wo rkers repre sen t a tive grou p s , in the actual crises resulted of the productive restructuring, to fo rmulate qualified demands for respond with adequate instruments the co n tem porary probl ems of the wo rkers situ a tion in Bra z i l . The met h od used to construct this article was a cri tical revision of the official documents and of the scientific produ ction of the area named in B razil as “ wo rkers’ health movement”. They fou n d ed the analyses and the em ergent questi o n s . The theoretical basis comes from the litera ture about produ ctive re s tructu ring in Bra z i l , mainly that who treats about its worse effects in the health of wo rking class popu l a tion; and classic texts that articulate the wo rkers´ health knowledge field. Key word s Workers’ health policy, Health and work, Productive restructuring and health

Re su m o Como arti go pa ra debate, este texto apre senta três questões co n s i d eradas cruciais pelos auto res: (a) ausência de uma efetiva Política Na cional de Saúde do Trabalhador que coloque um marco co n ceitual cl a ro, apresente diretrizes de impl ementação e proponha estra t é gias e pl anos de ação e de avaliação pa ra efetivá-la; (b) f ra gm entação e dispersão da produção ci entífica da áre a , prejudicando a impo rt a n te colaboração que a Academia poderia oferecer para fundamentar as necessidades dos agentes políticos, movimen tos sociais, ge s to res e profissionais de saúde; (c) en f ra q u e ci m en to e pouca capa cidade de pre ssão dos movimentos sociais e dos tra balhadores, eviden ciando a falta de qualificação das dem a ndas, d i a n te dos desafios do momen to pre sente do mundo do trabalho no Brasil. O método deste tra balho consistiu na revisão cr í tica de documentos e pu blicações da área a fim de fundamentar o tom do deba te e as questões leva n t a d a s . As ba se s teóricas de toda a argumentação são os textos que tratam da re e s truturação produ tiva no Bra s i l , sob retudo os que analisam os efei tos nef a s tos desse pro ce s so e, também, os fundamen tos do chamado “campo de saúde do trabalhador”. Pa l avra s - ch ave Política de saúde do tra ba l h ador, Saúde e trabalho, Reestruturação produtiva e saúde

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In trodução Pa s s a ram-se quase 20 anos da realização da 1a Con ferência Nac i onal de Saúde dos Trabalhadores (I CNST), e até hoje não se conseguiu implantar uma Política Nac i onal de Saúde do Trabalhador (ST) no país. Da mesma forma que em outros campos, essa dificuldade de imp l em entação é re su l t a n tede mu i tos fatore s : deficiências históricas na efetivação das políticas públicas e sociais no país; baixa cobertura do sistema de pro teção social; fragmentação do sistema de seguridade social concebido na Con sti tuição de 1988 para funcionar integrad a m ente; situação agravada, nos últimos anos, pela inexor á vel reestruturação produtiva que vem tra n s form a n do prof u n d a m en te a con f i g u ração do mu n do do trabalho e o modelo de atenção com o qual se habi tu a ram a atuar os que militam no setor. As indiscut í veis mudanças ocorridas nos processos produtivos e nas relações sociais de produção nos últimos 20 anos (coi nc i d i n docom o tem po históri co da oficialização das primeiras propostas de política de saúde dos tra b a l h adores) e qu e , no mu n do ociden t a l , vinham acontecendo desde a década de 1970 constituem uma verdadeira crise sistêmica a ti ngindo trabalhadores, s eus órgãos de repre s entação, as po l í ticas públicas trabalhistas, as propostas formuladas pela ST e sua produção científica. Apesar dessas constatações, do pon to de vista institucional, não se pode eximir o Mi n i stério da Saúde (MS) qu e , ao lon go dos su ce s s ivos governos, foi rel ega n do a con s trução de um corpo técnico capaz de formular e apoiar a efetivação de ações progra m á ticas para consolidar o campo da ST, além de não ter estabel ec i do articulação efetiva e nece s s á ria com o Mi n i s t é ri o do Trabalho e Emprego (MTE) e o Ministério da Previdência Social (MPS). Ao constatar a ausência de uma efetiva Política Nac i on a l , não podemos de s con h ecer qu e houve algumas tentativas ministeriais de formulação de propo s t a s . A pen ú l tima foi em 1999, qu a n do o MS fez uma convocação ampliad a dos prof i s s i onais da área nos três níveis de ge stão, de pe s qu i s adores e de parcei ros do setor de trabalho e previdência e repre s en t a n tes dos trabalhadore s , realizando ampla discussão para elaboração de um doc u m en to básico. Atualmente, em 2004, novo tex to vem sendo apres en t ado com o su ge s tivo título de Pol ítica Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador (PNSST), ten do sido red i gi do em con ju n to pelo MS, MTE e MPS, divulgado para consulta

pública. A esse doc u m en to se ac re s centa a convocação da III CNST, feita também em con junto por esses ministéri o s . Tais iniciativas atuais, em tese, são um passo importante, principalmen te porque o doc umen to de Política de Estado já apre s enta propostas integradas dos três ministérios (Saúde, Trabalho e Previdência), o que vinha sen do reivindicado por todos os que atuam no campo e convivem, por anos a fio, com atuações fragmentadas, su perpostas e com con f l i tos de competências. No entanto, temos pela fren te , se for coloc ado em pr á tica o doc u m en to propo s to e a s er con duzido pelo Gru po Executivo In termin i s terial de Saúde do Trabalhador (GEISAT), pelo menos dois grandes desafios: 1) estabelecer um diálogo com vistas a obter con s enso sobre con cepções diferen tes e freqüen temen te conflitantes en tre os ministérios parcei ro s ; 2) com p a tibilizar suas agendas re a i s , gera l m en te rech e adas por priori d ades espec í fi c a s , uma ve z que esses setores não têm tradição de programar e efetuar ações articuladas de prom o ç ã o, proteção e re a bilitação da saúde dos trabalhadore s . Q u a n do falamos da ausência de uma Política Nacional, referimo-nos à inexistência de um qu ad ro referencial de princípios norte adores, de diretrizes, de estra t é gias, de metas prec isas e de um corpo prof i s s i onal técnico - po l í tico prep a rado, i n tegrado e estável , capaz de ga ra ntir a efetividade de ações para promover a saúde dos tra b a l h adores, prevenir os agravos e a tender aos probl emas ex i s ten te s . Mais ainda, referimo-nos a profissionais capazes de, em co l aboração com todas as instâncias que atuam no s etor, acompanhar as acel eradas mudanças no qu ad ro dos processos produtivo s , atu a l i z a n do permanentem en te as propostas de ação. O papel desse qu ad ro técnico - po l í ti co é mu i to rel evante na atual con ju n tura de evi den te crise de representatividade e de débil poder de pressão d a s instâncias de con trole soc i a l , como é o caso da Comissão In ters etorial de Sa ú de do Tra b a l h ador ( C I S T) e dos movimentos dos tra b a l h adores. Nesse leva n t a m en to de probl em a s , é preciso ressaltar que con tinua também penden te a con s trução de um diagnóstico de base sobre a s i tuação de saúde dos tra b a l h adores bra s i l ei ro s que possa fundamentar planos de ação vi á veis e de acordo com o qu ad ro real de nece s s i d ades. Certamente, dada à complexidade da atual conjuntura de situação dos trabalhadore s , qu a lqu er análise dos agravos à sua saúde será parcial e incom p l et a . No entanto, c a rece de sen tido conti nuar justi f i c a n do a omissão de juntar

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rec u rsos nessa direção com uma série de rac i ocínios circulares e paralisantes, o que vem ocorren do qu er em nossas publicações ac ad ê m i c a s , qu er em doc u m en tos of i c i a i s . Por exemplo, recorremos aos dados da Previdência para comp l em entar os do setor Sa ú de , mesmo recon h ecen do seu caráter re s tri tivo e ad m i ti n do ainda que quase nunca serão con s i derados na def i n ição das ações de vigilância. Tanto ge s tores qu a nto investigadores, queixamo-nos da ausência de dados sistematizados sobre o universo da força de trabalho bra s i l ei ra , como se essa re a l id ade pudesse ser mod i f i c ada sem o nosso concurs o. Todos sabemos que a integração de informações só pode ocorrer qu a n do há ações articuladas e planejadas em con ju n to. Ca be per g u n t a r-nos pelas possíveis razões que explicam a ausência de instrumen tos apropriados e efetivos do Sistema Único de Sa ú de (SUS) para pautar e subsidiar uma po l í tica efetiva de ST. A nós, produtores de con h ecimen to, com certeza cabe gra n de cota de re s pon s a bil idade. Ne s te tex to, apontamos uma série de questões qu e , a nosso ver, convém ter pre s en te s neste novo momen to de inflexão que é a III CNST. Fa remos um breve balanço sobre a produção científica e uma rápida análise das intervenções que ocorrem nos serviços de saúde e da atuação das or ganizações dos tra b a l h adore s . Por se tratar de um artigo para debate, damos ênfase a posições e práticas mais extremas, a fim de suscitar a reflexão acerca de po s s í veis en c a m i n h a m entos políticos, gerenciais, teóricos e pr á ticos.

L i m i tes teóri co - m etodo l ó gi cos ou adequação da teoria à prática? A abordagem da Sa ú de Co l etiva e da Med i c i n a Social Latino-Americana permitiu ampliar a com preensão te ó rica e prática, em vários nívei s de com p l ex i d ade, das relações en tre o trabalho e a saúde com a incorporação do con cei to nucl e ador “processo de trab al h o”, ex tra í do da econ omia política, na sua acepção marxista. Esse con cei to passou a ser o marco def i n i dor do que den ominamos Campo de Estu dos da Sa ú de do Trabalhador (Laurell & Noriega, 1989; Lacaz, 1996; Mi n ayo Gomez & Th ed i m - Co s t a , 1997) e, qu a n do o adotamos em toda a sua exten s ã o te ó rica, obtemos um alto poder explicativo da gênese dos agravos à saúde em segmentos específicos de trabalhadore s . A análise dos processos de trabalho é uma ação teóri co - pr á ti c a

po tente, pois permite identificar as transformações necessárias a serem introduzidas nos locais e ambi en tes para a melhoria das con d ições de trabalho e saúde. No en t a n to, o seu uso sem pre requ er um tratamen to interdisciplinar que dê conta de con textualizar e interpretar a interseção entre as relações sociais e técnicas que ocorrem na produ ç ã o, assim com o, de cons i derar a su bj etivi d ade dos vários atores soc i a i s nelas envolvidos. Ademais, realizar investigações sob essa ótica significa ultrapassar con cepções e práticas hegemônicas da Medicina do Trabalho e da Saúde Ocupacional (Lacaz, 1996) que, numa perspectiva positivista, formulam articulações simplificadas en tre causa e efei to. As várias dimensões do processo de trabalho, tomadas como campo nucleador de reflex ã o, pre s su p õ em a con s tituição de equ i pes de pesquisadores de diversas áreas de conhecimen to atu a n do de forma interdisciplinar, o que raramen te vem ocorren do. Portanto, a primeira questão que levantamos para debate sobre as limitações da produção científica diz re s pei to ao de s compasso en tre o inqu e s ti on á vel ava n ç o do ponto de vista teórico para apreender a complexidade das questões relativas à saúde dos tra b a l h adores e o nível dos re su l t ados empíri cos alcançados nos estu dos. Um seg u n dopon to import a n te a ser re s s a ltado para ref l exão é o fato de que o con cei to de processo de trabalho foi elaborado originalmen te para interpretar o trabalho produtivo industrial. Sua utilização foi parti c u l a rm en te oportuna para o estudo da fábrica tayloristaford i s t a . A con cepção de ST, da mesma forma que as de Medicina do Trabalho e de Saúde Ocupacional, carrega as marcas de ori gem e do con texto de hegemonia da sociedade industri a l . De fato, a maior parte dos estudos de s envo lvi dos no Brasil ao lon go dos anos 70 e 80 do século passado tinha como objeto de preoc upação o trabalho no “chão de fábrica”, sen do demandados por sindicatos de trabalhadores dos setores metalúrgi co s , qu í m i co s , petroqu ím i cos e, em men or propor ç ã o, pelos bancários, comerc i á rios e metroviários, c a tegorias essas, vinculadas ao setor de serviços (Lac a z , 1996). Na pr ó pria redação da Lei Orgânica da Sa ú de ( l ei 8.080/90), o en ten d i m en to do que seja Saúde do Tra b a l h ador diz re s peito implicitamen te aos que operam as indústrias. Ch egamos à conclusão semelhante qu a n do verificamos a preponderância absoluta dos que têm formações trad i c i onais em saúde (cl í n i c a , tox i co l ogia) ou da higiene industrial (engenhei ros e técnicos

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de seg u ra n ç a ) , en tre os prof i s s i onais que atu a m na áre a . Da mesma forma, as negociações triparti tes (Estado-Capital-Trabalho) de caráter n ac i onal, en c a m i n h adas nos últimos 10 anos, c a rregam uma gra n de iden ti d ade com a indústri a , na medida em que se diri gem para agen te s espec í f i co s , como é o caso do Acordo Nac i onal sobre uso de prensas injetoras no setor plástico - qu í m i co, ou dos solven tes e poei ra s , caso do Repert ó rio Brasilei ro do Ben zeno e da Luta Nac i onal pelo Ba n i m en to do Uso do As be sto / Am ia n to. Tais atuações são absolut a m ente nece s s árias e não há por que qu e s ti on á - l a s . Apenas assinalamos que elas não con s ti tu em a to t a l i d ade e nem, em termos de magn i tu de, repre s en t a m os principais problemas atuais de saúde dos trabalhadore s . Diante das mudanças con tem porâneas no â m bi to das relações de trabalho que ati n gem os mais diferen tes setore s , con s i deramos o modelo ou paradigma convencional da ST insufic i en te, pois não acompanha e nem abra n ge os efeitos mais nef a s tos do movimen to mundial de reestruturação produtiva que, s em excluir formas arcaicas, tradicionais e modernas de produ ç ã o, i m p actam fortem en te a vida e a saúde de gra n des con ti n gen tes de tra b a l h adores na i n formalidade que atuam em condições inseg u ra s , prec á rias ou simplesmen te estão de s empregados. Nen huma proposta de promoção e a tenção adequ ada hoje pode descon h ecer, t a mbém, um fato que vem sen do dem on s trado em todas as pesquisas específicas sobre aciden te s de trabalho: a maioria dos trabalhadores está morrendo devido a violências e acidentes de trajeto (Wünsch Filho, 2004), o que coincide com o perfil de morbi m ort a l i d ade da população bra s i l ei ra em geral, para a qual, as causas ex ternas são a segunda causa de morte , depois das enfermidades card i ova s c u l a re s . O modelo trad i c i on a l , i g u a l m en te , não incorpora a qu e stão ambi en t a l , h oje de ex trema rel evância para a consciência social e recl a m a n do pelo pro t agonismo dos tra b a l h adores tanto nos locais de produção como nos espaços de reprodução e de exercício da cidad a n i a . Em conseqüência, além da necessidade de se efetu a rem aju s tes e ad a ptações na aplicação do conceito de “processo de trabalho” para o en tendimen to de determinadas re a l i d ades nas novas situações de produção, en f rentamos o desafio de con s truir novos con cei tos e categorias capazes de dar conta da compreensão do amplo e majori t á rio universo de tra b a l h adore s s em vínculos formais e de s em pregados. Um a

nova propo s t a , um novo olhar e uma nova pr ática precisam abarc á - l o s , uma vez que eles não con s ti tu em um mu n do à parte e, sim, estão no mesmo universo da reestruturação produtiva, eviden c i a n do a crise da sociedade assalariada ( Ol ivei ra , 2005). Todos vivemos um per í odo de perp l ex i d ade e temos um senso de impotência em compreen der e dar respostas aos dilemas atuais e em detectar os principais agravantes do qu ad ro de mudanças do modelo indu s trial para o ch am ado “modelo pós-industrial”. O movimen to de destru i ç ã o - recon s tru ç ã o, simultâneo, da conju n tu ra atual é muito mais complexo, divers i f i c ado, difícil, desafiante e instável. Ne s s a nova con f i g u ração, os tra b a l h adores indu s tri a i s são minoritários, embora conti nu em com velhos problemas exaustivamen te conhecidos, aos quais se somam os provenien tes da adoção do novo paradigma tecnológico de organização e gestão do tra b a l h o. Entret a n to, as qu e stões deste grupo, por estarem localizadas, são mais fac i l m en te diagn o s ti c á vei s . A questão central do con ju n to da produção científica é que a referência ainda pre s en te nela é em gra n de parte o setor indu s trial. Mesmo qu a n do tom a m o s p a ra análise o con ju n to dos tra b a l h adores formais, percebemos muito po u co investimen to no con h ecimen to dos que atuam nos setores de serviços e agrícola. Na verd ade, um diagnósti co inicial da produção científica aponta para um real en co l h imento da reflexão e do em penho individual e co l etivo para construir referenciais e instrumen tos que dêem conta da to t a l i d ade heterogênea que con f i g u ra hoje o universo dos tra b al h adores bra s i l ei ro s . Seria prec i s o, no mom ento atual, i nve s tir fortem en te no conhec i m en to dos diversos tipos de agravos à saúde em todos os setores nos quais se acumulam problemas c a u s ados pela labi l i d ade dos vínculos de tra b alho, como os casos de tercei rização espúri a , cooperativismo fraudulen to, determinados tipos de trabalho informal – inclu i n do-se aí o anti go e hoje cre s cen te trabalho familiar – e o de s emprego. Ainda são ra ros os estu dos como os de Sell i gm a n n - Si lva (2001), que pesquisa espec i f icamen te o impacto do desem prego de longa du ração na soc i a bi l i d ade e na saúde desses exclu í dos do merc ado de trabalho. Pesquisar, nomear e distinguir o imenso con ti n gen te soc i a lmen te despro tegido no qual os trabalhadore s do setor terc i á rio da econ omia assumem lu ga r qualitativa e quantitativa m en te prepon dera n te, con s ti tui o maior desafio ac ad ê m i coatual.

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Dados da Organização In ternacional do Trabalho (OIT) ilustram algumas dimensões do problema: no Brasil, entre 1990 e 2003, de cada dez novos em pregos, sete foram informais, sen do qu e , em 2003, nove em cada dez dessas ocupações eram no setor de serviços (OIT, 2004). Um indicativo revelador do grau de despro teção social hoje ex i s ten te en con tra se no fato de que, em 2002, cerca de 54,8 das pe s s oas oc u p adas no país não con tri buíam para qu a l quer tipo de previdência (IBGE, 2003). Temos aí uma ex pressão ex trema, e até calamitosa, do sen ti m en to geral de insegurança e de m a l - e s t a r: no mercado do trabalho, no em prego, na ren d a , na con tratação e na representação dos trabalhadore s . É o que mostram também os trabalhos de Selligmann-Silva (2001) qu a ndo evi denciam, qu a l i t a tiva e em p i ricamente, as repercussões psico s s ociais e psicop a tológicas da su btração do em prego que se apre s entam sob a forma de degradação da saúde men t a l , percorrendo várias fases que vão do retra i m en to, ao afastamento e ao isolamen to social e afetando a vida material, a soc i a bi l i d ade e a su bjetividade . O estudo de Sant’Anna (2000), s obre o mesmo probl ema do de s em prego, chama a atenção para a diversidade de estratégias organizativas e de geração de renda encontradas por trabalhadores para en f rentar ondas de demissão em massa, evi den c i a n do forças novas que su r gem do s escombros das rápidas mudanças no mundo do trabalho e que precisam de apoio insti tucional. A crise do pen s a m en to intelectual na área vem ju n to com a dec adência da repre s en t a tivid ade dos órgãos sindicais e de sua capac i d ade de de s en c adear e acompanhar demandas rel ativas à questão saúde-trabalho. Para a prec a rização do trabalho formal e informal cada vez mais intensa (Olivei ra , 2005), para o de s em prego aberto, para a perda de vínculos não há hoj e resposta plausível por parte dos sindicatos mais repre s en t a tivos e or ga n i z ados no passado próximo. Um vasto mu n do sem mediações po l í ticas e sem registros publicamen te discerníveis nas estatísticas conven c i onais para avaliar emprego e ocupações está ex i gi n do a con s trução de um código do trabalho capaz de atender a demandas inad i á veis. Criar esse novo instru m en to significa algo tão relevante como foi, nos meados do século p a s s ado, a Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT. Mas essa não é uma tarefa fácil: numa situação de ri s co social, os que têm seus direi to s ga ra n ti dos se apegam a eles como se fo s s em absolutos. Adem a i s , nessa crise sistêmica das rel a-

ções sociais de produ ç ã o, os órgãos de Estado, com a missão constitucional de dar pro te ç ã o social como é o caso do MTE e o da PS, se ref ugiaram nos parad i gmas trad i c i onais que privilegiam o merc ado formal e dos seg u rado s . Diante da situação descrita cre s ce o papel estratégi co do SUS, tendo em vista sua reconhecida capilaridade para prom over a universalização da atenção à saúde, sua tradicional capac i d ade de criar mecanismos de atenção coletiva e específica e de convocar a participação e o controle dos trabalhadore s . O pro t a gon i smo do setor saúde nessa áre a , criando altern ativas aos modelos restritos e sen do capaz de oferecer uma atenção abrangen te dos problemas reais da divers i d ade de tra b a l h adores e desem pregados nos espaços soc i oc u l turais pec ul i a re s , pode fazer gra n de diferença e prom over mudanças.

Con tri buição e lacunas dos estudos acadêmico s Ao indagarmos acerca da con tribuição ac adêmica para o diagn ó s ti coda situação atual e nos per g u n t a rmos se ela dá conta de subsidiar propostas de ação para a pro teção da saúde dos tra b a l h adores e de su perar um discurso po l í tico que não tem mais eficácia no tem po pre s ente, dep a ramo-nos com diversas questões. Em primei ro lugar, é preciso constatar qu e a produção científica na área apre s enta uma tendência con ti nu ada de crescimen to nas últimas décadas, u n iversalizando-se por muitas instituições univers i t á ri a s , a bra n gendo diversas áreas do con h ec i m en to e, i n clu s ive , receben do o influ xo das contribuições dos profissionais que atuam nos serviços de saúde. Esse incremento acompanha a mu l tiplicação dos curs o s de pós-graduação no país, m orm en te no campo da saúde coletiva. Da mesma forma que em outros âmbitos do conhecimento, o número maior de pe s quisas e tex tos publ i c ados se concentra em universidades federais, estaduais e pon ti f í c i a s . É preciso ressaltar que a maior parte da produção ocorreu a partir dos anos 90. E os temas de estudo voltados para questões de tra b a l h o - s a ú decorre s pon deram à notável visibilidade social e recon h ec i m en to jurídico - i n stitu c i onal desse campo no âmbito da saúde coletiva, coi n c i d i n do com a implantação e con s olidação das pr á ticas de assistência e vigilância em alguns estados bra s i l ei ros que con t a ramcom a participação ativa de militantes sindicais.

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Entret a n to, mesmo recon h ecen do a evo lução positiva do número de publ i c a ç õ e s , seg u ndo dados intern acionais e sem en trar no mérito da qu a l i d ade , estima-se que a produção brasileira repre s en te menos de 1% dos artigos c i entíficos divulgados anu a l m en te com enfoque nas relações entre trabalho e saúde (Wünsch Filho, 2004) A segunda questão dessa pauta diz re s pei to à abrangência e à organicidade das publicações. Am o s tra significativa para análise se encon tra num leva n t a m en to de títulos, a utores e instituições, re a l i z ado por Mendes (2003), recobri n do o per í odo de 1950-2002 e referen te a teses e dissertações qu e , d i reta ou indiret a m ente, abordam questões da relação tra b a l h o - s a úde . Por tra t a r-se de arti go que som en te nom ei a os títulos é difícil avaliar a contribuição dos tex tos citados. Con tu do, podemos en c a rar esse levantamen to com algumas hipóteses. Uma seria ac reditar que eles evi denciam tendências da produção na área porque esses mestres e doutores con s tituirão os pesquisadores de amanhã. O utra seria con cluir, o que não é implausível, que os temas mais freq ü entem en te abord ado s ref l etem a existência de grupos de pesquisa ou de pesquisadores atuantes que investigam e orientam sobre os assu n tos que ac u mulam maior n ú m ero de publicações. Assim, os temas mais focalizados das teses e dissertações constituiriam aprof u n d a m en todos interesses dos ori entadores. Ou ainda, con tra ri a m ente, que os assu ntos menos pe s qu i s ados repre s en t a riam a contribuição de alunos sob ori entação de profe s s ore s que atuam com uma gra n de va ri ed ade de temas. Ao analisar o levantamento, ob s ervamos que a imensa maioria dos probl emas de saúde a bordados se refere a trabalhadores indu s triais, num espectro de categorias bastante amplo e sob abordagens próximas às da medicina do tra b a l h o. Ao longo de todos esses anos vêm s en do abord adas pato l ogias clássicas como saturn i s m o, pn eu m ocon i o s e s , su rdez (abord ada s ob os mais diversos ângulos) e, mais recen temen te , doenças do sistema musculoe s qu elético. Também sobre s s aem propostas de desenvo lvi m en to de metodo l ogias e diversas análises toxico l ó gicas sobre ex posição a agen tes espec íf i co s , particularm en te agro t ó x i cos e solven te s . E fica muito evi den te , na última décad a , a predominância de abordagens ergonômicas, sobretudo em departamen tos de engenharia de produção de univers i d ades federa i s . Apenas em anos recentes vêm emergindo e s tu dos do setor de serviços, ampliando-se os

tipos de ocupações pe s qu i s adas qu e , tradicion a l m en te, se con centravam nas categorias de bancários e de tra b a l h adores da área de informática. Nessas pesquisas, as análises enfatizam questões derivadas da organização do trabalho. Ca be destacar ainda que existe uma grande qu a n ti d ade de teses sobre prof i s s i onais da área de saúde, prepon dera n do estu dos sobre en ferm ei ros(as), re a l i z ados nas pr ó prias escolas ou faculdades de Enferm a gem . Igualmente são objeto de um número con s i derável de trabalhos a saúde mental e as LER. Poucas são as teses qu e focalizam probl emas gerais da área, temáticas rel a tivas à política, m odelos e serviços de atenção à saúde dos tra b a l h adores e aos proce s s o s da vigilância. No amplo espectro de temas tra t ado s , qu e stões relevantes como aciden tes de trabalho e doenças com gra n de per í odo de latência com o c â n cer, particularmen te em trabalhadores da indústria química e petroqu í m i c a , são muito po u co abord adas. Também são escassos os estudos mais abra n gen tes de cunho ep i dem i o l ógi co, os referen tes à situação dos tra b a l h adore s terceirizados e, em número ainda menor, os que tratam dos tra b a l h adores do setor inform a l . Em re su m o, a con s i derar o levantamen to re a l i z ado por Men de s , é eviden te o predom í n i o da con s trução de con h ec i m en to fra gm en t ado, d i s perso, unidisciplinar, qu a n do não repeti tivo e tecnicista, re su l t a n te de pe s quisas e análises pon tuais desenvo lvidas com abordagens próprias de cada disciplina: ou só da ep i demiologia, ou só das ciências sociais e humanas, ou só da tox i co l ogia, ou só da en genharia, den tre outras. E m bora fosse nece s s á ria uma análise cuidadosa para fundamentar uma crítica mais precisa, o que foge à finalidade deste artigo, perguntamos-nos até que pon to os mesmos problemas apon t ados em relação às teses não se esten dem às outras publicações da área. Dar essa resposta com algum grau de prof u n d i d ade implicaria considerar o limitado número de programas de pós-graduação com área de concen tração em trabalho e saúde, a formação específica dos corpos docen tes que de s envo lvem pesquisas nesse campo, a ausência de equipes i n terd i s c i p l i n a res ou a falta de empenho em con s truí-las por parte das insti tuições ou de induzi-las por parte das agências de fom en to. Para concluir, gostaríamos de assinalar a con tradição en tre o tamanho da tarefa que temos pela fren te vi s a n do criar instrumentos te ó ri cos adequ ados ao novo mom en to histórico, e a força das políticas insti tu c i onais de ava-

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liação da produção de docen tes e pe s qu i s adores qu e , ao priorizar metas qu a n titativas, ac i rram a competição en tre pares e en tre gru pos e ex acerbam o individu a l i s m o. O fato de ter de publicar “a qualquer preço” leva muitos pesqu i s adores a opt a rem pelo caminho mais fácil da repetição de modelos te ó ricos e metodológi cos tradicionalmen te adotados, com receio de inovar e não obter recon h ec i m en to. O que mais existe na produção de nossa área é um forte investimento na aplicação correta dos m étodos, o que ocorre , por exem p l o, em estudos com base na abord a gem ep i dem i o l ó gica de dados primários ou secundários, sem a preocupação de se con tex tualizar o probl ema no qu adro situacional dos tra b a l h adores e sem discutir a pertinência e significância do obj eto estud ado e sua contribuição para o avanço do conhecimento ou para o desencadeamento de ações práticas. Igualmente, a introdução do i n s trumental das ciências sociais e humanas e a i n tensificação do número de pesquisas de cunho qualitativo, como já tinham observado Mi n ayo Gomez e Thed i m - Costa (2003), não têm sido feitas com su f i c i en teri gor, s a lvo ra ra s exce ç õ e s . A forma rudimentar e foc a l i z ada das análises que se multiplicaram no período tem con tribu í do mu i to pouco para ampliar e para a profundar o con h ec i m en to dos trabalhadore s . Em síntese, resta muito por fazer na atual encruzilhada da produção científica sobre a s a ú de dos tra b a l h adores brasilei ro s . Nós, pesqu i s adore s , precisamos de mu i to mais diálogo e ousad i a . E gostaríamos de ressaltar que faltam, também, rumos e demanda qu a l i f i c ada por parte dos re s pon s á veis pelas po l í ticas e ge store s . Desses últimos, s eria importante ex i gir a efetivação de um processo de indução que incite as univers i d ades e, principalmen te , suas pósgraduações, a darem uma contribuição mais articulada e efetiva, a trabalhar em rede ou de forma interi n s ti tu c i on a l , bu s c a n do fundamentar abordagens e diagnósti cos que redundem na formulação de estra t é gias de caráter propos i tivo. Consideramos como ponto importante de ste deb a te a necessidade de uma decisão con junta por parte dos Ministérios da Sa ú de, do Trabalho e da Previdência com a parceria do Ministério de Ciência e Tecnologia, através de su a s agências de fom en to, de abertura de editais vis a n do impulsionar censos espec í f i co s , pesquisas con tex tu a l i z adas e interd i s c i p l i n a res e estudos de probl emas cruciais ainda po u co abordado s . Essa proposta está em sintonia com o do-

cumento anteri orm en te referi do de PNSST, a i nda em consulta, que preconiza a estreita relação en tre insti tuições de pe s qu i s a , u n ivers i d ades e serviços para identificação e enfren t amento de probl emas prioritários; a criação de uma rede de cen tros colaboradores como referência para o de s envo lvimento técnico - c i en t íf i codo campo e a ga ra n tia de rec u rsos públ i co s para financiamen to de linhas de pe s qu i s a . Trata-se de uma proposta, a nosso ju í zo, adequ ada, para que não con ti nu emos na mera con s t atação de “a escassez e inconsistência das informações sobre a real situação de saúde dos trab a l h adores (que) dificultam a definição de pri oridades para as políticas públicas, o planejamen to e a implementação das ações de saúde do trabalhador”. O referido tex to anuncia cl ara m en te nas suas diretrizes e estra t é gi a s , a pretensão de prom over “a inclusão de todos os trabalhadores bra s i l ei ros no sistema de prom o ç ã o e pro teção à saúde”. Também é ex trem a m en te oportuno o de s t a que que a proposta da PNSST dá à nece s s i d ade de se harm on i z a rem “as po l íticas econômicas, de In d ú s tria e Comércio, Agricultu ra , Ciência e Tec n o l ogia, E ducação e Ju s tiça, em pers pectiva inters etorial e de tra n s vers alidade”. É preciso alertar, porém, que no tex to não aparecem os indicativos de como serão efetivadas tais estra t é gias e seria fundamental qu e elas fo s s emex p l i c i t adas em planos de ação específicos, levando-se em conta, inclusive, os m a i ores entraves conju n tu rais, nos vários setores, para o exercício das atribuições de cada um.

Efetivação dos serviços de aten ç ã o Quando referimos, no início, que se passaram vi n te anos sem que a Política Nac i onal de Sa úde do Tra b a l h ador fosse implem en t ad a , não estamos afirm a n do que nada foi fei to no país em relação aos planos traçados. Por exem p l o, várias ações foram re a l i z adas no âmbi to da atenção à saúde dos tra b a l h adore s , em bora não de forma universal e orgânica. Hi s toricamen te , a implantação dos serviços de ST no SUS pode ser compreendida em mom en tos diferenciados, con s i dera n do-se a predominância do prot a gonismo dos atores sociais envo lvi do s . O primei ro deles se inicia em 1978 e term ina em 1986, sen do parte do movimen to pela Reforma Sanitária (Lac a z , 1994). Inclui a re a l ização da I CNST como de s dobra m ento da VIII Conferência Nac i onal de Saúde e é marc ado pela incorporação da atenção à saúde dos tra-

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balhadores como uma prática de Sa ú de Públ ica, na rede básica, os então ch a m ados Programas de Saúde do Trabalhador (PST) (Freitas, L acaz e Rocha, 1985). Esse modelo de atenção ado tou princípios e diretri zes que po s teriorm en te foram incorporados ao SUS: a “participação e o controle social”, a partir da atuação dos sindicatos de trabalhadores na gestão dos PST; a “integra l i d ade”, mediante a articulação en tre assistência e vigilância e a “u n ivers a l i d ade”, pois todo trabalhador tinha direito ao a tend i m en to, i n depen den tem en te de ser ou não seg u rado da Previdência Social. Ne ssas experiências, os Serviços de Saúde Pública começam a nuclear a articulação entre as ações de assistência e vigilância (...) dos ambi entes e locais de tra balho, envolvendo uma atuação interinstitucional que engloba órgãos da esfera fed eral (...), em nível dos estados e a Un ivers i d ade, com abertu ra pa ra a pa rticipação e a ge s t ã o dos sindicato s (Lacaz, 1997). Adem a i s , é import a n tesalientar que os PST foram ex periências que inova ram e passaram a a bordar a cl i en tela de trabalhadores a partir de sua inserção no processo produtivo (portanto como produtore s ) . Na anamnese, sua história prof i s s i onal passou a ser levada em conta, supera n do-se as situações anteri ores que os tra t avam como meros con sumidores de receitas, con sultas e con dutas médicas (Freitas, Lacaz & Rocha, 1985). No período, o ator social mais significativo foi o den ominado “m ovi m en to sanitári o” com ênfase no pro t a gonismo das or ganizações sindicais (Lac a z , 1994). Essa etapa coi n c i d iu com a retom ada da cena política pelos gra n des movimentos grevistas do final dos anos 70 e início dos anos 80, do século 20. A influência do Modelo Operário Italiano (Oddone et al., 1986) também foi marc a n te , bem como a de or ga n i smos intern ac i onais como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a OIT (Men de s , 1986; L ac a z , 1996). O seg u n do per í odo pode ser com preen d i do en tre os anos de 1987 e de 1997. In clui a re a l ização da II CNST, a institucionalização das ações na rede de assistência à saúde, mediante a consolidação do marco legal (leis 8.080/90 e 8.142/90) e avanços no nível insti tu c i onal ( Di a s , 1994). O correra m , nessa etapa, a implantação e a implem entação de planos de ação em import a n tes municípios brasileiros, vi s a n doincorporar a atenção à saúde dos trabalhadores na rede de serviços, s ob a pers pectiva de mu n i c i p a l i z ação da saúde. Em um momento de tra n s i ç ã o,

foram implem en t ados os Cen tros de Refer ê ncia em Sa ú de dos Trabalhadores (CRST), qu e incorpora ram as categorias con cei tuais de análise do tra b a l h o, atu a n do por meio de equ i pes mu l ti profissionais e com a participação sindical nos Con s elhos Gestores (Lac a z , 1996). Pa ra en ten der a “transição” dos PST para os CRST é mister re sgatar aspectos históri co s : o em b a te en tre duas con cepções de or ganização de serviços. A primeira delas, configurada na posição chamada de “s a n i t a rista” por Lacaz (2000), defendia a implantação e o de s envo lvimen to de ações de Sa ú de Pública e Co l etiva , na rede básica de serviços, arti c u l a n do a assistência com a vigilância, a partir da pers pectiva de com preensão do trabalho como determ i n a n te de formas específicas (ou não) de adoecer e morrer da população tra b a l h adora (Ri bei ro & Lacaz, 1984). A outra, den om i n ada “pra gm á ti c a” (Lacaz, 2000), defendia que as ações em saúde dos trabalhadores não deveriam re s tringi r- s e ao aporte “sanitarista” e sim, comportar serviços específicos, de nível sec u nd ári o, em apoio à rede. Daí a preocupação em incorporar quadros técnicos especializados em Medicina do Trabalho, den tre outros (Costa et al. , 1989). Alimentados por essa polêmica e engolfados pelas con tingências da con ju n tura po l í ti c a da época, na qual se iniciava a construção do processo da “municipalização da saúde”, as propostas con f i g u radas nos PST ac a b a ram por incorporar el em en tos da segunda posição, qu a ndo então con s tituíram os CRST. Nessas ativid ades de implantação, ao final dos anos 80 do século passado, envolveram-se import a n tes municípios como São Pa u l o, Campinas, Sa n to s , Porto Al egre , Belo Hori zon te e Volta Redon d a . Os CRST são instâncias que se prop õ em a ser especializadas, com caráter de referência secundária para a rede básica e que buscam incorporar maior densidade tecnológica em seu qu ad ro de prof i s s i on a i s , de apoio diagnóstico e de vigilância (Lacaz, 1996). Mesmo considerando a preocupação original dos “s a n i t a ristas”, a articulação com a rede básica não se efetivou. As s i m , a proposta dos CRST ac a bou por con s ti tu i r-se num fim sem si mesma, tra b alhando com uma demanda aberta e muito po u co integrada com a rede básica, i n clu s ive no sen tido de subsidiar e alimentar tal demanda. Hoje, é mister discutir o papel dessas instâncias. Elas não se torn a ram referência, uma vez que a rede do SUS ficou alheia à probl em ática da saúde/doença rel ac i on ada ao trabalho e, por pri ori z a rem a assistência, apre s entam um

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impacto pequ eno na intervenção sobre os ambi en tes e processos de trabalho noc ivos à saúde (Lacaz, Machado e Porto, 2002). Assim vivemos uma contradição, pois ao mesmo tempo em que avançamos na maior institucionalizaç ã o, o escopo das ações se restringiu. Atualmente muitas experiências passam por um processo de de s continuidade, em função da não priorização do tem a , por motivos sobejam en te citados neste arti go o que foi apon t ado por Lacaz, Machado e Porto (2002). Também já foram su f i c i en temen te discuti dos os motivo s do ref lu xo ocorri do e que afetou, sem dúvida, os programas de atenção à saúde do trabalhador. Causas insti tu c i onais se somam a causas mu i to mais globais e também, de referência loc a l . Essa avaliação é particularm en te necessária no mom en to atu a l , uma vez que a Rede Nacional de Atenção In tegral à Saúde do Trabalhador (Renast), i n s ti tuída a partir de setem bro de 2002, pela portaria 1.679/02 do MS, se fundamenta na ex periência dos CRST. Seria fundamental que a Renast caminhasse para a su peração da dico tomia entre assistência e vi gi l â n c i a e incorporasse em seu modelo estratégias de prevenção a agravos e de promoção da saúde. Seria também de ex trema relevância que essa n ova rede se articulasse com as insti tuições locais do Trabalho e da Previdência, em con form i d ade com os marcos teóri cos da vigilância em saúde do tra b a l h ador e inspirada em ex periências de sucesso, nacionais e internacionais (Mach ado, 1996; Pinhei ro, 1996). Essa revisão também ficaria incom p l eta se não levasse em conta as mudanças que vêm ocorren do no modelo assistencial para a atenção básica que se con f i g u ra nos Programas de Saúde da Fa m í l i a e de Agen tes Comu n i t á rios de Sa ú de . Portanto, é crucial que, no momen to presen te ded i qu emos tempo à avaliação das propostas anteriores de atenção e vigilância qu e não podem ser apenas increm en t adas ou corrigidas. Essa inflexão ex i ge ter em conta a rad i c al i d adedo processo de municipalização dasa ç õ e s de saúde na rede básica, o aten d i m ento das necessidades de saúde da população trabalhadora e a definição de uma base terri torial como referência.

Con s i derações finais Ne s te texto tentamos evidenciar três pon to s : (a) ausência de uma Po l í tica Nac i onal de Sa ú de do Trabalhador inters etorial e capaz de propor

linhas de ação, formas de implementação e de avaliação efetivas e adequ adas às nece s s i d ades reais do con ju n to dos tra b a l h adore s ; (b) fra gm entação da área de con h ec i m en to den om i n ada “c a m po de saúde do trabalhador ”, imped i ndo uma co l a boração estra t é gica e orgânica com as nece s s i d ades diversificadas, com p l exas e c a mbi a n tes dessa população; e (c) en f ra qu ecimento dos movimentos sociais e sindicais dificult a n do pressões necessárias tanto para a área ac adêmica como para os governos que vêem se suceden do. Realçamos também (numa crítica ex trem ada com finalidade de deb a te) que mu i tos são os fatores que provocam a perp l ex i d ade dos diferen tes atores citados, no mom en to atual. E qu e é preciso recon h ecê-los e diagnosticá-los para que seja efetivada uma mudança qu a l i t a tiva no enfren t a m en todessa crise (em alguns campo s , crônica). Isso se torna crucial, a fim de que a III CNST marc ada, em sua etapa nacional, para novembro de 2005, não se transforme num momento a “mais do mesmo”, frustra n do - n o s como se estiv é s s emos condenados a repetir even to s , ri tos e mito s . Consideramos importante reconhecer os esforços de diferen tes atores nos níveis federal, estadual e municipal na insti tu c i onalização da atenção à ST e os avanços ocorri dos em alguns serviços. Nesse sentido, realçamos a intenção atual dos três ministérios co - responsáveis de partilhar rec u rsos e programas indutivos a uma produção científica que integre inve s ti gadores, abranja problemas atuais e anti gos que foram agravados pela reestruturação produtiva, vis a n doa uma eficácia maior no estabel ec i m en to de estratégias e soluções para o diversificado mu n do contemporâneo do trabalho do país. São esses três ministérios que, em conju n to com movi m en tos de tra b a l h adores e pe s qu i s adore s , têm capac i d ade e obri gação de apre s entar uma pauta de pri ori d ades às insti tuições financiadoras e oferecer estímulos à con s trução de novas e nece s s á rias inve s tigações. No reconhecimen to de iniciativas importantes, sobretudo do MS, assinalamos a implantação do Renast que tem mu l ti p l i c ado centros de atenção à saúde do trabalhador e vem form a n do prof i s s i onais em diversos pon tos do país. No entanto, somos obrigados a lembrar que esse programa precisa ser acompanhado, pari pa s su em sua implementação, de uma séria e com peten te po l í tica de avaliação (como já se faz em relação a algumas outras po l í ticas sociais nos últimos dez anos no país), ten do em

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vista pôr à prova a efetividade das ações e o bom uso dos vu l tosos rec u rsos inve s ti do s . Evidenciamos ainda que há pri ori d ades qu e clamam por ação imediata e dec i s iva. Os tra b al h adores indu s triais trad i c i onais precisam conti nuar a ser aten d i dos em suas demandas indiscutíveis. Há problemas emergentes que se acentuam, sobretudo, nos setores de serviços e de agricultura. Mas, sublinhamos a urgência de con h ecer, d i ferenciar e aten der o setor inform a l e o mundo difuso e despro tegido dos de s empregado s . Em relação ao controle social, tal como é hoje praticado, nossa posição é muito crítica. Consideramos que, infel i z m en te, os instrumen tos criados para o exercício desse tipo de c i d adania não vêm se mostra n do eficazes, mu itas ve zes to l h en do ou apequ en a n do o deb a te de questões cruciais para enfrentar a situação a tual do mundo do tra b a l h o. Constatamos que não se trata apenas de um problema espec í f i co de nossa áre a , no entanto, nela a impropriedade das formas de participação e de exercício do con trole são lasti m á veis. Está na hora também de fazermos uma revisão profunda dos fundam en tos con cei tuais, políticos e sociais que deram origem ao pr ó prio termo e à insti tu c i on a-

lização dessa instância, p a ra que tenhamos re a l efetivi d ade da participação. Finalizando esta reflexão na qual fizemos uma inflexão crítica sobre a produção cien t í f ica, en ten demos que univers i d ades e cen tros de pe s quisa precisam en trar de cabeça e com re spon s a bi l i d ade social no campo da ST e dar um s a l toqu a l i t a tivo na or ganização dos gru pos de pe s qu i s a , ben ef i c i a n do-se das poten c i a l i d ades c ri adas pelas avançadas tec n o l ogias de comunicação e informação que permitem estudos em rede, multicêntri co s , cooperativos e comp a ra tivo s . Aprovei t a n doas novas diretri zes formu l adas em con ju n to pelos ministérios co - re spon s á veis pela áre a , que esperamos ver implant ad a s , e a log í s tica das pós-graduações, que se prom ovam estu dos con tex tu a l i z ados, i n terinsti tu c i onais e interdisciplinares, invistam em inqu é ri tos pop u l ac i onais, mapei em as divers i f ic adas situações dos trabalhadores brasilei ro s em pregados e desem pregados, aprofundem condições específicas e assim co l a borem para que tenhamos um sistema de informação mais con f i á vel e uma produção de serviços paut ado s em diagn ó s ti cos adequ ados. Seria muito bom que ch eg á s s emos a uma futu ra próxima CNST com frutos co l h i dos por sábias decisões tom adas com a colaboração de todos nós.

Colabora dore s C Mi n ayo Gomez e FAC Lacaz participaram igualmen te de todas as etapas da el a boração do arti go

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