Saussure construcionista? Reflexões de um outsider

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Em seu conhecido e monumental “comentário” ao pensamento saussuriano, De Mauro (1972) argumenta convincentemente que a posição de Saussure em relação aos “fatos sintáticos” é oscilante: se, em alguns momentos, a sintaxe parece relegada ao domínio do parole, em outros parece haver a sugestão de que ela deve ser entendida como parte da langue. Nesta comunicação, proponho-me a retomar o cansado debate acerca do lugar da sintaxe no modelo saussuriano a fim de chamar a atenção para dois pontos principais. Em primeiro lugar, argumento que a indecisão relativa ao lugar da sintaxe pode ser produtivamente compreendida como um problema decorrente de uma contradição interna relacionada à questão da arquitetura da langue: se, em muitos momentos, a langue é definida, de maneira inequívoca, como um sistema de signos, algumas passagens parecem sugerir que ela inclui ainda uma segunda classe de objetos linguísticos, referidos como tipos sintagmáticos (“types syntagmatiques”). Em segundo lugar, e mais importante, procuro mostrar que o segundo caminho aproxima a abordagem de Saussure, em algumas passagens de maneira impressionante, do modelo teórico conhecido contemporaneamente como Gramática de Construções (FILLMORE, 1985; GOLDBERG, 1995; 2006; CROFT, 2001; dentre outros). Em particular, partirei da sugestão de que a noção de construção gramatical – unidade de análise básica desse modelo – deve ser reconhecida como uma espécie de ampliação natural do conceito saussuriano de signo (DIESSEL, 2015; BOAS, SAG, 2012), de maneira tal que o polo da “imagem acústica” é substituído pelo conjunto de todas as propriedades formais (morfossintáticas, fonológicas, prosódicas), ao passo que o polo do “conceito” se expande para abrigar todos os atributos associados ao domínio do significado (quer sejam eles mais propriamente semânticos, pragmáticos, discursivos ou funcionais). Partindo dessa afinidade fundamental entre o modelo saussuriano e a Gramática de Construções, procurarei mostrar como esta última contribui para dissolver a contradição referente à arquitetura da langue ao unificar, de maneira empiricamente fundamentada, as noções de signo e tipo sintagmático. Neste trabalho, em resumo, assumo o lugar que me cabe – o de um outsider em relação ao campo dos estudos saussurianos – a fim de assinalar a notável convergência entre a Gramática de Construções e algumas das possibilidades analíticas entrevistas no pensamento saussuriano, para com isso, talvez, contribuir para o reconhecimento da obra de Saussure como uma precursora improvável dos atuais estudos construcionistas.
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