SBPJor - As mídias contemporâneas como ferramentas de mobilização e participação cidadã

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SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 11º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo Brasília – Universidade de Brasília – Novembro de 2013

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As mídias contemporâneas como ferramentas de mobilização e participação cidadã Gerson Luiz Martins1 Fernanda França Fortuna 2

Resumo: O presente artigo pretende refletir sobre a utilização das mídias sociais, sobretudo o Facebook, o Twitter e o You Tube, como ferramentas de compartilhamento de ideias, mobilização popular e participação do cidadão na construção e transformação da sociedade. Os protestos que ocorreram em todo o país no mês de junho de 2013 são apontados como exemplo desse caráter das mídias contemporâneas. Além de conceituar as redes sociais e destacar sua importância, este trabalho traz como pano de fundo as reflexões de Lev Manovich sobre as novas mídias como tecnologias utilizadas para produção e distribuição de conteúdo. Palavras-chave: Facebook; Twitter; Mídias Sociais; Protestos; Manovich.

1. Considerações iniciais Nunca a concepção de Marshall McLuhan, que propõe os meios de comunicação como extensões do homem, se apresentou tão viva quanto nos dias de hoje. Com o avanço da tecnologia, qualquer cidadão, sem conhecimentos técnicos profundos, consegue desfrutar de todas as possibilidades que mídias contemporâneas como o YouTube, o Twitter e o Facebook, entre outras plataformas, proporcionam no âmbito do compartilhamento de ideias, mobilização popular e participação cidadã.

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Pesquisador e professor do Curso de Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Comunicação da UFMS, coordenador do Grupo de Pesquisa em Ciberjornalismo (CIBERJOR/UFMS), com pós-doutorado em Ciberjornalismo na Universidade Autonoma de Barcelona, Espanha. 2 Jornalista, mestranda em Comunicação na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e integrante do Grupo de Pesquisa em Ciberjornalismo (CIBERJOR/UFMS).

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Os protestos que se espalharam pelo país no mês de junho deste ano, reivindicaram a redução da tarifa do transporte coletivo, o fim da corrupção, mais investimentos em saúde, educação e segurança pública, além de reclamações quanto aos gastos exorbitantes com a Copa do Mundo de 2014, são exemplos do poder de disseminação de ideias proporcionado pelas mídias sociais. Milhares de pessoas invadiram as ruas de várias cidades brasileiras para pedir melhorias para a sociedade após mobilização que partiu dessas plataformas de participação popular. Situação semelhante foi vivida no país pela última vez em 1992, quando os “caras pintadas” foram às ruas protestar contra a situação econômica e política. O movimento culminou com o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, denunciado por corrupção. A internet não havia se disseminado no país naquela época e, portanto, não existiam as mídias sociais. Se antes as mobilizações surgiram nas universidades, movimentos classistas e políticos, com líderes “de carne e osso”, as passeatas promovidas este ano foram articuladas principalmente pelo Facebook, sem a interferência real desses segmentos. Ou seja, as passeatas foram organizadas sem uma figura única que encabeçasse o movimento: elas surgiram da vontade popular, e ganharam corpo graças ao poder de compartilhamento de ideias proporcionado pelas mídias sociais. Malini (2008, p. 2) resume este fenômeno ao constatar que “a internet interliga os indivíduos e os possibilita formar o seu próprio habitat de comunicação sem, para isso, ter de passar por qualquer mediação”. O autor afirma ainda que esses sites e sistemas, portanto, são auto-regulados, editados, moderados, comentados, ranqueados e administrados pelos próprios usuários (ou com a colaboração deles). E já foram batizados de meios sociais ou meios cidadãos, pois é a sociedade que ativa tais meios e cria uma cultura generalizada de colaboração. (MALINI, 2008, p.2).

Barichello e Carvalho (2013, p.240) destacam que uma das principais mudanças trazidas pelo advento da internet é participação dos interagentes nos processos de produção ou distribuição de conteúdos. De acordo com elas, “a conexão das pessoas em rede na plataforma digital dá sentido a esse caráter social da mídia digital”. Massimo di Felice (2008), citado pelas duas autoras, diz que as mídias digitais, que hoje podem ser consideradas “cada vez mais sociais”, estão permeadas pela colaboração 2

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dos participantes, transformam a própria ideia de sociedade. Na opinião do pesquisador, a participação aberta a todos funda uma nova forma de habitar na atualidade, mais democrática e inclusiva. Pipa Norris, citada por Peron (2013, p. 7), também destaca o papel das tecnologias da informação como instrumentos de mobilização e participação política.

Os movimentos de protesto tradicionalmente invocaram atividades como teatro de rua, manifestações públicas e ação direta para desafiar autoridades. A Internet alterou essa dinâmica por promover eletronicamente a difusão de ideias e táticas de protesto de forma rápida e eficiente através das fronteiras nacionais. A Internet pode servir a múltiplas funções para todas essas organizações, incluindo email de lobby para representantes eleitos, funcionários públicos e elites políticas; redes com associações e organizações afins; mobilizando organizadores, ativistas e membros usando alertas de ação, informativos e e-mails; angariando fundos, recrutando apoiadores e difundindo mensagens para o público através dos meios de comunicação tradicionais (NORRIS, 2002, p. 209 apud PERON, 2013, p. 7)3.

Esse caráter das mídias sociais as torna uma poderosa ferramenta de participação e mobilização popular. Em São Paulo, a página do Facebook que originou os primeiros protestos 4 contava com 283.438 apoiadores no dia 25 de junho de 2013. Outra página, que convidava usuários a se manifestar contra a aprovação da PEC 37, recebeu mais de 245.300 confirmações de presença ao ato público, que ocorreu dia 22 de junho do mesmo ano. Em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, mais de 38.700 pessoas confirmaram presença, via Facebook, nos três dias de passeata em favor de várias causas sociais, ocorridas nos dias 20, 21 e 22 de junho de 2013. Somente no primeiro dia, mais de 30 mil estiveram presentes, conforme estimativa da Polícia Militar, o que comprova que a mobilização foi bem sucedida via mídias sociais. A página no Facebook criada especi-

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Tradução de Vieira (2013) do original em inglês: “Protest movements have traditionally relied upon activities such as street theatre, public demonstrations, and direct action to challenge authorities. The Internet has altered this dynamic by electronically promoting the diffusion of protest ideas and tactics quickly and efficiently across national borders. The Internet may serve multiple functions for all these organizations, including e-mail lobbying of elected representatives, public officials, and policy elites; networking with related associations and organizations; mobilizing organizers, activists, and members using action alerts, newsletters, and e-mails; raising funds and recruiting supporters; and communicating messages to the public via the traditional news media”. 4 https://www.facebook.com/passelivresp

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almente para arregimentar participantes informa que mais de 100 mil pessoas participaram nos três dias de manifesto. O Twitter também foi amplamente utilizado não só no processo de mobilização para as passeatas, como durante os eventos, quando usuários ocuparam os 140 caracteres permitidos pela plataforma para oferecer materiais de primeiros socorros e locais de refúgio na região da rua Augusta, capital paulista, conforme uma das contas de twitter que mais avisava os manifestantes sobre a situação na Augusta e na Paulista, inclusive ofereceu abrigo e primeiros socorros, era a @preparatweets. E ainda de acordo com o Mapa Colaborativo #protestosbr5. O maior sítio web de vídeos do mundo, o YouTube, foi outra plataforma que serviu para divulgar as imagens das manifestações e protestar contra vândalos e policiais agressivos. No dia 13 de junho, foi postado um vídeo6 em que um policial quebra o vidro de sua própria viatura. Doze dias após a divulgação das imagens, 2.296.548 usuários haviam acessado a página. Levantamento7 divulgado pela empresa Scup8 atesta que o uso desses meios possibilitou que cerca de 79 milhões de pessoas fossem impactadas com informações relacionadas aos protestos, somente entre os dias 12 e 17 de junho. Este intervalo de datas foi escolhido devido ao interesse que as pessoas demonstraram pelos protestos após o confronto entre policiais e protestantes no dia 13, em São Paulo. Conforme o levantamento, termos como “Protesto”, “O gigante acordou”, “Vem pra rua” e “Acorda, Brasil” foram aqueles que mais se destacaram nas mídias sociais. Outros exemplos internacionais do uso das mídias contemporâneas como ferramenta de mobilização popular foram as manifestações, via Twitter e Facebook, que levaram à queda do presidente egípcio Hosni Mubarak e do regime de quase meio século de Muamar Kadafi na Líbia.

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Disponível em http://protestosbr.marcogomes.com. Acessado em 31.julho.2013. O endereço do vídeo é: http://www.youtube.com/watch?v=kxPNQDFcR0U&hd=1 7 Levantamento divulgado pelo portal Info Exame: http://info.abril.com.br/noticias/internet/2013/06/pelas-redes-sociais-79-milhoes-falam-de-um-sotema.shtml. Acesso em 31/julho/2013. 8 Empresa que realiza monitoramento das redes sociais. Ver indicativo da empresa em http://ideas.scup.com/pt/cat/monitoramento-e-diagnostico/. Acessado em 31.julho.2013. 6

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2. Mídias Sociais: conceitos Ainda há uma grande confusão em torno do termo “mídias sociais”, uma vez que muitos não compreendem a diferença entre essa terminologia e a mais comumente utilizada, “redes sociais”. O uso indiscriminado dessa expressão pela imprensa, e a falta de conceituação em periódicos científicos, é criticada por Alex Primo (2012, p. 622). Para ele, “é como se mídias sociais fossem algo trivial, de significado pré-contido e transparente, um entendimento consensual e inquestionável”. Faz-se necessária a diferenciação entre os termos para fins de nomenclatura. Popularmente, os sítios web que possibilitam a comunicação mediada pelo computador são chamados de redes sociais. No entanto, o correto é aplicar essa terminologia a grupos sociais que têm interesse comum, como associações de bairro ou clube de mães. Ou seja, são comunidades ou redes de relacionamento que independem da internet para existir. Por outro lado, as mídias sociais são sítios web que oferecem ferramentas e serviços que proporcionem interação entre os usuários, como por exemplo o Facebook e o Twitter. Um detalhe importante é que as redes sociais podem utilizar as mídias sociais para compartilhar conteúdos de interesse, disseminar ideias, desenvolver projetos e organizar movimentos. A principal diferença entre as mídias sociais e os meios de comunicação de massa é justamente a possibilidade de conversação entre os participantes, ou seja, completa interatividade a partir da produção e compartilhamento de conteúdo. Para Barichello e Carvalho (2013, p.240), “tratam-se de sistemas que possibilitam usos e apropriações que envolvem participação ativa do interagente através de comentários, recomendações, disseminação e compartilhamento de conteúdo próprio ou de terceiros”. As autoras explicam que a denominação mídia social ganhou força a partir de algumas apropriações das possibilidades da web 2.0, que dizem respeito à mudança na forma como a Word Wide Web é encarada pelos seus usuários e desenvolvedores, principalmente em relação ao quesito interação.

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Quando se observa para o jornalismo, esta possibilidade de interação proporcionada pelas plataformas sociais ganha o conceito de jornalismo participativo, jornalismo cidadão ou mesmo jornalismo open-source. O fato é que os veículos de comunicação não podem mais se dar ao luxo de ignorar as mídias sociais, uma vez que é lá que os grupos se movimentam e organizam suas ações, pautando as redações. Apoiada nas reflexões de Wasserman e Faust (1994) e Degenne e Forse (1999), Recuero (2009, p.24) afirma que uma rede social na internet é definida como um conjunto de dois elementos: “atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais)”. Outra definição é a de que sítios web de redes sociais são aqueles sistemas que permitem “I) a construção de uma persona através de um perfil ou página pessoal; II) a interação através de comentários; e III) a exposição pública da rede social de cada ator”. (BOYD e ELLISON, 2007 apud RECUERO, 2009, p. 102). Alex Primo (2012, p. 623) traduziu o que os pesquisadores europeus Kaplan e Haenlein (2010, p. 61) definem como mídias sociais: “são um grupo de aplicativos baseados na Internet construídos a partir das fundações ideológicas e tecnológicas da Web 2.0, e que permitem a criação e intercâmbio de Conteúdo Gerado pelo Usuário”. Baseado em seus estudos, Primo diz que é difícil precisar quem cunhou o termo “mídias sociais”. De acordo com o autor, Chris Shipley faz parte de um pequeno grupo apontado como criadores da terminologia.

3. Lev Manovich e as novas mídias Um caminho necessário para tentar compreender o uso das mídias contemporâneas, a eclosão da tecnologia digital e seu sentido para milhares de usuários, perpassa pelas pesquisas do professor russo Lev Manovich. Ele sistematizou cinco princípios (ou tendências) que diferenciam a antiga e a nova mídia, e que nos trazem uma melhor compreensão sobre o uso da internet e das mídias sociais. Elias Machado (2004, p.1) as detalhou de maneira objetiva: 1) Representação numérica – todos objetos no campo das novas mídias, criados em computador ou convertidos de fontes analógicas, são digitalizados; 2)

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:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: Modularidade – Um objeto das novas mídias apresenta uma mesma estrutura em diferentes escalas; 3) Automação – A codificação numérica e a estrutura modular permitem a automação de muitas operações na criação, manipulação e acesso; 4) Variabilidade – Um objeto das novas mídias não é uma estrutura fixada no tempo, mas pode existir em diferentes, potencialmente infinitas versões e 5) Transcodificação – todos os objetos das novas mídias podem ser traduzidos para outros formatos. (MACHADO, 2004, p.1).

Na opinião de Manovich (2005, p.33), há uma expectativa de que uma mídia específica, transformada em dados digitais controlados por software, obedeça aos princípios de modularidade, variabilidade, automação e transcodificação. No entanto, ele enfatiza que “esses processos podem levar muito tempo e não se processam de maneira linear” e que há um desenvolvimento desigual. Com isso o autor buscou em sua obra “The Language of New Media” uma maneira mais precisa de descrever a linguagem das mídias contemporâneas. Nas palavras de Manovich, trata-se do mix [...] entre dois conjuntos diferentes de forças culturais ou convenções culturais: por um lado, as convenções de formas culturais já maduras (tal como uma página, uma estrutura retangular, um ponto de vista móvel) e, por outro, as convenções do software de computador e, em particular, das interfaces homem-máquina, tal como se desenvolveram até agora. (MANOVICH, 2005, p.35).

Ao tentar simplificar esse pensamento, ele disse que, em resumo, as novas mídias podem ser compreendidas como o mix de antigas convenções culturais de representação, acesso e manipulação de dados. Os velhos dados são representações da realidade visual e da experiência humana, isto é, imagens, narrativas baseadas em texto e audiovisuais – o que normalmente compreendemos como ‘cultura’. Os novos dados são dados digitais. (MANOVICH, 2005, p.36).

A principal característica das mídias sociais, que é a interatividade, é vista por Manovich de maneira bem particular. Crítico, pesquisador na área de novas mídias e arte digital e professor no Departamento de Artes Visuais na Universidade da Califórnia, em San Diego (EUA), ele afirma que é possível interagir com uma foto, uma obra de arte, ou com o texto de um livro, isto é, com as formas culturais estáticas, mas isso se dá de maneira muito diferente quando a interatividade é digital, mediada por um software.

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:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: A interatividade digital, intermediada por um software, é um novo capítulo da história da cultura humana. Alguém que lê um texto não-interativo pode também construir sua própria versão dele, mentalmente. Mas isso pode ser feito de forma real nos meios digitais. Um videogame que você joga é totalmente diferente do videogame que eu jogo. A probabilidade de nos movermos pelos mesmos caminhos, passarmos pelos mesmos desafios exatamente na mesma sequência, é próxima do zero. (MANOVICH, 2009, on-line).

Ponto curioso e polêmico na obra de Manovich é que todo o seu pensamento partiu das pesquisas sobre o cinema como metáfora das novas mídias. Nesse sentido, seu estudo é singular, e não se atém às divagações técnicas muito comuns nessa área. Em sua opinião, a tecnologia cinematográfica é precursora de muitos dos aspectos dos meios computacionais: Antes do surgimento do conceito de multimídia computacional, o cinema já integrava meios diversos – imagético, sonoro e textual. Para Manovich, a janela do web browser se apresenta como opção, também, às telas do cinema e da televisão, como um banco de dados. (BAETA-NEVES e SPITZ, 2005, p. 71).

Manovich entende que os computadores não apenas geram dados culturais como filmes, fotos e textos, mas servem para acessar, distribuir e armazenar esses conteúdos (BAETA-NEVES e SPITZ, 2005, p. 70). Suzana Barbosa (2004, p. 1), em pesquisas sobre bancos de dados no ciberjornalismo, afirma que a nova mídia, na definição de Manovich, surge a partir da síntese entre a computação e a tecnologia da mídia e tem o computador como principal instrumento afetando todos os estágios da comunicação: aquisição, manipulação, armazenamento, distribuição e convergência e cujo resultado é a mudança de toda a cultura para formas de produção mediadas pelo computador. Os objetos da nova mídia tanto podem ser novos como os já existentes que têm sua forma afetada pelo uso do computador. (BARBOSA, 2004, p.1).

Machado (2004, p. 304) lembra que, na opinião de Manovich, a Base de Dados estrutura todo o processo criativo, “considerando que um objeto da nova mídia consiste de uma ou mais interfaces a uma Base de Dados de material multimídia”. Facebook, Twitter e You Tube, as três plataformas mais utilizadas por usuários brasileiros nos protestos ocorridos no país no mês de junho, são vistas por Manovich como “softwares culturais”. Para ele,

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:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: o software cultural, em outras palavras, é um subconjunto de softwares de aplicação destinados a criar, distribuir e acessar (publicar, compartilhar e remixar) objetos culturais como imagens em movimento, desenhos 3D, textos, mapas, assim como várias combinações dessas e de outras mídias. (MANOVICH, 2008, p.11).9

A partir do princípio de que o software determina a forma como se comunica via computador, qualquer pessoa com acesso à internet e às mídias contemporâneas pode se tornar um potencial produtor e distribuidor de conteúdos. Santaella (2003, p.81) descreve com objetividade este fenômeno ao afirmar que “a tecnologia computacional está fazendo a mediação das nossas relações sociais, de nossa auto-identidade e do nosso sentido”.

4. Elementos para discussão Na concepção de Lev Manovich, é de domínio das novas mídias o estudo dos objetos culturais capacitados pelas tecnologias de comunicação em rede. Ou seja: a internet, os sítios web, a multimídia dos computadores, os jogos, os CD-ROMs e os DVDs podem ser enquadrados nas novas mídias. Os fenômenos que envolvem as mídias sociais como Facebook, Twitter e YouTube, devem ser compreendidos a partir dos estudos da Cibercultura. Isso porque, entre seus focos, estão os fenômenos sociais, como as comunidades online e a questão da identidade online. “Resumindo: a cibercultura concentra-se no social e na rede; as novas mídias concentram-se no cultural e na computação”. (MANOVICH, 2005, p. 27). O pensamento de Manovich sobre as mídias sociais está focado na importância do software. Para ele, “sem a existência do software, sob as camadas subjacentes da Internet, ela não existiria. Na verdade, é o software que permite que as mídias existam na web, como imagens e vídeos incorporados em páginas da web, em blogs, no Flickr, no

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Tradução de William Mayer: http://pucposcom-rj.com.br/wp-content/uploads/2011/11/YouTube-OSoftware-e-a-Caixa-Preta-William-Mayer2.pdf

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YouTube, em fotografias aéreas e nas construções em 3D do Google Earth”. (MANOVICH, 2008, p. 85).10 Desta maneira, as mídias sociais podem ser compreendidas como canais de transformação, organização, armazenamento e distribuição de informações, com base nas novas mídias. As plataformas de mídias sociais permitem aos usuários espaços ilimitados para armazenar a fartura de ferramentas para organizar, promover e transmitir os seus pensamentos, opiniões, comportamentos e mídias para os outros. Assim como eu estou escrevendo isso, você pode diretamente transmitir vídeos do seu laptop ou celular e é uma questão de tempo a constante transmissão tornar-se tão comum como se utilizar o e-mail (MANOVICH, 2008, p. 232 apud LIMA JÚNIOR, 2009, p. 97).

Santaella (2003, p.81) concorda com o autor ao afirmar que “a fonte fundamental da cibercultura está no microprocessador [...] Enfim, a tecnologia computacional está fazendo a mediação das nossas relações sociais, de nossa auto-identidade e do nosso sentido mais amplo de vida social.” (SANTAELLA, 2003, p. 81). Recuero prefere não dar tanta ênfase ao papel do software quanto Manovich, e afirma que as redes sociais na internet são fincadas em dois elementos: os atores e suas conexões, que são as interações ou laços sociais. Para ela, compreender de que maneira os atores constroem seus espaços de expressão nas mídias sociais é essencial para entender como as conexões são estabelecidas. Migliora e Duarte (2012, p.171) concordam com Recuero ao enfatizar que a mediação tecnológica da comunicação “trata-se, portanto, de um metaprocesso, de caráter, ao mesmo tempo macro e microestrutural, cuja causa não é a mídia como tecnologia, mas as mudanças na forma como as pessoas se comunicam ao construir suas realidades interiores e exteriores, tendo a mídia como referência”. Ribeiro (2005, p.6), citado por Recuero (2009, p.29), tem o discurso mais afinado com Manovich. Ele destaca que há um componente característico do computador nas relações entre os usuários das plataformas sociais. A rigor, podemos pensar que elas são construídas não apenas como elementos diretamente derivados das trocas comunicacionais travadas no ambiente, 10

Tradução de William Mayer (2011) no artigo: YouTube: O software e a caixa preta. Pode ser acessado em: http://pucposcom-rj.com.br/wp-content/uploads/2011/11/YouTube-O-Software-e-a-Caixa-PretaWilliam-Mayer2.pdf

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:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: mas também de um complexo conjunto que contém, além do processo interacional efetivado com os demais participantes, as interações efetuadas com as máquinas (os computadores) e com os respectivos programas tecnológicos (softwares). (RIBEIRO, 2005, p.6 apud RECUERO, 2009, p.29).

O fato é que, independente do foco estar no software ou nas conexões estabelecidas pelos usuários das plataformas, as mídias sociais têm se apresentado como importantes ferramentas de criação de novos conteúdos, disseminação de informações e participação popular nas questões do país, o que antes não era possível.

5. Considerações finais Desde os primórdios, as pessoas se inserem na sociedade conforme os vínculos que estabelecem, tanto no ambiente familiar quanto na escola e no campo profissional, e é a formação das redes sociais que transforma as relações humanas. A partir da revolução tecnológica e do aparecimento e consolidação das mídias contemporâneas, esses vínculos interpessoais se modificaram de maneira significativa. Nesse sentido, Castells (1999, p.43) afirma que “a tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas”. A definição de Marteleto (2001, p.72) sobre as mídias sociais, de que representam “um conjunto de participantes autônomos, unindo ideias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados”, resume os últimos protestos de rua em favor de causas como a redução da tarifa do transporte coletivo, educação, saúde e segurança pública de qualidade, além do fim da corrupção. Foi exatamente a junção de ideais comuns dos usuários com o poder de compartilhamento dessas plataformas que resultou em uma mobilização popular que há muito não se via no Brasil. Conforme Tomaél, Alcará e Di Chiara (2005, p. 95), “isso é possibilitado por um software social que, com uma interface amigável, integra recursos além dos da tecnologia da informação”. Profundo conhecedor das redes, Castells (1999, p.43) afirmou que “meio inconscientemente, a revolução da tecnologia da informação difundiu pela cultura mais significativa de nossas sociedades o espírito libertário dos movimentos dos anos 60”. 11

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Assim, a revolução que acontece no país, e que proporciona mudanças concretas, como o engavetamento da PEC 37, que tirava, entre outros pontos, o poder de investigação do Ministério Público, ocorre graças aos softwares e hardwares culturais. Neste aspecto é necessário destacar a função dos dispositivos móveis com acesso a internet que se disserminaram e se constituiram na “vestimenta cultural” que promove a participação cidadã de um lado e provoca a qualificação do jornalismo de outro. As postagens nas redes sociais por meio dos disposivitos móveis, especialmente smartphones, de qualquer preço, desde os mais baratos ao mais caros, se constituiram num arcabouço significativo que promove e promoveu sensivelmente as manifestações em todo mundo. A intenção deste trabalho é refletir sobre o poder dessas novas tecnologias, e como a apropriação dessas ferramentas transforma a sociedade. É possível concluir que as mídias contemporâneas desempenham este papel, uma vez que a comunicação mediada por computador modificam a história do país, por meio do poder de disseminação de informações e de mobilização que essas plataformas possuem.

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