(Vol.2)
Espaço, Mediação e Comunicação. 7º SEMINÁRIO
IMAGENS DA CULTURA/ CULTURA DAS IMAGENS
são paulo Red_ICCI 2012
OrganizaÇÃO:
Ariane Daniela Cole José da Silva Ribeiro ALTAMIRA EDITORIAL
Sedução e Credibilidade nas imagens da Tevê: pensamentos sobre a ideia de Espaço Mundial.1 Paquiela, Philipe Martins, Graduando em Geografia2;
[email protected] Queiroz Filho, Antonio Carlos, Doutor em Geografia3;
[email protected]
Educação Visual: Política das Imagens “Hoje em dia não há mais somente a geografia dos professores, mas também aquela que veiculam a televisão, o cinema, os cartazes, os jornais”. YVES LACOSTE No mundo atual, as imagens estão presentes, de forma palpável, nos diversos meios de veiculação como a tevê e o cinema, constituindo nossa memória do presente. Elas participam da formação de sentidos e significados sobre o mundo, das relações humanas e, mais especificamente, sobre o modo como imaginamos/pensamos o espaço (MASSEY, 2008), narrando as diversas formas ver o mundo, como uma realidade pretendida. Almeida partilha desta ideia ao evidenciar esse movimento mostrando que estas imagens partilham de um processo de educação visual: “[..] uma educação cultural, política e estética, que “reconstrói, à sua maneira, a história de homens e sociedades”. (ALMEIDA, 2000, p. 02). Um processo onde o objetivo seria produzir uma educação para a memória: Uma educação visual cuja configuração estética é uma configuração política e cultural e uma forma complexa do viver cultural e social permeado de representações visuais em que percepção – ver as imagens, identificar com anteriores e imaginação – ligar mentalmente uma à outra e ao assunto e, ao mesmo tempo, imaginar os elementos que as constituem, entender as proporções (e as desproporções) e as pessoas e coisas que nelas aparecem para percebê-‐las como uma história. (ALMEIDA, 2000, p. 2) Tributários deste processo, os meios de veiculação da atualidade participam deste movimento buscando perpetuar suas maneiras de ver e conceber o espaço, e o mundo, como a tevê e o cinema: [...] os filmes estão a nos propor pensamentos acerca do espaço, não só resultantes das alusões literais – por verossimilhança visual e sonora – a uma realidade existente além cinema, mas também de movimentos imaginativos resultantes do encontro inusitado nessas imagens e sons de outras formas de conceber e viver o espaço como dimensão da existência humana. (OLIVEIRA Jr, 2005, p. 2) 1 Esta pesquisa teve como financiador o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico –
CNPq;
2 Universidade Federal do Espírito Santo -‐ UFES 3 Universidade Federal do Espírito Santo -‐ UFES
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Assim, cinema e televisão estariam a nos propor imagens e sentidos derivados deste processo e que “[...] ancoradas na memória do espectador, passam a constituir um repertório de “História e Verdade” com o qual ele opina e age sobre a sociedade em que vive.” (ALMEIDA, 2000. p. 5 -‐ 6).
1. A presença da televisão nos imaginários sociais Televisão e cinema se aproximam em muitos aspectos. Ambos constituem-‐se da materialidade de imagens e fazem uso de uma linguagem visual e auditiva. Todavia, os mesmos se diferenciam em outros aspectos como, por exemplo, ao notarmos os locais onde cada um está presente. Claramente, a presença da televisão nos lares e imaginários é muito maior. Nas palavras de Coutinho, a “televisão parece ser inda o bem cultural, por excelência, do século educado por Marx” (COUTINHO, 2003, p.25). Apresentaremos elementos que reforçam esta ideia demonstrando, através de proximidades e diferenças entre a linguagem televisiva e cinematográfica, características que compõem a credibilidade da narrativa televisiva. Oliveira Jr., ao discutir sobre as geografias de cinema, nos diz que “o cinema, como prática social e discursiva, como obra de uma cultura, cria geografias” (OLIVEIRA Jr., 2004, p. 1). Em seus estudos sobre as aproximações entre as imagens e sons dos filmes e a geografia, ele nos fala um pouco sobre a aproximação entre o cinema e realidade: Como sua linguagem é visual e auditiva (as duas mais fortes maneiras da “realidade” se apresentar diante de nós – ideia construída culturalmente ao longo de nossas tradições gregas, judaico-‐cristãs, científicas) e suas câmeras de captação-‐produção de imagens são tributárias das nossas tradições pictóricas renascentistas (assentadas na apresentação das coisas do mundo a partir das regras atemáticas da perspectiva de foco único) o cinema se nos apresenta com uma forte verossimilhança com a realidade tridimensional, facilitando passagens entre as memórias e vivências cotidianas e àquelas vivenciadas na telona e em suas variações menores – tevê e computadores, onde há variações significativas de linguagem para manter/alcançar essa verossimilhança. (OLIVEIRA Jr., 2004, p.1) A relação de verossimilhança com o real é, sem duvida, um dos elementos mais importantes para se compreender a importância da televisão em nossa sociedade. Ambos, cinema e televisão, utilizam-‐se da mesma matéria-‐prima, que seria, segundo Coutinho, “o universo que é passível de ser visto pelo olhar ciclope das objetivas (câmeras)” (COUTINHO, 2003, p. 28). Almeida também partilha destas ideias ao nos mostrar que: Personagens reais e ficcionais nascem, vivem e morrem em seus minutos de exibição. Aparecem em diferentes momentos e espaços de suas vidas. Expressam, em imagens e palavras, valores e mensagens diversas e participam, de diferentes maneiras, da grande construção mítica da sociedade contemporânea. Participam tanto da narração quanto como mostram-‐se como figuras morais e modelares de virtudes e vícios. Lugares, homens e mulheres reais transcritos pela linguagem da televisão em signos da realidade. Dessa linguagem, que expressa a realidade com signos da própria realidade, decorre a credibilidade
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quase total do espectador naquilo que vê nas telas e que acredita ser real e verdade. (ALMEIDA, 2000, p. 4) Oliveira Jr. retrata os movimentos de continuidade entre locais narrativos e os lugares geográficos. Segundo ele, uns estariam presentes nos outros. Na medida em que o espaço se manifesta em sua materialidade – formas, paisagens, e que os filmes, compostos de imagens desta mesma materialidade, produzem sentidos que modificam a maneira como vemos e nos relacionamos com ela. Para ele “a linguagem do cinema se constrói com ‘pedaços da realidade’ (que apesar de serem pedaços, conservam em seu interior as tensões, impurezas e memórias dessa realidade)” (OLIVEIRA Jr. 2005, p. 6) Pesavento também partilha desta compreensão ao nos dizer que “imagens são representação da realidade que se colocam no lugar das coisas, dos seres e dos acontecimentos do mudo”. (PESAVENTO, 2008, p. 100) Para Coutinho: A realidade, que se apresenta nas telas, pode ser tanto construída de registros colhidos do real, como também representar a expressão de eventos ficcionais construídos nos estúdios da memória, em linguagem da realidade e, só depois, projetada nas telas do cinema e da televisão. Assim, ficção e realidade mesclam-‐se e confundem-‐se cada vez mais no universo da linguagem audiovisual. (COUTINHO, 2003, p. 42) Não podemos esquecer o caráter narrativo da televisão, como nos aponta Coutinho, onde “toda narrativa é sempre uma construção e uma escolha, portanto uma ficção” (COUTINHO, 2003, p. 77). Apesar disto “[...] em nossa cultura estamos habituados tanto a produzir quanto assistir produtos audiovisuais em continuidade com o mundo cotidiano, como se eles fossem a apresentação mesma da realidade diante de nós”. (OLIVEIRA Jr., 2004, p. 4). Para Coutinho, “a televisão traduz a seu modo a história, construindo no estúdio uma maneira peculiar de narrar a história” (COUTINHO, 2003, p. 27). Esta narrativa é sempre vista no presente e tida como oficial, mesmo nos momentos em que se esforça para esconder essa condição. As imagens, diferentes do cinema, sempre remetem a um novo começo, apresentando a transitoriedade como uma de suas marcas. Para ela, o tempo da tevê é o “tempo moto continuum, onde todo o fim já indicaria um novo começo” (p. 49): As imagens do real, por sua força auto-‐explicativa – mesmo em constante tensão com as legendas que buscam traduzi-‐las – adquirem cada vez mais importância na estrutura das narrativas contemporâneas nas quais prevalece o tempo presente, ou o tempo em fluxo total permanente. [...] Compreender a história, seria acompanhar os fatos e acontecimentos em seu transcorrer, em tempo real, ao tempo em que se estão expressando. Dessa forma, a narrativa audiovisual assume um caráter de verdade quase absoluta e o sentido de realidade se esgotaria ali, nas imagens e sons que pudessem ser produzidos. (COUTINHO, 2003, p. 51) Coutinho nos diz que “talvez, por essa razão, seja mais difícil encontrar uma crítica mais consistente sobre a televisão, como encontramos do cinema. A televisão não morre. Quando muito, ela adormeceria. E enquanto ela não morre, permanece indecifrável.” (COUTINHO, 2003,
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p. 49) Ainda assim, cabe à televisão um papel impar na produção de narrativas sobre o mundo. Ela é “em volume, a principal produtora de imagens oferecidas” (p. 28), e, “mais do que o cinema, ocupa um espaço social – em parte, devido à sua natureza tecnológica – e cria um tipo de presença jamais imaginado até então. Ela está em toda parte.” (pg. 47), como nos aponta Milton José de Almeida: Grande parte do que as pessoas conhecem hoje e entendem como verdadeiro, só o conhecem por imagens visuais e verbais. Pense também na grande parte da população que, sem ter a tradição do conhecimento pela leitura e escrita, passou para a sociedade agrada atual de comunicação e conhecimento audiovisual; (ALMEIDA, 1999, p. 1999) Dessa maneira, o discurso televisivo se remonta todos os dias trazendo uma infinidade de imagens que acabam por povoar o imaginário dos indivíduos, criando a recriando a memória dos homens.
2. Pensamentos grafados em imagens: comerciais televisivos Buscamos aqui analisar um conjunto de comerciais veiculados pela tevê com o objetivo de entender como pensamentos espaciais se apresentam narrados nestas obras da cultura. Para compor estas analises, utilizamos em muito as concepções de Laura Maria Coutinho (2003). Seus estudos tratam do papel da televisão na produção de uma Educação da Memória Contemporânea, o que nos permitiu compor análises amparadas, não somente nas narrativas ali expostas, mas, como nos diz Almeida, no “significado que essa linguagem atribui às ‘realidades’ mostradas através da montagem das sequencias e cenas e aquilo que acontece entre elas” (ALMEIDA, 2000, p. 4). Para ela, o comercial de televisão “é um produto tipicamente de estúdio, que, por sua vez, é o local adequado para a construção dessas pequenas narrativas de modo que se tornem memoráveis e inesquecíveis” (COUTINHO, 2003, p. 102). Como representações visuais do poder econômico e político, os comerciais utilizam-‐se dos mesmos mecanismos das narrativas tradicionais [...] Nos comerciais chega-‐se rapidamente ao final feliz alcançado com a fruição do consumo e da posse. Narrativas de claro entendimento para a massa de consumidores potenciais, que se postam diante das telas da tevê, os comerciais chegaram quase à perfeição quanto à administração e o controle do tempo; levam apenas cerca de 30 segundos para contar uma história, baseando-‐se em um mesmo leitmotiv: problema, posse, felicidade. (COUTINHO, 2003, p. 103) Estes comerciais foram selecionados tendo como critério fundamental a apresentação de elementos visuais que se aproximassem dos discursos geográficos como, por exemplo, lugares narrativos ou mesmo uma projeção cartográfica. A rede mundial de computadores apresenta uma infinidade de produtos audiovisuais, para compor estas analises muitos comerciais foram vistos e revistos e, dentre estes, um primeiro conjunto foi selecionado e extraído. Estes comerciais foram discutidos, vistos, revistos e descritos, a partir da interlocução com autores selecionados que abordam questões envolvendo a educação visual e os estudos das imagens, pensadores que discutem sobre elementos da paisagem, fronteira, território, política e mobilidade. Após uma primeira análise, alguns comerciais foram retirados, outros foram
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mantidos, fazendo-‐se necessário a analise de um segundo conjunto. Para compor este texto, dois destes comerciais foram escolhidos por apresentarem elementos geográficos de mais fácil entendimento, elementos que facilitaram o dialogo em busca de demonstrar sua participação na produção de narrativas e pensamentos espaciais sobre o mundo.
Comercial 1: a mobilidade sem-‐limites Fig. 1 – Locais narrativos apresentados no comercial
Este comercial mostra um homem que, desejando retornar aos EUA, percorre diversos locais pela América, convivendo com pessoas e tendo diversas experiências. Pelo caminho, locais nos são mostrados, como Buenos Aires – Argentina, Rio de Janeiro – Brasil, Punta Chame – Panamá, Guadalajara – México e Nova York – EUA, tendo como pano de fundo locais identificados pela presença do banco citado em todos eles. O comercial finaliza com três frases principais: “O mundo não tem limites para clientes HSBC Premier”; “Assessoria financeira personalizada”; “Espaços exclusivos em mais de 40 países.”. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, ao falar da mobilidade, nos permite refletir sobre o pensamento espacial posto no referido comercial. O autor afirma que: A mobilidade galga ao mais alto nível dentre os valores cobiçados – e a liberdade de movimentos, uma mercadoria sempre escassa e distribuída de forma desigual, logo se torna o principal fator estratificador de nossos tardios tempos modernos ou pós-‐modernos.” (BAUMAN, 1999, p. 8) Para o personagem apresentado, não há limites ou fronteiras a serem transpostas, ele se move segundo o seu desejo, e, para sustentar este pensamento espacial, a produção lança mão de diversos elementos. Em linguagem audiovisual, uma das maneiras de continuar esse
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pensamento espacial, ligado à relação entre espaço-‐tempo, seriam “os cortes, os intervalos de tempo que realizam a sintaxe e constroem o sentido” (COUTINHO, 2003, p. 35). O comercial -‐ um produto de curta duração no tempo televisivo -‐ apresenta um grande numero de cenas (cerca de quarenta e cinco cenas num período de um minuto de duração), de modo que a transição de imagens, os cortes, que apresentam lugares distantes e distintos do globo, desconstrói um sentido de distância, na medida em que promove a mudança de locais narrativos de maneira muito rápida, quase que instantânea. Uma maneira de afirmar ao telespectador, através do tempo, o caráter de mobilidade que se deseja apresentar: uma possibilidade somente possível àqueles que se tornam parte de um grupo restrito de indivíduos, seus clientes. Para sustentar essa perspectiva, mudanças ocorrem no personagem apresentado durante a narrativa como roupas, o crescimento do cabelo e da barba, ao passo que ocorrem mudanças de local para local, estágios sucessivos de mudança de fisionomia, atentando para as mudanças relativas ao crescimento da barba e bigode:
Fig. 2 – mudanças na fisionomia do personagem
Estas mudanças, expressa em sequência de cenas, compõem uma narrativa em imagens que podem ser percebidas com naturalidade: o ciclo de tempo do nascimento e crescimento dos cabelos e da barba. Aparentemente natural e perfeitamente inelegível, trata-‐se de uma alusão a uma temporalidade cronológica. Os produtos visuais mais populares apresentam-‐se na narração visual mais didática e clara, aquela que se vale da visão temporal cronológica, aparentemente natural e as pequenas inserções cronologias de ‘cenas do passado’ (flashbacks) são hoje perfeitamente inteligíveis. São narrações que tomam forma estética na representação visual que se movimenta em sequência sustentadas pela razão cronológica,
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aproximando-‐se, pela sua verossimilhança, à exposição de uma verdade. (ALMEIDA, 2000, p. 3). Ao realizar isto: (...) as propriedades/atributos do espaço geográfico passam a se constituir na tensão entre tempo e espaço, uma vez que sua disposição acontece no tempo – ligada às noções de seqüência, duração, etc – mas suas ‘origens’ nos remetem ao espaço – ligadas as noções de extensão, distância, etc. (OLIVEIRA Jr., 2004, p. 9) Para o personagem, a distância, fronteiras ou limites perdem significado, da maneira que é apresentada. Para Bauman, “a distância é um produto social; sua extensão varia dependendo da velocidade com a qual pode ser vencida” (BAUMAN, 1999, p. 19). Assim, um dos sentidos que o comercial deseja apresentar é o de que as distâncias e os limites geográficos ali não são limitantes. No mundo que habitamos, a distância não parece importar muito, Às vezes parece que só existe para ser anulada, como se o espaço não passasse de um convite continuo a ser desrespeitado, refutado, negado. O espaço deixou de ser um obstáculo – basta uma fração de segundo para conquistá-‐lo. (BAUMAN, 1999, p. 85) Para Coutinho, “as ideias do mundo são fortemente marcadas pelas imagens do mundo, sobretudo aquelas veiculadas pela tevê” (COUTINHO, 2003, p. 28), imagens que participam de uma sociedade de consumo, onde a mobilidade pode sim ser vista como uma mercadoria tendo referencias explicitas em narrativas da “globalização”, tal como é produzida na atualidade. Doreen Massey, geógrafa inglesa, reafirma o caráter de produção da narrativa de “globalização”, por exemplo, ao demonstrar que “a globalização’ em sua forma atual não é o resultado de uma lei da natureza (ela própria um fenômeno em questão) – é um projeto” (MASSEY, 2009, p. 24), um projeto que busca nos convencer de sua inevitabilidade dessa forma de globalização. A imaginação da globalização em termos de espaço livre e sem limites, aquela poderosa retórica do neoliberalismo acerca do ‘livre mercado’, assim como foi à visão de espaço da modernidade, é elemento central no discurso político arrogante, discurso que é majoritariamente produzido em países do Norte (apesar de apoiado por muitos países do Sul). Tem suas instituições e seus profissionais. É normativo e tem suas consequências. (MASSEY, 2009, p. 128) Tributários de uma mesma corrente de pensamento e compreensão do mundo, este comercial e muitos outros legitimam pensamentos de mundo como este expresso, pensamento que se manifesta em muita das políticas onde este modelo de desenvolvimento se propõe como único caminho para a trajetória dos homens na terra.
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Comercial 2: Desenvolvimento social e econômico
Fig. 3 – personagens tipificados
(...) entender a globalização como uma instantaneidade acabada é ambíguo desde o início. Por um lado, freqüentemente, é alegado que já está conosco, pelo menos implicitamente. Por outro, é a própria promessa de um futuro-‐por-‐vir, que se diz que a globalização sustenta. E esta última proposição permite que aqueles que ‘ainda’ não estão integrados nessa única globalidade sejam descritos como atrasados, como ainda, temporariamente, ‘atrás’. (MASSEY, 2009, p. 120) De maneira geral, muito do que Massey defende neste argumento pode ser observado nesta narrativa, nos ajudando compreender um pouco de que geografias este comercial quer dar visibilidade. Nele, uma empresa operadora de telefonia celular apresenta seu programa que visa, segundo a jornalista Marília Gabriela, a ampliação do acesso/uso de internet móvel 3G em regiões brasileiras ainda não integradas à rede, definidas como “cidades de todos os tamanhos”, apresentadas em uma projeção cartográfica. Em suas palavras, a integração deverá gerar “desenvolvimento social e econômico” para uma diversidade de indivíduos apresentados, retratados como representantes de suas regiões onde Minas Gerais e a região Amazônica são citadas diretamente, tendo outras regiões apresentadas quer por alusões imaginativas, quer por expressão cartográfica. Essas imagens compõem uma história, elas constroem, nas palavras de Pesavento, “uma narrativa que conta e explica algo” (PESAVENTO, 2008, p. 108). Estas narrativas, construídas
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pelas imagens, produzem imaginações espaciais sobre o mundo. Massey apresenta este pensamento de modo que se torne mais claro sua compreensão: (...) tratava-‐se de uma forma de imaginar o espaço – uma imaginação geográfica – como integrante daquilo que se tornaria um projeto para organizar o espaço global. Foi através dessa imaginação do espaço como (necessariamente por sua própria natureza) regionalizado/dividido, que o projeto (na verdade particular e altamente político) de generalização, através do globo, da forma Estado-‐nação, poderia ser legitimado como progresso, como ’natural’. (MASSEY, 2009, p. 102) Essa universalização de futuro humano, compreendido como “progresso” nada mais é do que a atual concepção política de Globalização: regiões tidas como culturalmente e espacialmente diferentes eram pensadas como delimitadas, restritas, separadas e divididas. Uma generalização que compreendia melhoria/desenvolvimento através de uma única forma. Esta mesma corrente de pensamento se manifesta no discurso de integração das regiões supracitado: (...) a diferença espacial era concebida em termos de seqüência temporal. ‘Lugares’ diferentes eram interpretados como estágios diferentes em um único desenvolvimento temporal. Todas as estórias de progresso unilinear, modernização, desenvolvimento, a sequência de modos de produção... representavam essa operação. A Europa Ocidental é ‘avançada, outras partes do mundo encontram-‐se ‘um pouco atrás’, e outras, ainda, são ‘atrasadas’. (MASSEY, 2009, p. 107) Segundo a narrativa exposta no comercial, caberia às demais regiões do país a se integrarem a rede de internet móvel e, assim, serem aproximadas destas possibilidades de “desenvolvimento social e econômico”. Como se elas estivessem à espera, a margem, do “progresso” que já se apresentava nas grandes cidades e que agora chega as “cidades de todos os tamanhos”. A concepção temporal da geografia da modernidade, há muito hegemônica, impõe a repressão da possibilidade de outras trajetórias (outras, isto é, diferentes do imponente progresso em direção à modernidade/modernização/desenvolvimento no modelo ocidental europeu. (MASSEY, 2009, p. 109 a 110) Em suas palavras, “o que está em questão em tudo isso são nossas imaginações geográficas” (MASSEY, 2009, p. 125): Esta visão do espaço global, assim, não é tanto uma descrição de como é o mundo, mas uma imagem através da qual o mundo está sendo feito. (...) Claramente, o mundo não é totalmente globalizado (o que quer que isto queira dizer), o próprio fato de que alguns estão se emprenhando tanto em fazê-‐lo é prova de que o projeto está incompleto. (MASSEY, 2009, p. 129) A este projeto, esta forma de globalização, que o comercial busca enfatizar, na medida em que compõe sua narrativa de “integração das regiões brasileiras”, são as regiões apresentadas,
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aquelas que a imagem busca “dar-‐a-‐ver”, que não estão escurecidas pela apresentadora, que devem fazer parte desta narrativa. Ao compor uma retórica audiovisual, as imagens ali presentes expressariam “valores e mensagens diversas e participam, de diferentes maneiras da grande construção mítica da sociedade contemporânea.” (ALMEIDA, 2000, p. 4). Uma das formas de se realizar se dá pela presença de um apresentador: Em variadas versões, o apresentador encarna sempre a mesma figura-‐ tipo. Com o olhar radiante de quem está plenamente imbuído do sentimento que as suas palavras precisam deixar transparecer, o apresentador compõe, no discurso audiovisual, o que, para a prática retórica tradicional centrada na palavra, seria o momento do exórdio, aquela porção do discurso em que se busca uma influência direta sobre as disposições do auditório para que esse possa estar convencido da relevância do que é apresentado. Cenário, palavras, gestos, enquadramentos confluem para conferir força a narrativa televisiva. (COUTINHO, 2003, p. 65) Aqui, esta “figura-‐tipo” assume a presença de uma jornalista reconhecida em meio televisivo, apresentadora de um programa de entrevistas de grande visibilidade. Ao discutir e se posicionar como ente a favor do discurso, ela legitima, em credibilidade, aquilo a que se propõe. Não apenas estes, mas a presença de outros indivíduos tornados como alegorias – tipificados – podem reforçar aquilo que se apresenta: Dentro dessa retórica de tempos, imagens e sons, a descrição física que a câmera realiza, ao percorrer com a objetiva a figura de quem se apresenta, vai revelando que as personagens pertencem a um local, a uma época, a uma classe social, a uma região, a um país. Na televisão e no cinema, nos filmes documentais, as pessoas comuns, que participam dos programas, trazem em si um sentido atribuído, não a cada uma delas em particular, mas a uma categoria social. A caracterização física, o porte, as feições, os gestos, o traje, as suas formas visíveis são informações passadas logo na primeira aparição. Há um sentido aglomerado nas pessoas e na maneira como são apresentadas que as tornam alegorias de si mesmas, transcendendo a sua condição de ser privado para compor, em figuração, um elenco de significados já devidamente marcados na memória coletiva. (COUTINHO, 2003, p. 66) Segundo a mesma, ao tipificar os personagens, amplifica-‐se a participação destes indivíduos na produção de narrativas televisivas, transformando o discurso num veiculo de mais fácil propagação/comercialização. A própria presença já garantiria validade àquilo que se propõe, “na televisão, o estúdio é o espaço social que dá existência e legitimidade a fala.” (COUTINHO, 2003, p. 88). Penso que este seria, dentre os elementos que tecem a credibilidade dos discursos televisivos, na medida em que: Não seria esta uma das características mais marcantes das narrativas contemporâneas? A de se expressar em linguagem audiovisual e de se utilizar de todos os recursos recentes de captação e propagação de imagens e sons, tendo como referências implícitas os elementos das
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grandes narrativas de que se constitui a história da humanidade, sobretudo no mundo ocidental? (COUTINHO, 203, p. 41) Narrativa esta que se remete “as ideias de globalização e que contêm, em estética e política, uma pluralidade de locais dispersos e que são reunidos na grande tessitura audiovisual urdida nos estúdios televisivos” (COUTINHO, 2003, p. 114 – 115). Estas ideias de mundo, em imagens, desejam tornar-‐se a todo o momento uma realidade pretendida. Imagens e ideias que povoam os imaginários sociais e que não cessam de serem exibidas.
Considerações finais É reconhecido o papel desempenhado pela televisão na produção de visões de mundo: discursos de uma visualidade que compõem a retórica do capitalismo e que se expressam todos os dias no meio televisivo. Aproximações entre geografia e as imagens televisivas são possíveis, ousamos dizer, necessárias. como nos mostra OLIVEIRA JR., ao nos relatar seus diálogos com a produção cinematográfica onde a sua intenção seria a de produzir geografias de cinema (geografias televisivas), onde se propõe a “pensar e inventar outras interpretações para o mundo, a de permitir olhares diferenciados e diversificados às coisas do mundo (não só do filme, mas da realidade nele aludida ou encontrada)” (OLIVEIRA JR. 2005, pg. 8). Olhares assentados em imagens e sons que buscam a dimensão espacial das produções audiovisuais, os sentidos por elas aludidos, seus personagens, locais narrativos, no encontro com uma geografia que ali surge e ganha existência.
Referências ALMEIDA, Milton José de. Cinema: arte da memória. Campinas: Autores Associados, 1999. _______. A educação visual na televisão vista como educação cultural, política e estética. Revista Online Bibl. Prof. Joel Martins. Campinas, Vol. 1, N. 4, 2000. Disponível em: Acesso em: 12/08/2010. BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999. COUTINHO, Laura Maria. O estúdio de televisão e a educação da memória. Brasília, Plano Editora, 2003. MASSEY, Doreen. Pelo Espaço: uma nova política da espacialidade. Trad. Hilda Pareto Maciel e Rogério Haesbaert. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. OLIVEIRA JUNIOR, W. M. . O que seriam as geografias de cinema?. Txt (Belo Horizonte), v. 2, p. 10, 2005. _______. Geografias de cinema: Outras aproximações entre as imagens e sons dos filmes e os conteúdos geográficos. In: 6º Congresso Brasileiro de Geógrafos, 2004, Goiânia. Anais do 6º Congresso Brasileiro de Geógrafos. Goiânia, 2004. p. 1-‐22.
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