Segregação residencial em Fortaleza: o caso dos condomínios fechados

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XVII Encontro de Iniciação à Pesquisa Universidade de Fortaleza 17 a 21 de Outubro de 2011

Segregação residencial em Fortaleza: o caso dos condomínios fechados Amíria Bezerra Brasil¹(PQ), Eloá Bessa Silva Menezes²(IC), Márcia Ponte Nasser Hissa³(PQ), Vítor Domício de Meneses4(IC) 1. Universidade de Fortaleza – [email protected] 2. Universidade de Fortaleza – [email protected] 3. Universidade de Fortaleza – [email protected] 4. Universidade de Fortaleza – [email protected] Palavras-chave: Segregação Residencial, Auto-segregação, Planejamento urbano, Sociologia Urbana.

Resumo Esse trabalho estuda e discute sobre a segregação residencial na cidade de Fortaleza, procurando analisar as causas e conseqüências desse fenômeno urbano para a cidade e seu processo de expansão, com enfoque na auto-segregação. É importante discutir esse tema para compreender mais claramente o modo de crescimento da cidade e sua dinâmica de funcionamento, uma vez que, conhecendo a situação urbana, podemos propor soluções mais lúcidas para sua melhoria. Para exemplificar e discutir o assunto foi realizado um estudo de caso em um condomínio fechado no bairro Alagadiço Novo em Fortaleza - CE. Através de fotos, relatos e observação em campo, apontamos e analisamos características do espaço físico do condomínio analisado que refletem o caráter segregatório dessa tipologia habitacional, responsável por conseqüências profundas na qualidade do espaço urbano, prejudicando visivelmente a relação entre os diversos grupos sociais.

Introdução O estudo da cidade nos revela muitos aspectos de sua dinâmica de crescimento e os problemas pelos quais passa nesse processo. Um fenômeno urbano comum à maioria das grandes cidades do mundo é a segregação residencial, que se constitui na disputa e delimitação do espaço, bem como em todas as relações e os conflitos provenientes desse processo. Esse fenômeno recebe grande influência das relações sociais, uma vez que o espaço construído é uma manifestação da sociedade. Segundo Villaça (1998. p. 141), a segregação urbana é “... um processo fundamental para a compreensão da estrutura espacial intraurbana.”, portanto, o estudo da cidade nos esclarece sobre os processos e relações existentes na estruturação dos espaços. Considerando a cidade de Fortaleza, é possível perceber a crescente presença desse fenômeno nos últimos anos e sua influência no modo de crescimento urbano, modificando substancialmente a paisagem da cidade. A expansão dos condomínios fechados é um fato que evidencia a tipologia de construção predominante na atualidade e que ao mesmo tempo revela e propaga a segregação residencial. Por outro lado, as construções mais humildes em áreas de risco e/ou periféricas da cidade também vêm constituindo espaços segregados. Percebe-se, pois, que a segregação é um fenômeno que independe de classe social, porém, profundamente motivado por disputas de espaço entre classes. Uma das razões que contribui para o isolamento é a tentativa de fuga do espaço público, uma vez que este encontra-se hostilizado e desvalorizado pelo modo de vida da maioria das metrópoles, que valoriza as atividades particulares, realizadas em ambientes fechados em sua maioria freqüentados por pessoas de mesma classe social, desestimulando a convivência no espaço público. Com o esvaziamento do ambiente da rua, das praças, a violência aumenta de forma crescente e o medo passa a legitimar estratégias de proteção e isolamento nos modelos habitacionais vigentes, tais como muros, cercas, portarias, câmeras de segurança, alarmes etc. “Tanto simbólica como materialmente, essas estratégias operam de forma semelhante: elas estabelecem diferenças, impõem divisões e distâncias, constroem separações, multiplicam regras de evitação e exclusão e restringem os movimentos.” (CALDEIRA, 2000. p.11). O espaço da rua passa a ser perigoso e, por isso, evita-se estar nele. No entanto, a construção de edificações segregadas contribui para o aumento da condição de segregação urbana, uma vez que esse tipo de atitude não resolve o problema, fortalecendo os conflitos sociais e estimulando o aumento da violência, num processo cíclico. ISSN 18088449

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Esse trabalho procura analisar e discutir causas e conseqüências da segregação residencial, utilizando o exemplo dos condomínios fechados, no intuito de conhecer mais profundamente os problemas urbanos, contribuindo para um planejamento mais coerente e lúcido das cidades.

Metodologia O trabalho foi dividido em duas partes, a primeira parte foi conceitual, fundamentando a segunda, um estudo de caso. Foi realizada uma revisão bibliográfica subsidiada por autores que tratam de conceitos fundamentais para a compreensão do fenômeno em estudo, tais como auto-segregação, segregação residencial e influência da segregação no contexto de expansão urbana. Após isso, visitamos um condomínio fechado no bairro Alagadiço Novo em Fortaleza e, através de fotografias, observação do entorno e entrevistas, analisamos suas características relacionando-as com os conceitos estudados.

Resultados e Discussão Segregar significa separar nitidamente a fim de isolar e evitar o contato. O que determina a segregação de um espaço é que a concentração significativa de uma classe em uma região seja maior do que em outra. A segregação urbana engloba todos os tipos de segregação que podem ocorrer dentro da cidade. Nesse estudo trataremos da segregação residencial, que diz respeito as diferentes tipologias habitacionais e é ocasionada principalmente pela disputa de classes. Ela se configura como um forte fator influenciador do modelo de desenvolvimento e expansão da cidade de Fortaleza. Para compreendê-la, é preciso levar em consideração quem segrega, quem é segregado ou se auto-segrega, o local onde ocorre a segregação e porque ela ocorre. A auto-segregação existe quando o indivíduo, por vontade própria, busca viver próximo de pessoas da mesma classe se isolando das demais. Este é um fenômeno muito comum nas metrópoles brasileiras e se constitui como um processo voluntário, na maioria das vezes, motivado por problemas sociais. Um exemplo muito claro desse fenômeno são os condomínios fechados, que, através de barreiras físicas como muros, cercas e portarias, proporcionam nitidamente uma sensação de segurança muitas vezes não encontrada nos espaços públicos. Essas medidas que transformam os condomínios fechados em “enclaves fortificados”, separam os grupos sociais de uma forma tão explícita que transformam a qualidade do espaço público. (CALDEIRA, 2000. p.11). Várias razões contribuem para a disseminação desse padrão habitacional, dentre elas o medo da violência que legitima ações de proteção e isolamento. No caso da cidade de Fortaleza, o medo da violência provém muito freqüentemente da disparidade socioeconômica presente entre grupos sociais. “Há um grande desnível de investimento entre os bairros periféricos e aqueles que concentram grande parte da população com maior renda. A falta de identidade e de familiaridade dos espaços e o apartheid urbano podem ser considerados dimensões geradoras de violência.” (BERNAL, BOMFIM e MUDO, 2009. p.246). Por isso, espaços públicos de baixa qualidade urbana acabam por estimular o conflito e contribuir para aumentar a violência. Uma forma muito comum de segregação é o deslocamento das elites de uma cidade para um bairro afastado do centro em busca de fugir dos problemas provenientes da saturação urbana. Porém, a segregação residencial não e um fenômeno exclusivo das classes mais altas. As classes menos favorecidas também tendem a se isolar, evitando o convívio com outros grupos. É o caso de algumas favelas que possuem uma organização sócio-espacial que dificulta o acesso de pessoas desconhecidas. Além dos próprios moradores, outros agentes produtores da segregação social são o poder público e a especulação imobiliária, que representa o capital privado. Os agentes governamentais, cujo papel consiste em garantir condições dignas de infra-estrutura urbana para a sociedade como um todo, também tem grande parcela de influência sobre o crescimento da cidade e, portanto, sobre o fenômeno de segregação urbana. Cabe ao governo destinar recursos para melhorias urbanas nos diversos locais da cidade, no entanto, essa tarefa acaba por privilegiar certas regiões em detrimento de outras. “... por concentrar qualidades num espaço exíguo e impedir que elas sejam partilhadas por todos, os espaços mais bem equipados da cidade sentem-se constantemente ameaçados por cobiças imobiliárias, por congestionamento, por assaltos.” (ROLNIK, 1999. p.100). A especulação imobiliária, por sua vez, transforma a terra em mercadoria de troca, o que intensifica a urbanização desequilibrada da cidade, já que os rumos de crescimento e desenvolvimento passam a ser definidos com base nos interesses dos especuladores. Pelo preço dos imóveis de um lugar, seleciona-se o

público que irá morar e trabalhar na área, uma seleção por classe social, desfavorecendo os que não têm condições financeiras, que acabam tendo que ir morar em regiões com menos infra-estrutura e serviços urbanos. Para verificar em campo os conceitos estudados, analisamos um condomínio fechado no bairro Alagadiço Novo, em Fortaleza CE. Este bairro se localiza numa das principais áreas de expansão da cidade. O entorno do condomínio analisado possui colégios, supermercados, restaurantes e diversos outros estabelecimentos de comércios e serviços, além de vários condomínios e casas. Várias obras estão sendo executadas na área, inclusive a obra de alargamento e reforma da avenida Maestro Lisboa, uma das principais do bairro, concentrando a maioria dos comércios e dando acesso a um dos maiores pólos turísticos do Ceará, o Porto das Dunas. A obra de alargamento da via estimulou uma valorização de terras notável, fazendo com que diversos empreendimentos sejam construídos nas imediações da avenida em busca de criar uma área que se valoriza cada vez mais e legitima um padrão de habitação pautado na segregação residencial, buscando evitar ao máximo o contato com o espaço público. O que Contribui para a rápida e efetiva ocupação de moradores em um bairro como este é o fenômeno de migração das elites dos bairros centrais para os mais afastados da mancha urbana em busca de segurança e tranqüilidade. Por isso, o bairro Alagadiço Novo é uma área que simboliza bem o crescimento da cidade baseado na especulação imobiliária, com todas as conseqüências acima comentadas. Observa-se que a área em que o condomínio está localizado é formada predominantemente por edificações de no máximo dois pavimentos, com muitos terrenos ainda naturais. A estrutura e o mobiliário urbanos ainda são incompletos ou mesmo ausentes na maioria das ruas, além de deficiência em iluminação pública, passeios, arborização, sinalização nas vias. Também se verifica ausência de espaços públicos de lazer para a população, o transporte predominante é o automóvel particular, pois a assistência do transporte público é ineficiente ou ausente em muitos pontos do bairro. Isto intensifica a segregação existente no local, pois a segurança das pessoas na locomoção depende do transporte a ser utilizado. No entanto, nem todos têm acesso ao transporte particular, ficando sujeitos aos riscos provenientes de um espaço urbano desestruturado. A cadeia de acontecimentos que leva uma área da cidade a chegar nesse estado é cíclica. A rua é deserta porque não tem estrutura para ser usada. Por sua vez, o governo não se sente pressionado a melhorá-la, pois os moradores que necessitam dessa estrutura não têm força política para exigi-la e os de classe média alta não a exigem, pois tem suas necessidades aparentemente atendidas pelos espaços existentes em seus condomínios. Por meio de fotografias, entrevistas, observação em campo e análise do entorno identificamos muitos aspectos característicos da segregação residencial. Muros altos, cercas, portarias, câmeras de segurança, guardas particulares, tudo isso é comumente visto na tipologia tradicional de habitação particular de classe media e alta de Fortaleza. Todos são mecanismos de controle e isolamento do espaço público. Em busca de se proteger dos “suspeitos” que estão do lado de fora, na rua, as barreiras físicas que se criam e se consolidam na paisagem da cidade influenciam de forma decisiva no ambiente público. O condomínio analisado tem muros altos e seus acessos se dão através de portões de grade, vigiados por um porteiro, que julga o acesso de estranhos ao lugar. Os espaços interiores são amplamente conservados e bem cuidados, contrastando com o espaço da rua, esquecido e deserto. O condomínio conta com piscina, espaço para festas, jardins e playground para crianças, uma superestrutura que evita que os moradores tenham que sair de casa para ter acesso ao lazer. A função do espaço público de convivência, troca e lazer passa a ser transferida para um local privado que reúne os que tem condições financeiras para estarem ali e segrega a outra parte das pessoas do outro lado do muro, sem contato e sem oportunidade de convivência. Entrevistamos uma moradora do condomínio analisado e percebemos nitidamente, em seu discurso, a disparidade que se cria entre espaço público e espaço privado, através da segregação. Ao ser questionada sobre a segurança em seu condomínio, ela respondeu: “Sinto segurança dentro do condomínio, mas na rua não sinto, pois diversas pessoas já foram assaltadas na frente do condomínio, mas nunca dentro...”. O que ocorre é uma supervalorização do espaço privado, isolado e com acesso restrito, em detrimento do espaço público, praticamente inutilizado, passando a se tornar perigoso e estranho à maioria da população. Com isso, aumenta a construção de empreendimentos que segregam buscando oferecer uma fuga do espaço público, cada vez mais hostil e sem condições de uso. A maioria dos moradores do condomínio se locomove de carro e, portanto, não é afetada diretamente pelos problemas e pela falta de estrutura da rua. Porém, isso não significa que a segregação não os atinja com seus efeitos, pois estes são para todos os moradores da cidade. “A exclusão territorial na cidade brasileira é mais do que a imagem da desigualdade, é a condenação de toda a cidade a um urbanismo de risco.” (ROLNIK, 1999. p.100).

A situação do condomínio fechado em análise é representativa do estado para o qual vai se encaminhando uma grande parte da cidade que promove um modelo de crescimento ineficiente no que diz respeito a boa convivência entre os habitantes da cidade e o desenvolvimento dos espaços públicos enquanto espaços democráticos.

Conclusão Com o trabalho desenvolvido pudemos compreender melhor o conceito de segregação urbana e entender como se dá o processo de segregação residencial na cidade de Fortaleza, que foi o principal tema explorado nesta pesquisa. Esse estudo foi de grande importância, pois com ele foi possível compreender a dinâmica de funcionamento da cidade com mais facilidade, como são seus modos de expansão, as relações entre os espaços intra-urbanos, os agentes produtores desse espaço e as pessoas. Para planejar a cidade é preciso primeiro conhecer as necessidades do homem para propor soluções mais eficazes.Dessa forma, poderíamos realizar um planejamento urbano de maior qualidade, que considerasse a cidade enquanto espaço democrático e de direito de todos, promovendo a diversidade urbana e a integração social nos espaços públicos.

Referências BERNAL, Cleide, BONFIM, Zulmira e MUDO, Eloise. Vulnerabilidade, Violência e Pobreza na Região Metropolitana de Fortaleza. In: COSTA, Maria Clélia Lustosa e DANTAS, Eustógio Wanderley Correia. Vulnerabilidade socioambiental na região metropolitana de Fortaleza. Fortaleza, Edições UFC, 2009. CALDEIRA, Tereza Pires do Rio. Introdução. Cidade de Muros. São Paulo, Edusp/ Editora 34, 2000. ROLNIK, Raquel. Exclusão Territorial e Violência. 1999. VILLAÇA, Flávio. Espaço Intra Urbano no Brasil – A segregação urbana. São Paulo, Studio Nobel, Fapesp, Lincon Institute, 1998.

Agradecimentos Aos nossos pais, pelo apoio, compreensão e incentivo; à UNIFOR, pela oportunidade concedida; às professoras Amíria Brasil e Sylvia Cavalcante pela imensurável generosidade.

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