Segunda Escolástica

June 24, 2017 | Autor: Leticia Pereira | Categoria: Escolástica
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Letícia Pereira Pimenta/ UFRGS

A SEGUNDA ESCOLÁSTICA 1. Contexto histórico de surgimento. 2. Gênese da Segunda Escolástica. Expoentes. 3. Críticas e pressupostos teóricos. Referências Bibliográficas: BENNASSAR, M.B. ET alli. Historia moderna. 4. ed. Madrid: Akal, 1998. FASSÒ, Guido. Historia de La Filosofia del Derecho – vol. II. 3ª ed. Madrid: Ediciones Pirámide, 1966. FERNÁNDEZ, Clemente. Los filósofos escolásticos de los siglos XVI e XVII. Madrid: Editorial Catolica, 1986. MONCADA, Luís Cabral de. Filosofia do direito e do estado. Coimbra: Coimbra, 2006.-

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CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO

Os dois fatos que demarcam o inicio da Idade Moderna são dois: o Renascimento cultural e a Reforma Católica. A mim incumbe falar mais detidamente nesse encontro da Reforma Católica e o conseqüente movimento de Contra-Reforma ou de Reação da Igreja Católica, que desembocará na retomada do tomismo, a que se designa segunda escolástica ou escola peninsular de direito natural. Pois bem. A Igreja fora a instituição dominante na Idade Média. Porém, em virtude de uma série de acontecimentos sua relevância passa a ser questionada. À medida que os reis ampliam seu poder e os centros urbanos aumentam em numero e tamanho, as pessoas passam a criticar a autoridade da Igreja e seu clero. Teóricos políticos rejeitam a supremacia papal sobre os reis; que estes não precisavam daquele para guiá-los e que o Clero não estava acima da lei secular. Assim, John Wycliff e Jan Hus denunciam a riqueza do Clero enquanto violação dos preceitos cristãos e atacam a base da autoridade eclesiástica ao argumentar que a Igreja não controlava o destino do individuo. Afirmam que a salvação que a salvação dependeria não de se praticar os rituais da Igreja, ou de receber seus sacramentos, mas de aceitar o dom da fé concedido por Deus. A este movimento inicial se sucede aquilo a que se convencionou chamar de Reforma Católica ou Reforma Protestante. Lutero preocupava-se com a danação. Em virtude disso volta-se cada vez mais para a leitura da Bíblia na esperança de salvação; e nela busca encontrar as respostas que procurava; e passou a acreditar que a salvação não estaria na prática de boas

ações, como a oração, no jejum,nas peregrinações, missas e outros sacramentos, mas na fé; segundo ele somente pela leitura da Bíblia e pela fé poderia o cristão encontrar o significado da vida na Terra. Com o advento do luteranismo, portanto, a fé pessoal, e não a adesão às práticas religiosas torna-se o elemento central da vida religiosa. Lutero tinha para si a convicção de que toda pessoa podia descobrir o significado da Bíblia sem a intervenção da Igreja. Em outono de 1577, o monge dominicano John Teztel encontra-se próximo a Wittenberg vendendo indulgências. Lutero então ataca, afixando à porta do Castelo de Wittenberg as 95 teses. Em síntese, a este movimento de oposição à Igreja Católica ocorre um contra-ataque, a que se designa Contra-Reforma. O movimento de ContraReforma visou condenar os erros do protestantismo, bem como uma reformulação da própria instituição, visando repudiar os abusos. Um dos principais instrumentos da Igreja fora a censura,visando proibir e queimar os livros considerados perigosos, que ocasionassem a profusão de idéias protestantes, a que se convencionou chamar Index de Livros Proibidos. Em 1545 o Concilio de

Trento reúne-se para reformar a Igreja e

fortalecê-la contra o protestantismo. Este concilio modifica a doutrina da Igreja, abolindo práticas abusivas, como a venda de indulgências e atribuindo a autoridade final ao papado, encerrando a discussão acerca da autoridade papal. Nele ainda ficou decidido que a Igreja seria ao ―árbitro final‖da Bíblia. A reforma contribui para a formação da modernidade. Ao dividir a cristandade em católica e protestante, destrói a unidade religiosa na Europa, enfraquecendo a Igreja. Fortalecendo o poder monárquico, a Reforma estimula o crescimento do Estado moderno, secular e centralizado e em conseqüência se dá uma submissão da autoridade clerical ao poder real. A Companhia de Jesus, instituída por Inácio de Loiola, fora a principal arma da Igreja na Contra-Reforma, lutando contra os protestantes. Levaram o

catolicismo para outros continentes, principalmente para a América, onde fundaram escolas, catequizaram os índios, protegendo-os contra a escravidão.

- O surgimento da Segunda Escolástica. Expoentes.

Pierre Crockart, formado na Universidade de Paris, ao lecionar, abandona o estudo de Occam, voltando-se para o tomismo ,ingressando na ordem dominicana e se unindo ao Collège de Saint Jacques. Em 1509 começa a dar conferencias sobre a Summa Teologica de Santo Tomás no lugar das Sentenças de Pedro Lombardo e em 1512 publica um comentário sobre a ultima parte da Suma em colaboração com Francisco de Vitória. Mesmo falecendo em 1514, deixa seu legado que é disseminado por seus alunos. Assim ressurgiu o tomismo no século XVI, cuja figura central é Francisco de Vitória, que ingressa na ordem dominicana em 1504, e dois anos após é enviado ao College de Saint Jacques, em Paris para prosseguir seus estudos. Ali permanece por dezoito anos como estudante e depois como conferencista sobre a Suma Teologica. Em 1523 retorna à Espanha e três anos após é eleito para a 1ª cátedra de Teologia em Salamanca, ocupando-a até sua morte em 1546. Foram seus discípulos Diego de Covarrubias, Melchor Cano, Fernando Vasquez e Domingo Soto. Durante a 2ª metade do século XVI as doutrinas propostas pelos dominicanos começaram a ser adotadas também pelos jesuítas que as propagaram na Italia, França e Espanha. No fim da década de 1540 os jesuítas conseguiram estabelecer oito de seus colégios em universidades espanholas, incluindo Alcalá, Salamanca e Burgos. Assim inicia um processo com o qual estes

conseguiram

arrancar

o

domínio

intelectual

das

universidades

espanholas das mãos dos dominicanos. Desta escola destacam-se Gabriel Vasquez, Luis de Molina e Francisco Suárez. Esta escola portanto se origina de duas correntes duas ordens religiosas:

a) a ordem de São Domingos, que segue de perto os ensinamentos de Tomas de Aquino. Teve centro em Salamanca, no Colégio de Santo Estevão e na Universidade cujos representantes mais notáveis foram Francisco de Vitória e Domingos de Soto. b) a Companhia de Jesus, de atitude mais independente para com o tomismo, cujos expoentes máximos foram Luis de Molina e Francisco Suarez. Citem-se

também

os

escolásticos

portugueses,

da

Escola

Conimbrense,dentre eles Dom Jerônimo Osório, João Salgado de Araújo, Serafim de Freitas e Afonso Álvares Guerreiro. - Criticas e postulados teóricos O interesse desta escola consistiu em refutar os hereges daquele período – a grosso modo, os protestantes - visando repudiar não só o conceito luterano da Igreja, como toda visão da vida política associada à reforma evangélica. Como já referido antes, dois são os importantes postulados do luteranismo: da leitura da Bíblia como única forma de salvação e repúdio à tradição católica e a negação da Igreja como congregatio fidelium, isto é, que necessitasse ser guiada pelo papa como cabeça. Opunham-se também à visão protestantista da relação entre Deus e o homem, negando ao homem todo elemento da graça interior ( negação do direito natural). Outra intenção desta escola fora corrigir as heresias propagadas pelos humanistas cristãos, mormente Erasmo de Rotterdam, frontalmente atacado, sendo sua obra citada no Index de Libros Proibidos. Rotterdam, sob uma forma sarcástica, professava que a verdadeira religião não dependia do dogma, do ritual ou do poder clerical, mas revelada de forma simples e clara na Bíblia, sendo portanto diretamente acessível a todas as pessoas, mesmo as mais humildes. Outro grupo de humanistas a que se opuseram foram os defensores da razão de Estado, cujo expoente Maximo fora Nicolau Maquiavel. Para ele, a sobrevivência era o objetivo primordial do Estado, transcendendo qualquer

preocupação com valores morais ou religiosos e com os interesses dos súditos. O príncipe podia usar qualquer meio para salvar o Estado quando sua sobrevivência estivesse em jogo. Tanto Lutero quanto Maquiavel buscavam rechaçar a idéia de um direito natural como base moral apropriada para a vida política. A segunda escolástica é portanto também um movimento de ressurgimento do direito natural. Afirmavam ser o universo regido por uma hierarquia de leis: a lei eterna, pela qual atuava Deus; a lei divina, que Deus revela diretamente ao homem nas Sagradas Escrituras, e sobre que se funda a Igreja,a lei natural, que Deus implanta no homem para que possam compreender seus desígnios e intenções no mundo e a lei humana positiva, através da qual os homens ordenam e põem em vigor por si mesmos para governar as republicas que criam. Diziam ter a lei natural uma dupla essência: um misto de intelecto ( porque intrinsecamente justa e razoável) e vontade(oriunda de Deus). A lei natural não necessita de nenhum conhecimento da Revelação ou da lei divina para que se captassem seus princípios essenciais. Ela se dá a conhecer aos homens simplesmente como homens. Faziam distinção entre o direito natural, ao qual pertenceriam não só os primeiros princípios mais evidentes mas também algumas conclusões que deles se derivam necessariamente, enquanto o direito das gentes pertenceria às conclusões não necessárias desses primeiros princípios. Buscam também resolver um problema existente em Tomas de Aquino qual seja o da imutabilidade da lei natural. A lei natural não seria a mesma sempre; seria variável conforme as circunstancias. Suarez reconhece expressamente dois tipos de modificação da lei natural: pelo cambio das circunstancias ou pela deficiência na formulação da lei natural. Faziam distinção entre a lei positiva, que são as leis locais de sociedades particulares, e o ius gentium, que são as leis que possuem todas as nações. Daí surge o direito internacional ou inter gentes, como código especial de direito positivo fundado sobre os princípios da justiça natural. O direito

natural portanto é o direito aplicável às relações tanto entre indivíduos de diferentes Estados quanto entres indivíduos e outros Estados. Deriva do direito natural, participando de sua racionalidade e universalidade. Esta escola também rechaça a idéia de que o estabelecimento da sociedade política foi diretamente ordenada por Deus. O Estado é assim uma instituição que se desenvolve naturalmente, em virtude da tendência associativa própria aos seres humanos, obedecendo sua organização à vontade humana, antes que a um desígnio divino. A Segunda Escolástica manterá,basicamente, o conceito tomista de lei natural.

Mas os principais expoentes desta escola também questionavam a tradição tomista: o bem e o mal eram intrínsecos à natureza das coisas, e enquanto tal necessários, ou definidos pela vontade divina, que poderia ter feito tudo de outro modo? Tratava-se de uma lei divina positiva, chamada de natural apenas porque estava de acordo com a natureza, tal qual ela se apresentava? A razão humana era suficiente para sua apreensão?

Soto (1494-1560) dirá que a lei natural é mais facilmente apreendida pelo instinto (e assim, da lei natural ninguém pode alegar desconhecimento), sendo sua racionalização propiciada pela lei humana positiva.

A lei natural leva o homem a mover-se para seu fim, que é a sua liberdade: ―[...]e isto é a lei natural, estes princípios que, sem raciocínio discursivo, são aparentes per se, por iluminação natural‖.

Além desse conhecimento inato do fim a ser buscado por suas ações, o ser humano tem uma inclinação para realizar o seu próprio bem (a virtude) que o conforma com a lei eterna. Assim, ―[...] tanto de acordo com seu conhecimento, quanto de [acordocom] sua propensão para o bem — ambos necessários para o movimento livre —, as ações humanas estão sujeitas à lei eterna‖.

Não fosse assim, os não cristãos estariam excluídos da participação na ordem eterna, já que, por definição, desconhecem as―escrituras‖.

A comunidade política, portanto, é apreendida organicamente, não havendo lugar para a idéia de subordinação dos indivíduos ao Estado, e sim de todos à lei natural.

A Segunda Escolástica concebia a sociedade, portanto, como união de homens livres, mas união que não podia deixar de ocorrer, dada a sociabilidade natural.

Assim, todas as republicas seculares originalmente foram organizadas por seus próprios cidadãos como meio para alcançar fins puramente mundanos. É o nascedouro do contratualismo moderno. Afirmam que o estado de natureza era uma situação em que os homens se encontraram depois da ―caída‖e antes de instaurarem a sociedade política. Era um estado de liberdade, igualdade de independência. Todavia, esta condição não consistia em absoluto em uma absoluta falta de leis. Seria regida por uma lei genuína – a lei natural conhecida por todos. Este estado de natureza também não significava que o homem andasse solitário; o homem por natureza é um ser gregário. Disto surgem duas questões: 1. Que razão leva o homem a abandonar suas liberdades naturais e implantar a sociedade civil? Segundo eles, não se manteriam a paz e a justiça sem leis convenientes, posto que os homens individuais e ordinários dificilmente entendem o que é o bem comum, preocupandose tão-somente em perseguir seus bens particulares( individualismo). Sendo assim, nenhuma sociedade pode seguir mantendo-se sem uma força ou poder para governar e velar por ela já que, se todos os homens permanecessem iguais,e ninguém fosse sujeito a nenhum poder, cada qual perseguiria sua própria vontade e prazer em direções opostas e a sociedade cairia em pedaços.

2. O que serve para legitimar o ato de inaugurar uma sociedade política? O consenso dos cidadãos instauraria a sociedade política.

Dentre os humanistas atacados pela segunda escolástica, estava Juan Ginés de Sepúlveda, que se pronunciou acerca da legitimidade das conquistas espanholas no novo mundo. Sustentava este a política de escravização dos índios, pois estes,sem deter o conhecimento da fé cristã, não levavam uma vida de autêntica liberdade política e dignidade humana; equiparar-se-iam portanto à categoria aristotélica dos escravos por natureza. Não seriam portanto aptos a manter uma genuína sociedade política; deste modo seria legitimo que os índios fossem conquistados e escravizados. Era favorável à catequização pela força. Bartolomé de las Casas contrário a tal posição preleciona que os índios satisfaziam cada um dos requerimentos de Aristóteles para a vida boa. Afirma que Sepúlveda está errado ao supor que os índios são bárbaros, no sentido em que Deus quisesse que fossem destituídos de razão. Las Casas diz ser favorável à adesão livre dos índios ao Cristianismo não aceitando a imposição da pregação do Evangelho pela força. Concebia assim que o resultado da conquista devia ser uma confederação pacifica de reinos indígenas cristãos, sob o domínio do imperador, que seria o rei de Castela. Por suas idéias Las Casas torna-se protetor geral dos índios.

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