Segundo registro de Molossops neglectus William & Genoways, 1980 (Molossidae) para o estado do Rio de Janeiro

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Chiroptera Neotropical 17(2), December 2011

Segundo registro de Molossops neglectus William & Genoways, 1980 (Molossidae) para o estado do Rio de Janeiro Gustavo Pena Freitas1*, Luciana de Moraes Costa1,2, Júlia Lins Luz1, William Douglas de Carvalho1 & Carlos Eduardo Lustosa Esbérard1

1. Laboratório de Diversidade de Morcegos, Departamento de Biologia Animal, Instituto de Biologia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, CP 74507, 23890-000, Seropédica, Rio de Janeiro, Brasil. 2. Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução, Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Rua São Francisco Xavier, 524, Maracanã, CEP 20550-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. * Corresponding author. Email: [email protected]

Abstract Second record of Molossops neglectus William & Genoways, 1980 (Molossidae) for the Rio de Janeiro state. This paper describes the capture of the second specimen of Molossops neglectus in the Rio de Janeiro state. This capture was performed in Serra da Concórdia in the portion located in Valença municipality, 84 years after the first record. The locality of the new record is located about 20 km from the first (in Engenheiro Paulo de Frontin municipality), being inserted in a region of semideciduous forest in different succession stages and surrounded by pasture and secondary forest fragments. Although not representing the extent of geographical distribution, this capture is important due to the rarity of the specie. Keywords: distribution, Atlantic Forest, semidecidual forest. Resumo Este trabalho apresenta a captura do segundo indivíduo de Molossops neglectus no estado do Rio de Janeiro. Essa captura foi realizada na Serra da Concórdia na porção localizada no município de Valença, 84 anos após o primeiro registro. A localidade do novo registro situa-se a cerca de 20 km do primeiro (no município de Engenheiro Paulo de Frontin) estando inserida em uma região de floresta semidecidual em vários estágios de sucessão e rodeada por pastos e fragmentos de florestas secundárias. Apesar de não representar extensão da distribuição geográfica, esta captura mostra-se importante pela raridade da espécie. Palavras-chave: distribuição, Mata Atlântica, floresta semidecidual.

Introdução O gênero Molossops inclui duas espécies com ocorrência na América do Sul, sendo elas, Molossops temminckii (Burmeister, 1854) encontrado na Venezuela, Guiana, Peru, Bolívia, Argentina, Uruguai, Colômbia e nas regiões nordeste, centro-oeste e sudeste do Brasil e Molossops neglectus Williams & Genoways, 1980, encontrado na Venezuela, Guiana, Argentina, Peru e nas regiões norte, sudeste e sul do Brasil (Gardner 2007). Molossops neglectus era conhecido anteriormente apenas na Região Amazônica e em uma localidade na Argentina até a década de 80 (Ascorra 1991, Barquez 1993, Lim & Engstron 2001). Novos registros fora da Região Amazônica foram acrescidos por Gregorin et al. (2004), que descreveram capturas no estado de São Paulo e reidentificaram um exemplar coletado no estado do Rio de Janeiro. Este exemplar, coletado em 1926 no município de Engenheiro Paulo de Frontin, estava depositado na coleção da

     

Universidade de São Paulo. Até o ano de 2004 o total de 14 localidades apresentava todos os 33 registros desta espécie. Recentemente a distribuição da espécie foi estendida a região sul do Brasil com a coleta de seis exemplares no estado do Paraná (Gazarini & Bernardi 2007). O limite austral atualmente conhecido é o município de Frederico Westphalen (27º 21’ 33” S e 53º 23’ 40” W), Rio Grande do Sul, onde foram capturados três exemplares (Bernardi et al. 2007). Com isto, esta espécie é conhecida em 16 localidades, onde 42 espécimes foram capturados. O objetivo deste trabalho é registrar a segunda ocorrência de Molossops neglectus no estado do Rio de Janeiro. Material e Métodos O município de Engenheiro Paulo de Frontin, Rio de Janeiro, onde foi capturado um exemplar desta espécie em 1926, situa-se no interior do

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estado a altitude média (400-900 m), no bioma da Mata Atlântica. Próximo a este município, a cerca de 20 km, está situado o município de Valença e a Serra da Concórdia. Esta região caracteriza-se por ser uma das menos amostradas quanto a morcegos no estado do Rio de Janeiro (Dias et al. 2010). Nesta região fica localizado o Santuário de Vida Silvestre da Serra da Concórdia, com área estimada de 220 ha. O local está inserido em uma região com altitude variando entre 600 e 925 m, sendo formada por vegetação classificada como floresta semidecidual e em vários estágios de sucessão e rodeada por pastos e fragmentos de florestas secundárias (Modesto et al. 2008), com uma temperatura média anual de 20,4 ºC (máxima de 28,7 ºC e mínima de 10,8 ºC) e precipitação anual média de 1.469 mm (Attias et al. 2009; Ramos et al. 2009). A partir de 2005 foi iniciado um inventário local de morcegos, já tendo sido realizadas 21

noites de coleta. A cada noite, de oito a 16 redes (9 x 2,5 m) foram abertas em trilhas, bordas de mata, sobre coleções de água, entre afloramentos rochosos e junto às construções existentes. As redes permaneceram abertas desde o crepúsculo até as 24 h 00 min ou até o amanhecer. Em 09/XI/2010, às 18 h 55 min (45 minutos após o pôr-do-sol), em rede armada próxima a uma das residências do local e distante cerca de 30 m da borda da mata (22º 22' 21" S e 43º 47' 24" W, 600 m de altitude), foi capturado um exemplar de M. neglectus (Figura 1) (tombado sob o número LDM5153, Laboratório de Diversidade de Morcegos – UFRRJ). A identificação da espécie foi realizada com o auxílio da chave de identificação dos molossídeos brasileiros (Gregorin & Taddei 2002) e do trabalho de Gregorin et al. (2004).

Figura 1. Indivíduo de Molossops neglectus coletado em 09/XI/2010 na Serra da Concórdia, Valença – RJ.

Resultados e Discussão O indivíduo capturado, uma fêmea adulta, apresentava-se inativa reprodutivamente e pesava 11,00 g. O antebraço do animal media 36,80 mm, com a primeira e segunda falanges do dígito IV medindo respectivamente 11,80 e 11,12 mm e fórmula dentária correspondente à: i1/1 c1/1 pm1/2 m3/3 = 26. O indivíduo possuía ainda a borda superior das narinas delimitadas por pequenas verrugas, bordas internas das orelhas bem separadas (maior que 5,00 mm), antitrago voltado para trás e crista posterior do terceiro

     

molar superior tão longa quanto a primeira (“N” invertido em vista oclusal). Com relação ao pelo e a coloração, o espécime apresentava pelagem ereta e áspera, coloração marrom-avermelhada e membranas enegrecidas. Como citado por Gregorin et al. (2004) a distinção entre M. neglectus e M. temminckii é feita pela coloração do pelo, juntamente com o maior tamanho de M. neglectus. O conhecimento da biologia desta espécie ainda é escasso, sendo que Gazarini & Bernardi (2007) indicaram a possibilidade de que as

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atividades reprodutivas ocorram na primavera e no verão no sul do Brasil. Em virtude dos poucos espécimes coletados na região sudeste do Brasil, ainda torna-se difícil uma determinação de seu período reprodutivo para esta região. A coleta do espécime do presente trabalho foi realizada em redes no sub-bosque, sendo que Gardner (2007) relata coletas dessa espécie realizadas em redes armadas de 3 a 4 m acima do solo e suspensas na altura das copas de uma floresta (Guiana) e em clareiras na Venezuela, no ambiente de transição entre savana e floresta na Guiana e na borda de floresta no Peru. Estas coletas realizadas em ambientes de transição e bordas florestais, como foi o caso do exemplar do presente trabalho, podem indicar a preferência de M. neglectus por estes tipos de ambiente. Gregorin et al. (2004) e Gazarini & Bernardi (2007) observaram esta espécie em floresta semidecídua sazonal e Bernardi et al. (2007) em floresta decídua sazonal, ambas próximas à áreas com interferência antrópica, indicando um certo grau de tolerância à ambientes perturbados (Gazarini & Bernardi 2007), o que pode ser corroborado pela captura realizada na Serra da Concórdia, junto a uma das residências locais. É importante, portanto, também considerar em inventários faunísticos a amostragem próxima a construções residenciais adjacentes a florestas, onde esta espécie pode se refugiar. Este exemplar representa o segundo registro para o estado do Rio de Janeiro, tendo 84 anos de diferença entre as datas de captura. Apesar de não representar extensão da distribuição geográfica, mostra-se importante pela raridade da espécie, que está classificada como “deficiente em dados” pelo livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção (Chiarello et al. 2008) e pela IUCN (Barquez & Diaz 2008). A captura de ambos os exemplares do estado do Rio de Janeiro em formação florestal decidual ressalta a importância de incrementar o esforço de coleta no interior do estado, principalmente em regiões serranas. Entre estas regiões podem se citar as do Centro-sul e Médio Paraíba, onde ocorreram estes dois únicos registros de M. neglectus do estado e onde há registros de Platyrrhinus recifinus (Thomas 1901) e Myotis ruber (E. Geoffroy 1806) (Dias et al. 2010), espécies consideradas vulneráveis na lista das espécies brasileiras ameaçadas de extinção. Agradecimentos A Daniela Dias pela identificação do espécime coletado; a Roberto Lamego e Katya Marinho Moraes pelo apoio durante o trabalho realizado no Santuário da Vida Silvestre da Serra da Concórdia; J.L. Luz recebeu bolsa de Doutorado (processo número 563571/2008-0); L.M. Costa recebeu bolsa de Doutorado da Coordenação de Pesquisa e Ensino; W.D. Carvalho e G.P. Freitas

     

receberam bolsas de mestrado da Coordenação de Pesquisa e Ensino; C.E.L. Esbérard recebeu bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq (processo 152910/2004-0) e bolsa JCNE da FAPERJ (processo E-26/102.201/2009). Este trabalho foi desenvolvido sob licença especial para coleta do IBAMA-DF (processos 1755/89 e 4156/95-46 e SISBIO 10356-1 para C.E.L. Esbérard). Referências Ascorra C.F.; Wison D.E. & Handley Jr. C.O. 1991. Geographic distribution of Molossops neglectus Williams and Genoways (Chiroptera: Molossidae). Journal of Mammalogy 74: 828830. Attias N.; Raíces D.S.L.; Pessoa F.L.; Albuquerque H.; Jordão-Nogueira T.; Modesto T.C. & Bergallo H.G. 2009. Potential distribution and new records of Trinomys species (Rodentia: Echimyidae) in the State of Rio de Janeiro. Zoologia 26(2): 305-315. Barquez R.M.; Giannini N.P. & Mares M.A. 1993. Guide to the bats of Argentina: guia de los murciélagos de Argentina. Oklahoma Museum of Natural History, Oklahoma. Barquez R. & Diaz M. 2008. Molossops neglectus. In: IUCN 2011. World Conservation Union. IUCN Red List of threatened species. Bernardi I.P.; Pulchério-Leite A.; Miranda J.M.D. & Passos F.C. 2007. Ampliação da distribuição de Molossops neglectus Williams & Genoways (Chiroptera, Molossidae) para o Sul da América do Sul. Revista Brasileira de Zoologia 24(2): 505-507. Chiarello A.D.; Aguiar L.M.S.; Cerqueira R.; Melo F.R.; Rodrigues F.H.G. & Silva V.M.F. 2008. Mamíferos ameaçados de extinção no Brasil. In. Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção – Volume II (edited by Machado A.B.M.; Drummond G.M. & Paglia A.P.), pp. 680-880. MMA, Brasília, DF, Fundação Biodiversitas, Belo Horizonte, MG. Dias D.; Pereira S.N.; Maas A.C.S.; Martins M.A.; Bolzan D.P. & Peracchi A.L.. 2010. Quirópteros das regiões Centro-Sul e Médio Paraíba do estado do Rio de Janeiro (Mammalia, Chiroptera). Chiroptera Neotropical 16(1): 579585. Gardner A.L. 2007. Mammals of South America. University of Chicago Press, Chicago. Gazarini J. & Bernardi I.P. 2007. Mammalia, Chiroptera, Molossidae, Mollosops neglectus: First record in State of Paraná, Brazil. Check List 3(2): 123-125. Gregorin R.; Lim B.K; Pedro W.A.; Passos F.C & Taddei V.A. 2004. Distributional extension os Molossops neglectus (Chiroptera, Molossidae) into southeastern Brazil. Mammalia 68(2-3): 233-237.

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Lim B.K. & Engstrom M.D. 2001. Species diversity of bats (Mammalia: Chiroptera) in Iwokrama Forest, Guyana, and the Guianan subregion: implications for conservation. Biodiversity and Conservation 10: 613-657. Modesto T.C.; Pessôa F.S.; Jordão-Nogueira T.; Enrici M.C.; Costa L.M.; Attias N.; Almeida J.; Raíces D.S.L.; Albuquerque H.G.; Pereira B.C.; Esbérard C.E.L. & Bergallo H.G. 2008. Mammals, Serra da Concórdia, State of Rio de Janeiro, Brazil. Check List 4(3): 341-348. Ramos A.M.; Santos L.A.R. & Fortes L.T.G. 2009. Normais Climatólogicas do Brasil 19611990. Brasília, Instituto Nacional de Meteorologia.

     

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