Segurança jurídica ao recebimento de proventos: casos em que a confiança legítima não implica efeitos ex nunc

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APELAÇÃO CÍVEL

2011.50.01.012718-0

VOTO-VISTA ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA. INCLUSÃO DA GEMAS (GRATIFICAÇÃO DO MAGISTÉRIO SUSPERIOR) E DA RT (RETRIBUIÇÃO POR TITULAÇÃO) NA BASE CÁLCULO DA VANTAGEM DO ART. 192, I DA LEI 8.112/90. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA LEI 11.784/2008 E DA LEI 8.112/90. MANUTENÇÃO DO PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Servidora pública inativa. Aposentadoria concedida em agosto de 1993 com percepção da vantagem do art. 192, I da Lei 8.112/90. 2. Advento da Lei 11.784/2008, que instituiu o Plano de Carreiras do Magistério Superior e reformulou a estrutura remuneratória da categoria, passando a ser constituída por Vencimento básico, Gratificação do Magistério Superior (GEMAS) e Retribuição por titulação (RT). 3. Inclusão, a partir de fevereiro de 2009, da GEMAS e da RT na base de cálculo da vantagem do art. 192, I da Lei 8.112/90. 4. Posterior constatação pela Controladoria Geral da União (CGU) de que o mencionado critério de cálculo era ilegal, uma vez que deveria considerar tão somente a estrutura remuneratória e funcional vigente à época da aposentadoria, não incluindo, portanto, as gratificações instituídas pela Lei 11.784/2008. 5. Revisão e redução da parcela em junho de 2011, dispensada a reposição ao erário pela própria autoridade administrativa. 6. Impossibilidade de manutenção do pagamento pelos critérios de cálculo reputados ilegais pela CGU. 7. Com efeito, o princípio da confiança legítima, formulado na Alemanha na década de 50, possibilita a manutenção dos efeitos favoráveis oriundos de atuações administrativas inválidas, quando as condições postas pela Administração Pública tenham levado o interessado a crer na efetiva segurança e na imutabilidade da situação que até então as autoridades administrativas vinham lhe proporcionando. 8. Entretanto, ainda que reconhecida a incidência da proteção da confiança, a atribuição de efeitos ex nunc, isto é, a manutenção do pagamento que se reputava correto e posteriormente fora declarado indevido, não atinge as hipóteses de mero erro de

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2011.50.01.012718-0 cálculo de prestações mensais, as quais são suscetíveis de modificação futura, seja por ato administrativo, seja por lei. 9. O reconhecimento da confiança legítima com efeitos prospectivos somente se justifica em relação à constituição de benefícios, hipótese na qual não estaria na margem de discricionariedade da autoridade e tampouco de uma lei revogar um benefício concedido. 10. Dever da Administração, na espécie, de proceder ao ajuste da referida vantagem, não havendo que se falar em ofensa a direito adquirido da demandante. 11. Recurso de apelação não provido.

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO: Cuida-se, na origem, de ação ordinária com pedido de antecipação de tutela ajuizada por TERESINHA MARIA GIACOMIN em face da UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO -UFES, objetivando a manutenção dos valores recebidos a título de Gratificação do Magistério Superior (GEMAS) e Retribuição por Titulação (RT) na base de cálculo da vantagem do art. 192, I da Lei 8.112/90, bem como a não incidência de descontos a título de reposição ao erário em seus proventos. A demandante, servidora pública vinculada à Ufes, aposentou-se em 18.08.1993 fazendo jus à percepção da vantagem prevista no art. 192, I da Lei 8.112/90. Posteriormente, com a edição da Lei 11.784/2008, a qual promoveu a reestruturação da carreira do magistério, passou a Administração a incluir na base de cálculo da referida vantagem os valores recebidos a título de Gratificação do Magistério Superior (GEMAS) e Retribuição por Titulação (RT). No entanto, constatou a Administração em junho de 2011, com fulcro na Orientação Normativa nº 11/2010-SRH/MP, que a mencionada parcela vinha sendo paga incorretamente desde fevereiro de 2009, uma vez que seu cálculo deveria considerar tão somente a estrutura remuneratória e funcional vigente à época da

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aposentadoria, não incluindo, portanto, as gratificações instituídas pela Lei 11.784/2008. Em consequência, a demandante foi notificada através do Ofício nº 1213/2011/DRH/UFES (fl. 14) de que a vantagem em questão seria reduzida de R$ 1.619,91 para R$ 483,51, comprometendo-se, entretanto, a não promover qualquer desconto em seus proventos a título de restituição ao erário dos valores recebidos a maior. A decisão de fls. 40-42 indeferiu o pedido de antecipação de tutela formulado. Irresignada, a demandante interpôs o agravo de instrumento nº 2011.02.01.017706-6 (fls. 50-58), ao qual foi negado provimento (fls. 95-103). Em contestação (fls. 63-84), esclareceu a Ufes que a retirada da GEMAS e da RT da base de cálculo da vantagem do art. 192, I da Lei 8.112/90 foi recomendada pela Controladoria Geral da União (CGU) por meio do Relatório de Auditoria nº 201108938, que reputou irregular tal sistemática de cálculo a partir da publicação da Orientação Normativa nº 11/2010-SRH/MP em 08.11.2010, a qual estipula que o pagamento da parcela deve ser feito de acordo com a estrutura remuneratória e funcional vigente à época da aposentadoria do servidor. Aduziu, ainda, que o suposto recebimento de boa-fé não ampara a continuidade de pagamento de verba manifestamente ilegal. Réplica apresentada às fls. 89-93. A sentença de fls. 132-138 julgou extinto o feito sem resolução de mérito no que concerne ao pedido de não incidência de descontos em contracheque, uma vez que Ufes informou expressamente no Ofício nº 1213/2011/DRH/UFES (fl. 14) que não os efetuaria em relação aos valores recebidos em momento pretérito. No que tange ao pedido de manutenção da vantagem nos termos em que vinha sendo percebida desde a edição da Lei 11.784/2008, julgou-o improcedente, tendo em vista a constatação de ilegalidade em tal sistemática de pagamento. Transcrevo, por oportuno, seu dispositivo:

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2011.50.01.012718-0 Tendo em vista todo o exposto, JULGO EXTINTO O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, com fulcro no artigo 267, VI do CPC, quanto à determinação de tutela inibitória requerida, com fins a determinar à ré que se abstenha de promover qualquer desconto nos proventos das autoras a título de ressarcimento (GEMAS e RT), conforme fundamentação supra, ao tempo que julgo IMPROCEDENTE O PEDIDO de manutenção do pagamento da vantagem recebida a título de GEMAS e RT, na forma do art. 269, I, do CPC, com fulcro nos argumentos supra indicados que integram este decisum. Condeno a autora em honorários advocatícios que arbitro em R$ 1.000,00 (mil reais), a teor do que dispõe o § 4º, do art. 20 do CPC, condenação esta que resta condicionada à comprovação de sua condição de suportar a execução sem prejuízo próprio ou de sua família, ante ao deferimento da assistência judiciária (ex vi da Lei 1.060/50).

Recurso de apelação da demandante (fls. 140-144), por meio do qual pugna pela manutenção do pagamento da vantagem do art. 192, I da Lei com a respectiva inclusão dos valores recebidos a título de GEMAS e RT em sua base de cálculo, tendo em vista que o art. 37, X e XV da Constituição Federal veda expressamente a redução da remuneração do servidor público. Sustenta, em reforço, que em razão de ter se aposentado anteriormente à edição da Emenda Constitucional 41/2003, faz jus à paridade com os servidores ativos. Contrarrazões às fls. 149-157. O MM. Relator, em seu voto, negou provimento ao recurso de apelação. No que se refere à manutenção da vantagem, entendeu que constatada a existência de pagamento ilegal, deve a Administração prontamente interrompê-lo, consoante disposto na Súmula 473 STF e art. 53 da Lei 9.874/99. Em relação aos descontos a título de reposição ao erário, consignou que a própria Ufes já havia reconhecido no Ofício nº 1213/2011/DRH/UFES a inutilidade da adoção de tal providência no presente caso, argumento que foi reiterado no bojo de sua contestação. De tal forma, reputou correta a extinção do feito sem resolução de mérito relativamente ao pedido de não incidência de descontos em contracheque, tendo em vista a manifesta ausência de interesse de agir. Vieram os autos para vista.

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É o breve relatório. Consoante relatado, cuida-se de recurso de apelação interposto por Teresinha Maria Giacomin contra sentença proferida nos autos de ação ordinária, que julgou improcedente o pedido de continuidade da inclusão da GEMAS e da RT na base de cálculo da vantagem pecuniária do art. 192, I da Lei 8.112/90, bem como extinguiu o feito sem resolução de mérito no que concerne ao pedido de não incidência de descontos a título de reposição ao erário em folha de pagamento. Inicialmente, cumpre ressaltar que em suas razões de apelação a interessada sequer mencionou a questão afeta à restituição aos cofres públicos. Dessa maneira, devem prevalecer, no ponto, os fundamentos da sentença ora impugnada, a qual extinguiu o feito sem resolução em relação a esse pedido, tendo em vista a existência de manifestação expressa da autoridade administrativa no sentido de que a devolução ao erário estaria dispensada em tal caso. Ademais, ao que se observa dos contracheques trazidos aos autos (fls. 15-21), a Administração realmente vem mantendo a sua posição de não exigir quaisquer valores da interessada, uma vez que até então não realizou nenhum desconto em seus proventos. Passa-se então à análise da possibilidade de manutenção do pagamento da vantagem do art. 192, I da Lei 8.112/90 nos moldes em que vinha sendo calculada desde fevereiro 2009. O mencionado dispositivo, vigente à época da aposentadoria da apelante, possuía a seguinte redação: Art. 192. O servidor que contar tempo de serviço para aposentadoria com provento integral será aposentado: I - com a remuneração do padrão de classe imediatamente superior àquela em que se encontra posicionado

Posteriormente, com a edição da Lei 11.784/2008, a estrutura remuneratória da carreira a que pertence a interessada adquiriu a seguinte forma: Art. 20. A partir de 1o de fevereiro de 2009, a estrutura remuneratória dos cargos integrantes da Carreira do Magistério Superior de que trata a Lei nº 7.596, de 10 de abril de 1987, será composta de:

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2011.50.01.012718-0 I - Vencimento Básico; II - Retribuição por Titulação - RT; e III - Gratificação Específica do Magistério Superior - GEMAS.

Nessa dinâmica, passou a Administração Pública incluir na base de cálculo da vantagem ora discutida os valores recebidos a título de Gratificação Específica do Magistério Superior (GEMAS) e da Retribuição por Titulação (RT). Ocorre que, em auditoria realizada pela Controladoria Geral da União (CGU), constatou-se a irregularidade de tal pagamento, uma vez que a parcela em referência deve ser calculada de acordo com a estrutura remuneratória e funcional vigente à época da aposentadoria do servidor, não incluindo, portanto, as gratificações instituídas pela Lei 11.784/2008. De tal forma, procedeu a autoridade administrativa à revisão e redução do valor pago a título da referida vantagem, cujos efeitos se verificaram a partir da folha de pagamento de junho de 2011. Decerto, é possível aferir que o pagamento irregular decorreu de erro da própria Administração, que equivocou-se quanto à interpretação/aplicação das Leis 8.112/90 e 11.784/2008, não se verificando, ainda, a existência de qualquer conduta dolosa praticada pela demandante capaz de provocar esse equívoco. Dessa forma, correta a posição adotada pela Ufes no sentido de não lhe exigir qualquer valor recebido indevidamente, uma vez que presentes os requisitos necessários à dispensa de restituição ao erário. Entretanto, no que se refere à atribuição de efeitos prospectivos ao pagamento da vantagem, não vislumbro no caso em tela a existência dos pressupostos exigidos para tanto. O princípio da confiança legítima, que rompeu com as bases tradicionais do direito administrativo fundadas no princípio da legalidade, realmente possibilita a manutenção dos efeitos favoráveis oriundos de atos administrativos inválidos quando as

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condições postas pela Administração Pública tenham levado o interessado a crer na efetiva segurança e na imutabilidade da situação que lhe era proporcionada. Contudo, no ponto, é necessário distinguir duas hipóteses em que poderia incorrer a Administração. No que diz respeito à constituição de um benefício, o reconhecimento da confiança legítima implica não apenas efeitos ex tunc, mas também efeitos ex nunc, na medida em que não estaria na margem de discricionariedade da autoridade e tampouco de uma lei revogar um benefício concedido. No entanto, quando referente ao cálculo do valor das prestações mensais (base de cálculo, critério de cálculo, cálculo aritmético), as quais são suscetíveis de modificação futura, seja por ato administrativo, seja por lei, sem que necessariamente haja ofensa a direito adquirido, a confiança legítima surtiria efeitos tão somente ex tunc. Tudo a se resumir que, dependendo da situação, é possível que a confiança legítima acarrete não somente efeitos ex tunc, como também ex nunc, isto é, além de não ser necessário restituir o valor recebido, mantém-se para o futuro o benefício que se acreditava legítimo. Na espécie, não se discute a manutenção em si do benefício de aposentadoria da demandante, mas apenas o critério de cálculo de uma vantagem que lhe é paga. Assim, verificando a autoridade administrativa que tais critérios não estavam de acordo com a lei de regência, exsurge o dever de adequá-los, não havendo que se falar, por conseguinte, em direito à continuidade do pagamento que se constatou irregular. Portanto, correta a atuação administrativa no sentido de corrigir o equívoco verificado no cálculo da vantagem discutida, sem que, entretanto, passasse a exigir da apelante quaisquer valores a título de restituição ao erário. Ante o exposto, confirmando os termos do voto do MM. Relator, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO. É como voto. RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal

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