Segurança Marítima: África

August 31, 2017 | Autor: André Barbicas | Categoria: African Studies, Maritime History, Law of the Sea, Strategy, Maritime Security
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Segurança  Marítima:  África   Análise  da  Segurança  Marítima  na  Prespectiva  Africana   André  Barbicas  Ferreira   Inter  Researcher  –  Instituto  Português  das  Relações  Internacionais  e   Segurança  

"A estratégia é uma economia de forças." - Karl von Clausewitz

 

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É um facto que os oceanos sempre influenciaram as civilizações que residiam nas suas margens. Não é por acaso, visto o valor e o potencial dos oceanos serem inegáveis por constituírem um dos mais ricos patrimónios da Humanidade. Como tal, possibilita, e possibilitou, o desenvolvimento e a segurança das civilizações que usufruem dos oceanos. A importância do mar possui várias dimensões, como a política, a económica,a securitária e, por fim, a ambiental. No plano militar, o mar tornou-se tanto um meio de defesa como de ataque. Ou seja, um meio que possibilita a projecção de poder sobre o território continental. No plano ambiental é importante referir que 70% do planeta Terra é coberto de água e que 80% da população mundial habita numa faixa de 100 milhas da linha de costa. Quanto ao plano económico, é sabido que 90% do comércio mundial é realizado por via marítima e que deste, 75% passa através de canais e estreitos que, por sua vez, se encontram vulneráveis. É também de realçar que 30% da produção mundial depetróleo é extraída do mar. O mar é um meioindispensável tanto para o comércio como para o acesso a áreas de interesse estratégico.Em suma, é central tanto para a economia como para a política. Sabemos que não existe um conceito de segurança universalmente aceite que seja aplicável a todas as situações. No entanto, podemos afirmar que este se tem vindo a desenvolver,pois no passado era entendido apenas na vertente da segurança armada entre Estados, enquanto hoje é encarado também no âmbito da segurança humana como consequência da crescente globalização. A evolução do conceito tornou o ser humano no objectivo central tanto da segurança armada como nas vertentes social,económica, ambiental, alimentar, política, entre outras. Assiste-se a um recuo do Estado como figura central a favor do indivíduo numa sociedade globalizada. A par do conceito de segurança é também importante definir o conceito de segurança marítima. Esta pode ser entendida como um “sistema que através de um conjunto de medidas de controlo, vigilância e proteccção detodas as actividades marítimas garante a salvaguarda da vida humana e evita aperda ou alienação da propriedade com respeito pela soberania dos Estados eseus interesses”. De acordo com esta perspectiva conceptual podemos definir três vectores de actuação das forças marítimas: 1) a segurança contra acidentes, como no derrame de crude por petroleiros; 2) a proteccção contra actos hostis, como a pirataria; e 3) o salvamento.

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Durante o período da Guerra Fria assistiu-se a uma subalternização do poder marítimo perante os poderes terrestre e aéreo. Os conflitos eram maioritariamente inter-Estados,dando às marinhas uma função dissuasora, quer convencional quer nuclear, e de disputa entre as mesmas pelo meio marítimo para que a(s) vencedora(s) pudesse(m) atacar as forças terrestres. A Guerra Fria foi um período em que apesar das marinhas estarem preparadas para se enfrentar, tal raramente aconteceu. Foi um período em que as duas super potências, EUA e URSS, se enfrentaram principalmente através de proxy wars com forças terrestres. Com a implosão da URSS assistiu-se a um redefinir do sistema internacional, onde os conflitos intra-estaduais,como o da ex-Jugoslávia na Europa, mas principalmente no continente africano,como o caso do Ruanda, puseram em causa o poder e a legitimidade do Estado. A contestação ao poder do Estado veio criar um vazio de poder que foi gradualmente ocupado por redes criminosas nacionais e transnacionais, bem como por senhores da guerra, onde o caso da Somália é bem ilustrativo. Ora, estas organizações começaram a utilizar o mar como meio de prossecução e desenvolvimento das suas actividades. Em reacção a este desenrolar de acontecimentos a comunidade internacional, liderada pelos EUA num mundo unipolar, concentrou-se na restauração do poder estadual no meio terrestre, bem como no marítimo. Com a revolução tecnológica e a consequente globalização alguns actores reemergiram - como a China, a Índia e o Brasil - afirmando-se como potências regionais com o intuito de se virem a tornar globais. Ao mesmo tempo surgiram novos actores não-estatais que utilizaram, e continuam a utilizar, a religião como motivação para acções agressivas, somando-se a existência de actores estaduais que correm o risco de mergulharem na instabilidade e insegurança, tornando-se Estados falhados. Ou seja, correm o risco de se tornarem em grandes focos geradores e exportadores de ameaças, como é o caso da Guiné-Bissau e da Somália. Somando-se a este facto,existem outras zonas do mundo onde as ameaças à soberania dos Estados são relevantes, como é o caso do estreito de Malaca, uma das principais rotas marítimas para a exportação e importação de petróleo e gás natural, o que o torna num alvo preferencial para a pirataria. Esta prática ilícita ameaça o estilo devida das grandes metrópoles por pôr em causa o regular abastecimento de matérias-primas, fundamentais para as sociedades desenvolvidas e em desenvolvimento. Com a interdependência política, económica, social e tecnológica surgiram novas ameaças que não têm em conta fronteiras a que a comunidade internacional se tem de adaptar para cooperar.

 

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As marinhas dos Estados deixaram de estar tão centradas na defesa terrestre, como tinham estado durante a Guerra Fria, e passaram a concentrar-se gradualmente na defesa das principais vias marítimas de forma a garantir e manter o estilo de vida das metrópoles,bem como a sobrevivência das multinacionais que obtêm lucros avultados por fazerem a extração e o transporte de matérias –primas, que conforme as rotas utilizadas são ameaçadas pela pirataria. Se é verdade que os Estados costeiros retiram inúmeras vantagens dos Oceanos, também é verdade que estão expostos a uma multiplicidade de ameaças que tiram partido do mar, como a pirataria, o terrorismo marítimo, o tráfico humano e de estupefacientes, as consequências das alterações climáticas, entre outras. É, portanto, central abordar cada ameaça de forma individual. A pirataria constitui uma ameaça que na última década tem vindo a ganhar importância junto da comunidade internacional por ser uma questão que diz respeito não apenas aos Estados cujas águas territoriais são utilizadas para a prática destes actos ilícitos, mas a toda a comunidade internacional por afectar seriamente o comércio transnacional num sistema internacional globalizado. Os seus principais focos são a costa somali, o Estreito de Malaca e o Golfo da Guiné. Também o terrorismo marítimo é uma ameaça real que pode pôr em causa a segurança e estabilidade do sistema internacional. As motivações das organizações terroristas podem ser de cariz variado, mas a prática pode passar por ataques, no ou a partir do mar, a navios, com carga preciosa ou de passageiros, e a infraestruturas marítimas com uso ou não de Armas de Destruição Maciça (ADMs). Uma terceira ameaça de relevo é o tráfico humano. As redes criminosas transnacionais que exploram este tipo de actividade aproveitam-se do fraco controlo e capacidade dos Estados de exercerem a sua jurisdição dentro do seu próprio território. Além do tráfico humano constituir uma ameaça securitária, por as redes terroristas verem nesta actividade um meio de infiltração nos seus países-alvo, é também uma questão humanitária por as redes de tráfico praticarem uma nova escravidão e violarem os Direitos Humanos. As consequências das alterações climáticas são também consideradas ameaças, mesmo que não perpetradas directamente pela mão humana mas pelo desenvolvimento e consequente expansão do sistema capitalista e do seu desenfreado consumo de recursos naturais, que originam poluição descontrolada. Estas consequências tomam a forma de inundações, perdas territoriais devido à elevação do nível do mar e condições meteorológicas extremas, resultando, por sua vez, em perda de vidas, migração involuntária, instabilidade social e no surgimento de crises regionais.

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A globalização também constitui um desafio para a segurança marítima no século XXI. Com este fenómeno mundial as fronteiras territoriais dos Estados deterioraram-se. As ameaças atrás referidas tornaram-se transnacionais, e podemos até afirmar que esta consequência é um dos lados tenebrosos da globalização. É a demonstração de como esta pode ser utilizada ao serviço de interesses com objectivos, e consequentes actos, que prejudicam as sociedades nacionais, regionais e mesmo mundiais. A globalização veio pôr em cheque as capacidades dos Estados em fazer frente a questões que se globalizaram. Ora, para que os Estados consigam corresponder às expectativas que os seus povos depositam neles precisam de cooperar tanto entre si, através de meios bilaterais, como com organizações internacionais, via diplomacia multilateral. É também de realçar que a globalização coloca novas questões ao modelo democrático ocidental na medida em que a figura abstrata dos mercados e interesses das multinacionais se colocam acima – obviamente através de relações de poder – dos Estados. Criou-se um colete-de-forças dourado à volta dos Estados que muitas vezes os impede de agir no melhor interesse do seu povo, tal como afirma Thomas Freedman. Os agentes prevaricadores no mar, que envolvem organizações criminosas transnacionais, já não se limitam apenas ao narcotráfico. Acrescente-se, portanto, o tráfico de armas, incluindo ADM´s; o tráfico de seres humanos em novos moldes de escravatura e extração de órgãos;o contrabando de diversos produtos, como cigarros; o roubo de petróleo e de outros produtos de alto valor feito a cargueiros com base na pirataria. Estas são algumas das realidades ilícitas existentes na África Ocidental. Dentro da região do Atlântico Sul o Golfo da Guiné tornou-se a região mais fustigada a nível de segurança marítima, tendo como principal ameaça a pirataria. Nesta região, entre 2005 e 2009, deram-se 176 ataques de pirataria, envolvendo mortes, ferimentos ou captura de reféns entre tripulantes de navios e embarcações. Verifica-se que estes actos se deram com mais ocorrência em águas sob jurisdição da Nigéria, República Democrática do Congo, Costa de Marfim, Camarões, Angola, Libéria,Guiné-Equatorial e República do Congo. É conhecido um número crescente de ataques de piratas contra navios que transportam petróleo e produtos químicos. Na Nigéria e no Benim, no primeiro semestre de 2011,reportaram-se 18 ataques, apesar destes serem menores do que aqueles que se verificaram na costa da Somália no mesmo período. As estatísticas não esclarecem o suficiente sobre a verdadeira dimensão por as vítimas não denunciarem todos os ataques ocorridos por receio das seguradoras aumentarem os níveis de risco da região, e, assim, os preços dos seguros, reduzindo os ganhos das multinacionais.

 

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A economia marítima de África representa cerca de 90% do comércio africano ilegal, que inclui o mercado negro de armamento militar, produtos florestais extraídos ilegalmente,medicamentos de contrafacção e, por fim mas não menos importante, o tráfico de seres humanos. O narcotráfico movimenta cerca de 50 a 60 toneladas de cocaína anualmente a partir da África Ocidental,com destino à Europa. 775 Milhões de US dólares provêm da venda de cigarros contrabandeados e 438 milhões da venda de medicamentos contrafeitos que passam pela África Ocidental via marítima. Já o tráfico de seres humanos na África Ocidental baseia-se principalmente na exploração de mulheres e crianças, e tem como países de origem o Gana, a Nigéria e o Senegal. O destino das vítimas neste negócio é geralmente a Europa, os Estados do Golfo e outros Estados africanos. Quando as vítimas chegam aos países de destino são comummente exploradas no sector da pesca e na prostituição. A realidade demonstra-nos que a maioria dos espaços marítimos sob jurisdição de Estados costeiros em África se caracterizam pela ausência ou vazio de governação. Este facto pode ser explicado por várias razões. Primeiramente, pelo enfraquecimento e crise do Estado no continente africano, que se traduz na ausência de capacidade efectiva de extensão da presença e controlo da totalidade do seu território. Em segundo lugar pelo facto da Organização da Unidade Africana, instituída em 1963, e mais tarde a União Africana, sua sucessora a partir de 2002, terem optado sempre por uma abordagem essencialmente continentalista e territorialista à segurança. Em estreita ligação aos dois anteriores motivos constata-se a existência de uma insuficiente vontade política por parte da elite dirigente motivada por um desconhecimento das potencialidades do seu espaço marítimo bem como pela corrupção que grassa no aparelho de Estado, o que permite a depredação das riquezas nacionais. Já no âmbito das forças armadas dos Estados africanos, nomeadamente nas marinhas, assiste-se a uma inadaptação para as funções de segurança marítima, visto as suas forças marítimas serem treinadas para outros fins. Com todas estas questões pode-se afirmar que as forças armadas da maioria dos Estados africanos não estão preparadas para fiscalizarem eficazmente as suas águas territoriais nem as suas Zonas Económicas Exclusivas (ZEEs), permitindo a prática de actos ilícitos.

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Bibiliografia

WILSON, Thomas R. Military and Security Challenges through 2015, Statement for the Record Select Committee on Intelligence, 02/2000 SERRA, Limpo, «Evolução Actual do Direito Internacional Marítimo e as suas Implicações Militares», in Nação e Defesa, Ed. Instituto da Defesa Nacional, N° 4, 01/1978 RODRIGUES, Alexandre Reis, “Funções das Marinhas e Caracterização do Poder Naval”, in Jornal Defesa e Relações Internacionais. RIBEIRO, Silva António. Politica de Defesa Nacional e Estratégia Militar. Modelo de elaboração. Edição Diário de Bordo. Loures, 2010

 

 

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