Segurança no Mar do Atlântico Sul: um problema geopolítico

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Segurança no Mar do Atlântico Sul: um problema geopolítico Wellington F. Gomes* Resumo O presente trabalho tem por finalidade abordar a segurança no mar do Atlântico Sul como um problema geopolítico presente na realidade do Brasil. A partir da análise da proposta brasileira de alargamento do espaço marítimo (de 200 milhas para 350 milhas náuticas) junto à ONU, também conhecida como “Amazônia Azul”, se fez a identificação das ameaças no atual cenário internacional e a avaliação do Poder Marítimo1 do Brasil necessário para dissuadir estas ameaças. 1. Introdução Após o advento da globalização da economia mundial, a questão da segurança nacional deixou de ter enfoque geopolítico clássico, conforme os modelos de Kjéllen e Mackinder, e passaram a ter um enfoque geoeconômico. Dizendo de outra forma, as políticas externas dos Estados, na contemporaneidade, deixaram de visar a conquista concreta de espaços geográficos e passaram à conquista econômica nestes espaços geográficos. Nesse contexto, as disputas entre os Estados se prendem a conflitos de interesses, muitas das vezes por interesses econômicos, sendo que o crescente interesse econômico pelo mar por parte das potências globais implica ao Brasil reconhecer de que poderão surgir problemas de segurança para a nossa soberania no mar. Sobre isso, Zanin comenta que: As disputas entre Estados sobre os oceanos mantêm-se atual desde Hugo Grócio (1583-1645). Em sua tese “De mare Liberum” (1604), Grócio contestava a soberania exclusiva de Portugal e Espanha sobre as rotas de comércio para as Índias. Desde então, além de rotas, os estados tem disputado entre si direitos [...], na medida em que se expandiu, ao longo dos séculos, a compreensão da sociedade sobre as riquezas do mar. (ZANIN, 2014, p. 436)

De acordo com Guerra (2011) a vocação brasileira pelo mar é respaldada pela extensão

de nosso litoral e pela importância estratégica que representa o Atlântico Sul no cenário regional e internacional, considerando as riquezas - descobertas de reservas minerais e petrolíferas -, a vulnerabilidade da fronteira marítima e as rotas comerciais marítimas.

*Oficial do Exército Brasileiro, bacharel em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras e especialista em Geopolítica e Relações Internacionais pelo Centro Universitário Claretiano. 1

PODER MARÍTIMO – “Projeção do Poder Nacional, resultante da integração dos recursos de que dispõe a Nação para a utilização do mar e das águas interiores, quer como instrumento de ação política e militar, quer como fator de desenvolvimento econômico e social, visando a conquistar e manter os objetivos nacionais”. (BRASIL, 2007, p. 200)

Segundo Mattos (2014), no tocante à soberania territorial marítima, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), negociada e firmada em Montego Bay, na Jamaica, em 1982, constitui o principal arcabouço político e jurídico para regulamentar o uso dos oceanos pelos Estados. Por intermédio desta Convenção, os oceanos ganharam instrumentos jurídicos específicos, definindo conceitos dos espaços marítimos - mar territorial, águas interiores, zona contígua, zona econômica exclusiva, plataforma continental, fundos marinhos e alto-mar. (Figura 1). Figura 1 – LIMITES DOS ESPAÇOS MARÍTIMOS SEGUNDO A CNUDM

Fonte: Revista “Em Discussão!” do Senado Federal - 2012

Ainda segundo Mattos (2014), a “Constituição do Mar”, normatiza diversos aspectos do mundo marítimo, tais como a delimitação das fronteiras, medidas de proteção ambiental, investigações e pesquisas científicas, comércio internacional e resolução de conflitos envolvendo questões marítimas. Conforme Penha (2012), o Brasil realizou um grande avanço no contexto internacional quando deu a iniciativa de duas medidas: a “Amazônia Azul”, como novo espaço geoestratégico para o país; e a segunda medida foi privilegiar a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS) - cooperação regional e manutenção da paz e segurança na região do Atlântico Sul - como fórum político e diplomático na promoção do desenvolvimento e da cooperação regional no sul do Atlântico, onde cria uma concepção de cooperação regional e consolidação da “fronteira oriental” do Brasil com a África.

Essas duas medidas brasileiras inserem-se dentro da formatação do novo quadro geopolítico do Atlântico Sul, caracterizado [...] pela presença militar dos EUA, através da operacionalização de novos esquemas de segurança na África e na costa atlântica da América do Sul. (PENHA, 2012, p.116, grifo nosso)

A importância geopolítica da região da “Amazônia Azul” deve ser percebida não só em matéria de exploração e explotação2 dos hidrocarbonetos, deve ser visto também num contexto mais amplo, onde os interesses das potências globais têm por objetivos garantir o controle das principais regiões de abastecimento de petróleo e gás natural, numa área que engloba todo o Atlântico Sul. Esta parte sul do oceano Atlântico representa, também, uma larga linha de comunicação comercial marítima por onde circulam 90% do comércio exterior brasileiro e escoamento dos recursos energéticos. Face à relevância dessa parte do Atlântico, as preocupações do Estado brasileiro se voltam para a segurança marítima. 2. Os espaços marítimos e seus reflexos para a soberania do Estado De acordo com o Relatório do Centro de Excelência para o Mar Brasileiro (CEMBRA, 2012), a soberania do Estado costeiro estende-se além de seu território e de suas águas interiores3 a uma zona de mar adjacente, denominada por mar territorial (12 milhas náuticas). Esta soberania compreende, ainda, o espaço aéreo sobrejacente, o solo e subsolo. Ainda de acordo com o CEMBRA (2012), o Estado costeiro não mais exerce sua soberania plena a partir do limite exterior do mar territorial, exercendo somente direitos de soberania na zona econômica exclusiva (ZEE) e na plataforma continental. A “passagem inocente” pelo mar territorial é um direito dos navios de qualquer Estado, costeiro ou sem litoral. [...]. Tal direito não existirá quando realizadas, por navios, quaisquer das atividades previstas [...], entre as quais o uso da força contra a soberania e a integridade territorial do Estado costeiro e exercícios ou manobras com armas de qualquer tipo. (CEMBRA, 2012, p. 22, grifo nosso)

A ZEE não se estenderá além das 200 milhas náuticas. O Estado costeiro, nesta zona, tem direitos de soberania para exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do solo e do subsolo marinhos. Face ao aumento da atividade de pesca oceânica de algumas espécies nos fundos marinhos, os pesqueiros passaram a operar em águas jurisdicionais mais distantes dos países de origem, apresentando tendências a invadir áreas sob jurisdição de outros Estados.

2

Explotação: é um termo técnico usado para referir-se à retirada, extração ou obtenção de recursos naturais, geralmente não renováveis, para fins de aproveitamento econômico. Dicionário Houaiss, 2010. 3

“As águas situadas no interior das linhas de base do mar territorial fazem parte das águas interiores de um Estado. No caso brasileiro, como três breves exemplos, as águas do Amazonas, do São Francisco e da Lagoa dos Patos são águas interiores”. (CEMBRA, 2012, p. 24)

Os direitos de soberania sobre a plataforma continental, para exploração e aproveitamento de recursos naturais, serão exercidos pelo Estado costeiro e que este tem o direito exclusivo de autorizar e regulamentar as perfurações, para qualquer fim, inclusive para aproveitamento dos recursos não vivos dessa plataforma, situados além das 200 milhas. O alto-mar compreende todas as partes do mar não incluídas na ZEE, no mar territorial ou nas águas interiores de um Estado. O alto-mar está aberto a todos os Estados, quer sejam costeiros ou sem litoral, e segundo a Convenção sobre o Direito do Mar deve ser utilizado para fins pacíficos, onde nenhum Estado pode pretender a submissão de qualquer parte do alto-mar à sua soberania. Segundo Mattos (2014) a Convenção do Direito do Mar define ilha como formação natural de terra, rodeada por água e a descoberto na preamar. Esta Convenção prevê, também, que as ilhas possuem mar territorial, zona contígua, ZEE e plataforma continental. 3. Ameaças à soberania do Estado brasileiro no mar A ameaça não tem uma existência própria, ela se constitui e atua no momento em que o sujeito se sinta ameaçado ou no momento em que a percebe. A partir desse conceito e segundo o senador Cristovam Buarque (SENADO FEDERAL, 2012), destaca-se como uma ameaça para o Brasil é a pirataria marítima. Ainda segundo este senador, a pirataria é uma realidade na costa leste africana e afirma que há uma tendência de que a pirataria marítima possa migrar para a costa oeste do continente africano, o que coloca em risco a segurança da navegação mercante e aos nossos objetivos geopolíticos no Atlântico Sul. Outra ameaça destacada pelo general da reserva Rocha Paiva (SENADO FEDERAL, 2012), é a reativação da 4ª Frota Naval4 dos Estados Unidos em 2008, onde alerta que é possível um bloqueio naval por esta Frota na bacia do Pré-sal, impedindo seu acesso. De acordo com Beirão (2014) a CNUDM não contempla o terrorismo como ameaça real nos mares, no entanto ele comenta que, diante das riquezas de que o país dispõe em sua Amazônia Azul, esse assunto merece intenso debate e preparação de nossas Forças Armadas. Situam-se, ainda, como outras ameaças: navios pesqueiros de outras nacionalidades nas proximidades costeiras, migração em embarcações e fluxo de navios-transporte de cargas sensíveis (químicas e nucleares). 4. Poder Marítimo Nacional Segundo Beirão (2014), a Convenção do Direito do Mar não preencheu todas as lacunas da situação do mar, uma delas trata justamente sobre o problema da segurança, a qual, 4

Esta Frota ainda não possui navios e sua área de atuação é no Atlântico Sul. Estava desativada desde a 2ª Guerra Mundial.

segundo este autor, é um dos termos mais difusos no Direito do Mar, pois sua definição em diferentes línguas apresenta traduções diferenciadas (segurança ≠ security ≠ safety). Quando as ameaças tendem a se agravar e a diplomacia fracassar, a hipótese de uso legítimo da força para solução de divergências e controvérsias não pode ser descartada. Face a este fato, o Estado brasileiro tem por obrigação constitucional defender seus interesses marítimos, por intermédio de um dissuasor Poder Marítimo. O norte-americano Alfred T. Mahan - autor do clássico “A influência do poder marítimo na história. 1660- 1783” (1890) - escreveu, grosso modo, que o domínio do mar conduz à riqueza em tempo de paz e à vitória em tempo de guerra. Nesse contexto, Poder Marítimo resume-se como a integração de todos os recursos de que a Nação dispõe para a utilização do mar e das águas interiores, quer como instrumento de ação política ou quer como instrumento de ação militar ou da conjugação de ambas. Assim sendo, compete à Marinha do Brasil (MB) orientar o preparo e aplicação do Poder Marítimo e preparar e aplicar o Poder Naval, nos casos previstos em legislação nacional e internacional, a fim de contribuir para a consecução dos Objetivos Nacionais. (ESG, 2013) O Poder Marítimo é integrado pelos componentes a seguir apresentados: Poder Naval (componente militar do Poder Marítimo); Marinha Mercante; Infraestrutura (portos e terminais hidroviários); Indústria Naval; Indústria Bélica; Indústria de Pesca; Organizações de Pesquisa do mar; Organizações de Exploração e Explotação de recursos do mar; e Pessoal. A MB deve, na paz ou na guerra, ter capacidade de: controlar as áreas marítimas necessárias à manutenção das linhas de comunicações marítimas de interesse nacional, para a salvaguarda dos recursos das águas jurisdicionais e da Plataforma Continental; negar o uso de áreas marítimas ao inimigo; e dissuadir as ameaças e atitudes hostis. (ESG, 2013) Para consecução desses objetivos estratégicos, a MB projeta seu Poder Naval a partir de unidades navais de superfície, sub-superfície e aéreas orgânicas. Para tal, o Brasil contará com força naval submarina, composta de submarinos convencionais e de submarinos de propulsão nuclear, onde a MB está construindo bases navais de submarinos em Itaguaí-RJ. O Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz) é um sistema de monitoramento, composta por radares e sensores, da área marítima de interesse nacional, semelhante ao SIVAM, que tem por fim assegurar a defesa no mar. (CEMBRA, 2012) E, ainda, projetos já em andamento de aumento do número de navios de superfície - 2ª Frota Naval - e substituição das aeronaves embarcadas pelos caças suecos gripen. 5. Considerações finais

Do exposto, a questão geopolítica da segurança no mar no Atlântico Sul, em particular nas áreas marítimas sob jurisdição do Estado brasileiro, pode-se extrair que a Convenção do Direito do Mar foi um marco positivo nos assuntos de soberania dos Estados costeiros, no entanto deixa lacunas jurídicas quanto à questão da segurança marítima, bem como apresenta dificuldades de interpretação do termo “segurança” quando traduzido em outras línguas. Frente às incertezas do atual cenário internacional e a iminência de ameaças à soberania do Estado em áreas marítimas nacionais, o Poder Marítimo assume importância estratégica para o país, especificamente o Poder Naval – braço armado do Poder Marítimo. Para isso, a MB procura projetar seu Poder Naval através de projetos estratégicos mencionados neste artigo e procura, ainda, estar alinhado com os objetivos políticos do Estado brasileiro no seu interesse pelos recursos do mar. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Defesa. Glossário das Forças Armadas. 2010. Disponível em: . Acesso em: 12/4/2012. _________. Escola Superior de Guerra. Manual Básico. v. II. Assuntos Específicos: Expressões do Poder Nacional. ESG. Rio de Janeiro, RJ, 2013. BEIRÃO, André Panno. “Segurança no mar”: que segurança? In.: BEIRÃO, André Panno; PEREIRA, Antônio Celso Alves. (Orgs.). Reflexões sobre a Convenção do Direito do Mar. Brasília: FUNAG, 2014. CEMBRA. Direito e Segurança no Mar. In.: CEMBRA; FERNANDES, Luiz Philippe da Costa (coord.). O Brasil e o mar no século XXI - Relatório aos tomadores de decisão do País. 2. ed., rev. e ampl., Rio de Janeiro: BHMN, 2012. GUERRA, Wilson Barbosa. O Brasil e a Segurança do Atlântico Sul. In.: Instituto da Defesa Nacional. O Mar no Espaço da CPLP. Revista Nação e Defesa, Quadrimestral, nº 128. Disponível em: . Acesso em: 17 nov. 2014. MATTOS, Adherbal Meira. Os novos limites dos espaços marítimos nos trinta anos da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. In.: BEIRÃO, André Panno; PEREIRA, Antônio Celso Alves. (Orgs.). Reflexões sobre a Convenção do Direito do Mar. Brasília: FUNAG, 2014. PENHA, Eli Alves. A “fronteira oriental” brasileira e os desafios da segurança regional no Atlântico Sul. Revista da Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 113-134, jan./jun. 2012. Disponível em: < https://www.egn.mar.mil.br/arquivos/revistaEgn/junho2012/edicao18.115-136.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2014. SENADO FEDERAL. Ameaças internacionais: confuso e globalizado. Em discussão! Revista de audiências públicas do Senado Federal. Ano 3, n. 10, mar. 2012, p. 32-47. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2014. ZANIN, Renata Baptista. Um regime de exploração do solo e subsolo da plataforma continental brasileira: reflexões para um futuro já presente. In.: BEIRÃO, André Panno; PEREIRA, Antônio Celso Alves. (Orgs.). Reflexões sobre a Convenção do Direito do Mar. Brasília: FUNAG, 2014.

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