Segurança privada no contexto da globalização

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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR Covilhã | Portugal Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

Seminário: Estudos de Segurança

Ensaio

Segurança privada no contexto da globalização

Docente: Professor Guilherme Marques Pedro Discente: Virgílio Dias nº 28624 18 de Abril de 2014 Covilhã, Abril de 2014

Índice Introdução ..................................................................................................................................... 2 O significado da palavra mercenários e o surgimento da utilização deste tipo de forças ............. 4 Empresas de Segurança Privadas na actualidade .......................................................................... 9 O papel ideológico e os dilemas éticos ....................................................................................... 12 Conclusão .................................................................................................................................... 15 Bibliografia ................................................................................................................................. 17 Recursos online ........................................................................................................................... 18

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Introdução

Neste ensaio propomo-nos a analisar a temática da segurança privada dentro do processo de globalização, procurando responder à seguinte questão:  De que modo a segurança privada se enquadra num contexto de globalização e quais as suas condicionantes éticas? O final da Guerra Fria fez ressurgir uma nova realidade, que se encontrava escondida há alguns séculos, mas que nunca tinha realmente desaparecido. As forças de segurança privadas, também conhecidas por mercenários, voltam a surgir em força numa altura de mudança na ordem mundial rumo à globalização neo-liberal, e de redução drástica dos exércitos nacionais. Mas com particular relevância após a invasão do Afeganistão em 2001 e do Iraque em 2003, pelos EUA. A já referida era de globalização neo-liberal assume um papel ideológico preponderante na importância que estes exércitos privados vêm a assumir desde o final da Guerra Fria. Também este assunto será abordado durante este ensaio. A tendência de utilização de forças de segurança privada não se tem focado apenas no âmbito externo, mas começa também a ser usada no âmbito interno, nomeadamente, por exemplo, em segurança a infraestruturas de comunicação, vigilância, plataformas de petróleo, navios cargueiros, entre outros. Tudo isto acarreta apreensões quanto à responsabilização dos actos que cometem, e que colocam em causa a liberdade e segurança dos cidadãos, tanto interna, como externamente. Segundo a Convenção das Nações Unidas sobre Mercenários, é totalmente proibido o treino, recrutamento, uso e financiamento de mercenários. O

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plenário teve lugar em 1989 e entrou em vigor em 2001, no entanto são-lhe apontadas sérias limitações, que não lhe permitem definir como mercenários muito daquilo que é considerado como tal. É neste contexto que vamos desenvolver este ensaio, procurando inicialmente fazer uma breve resenha histórica do percurso das forças mercenárias ao longo do tempo, descrevendo a importância que elas assumem nos dias de hoje, assim como as implicações éticas, morais e práticas nos cenários em que são usadas.

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O significado da palavra mercenários e o surgimento da utilização deste tipo de forças

Segundo o 1º Protocolo Adicional, à 4ª Convenção de Genebra de 12 de Agosto de 1949, e relacionado com a Proteção de Vítimas de Conflitos Armados Internacionais, (Protocolo I), de 8 de Junho de 19771, a definição de mercenário é a seguinte: Artigo 47º - Mercenários: 1. Um mercenário não possui direito ao estatuto de combatente ou de prisioneiro de guerra. 2. Pelo termo "mercenário" entende-se qualquer pessoa: a. que

seja

propositadamente

recrutada,

localmente

ou

no

estrangeiro, para combater num conflito armado; b. que de facto tome parte directa nas hostilidades; c. que tome parte nas hostilidades, motivado pelo desejo de adquirir lucro pessoal, e para o qual recebeu promessa, por uma das partes em conflito ou em seu nome, de remuneração material claramente superior àquela prometida ou correspondente em grau e funções similares nas forças armadas desta mesma parte; d. que não seja cidadão de uma parte em conflito, nem residente de um território controlado por uma parte em conflito; e. que não seja membro das forças armadas de uma parte em conflito; e

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ICRC (2010). “ICRC databases on international humanitarian law.” http://www.icrc.org/ihl/WebART/470-750057 [12-04-2014].

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f. que não tenha sido enviado por um Estado não-parte em conflito, em missão oficial como membro das forças armadas deste mesmo Estado. Apesar de esta ser a definição mais comumente aceite a nível internacional, não é reconhecida por alguns países, como o caso dos Estados Unidos da América, assim como convenção das Nações Unidas. As Nações Unidas criaram em 1989, entrando em vigor em 2001, a Convenção Internacional contra o Recrutamento, Uso, Financiamento e Treino de Mercenários2. Esta diz o seguinte, no seu artigo 1º: 1. Um mercenário é qualquer pessoa que: a. Seja especialmente recrutado localmente ou no exterior, a fim de lutar num conflito armado; b. está motivado para tomar parte nas hostilidades essencialmente pelo desejo de ganho privado e, de fato, é prometido, por ou em nome de uma das partes do conflito, uma compensação material substancialmente superior à prometida ou paga aos combatentes, de hierarquia e funções similares, nas forças armadas desse partido; c. não é nem um nacional de uma das partes no conflito, nem residente do território controlado por um partido desse conflito; d. não é um membro das forças armadas de uma parte no conflito; e

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United Nations (1989). “International Convention against the Recruitment, Use, Financing and Training of Mercenaries.” http://www.un.org/documents/ga/res/44/a44r034.htm [12-04-2014].

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e. não tenha sido enviado por um Estado, que não é parte do conflito, em missão oficial como membro de suas forças armadas. 2. Um mercenário é também qualquer pessoa que, em qualquer outra situação: a. Seja especialmente recrutado localmente ou no exterior com a finalidade de participar de um acto concertado de violência que visa: i. Derrubar um Governo ou de outra forma minar a ordem constitucional de um Estado; ou ii. atentar contra a integridade territorial de um Estado; b. é motivado a participar nele essencialmente pelo desejo de ganho privado significativo e é solicitado pela promessa ou pagamento de compensação material; c. não é nem nacional nem residente do Estado contra o qual tal acto é dirigido; d. não foi enviado por um Estado em missão oficial; e e. Não é um membro das forças armadas do Estado em cujo território o acto é realizado. Mas a utilização de forças privadas remonta a tempos imemoriais, aqui tentaremos referir alguns exemplos, para formular uma ideia do quão antigo é o emprego de mercenários. Uma das primeiras referências ao uso de mercenários surge no antigo Egipto, quando o Faraó Ramsés II usou cerca de 11000 mercenários, para o apoiar nas suas batalhas. Também os Gregos, como Alexandre, o Grande; Cartagineses, como Aníbal; passando pelos Romanos; pelos reis da Idade Média; Moderna e até à Revolução 6

Francesa de 1789. A sua utilização não se focava apenas em exércitos terrestres, mas também no mar, com os famosos corsários como Francis Drake, ou até de Vasco da Gama. No entanto a Revolução Francesa marca um ponto de viragem na utilização deste tipo de forças nas doutrinas dos exércitos europeus. A partir deste momento as forças mercenárias perdem grande parte da importância que até aí tinham tido, passando a representar apenas unidades militares pontuais, ou de cerimónia. No entanto as forças mercenárias foram largamente usadas por Napoleão, quer durante as suas campanhas no Egipto, quer durante grande parte das suas campanhas na Europa (Dempsey, 2002). Mesmo assim até ao final da Segunda Guerra Mundial, a utilização de mercenários seria sempre residual. É após o início do processo de independência das colónias, e com os posteriores conflitos internos, que a importância dos mercenários volta a ganhar relevância cada vez maior. São exemplos a República Democrática do Congo, o Biafra na Nigéria, a FNLA em Angola, Rodésia do Sul, África do Sul, etc. É também nesta altura que surge a primeira empresa de segurança privada, a WatchGuard International, por Sir David Stirling e John Woodhouse, ex-SAS. Os serviços que fornecia eram no entanto de aconselhamento, treino e fornecimento de armas, e não de intervenção armada directa, apesar de esta companhia ser associada a um golpe de Estado falhado na Líbia, contra Muammar al-Gaddafi, em 1971. Mas seria fundamentalmente com o fim da Guerra Fria, que as forças mercenárias voltariam a ganhar um crescente destaque nos conflitos internacionais. A redução dos exércitos nacionais, fez com que milhões de soldados em todo o mundo, subitamente, deixassem de fazer parte das forças nacionais. Muitos deles sendo soldados de elite, cujos únicos conhecimentos que possuíam eram técnico-militares. 7

Estes veem então como única solução colocar esses conhecimentos à disposição de quem pague melhor. Neste período começam a surgir em força, novas empresas de segurança privadas. As suas funções eram muitas vezes relacionadas com a manutenção de paz, funções relegadas para estas empresas, pelos exércitos nacionais de outros países, que se haviam demitido desta tarefa, devido à falta de operacionais nas suas fileiras. Mas também recrutadas por outras empresas privadas, que operavam em países cuja segurança interna providenciada fosse duvidosa, e necessitavam de garantir a segurança das suas operações nesses países. Cumprindo serviços de segurança de instalações, construções, transportes, entre outros. Empresas como a famosa Executive Outcomes, Vinnell, G4S, Military Professional Resources Inc., entre outras, foram das principais a surgir nesta época.

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Empresas de Segurança Privadas na actualidade

Ao longo dos anos 90, a utilização de empresas de segurança privada dá-se sobretudo em África, em países como Angola, Serra Leoa, Eritreia e Etiópia, mas também na Bósnia, entre muitos outros países. No século XXI estiveram também presentes na República Democrática do Congo, Colômbia, Somália, Sudão, Iraque, Afeganistão, etc. É contudo, com início da Guerra do Iraque, em 2003, que se dá um significativo aumento nos contratos oferecidos a estas empresas, assim como o próprio número de empresas. Apesar de já em 1991 estas empresas terem sido utilizadas, a sua importância assume um relevo muito maior em 2003, e nos anos seguintes. Estima-se que em 1991 fossem 92003, o pessoal contratado para prestar serviços como segurança, interrogatório de prisioneiros, cozinha, reparações de equipamento e construção de bases e instalações. Este número dispara para cerca de 100000 em 2006, sem contar com os subcontratados45. E é também apenas em 2004 que este tema chega ao conhecimento do público em geral, quando 4 membros da empresa Blackwater foram mortos em Fallujah, quando a coluna em que seguiam, foi emboscada por insurgentes6. Os corpos foram depois

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Merle, R. (2006). “Census Counts 100,000 Contractors in Iraq” http://www.washingtonpost.com/wpdyn/content/article/2006/12/04/AR2006120401311.html [15-04-2014].

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Castelli, E. (2009). “Projected contractor surge in Afghanistan: Up to 56,000” http://www.federaltimes.com/article/20091216/DEPARTMENTS01/912160309/-1/ [15-04-2014].

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Pincus, W. (2009). “Up to 56,000 more contractors likely for Afghanistan, congressional agency says.” http://www.washingtonpost.com/wpdyn/content/article/2009/12/15/AR2009121504850.html?hpid=topnews [15-04-2014].

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Freeman, C. (2004). “Horror at Fallujah / SAVAGE ATTACK: Bodies dragged through street, hung from bridge 4 U.S. contractors killed in ambush hours after 5 soldiers slain in Iraq.”

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mutilados, queimados e exibidos na ponte da cidade, tendo este caso chocado a opinião pública norte-americana. Também esta empresa fica conhecida por um violento episódio que protagonizou em 2007, em que após o ataque a uma das suas colunas de veículos, dispara indiscriminadamente sobre civis, matando 177. Este caso leva à dissolução da Blackwater, e à formação da Xe, que mais tarde se transforma em Academi, devido aos problemas colocados pelo governo iraquiano, quanto à continuidade de operação desta empresa no país. As pessoas contratadas para este tipo de serviços são não só americanos, como também outras nacionalidades, incluindo iraquianos. Neste cenário as principais empresas são a DynCorp International, Aegis Defense Services, CACI, Titan Corp, KBR e Blackwater, entre muitas outras menos conhecidas. Estas e outras formam a Private Security Company Association of Iraq, associação que representa as companhias de segurança privada, junto do governo iraquiano e dos governos da coligação. A retirada das forças armadas norte-americanas do Iraque, fez aumentar ainda mais a presença de contratados neste país. Também no Afeganistão a presença destas empresas é bastante acentuada, estimando-se em cerca de 130000 a 160000, constituindo quase 70% das forças presentes. Não são apenas os governos a recorrer aos serviços destas empresas, também a própria ONU já o fez, como na Somália em 1992. Assim como ONG’s, que usaram os serviços de companhias de segurança privadas, para garantir a sua segurança, em locais http://www.sfgate.com/news/article/Horror-at-Fallujah-SAVAGE-ATTACK-Bodies-2772639.php [15-04-2014]. 7

Evans, D. (2007). “Iraq says Blackwater killed 17, shooting ‘deliberate’.” http://www.reuters.com/article/2007/10/07/us-iraq-blackwater-idUSL0765327820071007 [15-042014].

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em que esta não permitia às ONG’s operar de forma segura. No entanto a utilização deste tipo de serviços pelas ONG’s acarreta sempre sérias questões. Nota-se assim uma elevada presença deste tipo de forças, nos teatros de operações pelo mundo. Apesar de grande parte dos serviços prestados serem relacionados com logística, treino, reparações e construção, também existem consideráveis números de elementos participantes em acções de segurança directa, ou mesmo combate.

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O papel ideológico e os dilemas éticos

Consideramos aqui importante referir o contexto ideológico em que esta indústria cresce exponencialmente. Vemos que é principalmente após o fim da Guerra Fria, e da afirmação da ordem capitalista neo-liberal como predominante no Mundo, que o número de empresas de segurança privadas aumenta consideravelmente. A ideia de mercado livre, desregulação, privatização, e a erosão da soberania e do papel do Estado nas sociedades, abriu espaço para o mercado privado a partir dos anos 70 e 80. No entanto, apenas se fez sentir no sector da defesa ligeiramente mais tarde, como já vimos atrás. Aquilo que outrora eram considerados sectores exclusivos do Estado, são hoje em dia colocados à disposição do mercado privado, e também a segurança e defesa já não são excepção. Isto levanta sérias questões éticas, como o monopólio do uso da força, que assim deixa de estar apenas nas mãos do Estado, mas passa também a poder ser exercido por entidades privadas. Quando estas forças são usadas quer externa, quer internamente, o princípio de monopólio do uso da força fica seriamente comprometido, já que dificilmente se consegue fazer cumprir a lei sem o uso desse mesmo monopólio, como se viu em Nova Orleães, em 2005, aquando do furacão Katrina, e em que as companhias de segurança privada foram acusadas de abuso de poder sobre civis norte-americanos8. Também a questão de responsabilização pelos actos cometidos por estas empresas passa a ser algo que se deve ter em conta, colocando até em causa o próprio sistema democrático. A impunidade destas empresas talvez seja uma das razões para 8

Scahill, J., & Crespo, D. (2005). “Overkill: Feared Blackwater Mercenaries Deploy in New Orleans.” https://www.commondreams.org/headlines05/0910-07.htm [15-04-2014].

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que os Estados recorram as estas, evitando assim o desgaste da sua própria imagem junto da opinião pública, seja pelas violações da lei internacional, seja pelas mortes de contratados que não aparecem nos meios de comunicação social. O peso que o caixão de um soldado, coberto pela bandeira do seu país, tem na opinião pública ao chegar ao aeroporto, é demasiado alto para muitos governos alegadamente democráticos. Todavia isto significa que os “líderes políticos podem operar fora das forças geradoras de normas, incluindo o escrutínio público, fiscalização do governo e a lei doméstica e internacional”9. Até hoje nenhuma empresa foi julgada por violações às leis internacionais em conflitos armados, e também não se acredita que no caso de alguma ser condenada, o governo que a contratou reconhecesse que a empresa agia em seu nome. Reforçando assim ainda mais a ideia anterior dos Estados usarem estas empresas como forma de evitar o desgaste da sua imagem. O caso da Colômbia é outro exemplo, nomeadamente com o Plano Colômbia10, um suposto plano de combate ao narcotráfico, que o Congresso norte-americano aprovou, mas que colocava fortes restrições ao uso das suas Forças Armadas, limitandoas a operações contra traficantes, e nunca contra forças insurgentes, nomeadamente as FARC. No entanto a Casa Branca contratou a empresa DynCorp, que não sofrendo fiscalização, operava directamente contra os grupos insurgentes, algo que era expressamente proibido pelo Congresso às Forças Armadas.

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Nagan, Winston, P. and Hammer, Craig. (2008). The Rise of Outsourcing in Modern Warfare: Sovereign Power, Private Military Actors and the Constitutive Process. Main Law Review, Vol 62, No 492. Prensa - Colectivo. (2008). “PRIVATE SECURITY TRANSNATIONAL ENTERPRISES IN COLOMBIA” http://www.colectivodeabogados.org/PRIVATE-SECURITY-TRANSNATIONAL [15-04-2014].

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A utilização de empresas de segurança privada surge também no âmbito privado, sendo contratadas por empresas privadas, que actuam em Estados inseguros e fracos, cujas forças armadas não garantem a segurança interna, e em que forças rebeldes criam instabilidade. Como o caso da Serra Leoa em 1995, em que o Estado não conseguia fazer frente aos rebeldes, e em que os EUA ou o RU recusaram intervir11. Como o próprio Estado da Serra Leoa não possuía os recursos para contratar uma empresa de segurança privada, recorreu a uma empresa mineira que operava no seu país, a BranchHeritage, que financiaria o Estado, em troca de futuros privilégios no país. Ou como no México ou Colômbia, em que actores não-Estatais, nomeadamente os cartéis de droga, recorreram a empresas de segurança privada, para combater as próprias forças governamentais12.

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Soldiers of Misfortune. (n.d.). “Executive Outcomes in Sierra Leone: War for Diamonds.” http://www.soldiers-of-misfortune.com/history/eo-sierra-leone.htm [15-04-2014].

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Scott, Peter, Dale and Marshall, Jonathan. (1998) Cocaine Politics: Drugs, Armies and the CIA in Central America. University of California Press.

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Conclusão

Neste ensaio pudemos concluir que o uso de forças mercenárias remonta já a tempos antigos, no entanto as primeiras empresas de segurança privadas surgem apenas na segunda metade do século XX, e com particular destaque no século XXI. O surgimento destas empresas tem também uma forte componente ideológica, de distanciamento do Estado das funções que antigamente lhe competiam apenas a ele. A segurança do Estado, quer interna, quer externa, sempre foi vista como algo de que o Estado deveria ter o total monopólio. Contudo as teorias neo-liberais implementadas a partir dos anos 80, colocaram sérias questões acerca desta máxima. A entrega de funções de segurança por parte do Estado a empresas privadas faz por isso surgir novas questões éticas, morais e políticas. São exemplos disso o uso ilegal destas forças, ou seja, fora da legislação interna do país que as contrata, fora da legislação interna do país onde operam e fora da própria legislação internacional. Questões essas que aqui tentámos analisar, porém de forma muito superficial. Não obstante concluímos, e respondendo à questão inicialmente formulada, que este tipo de forças se enquadram dentro de uma perspectiva de utilização dentro de uma lógica neo-liberal, anti-democrática, ilegítima e ilegal. Colocando em risco a própria noção de monopólio da violência Estatal, como único garante da segurança interna e externa. Reafirma-se assim a necessidade de o Direito Internacional Público de reformular a legislação existente, actualizando-a. De forma a limitar ao máximo a utilização deste tipo de empresas nos palcos internacionais. Estas empresas mostram ser

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um sério risco à estabilidade e paz mundial, contrariando a ideia que muitos Estados tentam fazer passar, de que elas colaboram para construir essa mesma paz e estabilidade. É também necessário que as próprias Nações Unidas não recorram ao uso deste tipo de entidades, por incapacidade própria de resolver os problemas internacionais com que se veem confrontados. Porém tudo aponta para que o século XXI venha a ser profícuo na utilização deste tipo de empresas nos conflitos internacionais e até na própria segurança interna. A erosão do poder Estatal, e a sua diluição em entidades privadas deixou de estar apenas focada em matérias puramente civis, e é agora transportada para matérias militares e de segurança, colocando sérios riscos à legitimidade do próprio Estado. Sendo isto fruto do processo de globalização neo-liberal que o planeta vive.

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Bibliografia C.Dempsey, G. (2002). Napoleon’s Mercenaries: Foreign units in the French Army under the Consulate and Empire, 1799-1814. London: Greenhill Books. Maquiavel, N. (1532). O Príncipe. Lisboa: Guimarães Editores. Musah, A., & Fayeme, J. K. (2000). An African Security Dilemma. London: Pluto Press. Nagan, Winston, P. and Hammer, Craig. (2008). The Rise of Outsourcing in Modern Warfare: Sovereign Power, Private Military Actors and the Constitutive Process. Main Law Review, Vol 62, No 492. Percy, S. (2007). Mercenaries - The history of a norm in International Relations. Oxford: University Press. Royal Danish Defense College. (2012). Privatization of security: the concept, its history and its contemporary application. Copenhagen: Royal Danish Defense College. Scott, Peter, Dale and Marshall, Jonathan. (1998) Cocaine Politics: Drugs, Armies and the CIA in Central America. University of California Press. Stoker, D. (2008). Military Advising and Assistance - From Mercenaries to Privatization. London and New York: Routledge – Taylor and Francis Group.

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