Sem rendição

June 3, 2017 | Autor: Def Yuri | Categoria: Hip-Hop/Rap, Artigos, Viva Favela
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Sem rendição

Autor: Def Yuri | 28/04/2004 | Seção: Def Yuri

“Def Yuri, ao chamar os usuários de Desgraçados, você demonstra o quanto é intolerante...” Não adianta dizer que não, eu sei que esse pensamento já passou pela cabeça de muitos que leram os artigos que abordavam a questão dos “Desgraçados”; realmente é impressionante a capacidade que alguns têm de deturpar as coisas, não querer entender e mesmo inverter o ônus da prova. Será que por questionar a falta de responsabilidade de determinado grupo, sou incluído no mesmo saco de gatos? Mesmo não comungando das idéias e / ou atos? Continuarei mostrando o quão tolerante eu sou, pois mesmo com a revolta que consome minha alma ao ver muitos iguais sangrando e se matando enquanto alguns se encontram a salvo, ainda não optei por uma resistência violenta a esses, ainda acredito que o bom senso traga as pessoas oriundas desse grupo dos Desgraçados à capacidade de entender que não estão sozinhas no mundo, que coabitam com pessoas que pensam diferente e que a irresponsabilidade dos seus atos ou mesmo o desconhecimento traz muita tristeza e dor. Acredito piamente que a escrita, rimas e algumas atitudes ajudem nesse processo; o êxito disso coloca e adia outras reações. Afinal paciência tem limite ou estou errado? Quero dizer, o que será que os incomodados prefeririam? Debate ou Sentex? Guerra no sentido literal ou convivência pacífica? Abordar temas como esse é complicado, pois o alvo do questionamento é quase invisível (covarde) e se movimenta nas sombras; mesmo com essa apurada técnica da invisibilidade, às vezes faço um giro de 360º e fico com a impressão de que vivemos em uma sociedade constituída majoritariamente por “Desgraçados”. Digo isso baseado no fato de que só coloco a mão no fogo por mim e em alguns casos até faço o mesmo por outras pessoas, porém com luvas de amianto. Aos que ainda não entenderam o uso da expressão “Desgraçado”, esta não visa marcar este ou aquele e sim mostrar que o prazer destes “Desgraça” a vida de muitos, inclusive a minha e a sua, que acompanha esse artigo. Ao contrário de muitos “Desgraçados” que prefeririam me ver em silêncio, ou pelo menos que eu tivesse a minha liberdade de expressão cerceada, eu não quero obrigá-los a parar de fazer suas cagadas; isso é uma questão de foro íntimo. Porém, acredito que estes, mesmo fazendo ou não, deveriam assumir suas responsabilidades. Friso que não estou falando da legalização ou não, apesar de estar ciente de que os exemplos de legalização e afins estão seguindo o caminho contrário daquilo que é divulgado; prova disso é o que ocorre na Holanda. Lá é tolerado o uso de drogas consideradas leves. Não são legalizadas, nem descriminalizadas totalmente, porém podem ser vendidas em bares especiais e quem usar não será detido. Só que lá o governo já pensa em voltar atrás (como foi feito na Suíça), pois drogas como o haxixe e a maconha ficaram tão aditivadas que podem até ser consideradas drogas pesadas. E falando em Brasil, muito se discute em um maior uso de penas alternativas. Minha sugestão: colocar os “Desgraçados” em serviços nas emergências hospitalares, necrotérios, cemitérios, em todos os casos envolvendo o binômio Armas de fogo/ Drogas ilícitas. Além, é claro, de propiciar uma convivência com as famílias vitimadas por essas chagas, não importando se são famílias de policiais, criminosos, “Desgraçados”, simples cidadãos... Não é uma ótima sugestão? Na minha opinião, infinitamente melhor que uma cesta básica ou faxina em escola pública. Frisando que via de regra os “Desgraçados” menos abonados são tipificados em outros artigos, o que garante o uso de

passes exclusivos para as carceragens da Polinter (no Rio) ou Casas de Custódia no restante do Brasil. Já os ricos ou famosos... E no que diz respeito às armas de fogo, durante uma conversa, um camarada colocou que em Londres se vende mais drogas do que no Rio de Janeiro e que lá não tem tantas armas de fogo. Considero essa colocação infeliz, pelos seguintes motivos: 1) é preconceituosa porque coloca o carioca como propenso ao uso de armas e à autodestruição. 2) as armas de fogo fabricadas no Reino Unido ou as que são fabricadas em outros países com capital britânico seguem principalmente para países como o Brasil. 3) o controle interno deles na questão de armas de fogo é grande e a legislação é mais dura. Ele, assim como algumas pessoas, não entende que as realidades podem ser parecidas, mas isso não significa que são iguais. No caso do Rio, as armas de fogo são um importante controlador social, tanto por grupos demenciais oficiais ou não. Outro fato mencionado na mesma conversa foi que, ao colocar o usuário, digo, “Desgraçado” na berlinda, eu estava tirando o foco do Estado e das suas responsabilidades. Certamente muitos dos que me questionam pensam dessa forma, porém digo que, mais uma vez, estes tentam deturpar os fatos, e talvez isso seja fruto da surpresa causada pela exposição e/ou questionamento de mais um dogma social. Acredito que todos devem, ou deveriam, ter noção das suas responsabilidades, e nisso se incluem: Desgraçados, Estado, Sociedade em geral. Eu não refresco ninguém, pois quem refresca cu de pato é lagoa. Na minha opinião, sem consumo não existe tráfico e esse tipo de postura, somado ao descaso governamental, falta de vontade da própria sociedade em resolver determinadas questões que privam milhares e que acabam por jogar os mais fracos no caminho do crime, transformando uns e lapidando de forma negativa outros, mostrando que esse é o único caminho para ascensão e para a respeitabilidade local. Enquanto os mais fracos sucumbem aos investimentos dos “Desgraçados”, os fortes de verdade sobrevivem bravamente, vencendo inúmeras batalhas diárias que visam o direito à existência e, mesmo sendo vitimados pela fome, chagas, preconceitos, violência e pelas falsas promessas, não desistem de lutar e não se entregam. Me vêm à lembrança uma antiga campanha que dizia: “Adote seu filho antes que um traficante o adote.” Na atual conjuntura, seria oportuno fazer algumas modificações e deixar o slogan assim: “Adote seu filho antes que um usuário o transforme em igual.” Alguns ficarão chateados e dirão que eu não deveria colocar o pobre e coitado usuário, digo, Desgraçado, no mesmo patamar de um traficante. Dizem que isso seria uma endemonização ou maniqueísmo. Pelo contrário, acredito que o sacrifício por uma melhor qualidade de vida deve e/ou deveria ser feito por todos. Será que eternamente seremos obrigados a conviver com a dor ou sob a bandeira da vitimologia? Não podemos reagir e insurgir? Você que lê este artigo, no caso da hipótese mais pessimista prevalecer, já escolheu em que trincheira vai se posicionar? Quantos mais terão que morrer para se tomar providência? Eu estou de saco cheio de tanta inércia e não preciso ser “simpático” com aqueles que oprimem para ser compreendidos. Tenho fé na existência de muitos “intolerantes”, quero dizer, de muitos indivíduos com a capacidade de discernir sobre o que ocorre à sua volta e carregam consigo a indignação dos que se vêem reféns das opressões e do pior sentimento, que vem a ser o de impotência perante alguns atos que dão suporte e legitimam a barbárie ou, na minha opinião, o genocídio odiosamente planejado que conseguiu nos infectar, separar e, se não encontrarmos o antídoto, nos levará à morte. Para aqueles que vierem a achar que este texto é agressivo, friso que agressivo é o nosso dia-a-dia, em que muitos são subjugados sem ter pelo menos o direito a serem mal interpretados, e seus gritos por socorro ou clemência são acobertados pelo que nós chamamos de cotidiano. E no final das contas este artigo é apenas um retrato adocicado daquilo que, em um futuro próximo, chamarão de estatística das vítimas da guerra civil. E a única certeza que carrego é que sou o que sou, gostem ou não. Prosseguirei firme e forte acompanhado daqueles que sempre estão comigo “30 horas” por dia.

Asé

"...Eu sinto as consequências do caos da violência/ que causa uma ferida que pesa na consciência/ de quem/ vende uma droga pra criança/ é embassado/ de um lado o traficante, do outro o viciado/ que diferença faz/ ...Traidor irá provar o gosto amargo do féu/nem sua prata, nem seu ouro/ vai poder te livrar/ da fúria/ da sede de justiça/ quando tiver que pagar por cada vida inocente que você interrompeu/ por cada crime hediondo que você cometeu... tem uma pá de juda que mata e te trai por dinheiro...eu te acertei/ o alvo é o seu raciocínio..." Música: Dinheiro Maldito parte 1 Letra: Dina Dee Grupo: Visão de Rua (Campinas)

“Vivo sou sua peste. Morto sou sua morte"” Martin Lutero Músicas para este artigo: O Conivente – Juízo Crítico (RJ) Fúrias e Furtos – Weelf (RJ)

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