SEMEAR A INCERTEZA A PROBLEMATIZAÇÃO DE CASOS PRÁTICOS COMO MÉTODO DE ENSINO CRÍTICO E TRANSFORMADOR DO DIREITO

September 17, 2017 | Autor: M. Maurer de Salles | Categoria: Legal Education, Ensino Jurídico, Crise do Ensino Jurídico, Metodología De Enseñanza
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SEMEAR A INCERTEZA A PROBLEMATIZAÇÃO DE CASOS PRÁTICOS COMO MÉTODO DE ENSINO CRÍTICO E TRANSFORMADOR DO DIREITO Clodoveo Ghidolin1 Marcus Maurer de Salles2 RESUMO: O presente trabalho visa a provocar a discussão sobre a importância da problematização no ensino do Direito, focando especificamente a compreensão e resolução de casos práticos, com o objetivo de preparar os alunos a enfrentarem as incertezas da vida pessoal e profissional como algo inato a sua aventura humana. Tal provocação justifica-se pela necessidade de superação do método tradicional de ensino jurídico fundado em uma perspectiva linear e indutiva, que direciona os alunos a uma resposta “correta”. Por conseqüência, limita-se toda e qualquer capacidade criativa e inovadora na solução de casos práticos. Neste sentido, como alternativa ao método tradicional, urge discutir o papel da “certeza” na solução de casos práticos e no ensino do Direito como um todo. Nesse sentido, busca-se apontar um caminho para a superação do dogma da resposta “correta” e demonstrar ao aluno que, em certas situações, o Direito é limitado e pode não oferecer respostas ou soluções satisfatórias à realidade social. Nestes termos, o caso prático serve para desenvolver no aluno a capacidade de perceber “o que há de jurídico” em cada fato, de forma livre, e de encarar a norma aplicada não como algo definitivo, onipresente e inalterável. Os fatos são, quase sempre, contestáveis. A regra depende da interpretação. O Direito é dinâmico e as concepções doutrinárias variáveis. Por tudo isto, diferentes respostas e enfoques devem ser aceitas pelo professor. A problematização do caso prático serve para fazer emergir soluções variadas, mas o importante, ao final, é o desenvolvimento do raciocínio crítico e transformador do aluno. PALAVRAS-CHAVE: Incerteza, problematização e casos práticos. RESUMEN: El presente trabajo visa a provocar la discusión a cerca de la importancia de la problematización en el enseño del Derecho, mirando específicamente la comprensión y la resolución de casos prácticos, con el objetivo de preparar los alumnos a enfrentaren las incertidumbre de la vida personal y profesional como algo innato a su aventura humana. Tal provocación justifica-se por la necesidad de superación del método tradicional de enseño jurídico fundado en una perspectiva linear y inductiva, que orienta los alumnos a una respuesta “correcta”. Por consecuencia, se limita toda y cualquier capacidad creativa y innovadora en la solución de casos prácticos. En este sentido, como alternativa a lo método tradicional, urge discutir el papel de la “certeza” en la solución de casos prácticos en el enseño del Derecho como un todo. En esse sentido, se busca apuntar un camino para la superación del dogma de la respuesta “correcta” y demostrar a lo alumno que, en ciertas situaciones, el Derecho es limitado y puede no ofrecer respuestas o soluciones satisfactorias a la realidad social. En estos términos, el caso práctico sirve para desarrollar en el alumno la capacidad de percibir “lo que hay de jurídico” en cada facto, de forma libre, y de encarar la norma aplicada no como algo definitivo, omnipresente y inalterable. Los hechos son, casi siempre, contestables. La regla depende de la interpretación. El Derecho es dinámico y las concepciones doctrinarias variables. Por todo esto, diferentes respuestas y enfoques deben ser aceptadas por el profesor. La problematización del caso práctico sirve para hacer emerger soluciones variadas, pero el importante, a lo final, es el desarrollo del raciocinio crítico y transformador del alumno. PALABRAS-LLAVE: Incertidumbre; problematización y casos prácticos.

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Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professor do Departamento de Teoria do Direito da Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA). [email protected] 2 Mestre em Integração Latino-Americana pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professor do Departamento de Direito Internacional e Línguas Estrangeiras da Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA). [email protected]

1. INTRODUÇÃO: PROFESSOR, QUAL É A RESPOSTA “CERTA” PARA O CASO PRÁTICO? “Uma das tarefas precípuas da prática educativa é exatamente o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil”. Paulo Freire O estudo de casos práticos, como situação real ou fictícia, tem se tornado um tema de discussão central na área jurídica em vista das transformações sociais e das novas exigências tanto profissionais quanto acadêmicas do Direito no Brasil. Diversos sistemas de ensino jurídico, com destaque para os sistemas inglês e norte-americano, da linha da common law, e os sistemas alemão e francês, de origem romano-germânica, dedicam-se ao estudo do Direito através da solução de casos práticos. No entanto, a utilização destes casos nas Faculdades de Direito brasileiras é muito escassa, além de ser objeto de poucas remissões na doutrina jurídica, provavelmente pelo fato do atual modelo de ensino jurídico se dedicar a transmitir ao aluno a estrutura do sistema legal abstrato e dominante, totalmente alheio ao “mundo real”. As aulas nas faculdades de Direito brasileiras geralmente utilizam o método expositivo, que mais se aproximam de um monólogo, ao invés de promoverem um diálogo estimulante e construtivo entre professor e alunos, através da análise, da crítica e dos pareceres pessoais. O objetivo central nestas aulas é transmitir ao aluno a estrutura do sistema dominante dentro do Direito. Não há interesse na compreensão e discussão de casos concretos, muito menos no desenvolvimento de soluções diversas a aquelas já estabelecidas. Dentro desta perspectiva tradicional do ensino do Direito, há o predomínio de dois métodos para a solução de casos práticos: a indução, que se guia pela jurisprudência, e a dedução, que se guia pela subsunção. No entanto, tais procedimentos tornam-se limitados na medida em que a sociedade civil contemporânea se modifica, dificultando a obtenção de soluções claras e seguras. Isto ocorre por dois motivos, a saber, pelo surgimento de “lacunas” e “conflito” de normas no ordenamento jurídico. Consequentemente, a busca da resposta certa e segura fica comprometida.

Além do mais, o que se busca na decisão normativa não é resposta certa ou errada, mas sim, justiça. É chegada a hora de superar toda e qualquer conotação pejorativa a cerca da incerteza. A incerteza, decorrência natural da curiosidade é, de fato, o grande motor da aprendizagem. Curiosidade, como sinônimo de inquietação, indagação, inclinação ao desvelamento, é manifestação naturalmente humana. Historicamente, a curiosidade foi afastada das escolas jurídicas em razão da tendência ao dogmatismo. Este paradigma, mero reflexo da tendência universal da ciência ao positivismo, engessou os ocupantes dos bancos escolares e condicionou-os a serem meros repetidores da “melhor doutrina”, a serem as “bocas da lei”. Para romper com este status quo no ensino do Direito, o trabalho com casos práticos pode tornar-se um importante instrumento de superação. Nesse sentido, o presente trabalho buscar debater a necessidade de romper com o paradigma da resposta “certa”, que transforma a solução de casos práticos numa operação lógico-matemática, como forma de garantir um ordenamento completo e coerente. No entanto, tal procedimento demonstra-se extremamente limitado no que concerne ao desenvolvimento de um ensino crítico e transformador do Direito. Dessa forma, pretende-se despertar no aluno a atividade crítica na construção do conhecimento, na descoberta crítica e individual de solução para os casos práticos propostos pelo professor, qualidade que lhe será indispensável como futuro profissional do Direito.

2. OS MÉTODOS TRADICIONAIS PARA BUSCAR A RESPOSTA “CERTA” “A certeza cega. Quanto mais certeza você tem, menos você vê”. Humberto Maturana 2.1. DESCUBRA NA JURISPRUDÊNCIA

Nos sistemas da common law, pouca importância é dada à lei e à doutrina, tendo em vista que a aplicação do Direito segue o método indutivo, onde se prioriza a jurisprudência. Nestes sistemas, a lógica jurídica se

caracteriza pelo movimento do pensamento que vai de uma ou várias verdades singulares a uma pretensa verdade universal. Conseqüentemente, seguindo o raciocínio indutivo, o juiz formula a regra a ser aplicada ao caso através da análise de situações anteriores sobre a mesma matéria. Aquilo que é considerado “certo” para um caso é necessariamente “certo” para todos os casos similares. A indução consiste numa classe de raciocínio que partindo de um número finito de dados constatados, infere-se uma conclusão geral ou universal, não contida nas partes examinadas. Neste argumento, o conteúdo da conclusão é muito maior do que os dados recolhidos nas premissas. Em outras palavras, recolhido um número razoável de casos torna-se possível generalizar para todos os demais considerando o futuro como uma repetição fiel do passado. Exemplificadamente, o raciocínio indutivo pode ser caracterizado da seguinte forma: “se um número de As foi observados, sem nenhuma exceção, tem a propriedade B, logo é possível concluir que todos os As terão a propriedade B”. Formalizando: Caso α 1 – solução β Caso α 2 – solução β Caso α 3 – solução β ________________ Logo, para todo caso α – solução β

Ao transpor o método indutivo para o estudo de casos práticos no Direito, este terá o seguinte formato.

Etapas do método indutivo 1. Apresentar um caso concreto juntamente com a solução, preferivelmente um acórdão de um Tribunal de última instância, que trate de um caso paradigmático, um leading case. 2. Apresentar as normas aplicadas ao caso. 3. Descrever a solução escolhida pelo Tribunal, debatendo os prós e contras, os fundamentos e os reflexos da decisão para a ordem jurídica. 4. Apresentar a doutrina que orientou o Tribunal na solução do caso.

Esse método de ensino apresenta uma série de limitações que devem ser observadas. Em primeiro lugar, a conclusão obtida jamais será segura, pois

não há meios que garantam certeza na conclusão. Isso porque a indução promove um salto do número de casos finitos para uma conclusão infinita; procurando concluir da parte o todo. Além disso, a indução é uma forma de raciocínio em que os dados coletados são usados para justificar a conclusão e, da mesma forma, a conclusão é justificada recorrendo às premissas, produzindo um raciocínio circular, portanto, limitado e inválido. Outra crítica dirigida ao método indutivo refere-se ao uso do hábito e costume como forma de garantir os resultados da conclusão; de um certo número de casos observados esperamos que os próximos aconteçam da mesma forma. O aspecto mais problemático do estudo de casos práticos pelo método indutivo é o fato de limitar a atividade criativa do aluno. Ou seja, é uma atividade que reaplica os procedimentos que têm sido realizados ao longo do tempo, sem promover um questionamento ou análise sobre a maneira mais adequada ou eficiente para resolver um problema. Impede, com isso, que o aluno use sua criatividade na resolução de conflitos e no preenchimento de lacunas, exigindo simplesmente um proceder operacional, mecânico. Assim, o profissional não cria, simplesmente copia, reproduz, desenha a resposta elaborada anteriormente. Quando este aluno tornar-se profissional, esta maneira passiva de tratar com problemas lhe trará inúmeras dificuldades para encontrar a solução diante de um caso não previsto ou diferente dos usuais, pois não há modelos para resolver aquela nova situação. As “certezas” que ele trouxer consigo da época da faculdade não lhe servem para nada. Não lhe foi ensinado a solucionar casos, apenas repetir as soluções “certas” da jurisprudência.

2.2. DESCUBRA NA LEI

Já nos sistemas romano-germânicos, a fonte principal de interpretação e aplicação do Direito é a lei, em especial, os Códigos. Portanto, a aplicação do Direito deve seguir, em linhas gerais, o método de raciocínio dedutivo. Também chamado de silogismo, o referido método caracteriza-se pelo movimento do pensamento que vai de uma verdade universal a uma verdade singular, ou menos universal. Diante de um caso concreto, o pensamento silogístico soluciona o problema procurando a norma certa na Lei e indagando

seu conteúdo. Se os fatos do caso nela cabem, está providenciada a solução. Assim, a função do operador do Direito é subsumir todo e qualquer caso prático à regra geral, a fim de verificar e determinar a solução prevista para o caso específico. Formalizando:

Norma Caso individual _____________ Solução

Se (caso genérico), então (tipificação). Caso individual φ ____________________________ Solução μ para o caso individual φ

No ensino jurídico, os sistemas romano-germânicos, em geral, adotam o método dedutivo, em que o professor apresenta o sistema doutrinário aos alunos. Ao estudar um caso pelo método dedutivo, procura-se começar com um caso simples, seja real ou hipotético, e a apresentação das normas aplicáveis ao caso em questão. Em um segundo momento, apresenta-se a doutrina, sistema e estrutura da área de Direito que trata o caso, dependendo do grau de abstração e profundidade com que se queria tratar o tema. Somente após ser apresentado o caso, a norma e a doutrina, é que o método dedutivo inicia a problematização do caso, com a formulação de hipóteses e problemas jurídicos do caso. Aqui também caberá ao professor decidir quantas hipóteses quer apresentar e quantos problemas jurídicos existem no caso. Com a(s) hipótese(s) em mente, apresenta-se finalmente aos alunos a solução do caso, geralmente fundado na “melhor doutrina” e na “jurisprudência dominante”. Em linhas gerais, o método dedutivo de estudo de casos práticos dá-se da seguinte forma.

Etapas do método dedutivo 1. Apresentar um caso concreto, para analisar unicamente os fatos, sem apresentar a solução. 2. Apresentar as normas gerais aplicáveis ao caso. 3. Apresentar a doutrina que orienta a aplicação da norma ao caso. 4. Expor a solução do caso segundo a norma e a doutrina apresentadas. 5. Apresentar a solução do caso concreto.

Há uma série de limitações que devem ser observadas na adoção do método dedutivo tradicional ao ensinar Direito, em especial o fato que nem todo o caso se submete perfeitamente ao caso geral. Haverá situações adversas

que o impedem de resolver o caso de maneira simples e clara em vista da textura aberta da linguagem. Temos, portanto, dificuldade para aplicar uma solução a um caso jurídico quando: a) Há falta de informações referentes ao caso específico, isto é, as informações recolhidas são insuficientes para permitir a resolução formal do caso; a este tipo de lacuna denomina-se de lacuna de conhecimento. b) Há indeterminação de algum conceito da norma que tipifica o caso genérico e impede de subsumir o caso individual. Ou seja, mesmo diante de todas as informações referentes ao caso, torna-se difícil enquadrá-lo num caso genérico. A este tipo de lacuna denomina-se de lacuna de reconhecimento.

3. UM MÉTODO PARA ESTUDAR “PROBLEMAS” JURÍDICOS “Sempre que ensinares, ensina, ao mesmo tempo, a duvidarem do que ensinas.” Ortega y Gasset 3.1. O ALUNO FRENTE AO “PROBLEMA”

Karl Popper, fundador do Racionalismo Crítico em meados do século XX, desenvolveu sua filosofia em oposição aos raciocínios puramente indutivo e dedutivo adotados até então pela ciência moderna. Neste sentido, ele propõe o método hipotético-dedutivo, também conhecido por método de tentativa e erro. Em linhas gerais, tal método se inicia com o descobrimento de um problema ou lacuna no conhecimento científico e com sua descrição clara e precisa, a fim de facilitar a obtenção de um modelo simplificado e a identificação de outros conhecimentos e instrumentos, relevantes ao problema, que auxiliarão o pesquisador em seu trabalho.

A fase seguinte é a formulação de hipóteses, ou descrições-tentativa, consistentes com o que foi observado. Essas hipóteses são utilizadas para fazer prognósticos, os quais serão comprovados ou não por meio de testes, experimentos ou observações mais detalhadas. Em função dos resultados desses testes, as hipóteses podem ser modificadas, dando início a um novo ciclo, até que não haja discrepâncias entre a teoria e os experimentos e/ou observações. Segundo a concepção deste método, nenhuma teoria é considerada verdadeira, mas a melhor alternativa disponível para o momento, para o caso. É um método que não busca verdade, mas sim tentativas de falsear hipóteses. Aquelas que não são rejeitadas passam a ser as hipóteses padrões até o momento que uma nova e melhor alternativa deva ser criada. Em suma, a verdade é inalcançável, todavia deve se aproximar dela por tentativas. O estado atual da ciência é sempre provisório. Ao encontrar uma teoria ainda não refutada pelos fatos e pelas observações, deve-se perguntar, será que é mesmo assim? Ou será que pode-se demonstrar que ela é falsa? Neste sentido, a concepção de ciência a partir desta metodologia é concebê-la como não acumulativa, por não ser um espelho fiel da realidade, tampouco serem os fatos que devem se adequar às teorias, mas o procedimento inverso. A ciência passa a ser uma atividade constante de revisão dos seus dados e resultados a partir de uma atitude crítica do cientista que não se defronta com experiências iguais. O profissional é desafiado a todo instante a desenvolver sua capacidade criativa na busca de novas alternativas. Eis o espírito de “problematização” a ser transposto para o estudo de casos práticos no Direito. A resolução de “problemas” jurídicos depende da criatividade dos alunos e não somente da experiência adquirida ou acumulada. Ele deve propor hipóteses mais adequadas, pois as respostas não estão prontas como afirmavam os indutivistas. Portanto, a aplicação ou uso do método hipotéticodedutivo é claramente superior e mais eficiente para a resolução de conflitos e lacunas do que os métodos indutivos e dedutivos. Nesse sentido, o trabalho com casos práticos, seguindo o método hipotético-dedutivo, ao transferir para o aluno o papel principal

de

problematização e solução do caso, reforça qualidades essenciais de um

jurista, como seu poder de análise crítica, de definição de problemas jurídicos, do pensamento racional e lógico ao formular uma resposta exaustiva e, principalmente, sua visão sistemática do ordenamento jurídico. 3.2. COMO RESOLVER O “PROBLEMA”?

A partir do método hipotético-dedutivo, o estudo de casos práticos pode ser apresentado aos alunos seguindo o roteiro abaixo. É importante observar que, de todas as etapas, o professor só participa da fase 1, 6 e 7. Etapas do método hipotético-dedutivo 1. Apresentar o caso concreto, sem apresentar a solução do Tribunal. 2. Problematizar os fatos juridicamente relevantes. 3. Qualificar juridicamente os fatos, em forma de hipóteses. 4. Confrontar as hipóteses ao Direito e a doutrina, através das seguintes questões: a) Quem? – requerente. b) O quê? – pretensão jurídica. c) De quem? – requerido. d) Por quê? – fundamento. 5. Elaborar a solução para o caso concreto. 6. Contrapor e discutir as diversas soluções alcançadas. 7. Apresentar a solução dada pelo Tribunal ao caso concreto.

Como em todos os exercícios jurídicos, o sucesso do estudo de casos práticos através de pareceres

depende

da leitura atenta do tema,

especialmente no que atine a fatos, datas e prazos. Nesse sentido, a elaboração de uma linha cronológica parece útil para verificar o encadeamento dos fatos. A seleção das informações é a fase mais delicada, pois exige que se julgue a pertinência jurídica dos fatos, o que compreende igualmente a eliminação dos fatos “inúteis” ao estudo de caso. É preciso considerar também que todos os fatos apresentados devem ser considerados como verdadeiros. Já as alegações das partes merecem a devida relativização. A

seguir,

as

informações

pertinentes

devem

ser

qualificadas

juridicamente, em forma de hipóteses, sem promover a simples reprodução dos fatos. Por exemplo, tratando-se de um contrato, é preciso identificar a modalidade contratual em tela. Se o aluno hesitar entre reconhecer a relação apreciada como comodato ou locação, por exemplo, de nada adianta repetir no

texto ou oralmente os fatos apresentados no caso. Ao contrário, a dificuldade de identificação deve aparecer diretamente no texto a partir de hipóteses. Todas as ciências experimentais elaboram suas leis a partir da emissão de hipóteses confrontadas á realidade, o que é a essência do estudo de caso prático. Uma vez estabelecidas as hipóteses, os problemas jurídicos do caso aparecem. Um caso prático normalmente gira em torno de ações que podem ser promovidas pelas partes ou da validade de um ato jurídico. A proposição inicial, a hipótese, deve ser confrontada ao Direito Material para induzir a solução jurídica. Logo após a exposição dos fatos, qualificados juridicamente, é preciso explicar a norma jurídica. Nessa fase, é recomendado que se evite o lugar comum do silogismo jurídico. No estudo de casos através de parecer, a forma de redação desse texto é a menos rígida possível. Introdução e conclusão são facultativas. A introdução justifica-se quando representa uma verdadeira síntese, pois copiar o tema proposto constitui um erro necessário. A estrutura do texto, o plano, deve corresponder aos problemas jurídicos encontrados. Para cada problema, a técnica será sempre a exposição dos fatos, a regra e a aplicação em cada uma das situações enfocadas. A conclusão recomendável é um balanço crítico do que foi apreciado, avaliando a capacidade do Direito de dar respostas ás situações tratadas. A conclusão ou solução depende, a princípio, da análise dos fatos e das condições postas pelo direito objetivo. Mas na realidade, a vida não é tão simples. Não é suficiente descrever uma situação para que o jurista ”tire da cartola” uma solução. É preciso que as premissas das conclusões apresentadas sejam corretas, o que constitui um exercício muito difícil. Ao preparar o caso prático, o professor deve levar em conta o quanto a situação escolhida se presta a essas características do exercício, selecionando preferencialmente situações que desenvolvam no aluno a capacidade de perceber “o que há de jurídico” em cada fato, de forma livre, e de encarar a norma aplicada não como algo definitivo, onipresente e inalterável. Ao contrário, o caso prático pode ser um importante utensílio para demonstrar que, em certas situações, o Direito, em seu atual estágio, não oferece respostas satisfatórias e deve evoluir significativamente. Nesse

sentido, o caso prático pode tornar-se um meio privilegiado para desnudar os limites do próprio sistema jurídico.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: SEMEAR A INCERTEZA! “Conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza.” Edgard Morin A maior contribuição do século XX foi descobrir os limites do conhecimento. Os séculos precedentes sempre acreditavam em um futuro, fosse ele repetitivo ou progressivo. O século XX descobriu a perda do futuro, ou seja, a imprevisibilidade da história humana. A maior certeza que nos foi dada é a da indestrutibilidade das incertezas, não somente na ação, mas também no conhecimento. Esta crise da certeza do conhecimento, verdadeira conquista do espírito humano, coloca-os em condição de enfrentar as incertezas e, mais globalmente, reconhecer o destino incerto de cada indivíduo e de toda a humanidade. Como ficou comprovado com a sucinta análise dos métodos tradicionais de estudo de casos práticos, torna-se imperativo ao professor de Direito desenvolver novos métodos e técnicas de ensino que estimulem no aluno a capacidade de problematização da realidade, que permita descobrir “o que há de jurídico” em cada caso concreto, de forma individual. Além disso, um método nesses termos, guiado não mais pelas “verdades”, mas pelas incertezas (conflitos e lacunas) do Direito, a fim de desenvolver, no aluno, a criatividade e a autonomia do pensamento, condições fundamentais que permitam a ele “pensar como um jurista”. Nesse sentido, o presente trabalho propôs o estudo de caso práticos a partir de um técnica pedagógica que se assemelha ao método de tentativa e erro de Karl Popper. A proposta não é igualar tais métodos, mas inspirados em Popper, definir uma nova ferramenta de ensino, que resgate a capacidade de problematização do aluno, tornando seu aprendizado independente das orientações do professor. No entanto, se o papel do professor fica em segundo

plano durante o processo de problematização, análise e conclusão do caso, é ele quem guia o aluno durante este percurso, através da técnica proposta. Os fatos são quase sempre contestáveis. A regra depende da interpretação. O Direito é dinâmico e as concepções doutrinárias variáveis. Por tudo isso, diferentes respostas e enfoques devem ser aceitas pelo professor. O caso prático serve para fazer emergir soluções, mas o importante, ao final, é o raciocínio desenvolvido pelo aluno. Finalmente, pela diversidade de soluções que podem ser encontradas, ele estimula no aluno o respeito a diversidade e pela posição do outro, além da consciência da necessidade de desenvolver tanto o rigor analítico como uma imensa criatividade para vir a ser um bom profissional. Munir os alunos com a consciência de que o Direito não é uma instituição pronta, acabada e capaz de responder a todas as questões que lhe são apresentadas é imperativo para capacitá-los como juristas cientes da dinâmica do Direito. Para tanto, o estudo de casos práticos pode se tornar um valioso instrumento de ensino, desde que trabalhado sem a premissa da resposta correta ao final do exercício. Acredita-se que muito mais importante do que a resposta alcançada é o caminho trilhado pelo raciocínio lógico e filosófico do aluno.

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