Seminário: a modernidade em Edgar Allan Poe

June 3, 2017 | Autor: Vinícius Moraes | Categoria: Literature, Modernism, Jackson Pollock, Edgar Allan Poe, Dark Romanticism
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Juiz de Fora, 24 de fevereiro de 2016

Seminário: a modernidade em Edgar Allan Poe Apresentado por Vinícius Moraes Tiago [email protected]

Edgar Allan Poe nasceu em Boston, nos Estados Unidos, em 1809. Abandonado pelo pai, perdeu a mãe dois anos depois e foi criado por um próspero mercador da cidade, o qual lhe cedeu o sobrenome. Poeta, contista, editor e crítico literário, Poe é considerado o precursor da literatura policial, conhecido por suas histórias que envolvem o misterioso e o macabro. Mestre do horror, Poe teve muitas de suas obras consideradas partes do gênero romantismo sombrio, tido como uma reação ao movimento literário transcendentalista 1 – do qual Poe possuía uma forte aversão. Em 1849, Poe morreu em Baltimore dias depois de ser encontrado na rua sofrendo de delírios. A causa de sua morte ainda é um mistério.

Romantismo sombrio: caracterizado por sua ênfase na fascinação com a melancolia, a insanidade, o crime, o grotesco e o dito irracional, o dark romanticism “adapta imagens do mal antropomorfizado [...] como uma figura emblemática da natureza humana” (THOMPSON, 1974). Afastando-se da iluminação, como uma reação às mazelas da Revolução Francesa, para os românticos sombrios o mundo é decadente e misterioso. Enquanto os transcendentalistas defendem uma reforma social, o romantismo sombrio dá vida a personagens que falham repetidamente em suas tentativas de melhorar suas vidas. Modernidade: “A expansão sem precedência da economia industrial e a consequente explosão demográfica das cidades, em especial Londres e Paris, acarretaram no surgimento do ambiente urbano moderno, possibilitando novas formas de experimentar e perceber. Isso, por sua vez, requeria um novo modo de olhar para o mundo e novas propostas estéticas [além, claro, das sutis relações do indivíduo moderno com o cenário urbano].” (MASSAGLI, 2008)

Também conhecido como “transcendentalismo estadunidense”, o transcendentalismo foi um movimento filosófico e poético – em reação ao racionalismo – desenvolvido no século XIX. O movimento pregava a existência de um estado espiritual ideal que transcenderia o físico e o empírico, defendendo a percepção por meio de uma consciência intuitiva. 1

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Vinícius Moraes Tiago (UFJF)

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O HOMEM DA MULTIDÃO “Com o charuto entre os lábios e o jornal sobre os joelhos, divertira-me durante grande parte da tarde, ora a meditar os anúncios, ora observando a companhia promíscua reunidas na sala, ou ainda a espreitar a rua através das vidraças esfumaçadas.” (POE, 2008) “De início, minha observação assumiu um aspecto abstrato e generalizante. Olhava os transeuntes em massa e os encarava sob aspecto de suas relações gregárias 2. Logo, no entanto, desci aos pormenores e comecei a observar, com minucioso interesse, as inúmeras variedades de figura, traje, ar, porte, semblante e expressão fisionômica.” (POE, 2008) “Para o perfeito flâneur, para o observador apaixonado, é um imenso júbilo fixar residência no numeroso, no ondulante, no movimento, no fugidio e no infinito. Estar fora de casa, e contudo sentir-se em casa onde quer que se encontre; ver o mundo, estar no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo.” (BAUDELAIRE, 2010) “Os fantásticos efeitos de luz levaram-me ao exame das faces individuais, e, embora a rapidez com que o mundo iluminado desfilava diante da janela me proibisse lançar mais que uma olhadela furtiva a cada rosto, parecia-me, não obstante, que, no meu peculiar estado de espírito, eu podia ler frequentemente, mesmo no breve intervalo de um olhar, a história de longos anos.” (POE, 2008) “Com a testa encostada ao vidro, estava eu destarte ocupado em examinar a turba quando, subitamente, deparei com um semblante (o de um velho decrépito, de uns sessenta e cinco anos de idade) [...]. Nunca vira coisa alguma que se lhe assemelhasse, nem de longe. [...] Senti-me singularmente exaltado, surpreso, fascinado. ‘Que extraordinária história’, disse a mim mesmo, ‘não estará escrita naquele peito!’ Veio-me então o imperioso desejo de manter o homem sob minhas vistas... de saber mais sobre ele. Vesti apressadamente o sobretudo e, agarrando o chapéu e a bengala, saí para a rua e abri caminho por entre a turba em direção ao local em que o havia visto [...].” (POE, 2008)

Do latim gregarius (-a, -um), tendência que leva os homens ou os animais a se juntarem, perdendo, momentaneamente, suas características individuais. 2

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Vinícius Moraes Tiago (UFJF)

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“Eu estava profundamente intrigado com o seu modo de agir firmemente e decidido a não me separar dele antes de estar satisfeita, até certo ponto, minha curiosidade a seu respeito.” (POE, 2008) “Quando se aproximaram as trevas da segunda noite, aborreci-me mortalmente e, detendome bem em frente do velho, olhei-lhe fixamente o rosto. Ele não deu conta de mim, mas continuou a andar, enquanto eu, desistindo da perseguição, fiquei absorvido vendo-o afastar-se. ‘Este velho’, disse comigo, por fim, ‘é o tipo e o gênio do crime profundo. recusase a estar só. É o homem da multidão’. Será escusado segui-lo: nada mais saberei a seu respeito ou a respeito dos seus atos. o mais cruel coração do mundo é livro mais grosso que o Hortulus animae, e talvez seja uma das mercês de deus que ‘es lässt sich nicht lesen’.” (POE, 2008) “O velho [quando fica face à face com o narrador-flâneur] simplesmente o ignora, como se fosse um autômato, e prossegue em sua promenade folle et sans fins.” (MASSAGLI, 2008) “[O autômato] um lobisomem irrequieto a vagar na selva social.” (BENJAMIN, 1994) “Nas ruas das metrópoles, o flâneur constata que o homem moderno é vitimado pelas agressões das mercadorias e anulado pela multidão, estando condenado a vagar pela cidade como um embriagado em estado de abandono. É essa angústia que o flâneur representou no século XIX.” (MASSAGLI, 2008) “[...] o conto de Poe é contrário do conto de terror clássico. Em lugar de lançar um indivíduo normal num universo inquietante, Poe larga um indivíduo inquietante em um mundo normal. Nada acontece ao herói, ele é que acontece ao mundo.” (CABAU, 1977)

OS CRIMES DA RUA MORGUE “Poe não é nunca um cronista; seus melhores contos são janelas, aberturas de palavras. Para ele, um ambiente não constitui como que um halo do que acontece, mas forma corpo com o próprio acontecimento e, às vezes, é o acontecimento.” (CORTÁZAR, 1993)

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Vinícius Moraes Tiago (UFJF)

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“O poder analítico não deveria ser confundido com uma simples habilidade, pois enquanto o analista é, necessariamente, engenhoso, o homem engenhoso é, não raro, notavelmente incapaz de análise.” (POE, 1981) “Em Os crimes da rua Morgue, onde surge pela primeira vez o conto analítico, de fria e objetiva indagação racional, ninguém deixará de notar que a análise se aplica a um dos episódios mais cheios de sadismo e mais macabros que se possa imaginar.” (CORTÁZAR, 1993) “E, como a minha situação financeira fosse melhor que a dele, coube-me a despesa de alugar e mobiliar [...] um velho e grotesco casarão, arruinado pelo tempo, havia muito desabitado, devido a superstições que não nos detivemos a averiguar.” (POE, 1981) “Nossa reclusão era total. Não recebíamos visita alguma.” (POE, 1981) “Então, saíamos pelas ruas, de braço dado, continuando a conversa do dia e vagando a esmo até muito longe e até horas tardias, procurando, entre luzes e as sombras fantásticas da populosa cidade [...].” (POE, 1981) “Paul Dumas, médico, declarou que foi chamado, ao romper do dia, para examinar os cadáveres.” (POE, 1981)

O GATO PRETO “Poe é o primeiro a aplicar sistematicamente (e não só ao acaso da intuição, como os contistas de seu tempo) este critério que no fundo é critério de economia, de estrutura funcional. No conto vai ocorrer algo, e esse algo será intenso. Todo rodeio é desnecessário sempre que não seja um falso rodeio, ou seja, uma aparente digressão por meio da qual o contista nos agarra desde a primeira frase e nos predispõe para recebermos em cheio o impacto do acontecimento.” (CORTÁZAR, 1993)

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ALONE (SOZINHO)3 From childhood's hour I have not been

Não fui, na infância, como os outros

As others were; I have not seen

e nunca vi como outros viam.

As others saw; I could not bring

Minhas paixões eu não podia

My passions from a common spring.

tirar de fonte igual à deles;

From the same source I have not taken

e era outra a origem da tristeza,

My sorrow; I could not awaken

e era outro o canto, que acordava

My heart to joy at the same tone;

o coração para a alegria.

And all I loved, I loved alone.

Tudo o que amei, amei sozinho.

Then- in my childhood, in the dawn

Assim, na minha infância, na alba

Of a most stormy life- was drawn

da tormentosa vida, ergueu-se,

From every depth of good and ill

no bem, no mal, de cada abismo,

The mystery which binds me still:

a encadear-me, o meu mistério.

From the torrent, or the fountain,

Veio dos rios, veio da fonte,

From the red cliff of the mountain,

da rubra escarpa da montanha,

From the sun that round me rolled

do sol, que todo me envolvia

In its autumn tint of gold,

em outonais clarões dourados;

From the lightning in the sky

e dos relâmpagos vermelhos

As it passed me flying by,

que o céu inteiro incendiavam;

From the thunder and the storm,

e do trovão, da tempestade,

And the cloud that took the form

daquela nuvem que se alterava,

(When the rest of Heaven was blue)

só, no amplo azul do céu puríssimo,

Of a demon in my view.

como um demônio, ante meus olhos.

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Vinícius Moraes Tiago (UFJF)

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Lucifer, POLLOCK (1947).

There Were Seven in Eight, POLLOCK (1943).

One: Number 31, POLLOCK (1950).

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Vinícius Moraes Tiago (UFJF)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BAUDELAIRE, Charles. O Pintor da Vida Moderna. Trad. Tomaz Tadeu. São Paulo: Autêntica, 2010. BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas III: Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1994. CABAU, Jacques. Ecrivains de toujours: Edgar Poe. Paris: Seuil, 1977. CORTÁZAR, Julio. Valise de Cronópio. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1993. MASSAGLI, Sérgio Roberto. Homem da multidão e o flâneur no conto "O homem da multidão" de Edgar Allan Poe. Terra Roxa: e outras terras, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 5565, jun. 2008. POE, Edgar Allan. Histórias Extraordinárias. Trad. José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. POE, Edgar Allan. Histórias Extraordinárias. Trad. Brenno Silveira. São Paulo: Abril Cultural, 1981. THOMPSON, Gary Richard. Gothic Imagination: Essays in Dark Romanticism. Introduction: Romanticism and the Gothic Tradition. Pullman: Washington State University Press, 1974.

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