Seminário Caminhos da Esquerda diante do Golpe A FÚRIA DAS ÁGUAS: Radicalidade indígena contra o Golpe

June 1, 2017 | Autor: Danilo Paiva Ramos | Categoria: Socialismo, Antropología, Direitos Humanos, Direitos Indígenas, Cosmopolítica, Ecossocialismo
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Seminário Caminhos da Esquerda diante do Golpe

30 de maio de 2016. Danilo Paiva Ramos Fórum sobre Violações de Direitos dos Povos Indígenas Centro de Estudos Ameríndios – USP Coletivo Socialista RETOMADAS

A FÚRIA DAS ÁGUAS: Radicalidade indígena contra o Golpe

1.Caminhos e descaminhos Gostaria de iniciar minha fala a partir de uma breve descrição dos caminhos que me trazem aqui para dialogar sobre os graves impactos do golpe sobre dos Direitos Indígenas. Após anos trabalhando como pesquisador e militante em assentamentos do MST da região de Sorocaba, comecei a atuar como antropólogo e pesquisador em projetos de saúde voltados a populações indígenas da região do Alto Rio Negro (AM). Paralelamente, militei pelo PSOL através do coletivo Ecossocialista. Atualmente milito também pelo coletivo RETOMADAS, pela comissão de mobilização em defesa das creches da USP e pelo Coletivo de Apoio aos Povos Yuhupdëh e Hupd’äh - CAPYH. Ao longo de dez anos de atuação nessa região amazônica assessorando o movimento indígena local (FOIRN), foram inúmeras as denúncias no combate ao proselitismo religioso, à péssima atenção à saúde prestada pela FUNASA e depois pela SESAI, contra as formas análogas à escravidão que acometem povos de recente contato, e às práticas dolosas de agências bancárias locais lesando correntistas indígenas, beneficiários de políticas de distribuição de renda. Face à omissão de socorro que causa a morte de centenas de crianças indígenas, aos números incalculáveis de suicídios de jovens indígenas, ao crescente racismo e discriminação contra indígenas aldeados que chegam à cidade, aos assassinatos e perseguições de lideranças, e à ameaça do avanço das mineradoras e “grandes obras” sobre as terras demarcadas temos consolidado uma redes de pesquisadores, lideranças e movimentos indígenas, profissionais de saúde, juristas, jornalistas, ONGs e coletivos para o enfrentamento das crescentes e graves situações de violações de direitos dos povos indígenas no país. Essa rede, que vem se consolidando sob o nome de Fórum Sobre Violações de Direitos dos Povos Indígenas, parte da necessidade de superarmos o isolamento, o faccionarismo, o tecnicismo, o academicismo e tantas outras dificuldades que vêm impedindo uma ampla e forte articulação SOCIALISTA contra os crimes e violações de direitos praticadas contra os povos indígenas em nosso país.



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2. Golpe e Esquerda Para qualquer consideração sobre os “caminhos da esquerda diante do golpe” é necessário repensar o que é o “GOLPE” e o que é a “ESQUERDA” no contexto dos ataques aos direitos dos povos indígenas e às crescentes violações de direitos humanos que atingem os cidadãos indígenas. Para os povos indígenas, o golpe não se inicia com o processo de impeachment de Dilma Roussef, nem com a “Ponte para o Futuro” do PMDB. O Golpe vem sendo dado há muito tempo e expande-se como um câncer. Expande-se como como o sopro do feiticeiro inimigo que faz o corpo apodrecer por dentro. No interior do próprio governo Dilma e, muitas vezes, pelas mãos do próprio poder executivo, os direitos constitucionais dos povos indígenas, frutos de centenas de anos de lutas de resistências e retomadas, começaram a ser barganhados e leiloados em troca de cargos, votos, recursos e desobstruções... No contexto da questão indígenas: GOLPE é desengavetar projetos da Ditadura Militar genocida e, sem qualquer diálogo, sem qualquer “consulta prévia e esclarecida” (Convenção 169-OIT) inundar roças até que só produzam fome e êxodo; GOLPE é matar os peixes que alimentavam as bocas, os mitos e as festas rituais; GOLPE é dizimar epidemias e privatizar o atendimento especial à saúde indígena; GOLPE é forjar estudos de impacto ambiental e submergir lugares sagrados de destino de espíritos e ancestrais. GOLPE é pregar, na CPI do INCRA e da FUNAI, a integração genocida e o fim das terras indígenas pela boca de um ministro da defesa do PCdoB, em troca de votos de ruralistas contra o impeachment na Câmara dos Deputados e do apoio das forças militares; Assim, entendo que o único caminho para uma contraposição de esquerda diante do golpe deve partir da AUTOCRÍTICA, prática talvez hoje em desuso em tempos de “Pragmatismo Político”. Uma esquerda que entenda os povos indígenas como um OBSTÁCULO à integração nacional; como um OBSTÁCULO às obras estratégicas estradas e hidrelétricas; como um OBSTÁCULO aos recursos de saúde, pelo dispêndio com uma saúde especial e multicultural; como um OBSTÁCULO à expansão do agronegócio e dos transgênicos - sempre lançará as bases para o genocídio fascista que hoje se escancara em discursos abertamente racistas de deputados da bancada ruralista e no cerne da “ponte para o futuro”. 3. Sônia Guajajara contra o Golpe “É diante do passivo que o Brasil tem para com seus povos originários. Está muito longe. E é por isso que nós não podemos permitir o retrocesso. Não podemos ficar olhando o golpe passar. Ficar assistindo, escrevendo uma página na história dizendo que nós fomos omissos. Nós não somos omissos. Nós sempre fomos muito corajosos. Coragem não falta. Quantas vezes nós fomos para o Congresso Nacional? Quantas vezes a gente entrou naquele

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congresso nacional? Ocupamos a plenária em 2013 para lutar contra a PEC 215? Nós ainda continuamos lutando contra ela. E eu volto a dizer, o governo precisa ser mais incisivo com sua base aliada para pedir o arquivamento da PEC 215. Ela é muito ofensiva para nós. Representa o genocídio dos povos indígenas. Nós não podemos permitir. A forma como tá hoje, nós vivemos ataques todos os dias dos três poderes da união. O que é que tem no EXECUTIVO? A paralização da demarcação das terras. Para nós é ruim isso. No JUDICIÁRIO, infelizmente, muitos dos ministros que estão lá estão aliados aos interesses do GOLPE e estão adotando uma postura anti-indígena em relação aos territórios dos povos indígenas, aos territórios dos quilombolas. E no LEGISLATIVO, uma pequena classe de ruralistas tentam a todo custo entrar, explorar, acessar os nossos territórios de qualquer jeito. E são exatamente esses aí que estão lutando todo dia contra nós é que estão querendo assumir agora. Querendo assumir o poder para pegar de vez esses territórios. É por isso que não vamos permitir isso. Não vamos nos calar. Não vamos entregar o poder nas mãos daqueles que estão ali todo dia lutando contra nós. Adotado medidas anti-indígenas de acesso e exploração da mineração em territórios indígenas. Que está ai lutando para legalizar o desmatamento na Amazônia. Construir mais hidrelétricas. Nós não podemos permitir mais isso. NÓS PRECISAMOS FAZER COM QUE O GOVERNO DE ESQUERDA DE FATO OLHE PARA O SEU POVO. NÓS ELEGEMOS FOI UM GOVERNO DE ESQUERDA. NÃO FOI UM GOVERNO PARA FAZER ALIANÇAS PARA PODER CONSTRUIR UMA GOVERNANÇA QUE AGORA ESTÁ RESPONDENDO. O que excedeu agora tá tendo a resposta. E para finalizar, eu só quero dar um recado. Um recado que me foi dado com muito carinho lá dos povos do Pará e falou isso: - Olha Sônia, se você tiver oportunidade de falar com alguma autoridade seja com o Lula, seja com a Dilma diga a eles que dê um passo atrás porque são as forças das águas, são as forças da natureza que estão reagindo contra eles. Eles precisam dar um passo atrás e repensar a forma de desenvolvimento. Nós temos que andar juntos respeitando os povos, respeitando a natureza, respeitando minha dignidade. TERRA, JUSTIÇA, LIBERDADE e DEMARCAÇÃO. Isso é a democracia. Muito obrigada!” 1(GUAJAJARA, Sônia. Discurso. Ato da Cultura pela Democracia. Acesso em: ) No Ato da Cultura pela Democracia (11.04.16), a FALA DURA de Sônia Guajajara dirige-se à ESQUERDA e Contra o GOLPE. Às suas costas estavam LULA, Leonardo Boff, Chico Buarque, Beth Carvalho dentre ountros ícones da esquerda. A FALA DURA da coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (APIB) aponta a paralização na demarcação de terras, as tentativas de invasão e exploração das T.Is., a PEC 215, hidrelétricas, os discursos anti-indígenas e o desmatamento como sérios ataques do EXECUTIVO, do LEGISLATIVO e do JUDICIÁRIO aos povos indígenas. Clamando a todos para a luta contra os retrocessos, Sônia da o “recado” de seus parentes do Pará. O “passo para trás”, as forças das águas, as forças da natureza que estão agindo contra LULA 1 GUAJAJARA, Sônia. Discurso. Ato da Cultura pela Democracia. www.youtube.com. Acesso em: .

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e DILMA soam como uma poderosa AUTOCRÍTICA cosmopolítica. Sem o arquivamento da PEC 215, sem o fim das hidrelétricas, sem a demarcação das terras indígenas é impossível um governo verdadeiramente de esquerda que olhe para seu povo e para os povos indígenas que o elegeram.

4. Ponte para o Futuro Segundo o CIMI, entre os anos de 2003 e 2014, 390 indígenas foram mortos no Mato Grosso do Sul em conflitos envolvendo a demarcação das terras dos Guarani-Kaiowa. Durante a visita da relatora da ONU, Victória Tauli-Corpus, para apurar denúncias de violências e violações de Direitos Humanos contra os povos indígenas no Brasil, duas lideranças indígenas sofreram atentados à bala. Uma das lideranças, Isael Reginaldo, ficou ferido com dez perfurações no corpo. Nos últimos momentos do governo DILMA, uma das terras reivindicadas pelos Guarani-Kaiowa foi finalmente homologada. Entretanto, a “PONTE PARA O FUTURO” de Temer ameaça “rever” a homologação dessa e das demais terras homologadas, numa atitude amplamente inconstitucional. O ex-presidente da FUNAI, João Pedro Gonçalves da Costa, pronunciou-se da seguinte forma quanto à homologação da terra Guarani Kaiowá: “Estamos assinando o relatório e publicando essa terra no dia de hoje. Será a última da minha gestão. Esse ato representa o compromisso da Funai e uma resposta à pressão anti-indígena daqueles que são contra o reconhecimento da tradicionalidade das terras do povo Guarani Kaiowá. Minha assinatura é a da Funai”. 2 Nos dois mandatos de Dilma, apenas 22 terras indígenas forma homologadas, sendo que quatro delas foram homologadas em maio desse ano. No primeiro mandato de LULA foram 66 terras homologadas e no segundo 21. Opondo-se veementemente às homologações recentes, a bancada ruralista apresentou a TEMER um documento intitulado “Pauta Positiva – biênio 2016/2017” no qual, além da revisão de terras indígenas e quilombolas homologadas e reconhecidas, propõem a readmissão de formas análogas à escravidão, o enfraquecimento do licenciamento ambiental e a superexploração da biodiversidade. O documento ecoa discursos racistas, plenos de ameaças aos povos indígenas como os proferidos pelos deputados federais Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Alceu Moreira (PMDB-RS). Em 2014, Heinze afirmou que “índios, quilombolas e gays” são “tudo o que não presta” e incitou a ação



“contra esses grupos étnicos, inclusive por meio de segurança privada”. Na época, o Ministério Público Federal (MPF) e a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul apresentaram representações contra os deputados por racismo e incitação ao crime. Atualmente, tramitam no poder legislativo 182 propostas anti-indígenas segundo a APIB. Em pronunciamento oficial, a relatora da ONU ressaltou que caso a PEC 215 seja

2 Fala de João Pedro Gonçalves da Costa citada por: BARROS, Ciro. A tensão indígena com a gestão Temer. El País (http://brasil.elpais.com/brasil/2016/05/21/politica/1463864670_330401.html). .



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aprovada “haveria poucas chances de as populações indígenas terem seus direitos a suas terras reconhecidos e protegidos”. Ela enfatizou também que os “povos indígenas jamais podem ser considerados obstáculos ao desenvolvimento”. No dia 8 de março, estava presente à sessão da Comissão de Direitos Humanos e Minorias a liderança indígena Rosane Kaingang. Pedindo a palavra, Rosane afirmou que o que “dói mais é a impunidade” ao relembrar o assassinato recente de uma criança de seu povo de apenas dois anos, degolada na cidade de Imbituba (SC) enquanto era amamentada pela mãe. Cientes do atual compromisso TEMER com a “ponte para o futuro” sabemos que os interesses representados pelo governo vão muito além da revisão inconstitucional das terras reconhecidas e homologadas. O compromisso anti-indígena pode ser percebido também na possível nomeação de um ruralista para a presidência da FUNAI, nos interesses de figuras importantes da nova gestão na mineração em terras indígenas, na sugestão do uso do exército para a resolução de conflitos de terra. Numa fala recente, a liderança indígena Sheilla Pankará chorou ao pensar em seus irmãos, todos lideranças, enquanto refletia sobre as ameaças representadas pelo Golpe quanto às terras e reivindicações indígenas.

5. Frente de guerra Face à questão proposta pelo encontro “Caminhos da Esquerda Diante do Golpe”, penso que seria importante que todos aqueles que agora começam a se erguer numa luta ampla em radical contra o fascismo representado pelo golpe “dessem um passo para trás” e vissem, como sugerido na autocrítica de Sônia, a fúria das águas represadas pelas hidrelétricas de Belo Monstro, Teles Pires, Santo Antonio, Jirau; a FÚRIA DO OURO CANIBAL que faz Eduardos Cunha visitarem o Alto Rio Negro na qualidade de lobistas de mineiradoras ávidas pelos metais preciosos das terras indígenas; as DEZ BALAS QUE FEREM o interlocutor da relatora da ONU como resultado da morosidade na demarcação, da impunidade e da “governança”. Num evento recente, ouvi de relatores da comissão da verdade (GT-Indígena) e lideranças indígenas Tupinikim, Guarani e Krenak, cujos pais foram torturados e assassinados nas fazendas Guarani e Krenak da Ditadura, a dificuldade que tiveram em incluir o relatório do GT-Indígena no extenso relatório entregue pela Comissão à presidenta. Por não se enquadrarem no perfil de “militantes políticos de esquerda ideologicamente orientados”, identidade que unia os comissionados e o argumento geral, os indígenas torturados, assassinados, violentados, deviam ser apresentados como algo “à parte por sua luta não ser política”. Ao enfatizar a radicalidade de sua luta, em Guarani, a senhora Marilza afirmava que sua luta era pela vida não apenas de seu povo, mas de todos os povos, uma luta pelos brancos que não sabem o que estão fazendo com as pessoas, com os rios, com as matas. Lembrava de seu irmão que morreu durante a remoção de sua família da aldeia para a fazenda de confinamento. Sua luta era a luta de toda a família, adultos, crianças, homens, mulheres, a luta radical daqueles que contrapõem suas vidas e seus modos de vida contra o CAPITALISMO CANIBAL. Gostaria de concluir com algumas palavras de uma grande

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liderança Yanomami que parecem delinear rastros para que a ESQUERDA pise caminhos transformadores tanto nas FLORESTAS DE CRISTAL, quanto nas SELVAS DE PEDRA, erguendo flechas certeiras e palavras duras contra inimigos que não param de proliferar. Gostaria de concluir essa fala com as palavras do grande xamã: Davi Kopenawa: Nós somos bem diferentes. O povo da terra é diferente. Napë, o não índio, só pensa em tirar mercadoria da terra, deixar crescer cidade... Enquanto isso o povo da terra continua sofrendo. Olha aqui em volta [aponta para território Yanomami ao sul de Boa Vista, o qual estávamos atravessando], tudo derrubado. Fazendeiro desmata para criar boi, vender pra outros comer e ele ganhar dinheiro. Aí pega dinheiro e continua desmatando, criando boi, abrindo mais fazendas... Napë só pensa em dinheiro, em botar mais madeira ou o que for pra vender, negociar com outros países. Nós pensamos diferente. A beleza da terra é muito importante pra nós. Do jeito que a natureza criou tem que ser preservado, tem que ser muito cuidado. A natureza traz alegria, a floresta pra nós índios é muito importante. A floresta é uma casa, e é muito mais bonita que a cidade. A cidade é como papel, é como esse carro aí na frente: branco, parece um papel jogado no chão. A floresta não, a floresta é diferente. Verde, bonita, viva. Fico pensando... por que homem branco não aprende? Pra que vão pra escola? Pra aprender a ser destruidor? Nossa consciência é outra. Terra é nossa vida, sustenta nossa barriga, nossa alegria, dá comida é coisa boa de sentir, olhar... é bom ouvir as araras cantando, ver as árvores mexendo, a chuva. (KOPENAWA, Davi. Entrevista. In. BOCCINI, Lino. Davi Kopenawa Yanomami pouco conhecido em seu próprio país, ele é a mais respeitada liderança indígena brasileira. Revista Trip (http://revistatrip.uol.com.br/trip-tv/davi-kopenawayanomami#16). ).



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