SEMINÁRIO: \"Justiça: o que é fazer a coisa certa\" de Michael J. Sandel - Capítulo 3: “Somos donos de nós mesmos? / A ideologia libertária”

May 26, 2017 | Autor: A. Marinho de Souza | Categoria: Liberalismo, Justicia Michael Sandel, Michael J. Sandel, Filosofia
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Robert Nozick, Anarchy, State and Utopia (Nova York, Basic Books, 1974), p. ix
Ibidem, pg.169
(feita por aqueles que são favoráveis a redistribuição de renda e consideram a desigualdade econômica uma injustiça)
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA




SEMINÁRIO
Texto: Justiça: o que é fazer a coisa certa de Michael J. Sandel
Capítulo 3: "Somos donos de nós mesmos? / A ideologia libertária"




Expositora: Ana Carolina Marinho de Souza
nº USP: 9882088


São Paulo
2016
PARTE PRIMEIRA
A DESIGUALDADE ECONÔMICA E A CONCENTRAÇÃO DE RENDA (§1 - §3):

A1. A revista Forbes publica anualmente uma lista com os quatrocentos americanos mais ricos;
A2. Bill Gates, fundador da Microsoft, manteve-se por mais de dez anos no topo da lista;
A3. Listados juntos a Gates estão magnatas, grandes proprietários e investidores;
A4. Sandel ilustra a desigualdade econômica na população americana, tal como a concentração em uma pequena parcela, no trecho: "(...) mais de um terço da riqueza do país está nas mãos de 1% dos americanos mais ricos, mais do que a riqueza dos 90% menos favorecidos junta. Os 10% de lares no topo da lista representam 42% de toda a renda e mantêm 71% de toda a riqueza." [pg. 77] ;
A5. "A desigualdade econômica é mais exorbitante nos Estados Unidos do que nas outras democracias" [pg. 77];
A6. Diante da desigualdade econômica, há quem veja essa situação como injusta e defenda a taxação do rico para o auxiliar o pobre. E há aqueles que crêem que a desigualdade não é injusta, por se tratar do resultado de escolhas feitas em uma economia de mercado.
O UTILITARISTA E A DESIGUALDADE ECONÔMICA (§4 - §7):

B1. "Se você acha que a justiça é a maximização da felicidade, provavelmente apoiará a redistribuição de renda" [pg. 77];
B2. A exemplo, se retirassem 1 milhão de dólares da fortuna de Gates para dividir entre 100 pessoas necessitadas, teria-se uma grande felicidade por parte dos que ganharam o dinheiro e isso pouco pesaria no saldo do bilionário;
B3. Lógica utilitarista;
B4. Duas objeções ao "modelo Robin Wood":
altos impostos não distribuem mais renda: a objeção primeira foca-se no fato de que o intuito do utilitarista (distribuir parte da renda dos mais ricos através da taxação) poderia não ser concretizado em sua melhor forma porque este incentiva o declínio da produtividade e acaba por diminuir o bolo econômico.
há o direito fundamental a liberdade: a objeção segunda parte de um princípio libertário, o direito fundamental a liberdade. O argumento consiste em afirmar que a medida da taxação de impostos é coercitiva e não respeita a liberdade dos ricos de fazerem o que quiserem com as suas fortunas, assim, coibindo sua liberdade.

O LIBERTÁRIO, O ESTADO MÍNIMO E A LIBERDADE DE ESCOLHA (§8 - §16):

C1. "Os libertários defendem os mercados livres e se opõem a regulamentação do governo, não em nome da eficiência econômica, e sim em nome da liberdade humana" [pg. 78];
C2. O direito fundamental a liberdade como princípio;
C3. "Se a teoria libertária dos direitos estiver correta, muitas atividades do Estado moderno são ilegítimas e violam a liberdade" [pg. 79];
C4. A teoria libertária dos direitos só se faz possível dentro de Estado mínimo;
C5. O Estado moderno detém de três diretrizes contrárias ao que buscam os libertários:
leis que protegem as pessoas de si mesmas (ex.: o uso de cinto de segurança obrigatório)
legislação a qual contenha noções de virtude ou convicções morais da maioria (ex: a prostituição e o não ser heterossexual)
leis coercitivas que tem o intuito de obrigar pessoas a ajudarem a outras economicamente (ex.: os programas de assistência social)
C6. "A filosofia libertária não se define com clareza no espectro político" [pg. 80];
C7. 1980: Margaret Thatcher e Ronald Reagan (retórica antigovernamental e pró-mercado);
C8. Teoria libertária em oposição ao Estado de bem-estar social;
C9. Friedrich A. Hayek, em "The Constitution of Liberty" (1960), argumentou que a tentativa de construir uma sociedade sem desigualdade econômica teria como resultado a coação e destruição de uma sociedade livre;
C10. Milton Friedman, em "Capitalism and Freedom" (1962), "argumentou que muitas atividades estatais amplamente aceitas são infrações ilegítimas da liberdade individual" [pg. 80]. A exemplo, a previdência social. Segundo o autor, essa privaria o cidadão da escolha de gozar o presente e viver uma velhice mais parca de recursos. Privação essa que, na opinião de Milton, não temos o direito de fazer;
C11. Friedman da mesma forma se posiciona contrário a regulamentação de um salário mínimo pelo governo e contrário a leis que impedem a discriminação no mercado de trabalho. Segundo ele, a regulamentação do valor do salário cabe a relação entre empregador e empregado, em que ambos entram em um acordo, um contrato onde o valor proposto é aceito. As leis contra a discriminação no mercado de trabalho, como aponta Friedman, interferem na liberdade individual. Essas, assim como o salário, dizem respeito apenas ao empregador e o empregado, não deveriam ter a interferência do Estado;
C12. O autor de "Capitalism and Freedom" também aponta as exigências para o exercício de uma profissão como uma interferência a liberdade de escolha de cada um. A exemplo, se houver alguém interessado em operar o apêndice por baixo custo, poderia escolher um médico sem diploma para fazê-lo. Segundo Friedman, o Estado não tem competência para proibir esse alguém de fazer a cirurgia.

PARTE SEGUNDA

ROBERT NOZICK E O LIVRE-MERCADO (§17 - §22):

A1. Robert Nozick, em "Anarchy, State and Utopia" (1974), defende filosoficamente os princípios libertários e questiona o papel e a "utilidade" do Estado;
A2. Nozick legitima o modelo de Estado mínimo, como aponta o trecho: "apenas um Estado mínimo, limitado a fazer e cumprir contratos e proteger as pessoas contra a força, o roubo e a fraude é justificável. Qualquer estado com poderes mais abrangentes viola os direitos dos indivíduos de não serem forçados a fazerem o que não querem, portanto, não se justifica. " ;
A3. A proposta "Robin Wood" de taxar o rico para auxiliar o pobre, para Nozick, é uma coação e viola o direito do rico de fazer o que bem entender com a sua fortuna;
A4. Como Hayek e Friedman, Nozick não vê nada de errado com a desigualdade econômica;
A5. O autor de "Anarchy, State and Utopia" destaca que o que importa é como a distribuição de renda é feita. "Ele argumenta que a justiça distributiva deve atender a duas condições – justiça na aquisição das posses e justiça em sua transferência. " [pg. 82];
A6. "Contanto que ninguém inicie sua fortuna com ganhos ilícitos, qualquer distribuição resultante do livre mercado é justa a despeito de, no final, ela parecer igual ou desigual" [pg. 82];
A7. Nozick admite que é de fato um trabalho difícil apurar se uma fortuna teve ou não seu princípio ilícito. Ele aponta que, se for revelado e provado – por exemplo – que a fortuna atual de determinada pessoa foi fruto de injustiças passadas (como a escravidão de negros ou a expropriação de índios), seria o caso de "corrigir" essa injustiça através da política de taxações. O autor deixa claro que essas taxações não teriam como objetivo propiciar a equidade econômica, mas sim de ser uma compensação da injustiça passada.

ROBERT NOZICK E A FORTUNA DE MICHAEL JORDAN (§24 - §31):

B1. Sandel substitui o Wilt Chamberlain do exemplo de Nozick por Michael Jordan, jogador mais conhecido atualmente;
B2. O exemplo da fortuna de Michael Jordan:
parte-se de uma distribuição inicial equânime de renda (todos detém do mesmo capital inicial)
há o início da temporada de basquete e os interessados depositam cinco dólares em uma caixa para obterem seus ingressos
todo o dinheiro da caixa vai para Jordan
muitas pessoas tiveram interesse e a caixa se encheu, no final da temporada Jordan detém de 31 milhões de dólares
o capital de Jordan é superior ao de qualquer outra pessoa
"a nova distribuição partiu de escolhas inteiramente voluntárias" [pg. 83]
B3. A situação hipotética traz à tona dois problemas da justiça distributiva:
as taxações interferem no livre mercado para eliminar efeitos das escolhas feitas pelos indivíduos
as taxações não respeitam a liberdade de Jordan de fazer o que quiser com seu dinheiro e, contra sua vontade, o forçam a contribuir
B4. "A taxação dos rendimentos do trabalho é o mesmo que o trabalho forçado";
B5. Nozick entende que, ao coletar parte do salário do indivíduo (taxações), o Estado coleta parte do seu tempo trabalhado e, é claro, parte do trabalho. O tanto de trabalho realizado que tem seu valor coletado pelo Estado, é visto, então, como trabalho forçado. Isso ocorre porque o valor da taxação é retirado contra a vontade do indivíduo e é fruto do seu trabalho;
B6. "E se o Estado me forçar a trabalhar para ele, está essencialmente declarando o seu direito de propriedade sobre mim" [pg.84];
B7. Os libertários creem-se donos de si mesmos e, portanto, donos de seu tempo, trabalho e dos frutos de trabalho. Ao Estado declarar que possui parte do seu salário, este também declara que é parcialmente seu proprietário;
B8. A lógica libertária relaciona, portanto, a taxação (o Estado coletando parte do salário), o trabalho forçado (a posse da força de trabalho) e a escravidão (quando há um outro impossibilitando que se tenha a posse de si).

PARTE TERCEIRA

OBJEÇÕES A LÓGICA LIBERTÁRIA (§32 - §47):

A1. Se o Estado não pode forçar, por exemplo, Jordan a jogar por um terço da temporada, que direito ele tem de força-lo a contribuir com um terço de seu salário?;
A2. A primeira objeção à lógica libertária apontada por Sandel reside sobre a relação feita entre taxação e trabalho forçado. A objeção aponta que, inserido em um contexto de trabalho forçado, o indivíduo não tem escolhas a fazer. No entanto, no que confere a taxação, este pode escolher trabalhar menos para contribuir menos. A resposta libertária a esta primeira objeção concorda com a situação descrita mas questiona o direito do Estado de forçar o cidadão a fazer essa escolha. Para ilustrar, há uma analogia entre o estado e um ladrão que pode roubar-lhe uma quantia em dinheiro ou uma televisão (no caso da televisão há a possibilidade de escolha, entre gastar ou não o dinheiro para a aquisição de uma nova);
A3. A segunda objeção à lógica libertária argumenta que o pobre necessita mais do dinheiro e, portanto, deve-se taxar o rico para que haja auxílio. A resposta libertária a essa objeção diz a taxação como um roubo, por não consultar a vontade do indivíduo. Além disso, propõe que a melhor solução seria convencer os ricos de doarem parte de suas fortunas, fazendo isso por vontade própria e não por imposição. Para ilustrar, há uma analogia que supõe um paciente que precisa de um rim (como o pobre, que necessita de auxílio monetário) e um homem saudável que tenha a possibilidade de lhe doar um rim (como o rico, que possui sua fortuna). O Estado ou ninguém pode obrigar o homem sadio a doar seu rim ao necessitado, mas se este quiser, será de muito bom grado que o faça;
A4. A terceira objeção à lógica libertária diz que Jordan não joga sozinho, depende de uma equipe, de companheiros e de treinadores. Portanto, este deveria parte do seu ganho com o sucesso a estes que lhe auxiliaram. A resposta libertária a esta terceira objeção propõe que, de fato, Jordan não chegaria onde chegou sozinho. Entretanto, as pessoas que no curso de seu sucesso o auxiliaram e instruíram foram pagas e assinaram contratos concordando com o valor recebido. Dessa forma, não há motivos para que Jordan lhes deva algo;
A5. A quarta objeção à lógica libertária propõe que Jordan, como cidadão de uma democracia, tem voz ativa para interferir nas leis que dizem respeito a taxação e, ao não interferir nestas, está se dizendo consciente de sua contribuição ao Estado. A resposta libertária a esta objeção afirma que "consentimento democrático não é suficiente" [pg. 88]. Dentro de uma democracia pautas são votadas e acatadas ou não a depender do voto de uma maioria. Se, por exemplo, Jordan tivesse votado contra a taxação e mesmo assim a lei fosse aprovada, não se poderia dizer que Jordan consentiu a taxação;
A6. A quinta objeção, mais difícil de ser refutada pelos libertários, afirma que "Jordan é um cara de sorte" [pg. 88]. O jogador de basquete deu sorte de ser talentoso e reconhecido, portanto, não pode reivindicar créditos por essas condições que independem do seu esforço. Dessa forma, ele não tem o direito moral de deter dos frutos de seu sucesso e é justo que seja taxado em nome do bem público. A resposta libertária demonstra que ao entender que Jordan não tem direito a receber os frutos do seu talento, se entende ele não o possui realmente. Dessa forma, se Jordan não possui o que é seu, ele não é dono de si. Se ele não é dono de si, quem o é?

SER DONO DE SI (§48 - §64):

B1. A ideia do homem como dono de si traz consigo a ideia do homem como dono de seus direitos, seu corpo, sua vida, seu salário e de todos seus bens;
B2. No exemplo do trem, seria contra o direito à vida do homem corpulento a atitude de lança-lo a fora do trem. Entretanto, se este assim fizesse por vontade de dar cabo a sua vida para salvar aos outros, que mal teria? Não estaria ele exercendo seu direito a vida? Sendo dono de si?
B3. Mesmo quem repudia a economia do laissez-faire acaba por reivindicar, em alguns momentos, a ideia de ser dono de si;
B4. Temas como o aborto e uso de métodos contraceptivos, o adultério, a prostituição, a sexualidade, o suicídio e o comércio de órgãos são espaços em que, mesmo os defensores do Estado de bem-estar social, acabam por defender ideias libertárias;
B5. A relação entre ser dono de si e a liberdade de escolha;
B6. Para melhor ilustrar o conceito de "ser dono de si", levantado pelos libertários, Sandel propõe três exemplos:
A venda de órgãos: partindo do cerne libertário de que o homem é dono de si mesmo, é conveniente afirmar que este é igualmente dono de seu corpo. Dessa forma, segundo a visão libertária, ele pode vender seus órgãos quando e quantos desejar, independente dos fins que serão dados pelo comprador. A maioria dos países no mundo proíbe o comércio de órgãos e apenas autoriza a sua doação em casos em que não haverá grande prejuízos ao doador (a). Aqueles que defendem a legalização do comércio de órgãos, o fazem sob a alegação de que pessoas morrem esperando implantes e se o comércio existisse mais vidas seriam salvas. Embora partam do princípio do "ser dono de si mesmo", não detém de uma atitude completamente libertária. Como afirma Nozack, ser dono de seu corpo diz respeito a determinar o que será feito com este. Os defensores do comércio de órgão, certamente, não se mostrariam favoráveis a uma situação onde um homem com rins saudáveis, vende um deles e o seu comprador não tem interesse em transplantá-lo, mas sim em tê-lo por motivos fúteis. "O que importa não é o propósito e sim o direito de dispor do que lhe pertence como você quiser". Dessa forma, ser favorável apenas à venda de órgãos para transplantes não poderia ser sustentado por premissas libertárias.
O suicídio assistido: Sandel inicia o exemplo com a figura do Dr. Morte, famoso por defender o suicídio assistido nos EUA na década de 1990 e por "ajudar" mais de 130 pessoas a dar cabo a própria vida. O direito ao suicídio assistido tem parte de sua base argumentativa na ideologia libertária: o homem detém da posse de sua vida, portanto o mesmo pode pôr um fim nesta ou contratar alguém que o faça – sem que o Estado interfira nisso. No entanto, muitas pessoas que defendem o direito ao suicídio assistido pensam em dignidade e compaixão. No caso de pessoas com doenças em estado terminal, ou quaisquer outras enfermidades que causem constante e insuportável dor, caberia ao dever de preservar a vida abrir uma brecha a dignidade e compaixão. Sendo assim, os argumentos favoráveis ao suicídio assistido por compaixão e os argumentos libertários são bem distintos. Um libertário, por exemplo, seria favorável ao suicídio assistido em casos que não há enfermidade ou doença terminal.
O canibalismo consensual: Sandel propõe o exemplo do Canibal de Rotenburg, que anunciou na internet que procurava alguém disposto a ser morto e, posteriormente, comido. O canibal teve diversas respostas afirmativas em seu anúncio e um homem, Brandes, aceitou de fato a proposta. Brandes foi morto, esquartejado, congelado e comido. Quando descoberto o caso, o júri teve dificuldades no julgamento, já que na Alemanha não há nenhuma lei contra o canibalismo consensual. Inicialmente fora dada a prisão por "morte por encomenda" (com pena de no máximo cinco anos) mas depois, por júri popular, houve a sentença de prisão perpétua. "O canibalismo consensual entre adultos representa o teste definitivo para o princípio libertário da posse de si mesmo pelo indivíduo e da idéia de justiça dele decorrente. "[pg. 94]. A única forma de justificar uma ação como essa seria afirmando que o homem é dono de si mesmo e, se este argumento libertário estiver correto, proibir o canibalismo seria uma violação de um direito fundamental. Então, segundo princípios libertários, da mesma forma que o Estado não poderia prender o canibal, não poderia taxar Gates e Jordan para ajudar os pobres.









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