Seminário sobre a Teoria AtorRede e “Introdução”. In: Reagregando o Social: uma introdução à teoria do atorrede (Bruno Latour) Disciplina: Antropologia e Teoria Social Contemporânea (IFCHUnicamp) Em “Reagregando o Social”, estamos diante de uma nova proposta teórica de abordagem do social. Este que, em suas novas configurações, parece a Latour, exigir uma abordagem em novos termos e com novos conceitos. Foi, portanto a necessidade de uma nova teoria social ajustada aos estudos, sobretudo, de ciência e tecnologia, que se originou a TAR. Latour é levado à Teoria AtorRede a partir de sua identificação: 1. Primeiro: da ineficácia da proposta ontológica moderna que distingue natureza cultura / sujeitoobjeto. 2. Segundo: de que a modernidade acima de tudo foi responsável pela proliferação de uma grande quantidade de híbridos: quasesujeitos e quaseobjetos. Essa ideia, inclusive, é a mesma que dá o tom de "Jamais Fomos Modernos" (2009). Isto é, na sua tentativa de ser moderno, o ocidente da modernidade nunca concretizou a distinção sujeitoobjeto, que é base de sua ontologia. Na melhor das hipóteses, tão somente delineou essas entidades híbridas: quasesujeitos / quaseobjetos. A grande contribuição dos teóricos da TAR está em propor, partindo dessas entidades híbridas (quasesujeitos, quaseobjetos) e de uma outra ontologia, de forma plana (que rompe com as dicotomias sujeitoobjeto, naturezacultura, ciênciasociedade). Uma teoria que percepciona estas entidades híbridas (que são coisas, objetos em geral, leis, inovações científicas, etc.; humanos e não humanos) como "actantes que formam (e se formam em) redes". Essa é o que podemos enxergar como distinção mais básica entre uma tradicional "sociologia do social" e uma "sociologia das associações" (ou da mobilidade). Nessa introdução: Latour aponta essas duas formas de sociologia como abordagens fundamentais, que partem de pressupostos distintos e de origens teóricas distintas. 1. Em uma: o social e a sociedade são tomados como explicação dos fenômenos (tanto sociais quanto de outras disciplinas, como economia, geografia, artes, etc.). A ideia é a de que vamos estudar e compreender o “contexto social” ou a “estrutura social”, ou ainda os “fatores sociais” que levam a este ou àquele fenômeno; ou seja, insiste em uma explicação social de um fenômeno. Aqui, estamos falando de uma sociologia de inspiração claramente
durkheimiana, versão que se tornou a posição padrão no pensamento sociológico, cuja ideia que leva em conta é a de que: Existe um "contexto" social em que ocorrem atividades não sociais; ele é, portanto, uma esfera especifica da realidade; pode ser usado como um tipo especial de causalidade para explicar os aspectos que escapam a outros domínios (psicologia, direito, economia etc.) E qual seria a maior consequência disto, segundo Latour? Como os agentes comuns estão sempre sendo entendidos como "dentro" de um mundo social que os abrange, eles podem, na melhor das hipóteses, tão somente nos "dar informações" sobre esse mundo cujo efeito total só seria percebido pelos olhos mais disciplinados de "nós", cientistas sociais. 2. Em contraponto, na outra abordagem: é o social o que é explicado, um social que está em constante mudança, por meio de inovações que alteram os fenômenos sociais. Isso quer dizer que não existe ordem social, contexto social ou força social. Portanto é cair na ideia de que a sociedade, nesses termos, não existe. Contudo, o social deve ser entendido como associações entre elementos distintos, “um tipo de conexão que não são em si mesmas sociais”. É seguindo este aspecto da abordagem que Latour e os outros teóricos da TAR resgatam a sociologia de Gabriel Tarde. Se, na primeira abordagem, toda atividade (direito, ciência, tecnologia, religião, política, etc.) podia relacionarse e ser explicada pelos mesmos aspectos sociais supostamente existentes por trás dela; nessa segunda versão, não há nada subjacente às atividades, embora elas possam ser agrupadas de modo a produzir uma sociedade (ou não). As entidades com que Tarde trabalha não são pessoas, mas inovações. São mudanças dotadas de vida própria. *
A TAR, partindo dessas influências: mostra como o social, por exemplo, constróise no próprio desenvolvimento das ciências e das técnicas. O que ele quer dizer, portanto, é que não é possível que separaremos: questões econômicas, simbólicas, institucionais, jurídicas de questões ditas "científicas". Elas estão em constantes processos de associação. E aqui: associação é um termo chave (assim como tradução, mobilidade, inconstância). Pois é nela que está o enfoque de uma teoria atorrede, que levando em conta todos os seus pressupostos teóricos. Não se trata de uma teoria sobre "o ator na rede" ou "da rede no ator" (como se ator correspondesse a individuo e rede à sociedade), pois aqui ator é
rede e rede é ator ,e ambos são mediadores de associação. O hífen do termo inclusive é uma forma encontrada de sair de uma discussão que busca entender de que lugar se fala sobre os fenômenos sociais. 1. da agência, do micro, do individual? 2. da estrutura, do macro, do contexto, do fundo? Para além dessa discussão vista com improdutiva, uma teoria atorhífenrede aponta para a mobilidade (não para a imobilidade); aponta para a circulação (não para um polo ou outro de ação). Tratase de uma redefinição do social, e esse é o foco do problema: Já que nem a sociedade é estável e nem a ciência, portanto, o objeto e a metodologia das Ciências Sociais precisam passar por uma nova roupagem Veja que "social" aqui é entendido como movimento de reassociação e reagregação
(ou seja, está longe de ser algo estável!). É seguindo este sentido, portanto, que podemos falar em uma "sociologia da mobilidade". Mobilidade entendida como formação das associações, dos movimentos de conexão e desconexão, da comunicação e da não comunicação das coisas Uma sociologia como essa se torna relevante, quando adentramos nas mudanças trazidas pela inovação tecnológica ou até mesmo em questões de grupo (para entender os limites e suas fronteiras) e notamos que uma tal "sociologia do social" não dá conta de perceber as associações existentes nem a sua mobilidade. * Para a TAR, precisamos perceber as amarrações existentes entre humanos e não humanos, que aqui estão sob o mesmo plano e são vistos como igualmente capazes de gerar significados: isto é, são actantes. Estão sempre se fazendo e se desfazendo como redes; e o entendimento de redes está relacionado à ideia de que existem vários fios que nos conectam, sem necessariamente formar uma unidade, mas sim um processo contínuo de associações. Isso quer dizer que, um actante (humano ou nãohumano). é um mediador constituído
anteriormente por condições específicas e que, ao se relacionar com outros, vai produzir novas condições de existência, novas condições associativas Por essa razão, as redes estão longe de serem algo como infraestruturas por onde passam as coisas: são o próprio movimento de associação pela mediação ou tradução Nesse sen do, uma teoria como a TAR afasta-se de tudo que é fixo: essências, estruturas, sistemas unificadores, paradigmas, etc. A sua ontologia é uma que define o ser
não pela substância, mas pelos seus movimentos de subsistência. O seu objetivo é pensar a mobilidade da agência (da ação). O social como é aqui entendido não é nem agência, nem estrutura, mas uma "entidade em circulação". O analista deve seguir a ação, seguir os actantes que se apresentam em formatos variados. A melhor forma de apontar a circulação é pela valorização dos actantes através da descrição dos seus rastros. * Consequentemente a atenção estará no fluxo, no movimento, na formação e no esfacelamento das associações ● o técnico nunca é apenas técnico ● o científico nunca é apenas científico ● o social nunca é apenas social ● o natural muito menos Essas definições restritivas são formas fixas de tomar algumas consequências como causas (ou seja tomar a estrutura ou a agência como causa, quando na verdade, são consequências) A proposta então é que, saindo da oscilação estrutura-agência/agência-estrutura: podemos situar o debate naquilo que circula. Não é que estruturas e agências não existam. Mas para a TAR elas são apenas consequências temporárias das associações, nunca suas causas.
Por exemplo: um objeto técnico (como o smartphone) é sempre resultado temporário de uma estabilização. Isso quer dizer que ele é um evento estabilizado de outras redes: de redes que o formam (redes de laboratórios, estratégias empresariais, ideologias governamentais e visões de mundo dos utilizadores) e de redes que o mantem em funcionamento (distribuição, energia, publicidade, os próprios usuários). No entanto nada disso está determinado, pois sua essência se definirá no momento mesmo de sua associação a outros objetos (humanos e nãohumanos) formando novas redes O objeto estabilizado (essa caixapreta) agirá de acordo com associações específicas, sendo que essas redes serão componentes a serem levados em consideração na analise, mas não as causas essenciais de seu comportamento sempre em qualquer lugar. Se estamos presos às estruturas, ou ao local, ou ao global, ou ao micro ou ao contexto pouco se acrescentaria ao que já se sabe, ao que está estabilizado. Isso não abriria caixaspretas e apenas reforçaria esteriótipos, e então perderíamos o movimento
O mais interessante é: ver a circulação das agências, as mediações que podem depois se "ecaixapretarem" em estruturas ou indivíduos, em sujeitos ou objetos, em local ou global, mas mesmo assim, provisoriamente (pois nada é estável!). Enquanto a sociologia do social toma a consequência como causa (estrutura, micro, macro, contexto), a TAR, enquanto uma "associologia", inverte a polaridade e se preocupa mais em olhar as mediações entre tudo aquilo que produz ação, inscrição, tradução, circulação das coisas e o que se forma nessa relação: as redes, isto é o espaçotempo. Dizer que sociedade é uma entidade em circulação nada mais é do que dizer que sociedade é rede se fazendo e se desfazendo a todo momento. * Um outro aspecto relevante é que todos os conceitos e pressupostos teóricos da TAR insistem no tensionamento do espaço e do tempo Desta forma: espaço = movimento de mediação = associação de coisas e de lugares = rede tempo = produzido pela relação entre as coisas, pela dinâmica de constituição = rede Um objeto (qualquer que seja ele) é, portanto, sempre uma rede que estabiliza um agregado heterogêneo de soluções científicas e técnicas, de materiais, de processos de épocas e temporalidades diferentes. Se voltamos ao mesmo exemplo do smartphone, no entanto pra tentar agora identificar de onde vieram as peças e entidades que o compõem, de que tempo e de que lugares são: encontraremos os mais diferentes lugares/espaços e processos de tempo cristalizados em um um único objeto. A natureza do plastico (toda industria petroquímica por trás, circuitos eletrônicos, trabalho de engenheiros, as antenas colocadas para captar ondas de radio que o tempo inteiro nos envolve invisivelmente, as lentes que permitem ao objeto fazer fotos e videos, o desenho do aparelho, o estoque de energia antecipando o tempo futuro de uso na bateria, as leis e concessões do Estado que permitem fazêlo funcionar, as empresas que dão garantia de conserto, o mercado que o fará consumilo). Ele estabiliza espaço e tempo diferenciados (mas provisoriamente!) Espaço e tempo são consequências das associações e a associação só acontece no agenciamento. Assim, qualquer acontecimento histórico pode ser visto como multitemporal, remetendo ao passado, ao contemporâneo e ao futuro simultaneamente A ideia da TAR é escapar das formas hegemônicas de explicação do social, que se constroem a partir de concepções "prescritivas" do espaço e do tempo. Aqui, pelo contrário,
espaço e tempo passam a fazer parte do que se constitui na circulação. Mais do que explicar os fenômenos tendo como causa a sociedade/o social. O social aqui: é o que emerge das associaç ões, das redes
Sobre o analista, para Latour: este deve tentar seguir o social nas associações que se fazem em determinado momento e lugar, isto é, seguir os actantes que se apresentam nos formatos mais variados, apontando a circulação pela valorização dos actantes, ou melhor, pela descrição dos rastros que eles mesmos apontam. Mas as identificar e apreender tais rastros dependem intimamente do olhar atento do pesquisador. Mas identificados os rastros (ou indícios de ações): eles podem ser articulados pelo pesquisador num relato, textual ou imagético, a fim de mapear os actantes mobilizados nas associações em questão. É esse mapeamento o método por excelência de que os autores da TAR chamam Cartografia de Controvérsias. [...] Referências:
LATOUR, B. Reagregando o Social: uma introdução à teoria do atorrede. Salvador: Edufba; Bauru: Edusc, 2012, 400 p. LEMOS, André. A comunicação das coisas: teoria ator-rede e cibercultura. São paulo, Annablume, 2013 (Coleç ão ATOPOS)
165166 Bruno Campelo
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