Semiótica, Cultura e conhecimento químico

May 28, 2017 | Autor: Waldmir Araujo Neto | Categoria: Semiotics, Organic Chemistry, Culture
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G616 Gois, Jackson Epistemologias e processos formativos em ciências e matemática/Jackson Gois (org.). Jundiaí, Paco Editorial: 2015. 268 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-462-0006-1 1. Saber 2. Docência 3. Ciência 4. Matemática. I. da Silva, Jackson Gois.

CDD: 510 Índices para catálogo sistemático: Epistemologia Matemática

121 510 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi feito Depósito Legal

Sumário Prefácio do livro Epistemologias e processos formativos em ciências e matemática

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Osvaldo Pessoa Jr.

CAPÍTULO 1 Saberes docentes relacionados à linguagem mobilizados por futuros docentes

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Fernanda Cátia Bozelli Roberto Nardi

CAPÍTULO 2 Epistemologia, interdisciplinaridade e ensino de matemática

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Harryson Júnio Lessa Gonçalves Célia Maria Carolino Pires Deise Aparecida Peralta

CAPÍTULO 3 Educação ambiental, epistemologia ambiental e ontologia: Um convite ao debate.

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Edilson Moreira Oliveira Marcos Serzedello

CAPÍTULO 4 Reconhecimento de padrões, generalização e justificação em matemática.

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Ana Lúcia Braz Dias

CAPÍTULO 5 Semiótica, Cultura e conhecimento químico Waldmir Nascimento de Araujo Neto

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CAPÍTULO 6 Análise praxeológica do conhecimento matemático-idático do professor: O caso do multisseriado 163 Reginaldo da Silva José Messildo Viana Nunes Renato Borges Guerra

CAPÍTULO 7 A teoria social de Jürgen Habermas e suas possibilidades para o ensino de ciências e matemática

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Deise Aparecida Peralta João Ricardo Neves da Silva Harryson Junio Lessa Gonçalves

CAPÍTULO 8 A formação do professor de matemática e a educação para a diversidade cultural: um olhar sobre os projetos pedagógicos dos cursos de licenciatura em matemática Ana Clédina Rodrigues Monteiro Laurizete Ferragut Passos

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Prefácio do livro

Epistemologias e processos formativos em ciências e matemática Osvaldo Pessoa Jr. Depto. de Filosofia – FFLCH – USP

Epistemologia é o estudo de como se dá o conhecimento, em oposição à ontologia, que é o estudo de como as coisas são. No conteúdo do ensino de ciência, a preocupação principal é com a ontologia, ou seja, com a natureza das coisas, como a estrutura do átomo, os mecanismos da evolução biológica, a formação da Lua, etc. Na matemática, analogamente, aprendemos teoremas da geometria plana, propriedades da função logaritmo, etc. Porém, como esses conteúdos foram descobertos? Como eles são apropriadamente justificados? A resposta a tais questões epistemológicas são relevantes para a questão educacional de como se deve ensinar ciência e matemática. Neste livro, diversos autores refletem sobre a natureza do conhecimento científico e matemático, traçando conexões com a filosofia, a linguagem, o contexto social, o meio ambiente, a interdisciplinaridade, a tecnologia, a semiótica e a cultura em geral. Diversas teorias educacionais são analisadas ou utilizadas, de forma que o livro serve também como introdução ao pensamento de Lev Vygotsky, Jürgen Habermas, Ernst Cassirer, Yves Chevallard, Edgar Morin, Martin Heidegger, György Lukács, Enrique Leff e Hilton Japiassu. Na matemática, são explorados os temas da interdisciplinaridade, reconhecimento de padrões, transposição didática, projetos pedagógicos e a teoria do agir comunicativo. No ensino de ciências, são estudados o saber comunicar, a epistemologia ambiental e a semiótica na química.

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Fernanda Bozelli & Roberto Nardi abrem o volume com uma exploração dos diferentes saberes envolvidos na Educação em Ciências, destacando o saber comunicar como habilidade essencial do educador. Harryson Gonçalves, Célia Pires & Deise Peralta preocupam-se com a formação de cidadãos em nossa nova sociedade complexa, discutindo como a prática da interdisciplinaridade contribui para isso, e seus possíveis obstáculos. Edilson Oliveira & Marcos Serzedello examinam os aportes de diferentes concepções epistemológicas para a educação ambiental, traduzindo em linguagem acessível as difíceis filosofias de Heidegger e Lukács. Ana Lúcia Dias traz uma reflexão sobre a generalização e a justificação no aprendizado de matemática. Após descrever o processo de generalização de padrões, examina quatro diferentes tipos de justificação em qualquer área de conhecimento. Waldmir de Araújo Neto estuda a relevância da semiótica no ensino de Química, usando como estudo de caso o desenvolvimento da estereoquímica, e salientando a dimensão social da semiótica. Reginaldo da Silva, José Messildo Nunes & Renato Guerra exploram a noção de transposição didática de Chevallard, e uma vez elaborado o texto de saber, estudam como colocar as praxeologias desse texto em ação na sala de aula. Deise Peralta, João Ricardo da Silva & Harryson Gonçalves apresentam uma reflexão sobre a aplicação da teoria do agir comunicativo de Habermas para o ensino de ciência e matemática. Finalizando este interessante volume, Ana Clédina Monteiro & Laurizet Passos discutem a formação de professores em um contexto de diversidade cultural, examinando o significado deste conceito e investigando sua incidência em cursos de licenciatura em Matemática.

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CAPÍTULO 5

SEMIÓTICA, CULTURA E CONHECIMENTO QUÍMICO Waldmir Nascimento de Araujo Neto31

A meu ver uma boa parte dos textos que tratam de semiótica começa por explicar o que é semiótica. Não fugirei dessa tendência e vou me dedicar, nessas linhas iniciais, a falar um pouco sobre o que é a semiótica, mas farei isso no sentido de rever uma parte da literatura, e essa revisão deve ser encarada como um convite ao meu leitor para caminhar comigo por essas influências. Admito que existam muitas possibilidades dentro do campo da semiótica, e veremos aqui somente um pouco daquilo que existe em atividade sobre esse estimulante tema. O recorte que é apresentado deve ser considerado como uma orientação para estudar certos aspectos do conhecimento químico sob a perspectiva da cultura. Nas linhas seguintes vamos encontrar alguns argumentos para reafirmar como a semiótica se apresenta como um caminho produtivo, para estudar processos de representação em situações que envolvem o ensino de química. Focalizarei um caso, decorrente de uma interpretação histórica, de como a dinâmica dos processos de representação na química pode ser percebida como um elemento tipicamente cultural. O caso em questão decorre da análise da literatura específica sobre o período histórico no qual teve início a noção de estereoquímica, situado temporalmente no final do século XIX. Meu objetivo com esse estudo, ainda que breve, é mostrar ao leitor as possibilidades que decorrem da interpretação da representação estrutural como uma atividade que se manifesta 31. Laboratório de Estudos em Semiótica e Educação Química – Leseq, Instituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Agência Financiadora: FAPERJ. E-mail: [email protected].

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e permanece como um produto humano, e que tem como base constitutiva sua produção simbólica situada culturalmente. Toda essa trajetória para escolha da semiótica como caminho e da representação estrutural como objeto, recebe influência da filosofia de Ernst Cassirer (1874-1945), a qual apresentarei em linhas gerais em uma seção à frente. O trabalho desenvolvido a partir da Filosofia das Formas Simbólicas por Cassirer permite compreender como o potencial da semiótica pode ajudar a dissolver certas impropriedades na avaliação dos processos de representação que estão em cena durante processos do ensino de química. Esse interesse de pesquisa parte de uma avaliação epistemológica do processo de representação e expande-se com o uso de um grande repertório de ideias fincadas no campo dos estudos culturais, tendo a semiótica como referência. O caminho normal para esclarecer o que é semiótica é responder: é a ciência que estuda os signos. Mas enfim, o que é um signo? De verdade, em semiótica, um signo pode ser qualquer coisa, ou melhor, qualquer coisa pode ser um signo. Mas isso não ajuda a entender o que é semiótica, e pelo contrário, esteriliza o potencial de ação desse campo de estudo (Cobley, 2010). Uma boa alternativa parece ser a assunção de que coisas podem atuar como elemento da comunicação, e nesse sentido, é a partir delas que transformamos nosso conhecimento acerca do mundo em nossa volta tanto quanto de seus estados1. Um ponto importante sobre os signos refere-se à natureza do processo que desempenham no mundo, sua ação, a chamada semiose (Johansen, 1993). O signo é algo para alguém, ou é algo para uma outra coisa, ou seja, um signo também pode ser algo para outro signo. Um som, uma imagem, uma palavra, um texto completo, um poema, e porque não, uma equação diferencial, funcionam como algo para alguém ou para outra coisa. Na química o processo de produção de signos é ainda mais interessante. Desde a maravilhosa produção simbólica dos emblemas alquímicos, até os mais recentes diagramas de potencial eletrostático, representar 134

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é algo delicado e importante na produção de conhecimento químico. Mesmo na química a representação é um meio privilegiado pelo qual o conhecimento se manifesta e se produz2. Seja por convenção, semelhança, ou uma manifestação cau3 sal , os signos na química têm buscado o seu papel como mediadores, o seu agir medial. Diferentes processos de ação dos signos têm em comum a natureza medial. Os signos estão sempre entre o algo e o alguém, ou entre algo e outro algo, mas sempre em posição medial. Essa peculiaridade dos signos nos permite avaliar outras proposições sobre o que é a semiótica e a relevância desses processos de ação do signo. O semioticista húngaro, naturalizado americano, Thomas Sebeok (1920-2001), ao falar para o público leigo, preferia considerar a semiótica como o estudo da diferença entre ilusão e realidade. Essa pode parecer, a primeira vista, uma afirmação estranha, mas em verdade ela é muito adequada. De certo ela nos movimenta como uma provocação para a aceitação de que não há privilégios de um signo sobre o outro, que a marca imperial do científico se dissolve ao estudarmos a dinâmica cultural de como os signos, mesmo em química, são criados, escolhidos e mantidos no interior da cidade científica. Para Sebeok, um objetivo primário da semiótica é estudar a capacidade de uma espécie fazer e usar sinais e, no caso da espécie humana, a atividade de produzir conhecimento por meio deles. Representação aqui é tomada como o uso intencional de sinais para investigar, classificar, e, portanto, conhecer o mundo. A representação dotou a espécie humana com a habilidade para lidar de forma eficaz com os aspectos cruciais da existência, adquirindo e pondo em uso conhecimento, comportando-se intencionalmente, planejamento, socializando-se, e constituindo-se como elemento crucial para os processos de comunicação. No entanto, as atividades de representação variam de cultura para cultura, os sinais que as pessoas usam diariamente constituem um modelo de mediação na visão de mundo que assumiram ao longo de sua existência (Sebeok, 1994). 135

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Alguns aspectos da semiótica como um campo de estudo próximo da ilusão podem ser encontrados, por exemplo, em versões do estruturalismo e da semiologia, que têm influência sobre as humanidades e as ciências sociais, juntamente com correntes do marxismo e da psicanálise. Esse campo de trabalho vem estudando os processos por trás dos fenômenos contemporâneos e históricos que reivindicam como destaque do atributo humano seu caráter verbal. O entendimento da forma pela qual mitos participam como elementos da tradição oral e escrita de uma determinada comunidade, revelam como os signos podem funcionar como ferramentas de criação, e nesse sentido consagram processos que se modificam permanentemente, motivados pela ação desses sujeitos no mundo. Outra concepção toma a noção de Umwelt4, de Jakob von Uexküll (1864-1964), e sugere que todas as espécies vivem em um mundo que é construído a partir de seus próprios signos, os quais são modificados e reconstruídos como o resultado da capacidade de percebê-los e interpretá-los. Esse conceito está colocado na raiz da Biossemiótica e reivindica, como exemplo, que uma mosca tem um aparato sensorial diferente do homem tanto para produzir quanto para perceber signos (Uexkull, 2001). Contudo, além dessas diversas capacidades de semiose, existe um domínio que pode ser chamado de “mundo real” (Ibidem), que existe em um sentido que não pode ser alcançado5. Dentro de uma espécie existem todos os tipos de possibilidades de ilusão, seja por meio das diferentes interpretações possíveis dos signos, ou através de signos que não correspondem cem por cento aos seus objetos imediatos6. O conceito de Umwelt é reivindicado como um bom guia para a realidade tendo como referência a história de sobrevivência da espécie em um sentido evolutivo. Se o Umwelt oferece uma compreensão defeituosa da realidade, então a espécie não sobrevive. O estudo das vicissitudes de signos em diferentes Umwelten, incluindo a do ser humano, lança luz

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sobre o Umwelt humano, e esse é um dos destaques da semiótica contemporânea (Lotman, 2003). Há uma ampla diversidade de exemplos de semiótica, e conseguir contemplar as características dessa diversidade está além das possibilidades do meu texto. Só para citar um exemplo da diversidade de ofertas, em termos de diálogo, que a semiótica pode dar ao campo da educação e do ensino, gostaria de destacar a possibilidade de entender a natureza dos processos não-verbais (Stables; Semetsky, 2015). Saber que a comunicação e a semiose humana são caracterizados não apenas pela expressão verbal, mas também por uma ampla gama de processos não-verbais oferece a oportunidade de enriquecer a compreensão não só de comunicação, mas também da aprendizagem. É importante perceber que muitos processos não verbais que desempenhamos são compartilhados com animais e plantas, e isso nos conduz a uma oportunidade exclusiva de analisar a não-verbalidade. Saber que os organismos têm um número inefável de processos sígnicos que ocorrem dentro deles (endosemiose), muda a forma como se poderia entender a cognição humana, bem como a comunicação e outros aspectos históricos e culturais. Além disso, saber que disciplinas como a etologia (estudo do comportamento animal), e aspectos das outras ciências podem oferecer luz para o estudo da comunicação é de suma importância não só porque incentiva a interdisciplinaridade, mas porque promove um conhecimento mais abrangente. Os processos biológicos e físicos envolvem semioses, da mesma forma ampla que a cultura faz com que, muitas vezes, sejam vistos como meras metáforas. A teoria dos signos não-verbais, de facto, faz parte da teoria do silogismo e tem características tanto lógicas quanto epistemológicas. O sinal verbal se encontra no centro do problema de como o conhecimento é adquirido, ao passo que o símbolo linguístico está principalmente ligado ao problema das relações entre as expressões linguísticas, abstrações conceptuais e estados do mundo (Manetti, 1993). 137

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A semiótica adota uma posição predominantemente realista e intencional. Os sistemas semióticos têm carácter convencional, e podem ser usados para fazer as classificações objetivas dos elementos (aqui pensados como unidades de composição) que povoam a realidade. No entanto, a semiótica enfatiza e concentra-se no fato de que as características relevantes encontradas nos objetos são reais, isto é, que a sua existência é independente do sistema semiótico utilizado para organizá-los e estruturá-los. Por outro lado, e de forma muito peculiar, os sistemas semióticos derivados da análise desses objetos são eles próprios parte do mundo a que se referem, e signos semióticos são igualmente parte integrante do mundo que supostamente organizam. Portanto, apesar de tudo que é estudado na semiótica em uma perspectiva cultural ser colocado em relação à vida humana, este estudo pode se estender para além da área da atividade humana com o objetivo de compreender as condições prévias para essa atividade. A semiótica cultural não afirma que toda atividade humana é a cultura e que esse domínio está separado da natureza. A semiótica cultural tenta assegurar uma transição gradual entre os seres humanos e outras criaturas, usando o processo de criação de signos como referência, e sustentando que os processos culturais estão interligados com os fundamentos naturais, e que os processos representativos derivados da ação dos signos são fenômenos materiais ancorados em uma realidade concreta (Johansen; Larsen, 2002). Todavia, do ponto de vista do processo e da dinâmica de ação do signo dentro de um grupo, a admissão da necessidade de usar critérios biossemióticos para entender a produção sígnica não é unanimidade. Na perspectiva da humanidade, existem correntes teóricas que admitem a necessidade de uma compreensão biológica para definir as possibilidades culturais e simbólicas do homem somente no início de sua existência. Uma vez que esse panorama inicial se estabiliza em relação a um meio ao longo de um intervalo de tempo, os requisitos biossemióticos diminuem

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seu potencial de influência e manifesta a prioridade dos valores da semiótica cultural (Barbieri, 2007). Todas as disciplinas das ciências humanas e sociais estão envolvidas com processos sígnicos, apesar de não necessariamente admitirem estes como tal. Todas estão comprometidas, em princípio, na distinção entre realidade da ilusão. Os processos sígnicos também são componentes do conhecimento químico, e faz-se importante cada vez mais estudar como esses signos estão em ação tanto nas situações de ensino, quanto nos processos de divulgação entre os pares.

1. Representação e Cultura A representação estrutural na Química é uma atividade que se constitui historicamente a partir de meados do século XIX, a possibilidade de representar a estrutura de uma molécula está intimamente relacionada com a aceitação da noção de espaço como um constituinte dessa molécula. A representação estrutural destina-se não somente à criação e à utilização de signos em processos de comunicação, mas também em heurísticas com o objetivo de prever características e propriedades de diferentes entes com os quais a Química trabalha, sejam eles existentes ou não. Isso quer dizer que além de ser um componente importante do processo de comunicação, a representação estrutural opera fortemente como um elemento do processo de criação das coisas da química. As habilidades de conhecer e de manipular a representação estrutural em suas diferentes formas gráficas começam a ser desenvolvidas no ensino médio e se estendem pelo ensino superior de Química. O conceito de representação ocupa lugar central na semiótica, havendo para ele definições muito variadas. A representação aqui nessas linhas deve ser compreendida como um processo público, socialmente compartilhado e intersubjetivo de comunicação e inferência sobre coisas do mundo, e menos como algo que existe na 139

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mente das pessoas. Não se trata aqui de estudar representações mentais, ou nada que exista na mente, mas daquilo que foi produzido por um grupo social em sentido histórico e que foi escolhido para ser ensinado aos que desejam fazer parte desse grupo. Essa escolha por um sentido intersubjetivo da representação pretende permitir uma aproximação do conhecimento químico com o conceito de cultura. Podemos encontrar na literatura (Cobley, 2010) diferentes aproximações para o termo cultura: 1 – A cultura como cerebral, ou certamente uma categoria cognitiva. Cultura torna-se inteligível como um estado de espírito geral. Ele traz consigo a ideia de perfeição, um objetivo ou uma aspiração de realização humana individual ou emancipação. 2 – A cultura como uma categoria mais encarnada e coletiva. Cultura invoca um estado de desenvolvimento intelectual e/ou moral na sociedade. Esta é uma posição que liga a cultura com a ideia de civilização e que é informada pelas teorias evolucionistas. Essa noção leva a ideia de cultura para o estágio da vida coletiva, ao invés da consciência individual. 3 – A cultura como uma categoria descritiva e concreta. Cultura vista como o corpo coletivo de artes e/ou do trabalho intelectual dentro de qualquer sociedade. Esse é um dos sentidos mais próximos da linguagem cotidiana do termo cultura e carrega junto com ele os nexos de particularidade, a exclusividade, o conhecimento especializado e treinamento ou socialização. Ele inclui uma noção firmemente estabelecida da cultura como o reino do simbólico comum ou exotérico produzido quotidianamente. 4 – A cultura como uma categoria social. Cultura considerada como toda a forma de vida de um povo. Este é o sentido pluralista e potencialmente democrático do conceito que tem sido alvo dos estudos dentro da sociologia e da antropologia e, mais recentemente, dentro de um sentido mais localizado, dos estudos culturais. O Sociólogo Estadunidense Talcott Parsons (1902-1979), em sua obra sobre o sistema social, fornece um papel para a cultura como instância que pode legitimar a ordem social e, portanto, pre140

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vê a sua existência em integração comum à estrutura social (Parsons, 1952). A cultura está impregnada de crenças compartilhadas, interesses e ideologias que servem para legitimar a forma como a sociedade se organiza. A dinâmica cultural, na perspectiva de Parsons, sedimenta um princípio de reciprocidade, com base na obrigação, que ordena as relações entre o individual e o coletivo, e fornece uma base para a formulação de uma cultura comum. A cultura idealizada por Parsons se baseia em uma singularidade e fixidez de significado. Aqui os processos de construção de signos são organizados e dirigidos em relação a um conjunto de sinais inequívocos, embora exista também em nível de abstração. Os membros do sistema social têm sua conduta regulada através de uma coleção de aspirações consensuais e orientações universais. Esta singularidade e fixidez de sentido levam ao que se pode chamar de uma primeira visão “semiótica” da cultura. Outra postura, mais arrojada, traz a cultura para a cena de estudo em uma perspectiva filosófica. Ernst Cassirer desenvolveu uma filosofia da cultura com base naquilo que chamou de Formas Simbólicas. A ideia subjacente à esta construção é de que o mundo pode ser apreendido por meio de sinais e símbolos. Neste sentido, o homem é um “animal simbolicum” que experimenta o mundo mediado por símbolos que ele mesmo cria. Toda forma de pensamento e de expressão são ligadas aos símbolos. É, portanto, a tarefa da filosofia estudar as várias formas simbólicas, em vez de preocupar-se com as coisas por trás do mundo simbólico, ou seja, com a pergunta sobre a relação entre o ser e o pensamento. Essa ideia constituiu o ponto de partida conceitual para o trabalho principal de Cassirer: A Filosofia das Formas Simbólicas. Segundo Jürgen Habermas (2001), desde o início de sua formação acadêmica, Cassirer incluía questões epistemológicas em contextos culturais historicamente específicos. Dentre outros, Cassirer estudou a emergência do conceito moderno de natureza na renascença. Por exemplo, ele declara em O Problema do Conhecimento na Filosofia e Ciência na Idade Moderna de 1906 que a 141

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moderna concepção de conhecimento científico-natural emergiu da confluência de uma variedade de forças culturais e intelectuais, e aposta na necessidade de sistemas filosóficos individuais estarem atrelados às forças provindas da cultura intelectual em geral (Habermas, 2001, p. 6). As proposições encontradas nos três volumes da Filosofia das Formas Simbólicas são reflexos da influência exercida em Cassirer pelo material de pesquisa encontrado na biblioteca de Aby Warburg7. Habermas (2001, p. 7) nos informa que a questão antropológica de partida que comanda o mergulho de Cassirer na expressão do mundo simbólico se refere a uma reflexão de Warburg acerca da força da criação artística: a criação de uma distância consciente entre si mesmo e o mundo externo, que pode ser chamada de ato fundamental da civilização. Esta ideia é formulada por Cassirer em termos conceituais: o fato de o contato sensório ser transformado em algo significativo pelo uso de símbolos é a característica definidora da existência humana, e também constitui de um ponto de vista normativo, a característica básica do modo de existência humano. O potencial de objetivação (alcance do objeto) da “mediação simbólica” (Ibidem) rompe com a imediação animal e “incidi sobre o organismo humano, por dentro e por fora”. Cassirer procurou romper com a Lebensphilosophie, característica da república de Weimar8, enfatizando o caráter mediador das palavras e dos instrumentos de linguagem na relação dos homens com o mundo. O processo de simbolização torna os seres humanos diferenciados enquanto existência no mundo, e são as relações simbólicas por meio do mito, arte, linguagem e ciência (formas simbólicas) que lhes conferem os atributos psicológicos típicos de uma forma de vida humana. O estudo das formas simbólicas permitiu Cassirer rever a semiótica da filosofia transcendental, sob o crivo da filosofia da linguagem, mormente sob a influência de Wilhelm von Humboldt (1767-1835).

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O que Cassirer realizou consiste em uma “transformação semiótica” (Habermas, 2001, p. 12) da filosofia transcendental kantiana. Na tradição filosófica, a linguagem foi sempre analisada como um meio de nomeação ou designação: fornecem-se nomes para objetos representados, e por meio disso se constrói um sistema de marcadores que facilitam o pensamento e tornam possível a comunicação sobre pensamentos e ideias. A linguagem se torna um meio entre aquilo que é representado e a representação. O que Cassirer toma de Humboldt é a concepção de linguagem dotada de uma função de descoberta. Ela se torna uma força produtiva que mais do que uma maneira de representar coisas que são conhecidas, destaca-se como uma forma de descobrir aquilo que era previamente desconhecido. A referência a objetos existentes é uma função importante da linguagem, contudo essa função produtiva nos parece muito peculiar e própria inclusive do processo criativo que se instala a partir de representações estruturais na química. Uma das missões pertinente aos processos de representação no ensino de química refere-se ao confronto e distinção entre fatos do mundo, ou seus estados, e símbolos que possam estar em relação com eles. Uma vez que os estados das coisas do mundo não podem necessariamente ser sempre transportados para as situações nas quais precisam ser invocados, seja, por exemplo, em ações discursivas ou reflexivas, tais relações entre os símbolos e os estados das coisas demandam características nas quais se credita certa especificidade. Nos termos propostos por Cassirer, não há fatos absolutos ou dados imutáveis, somente proposições orientadas teoricamente em alguma medida. Os procedimentos de aquisição de fatos são praticados sempre em consideração a alguma coisa. A orientação teórica dos fatos não é um processo de simples adição do teórico ao factual, ela modifica aquilo que pretendemos como processo de apreensão e interpretação dos fatos. Quanto ao processo representativo que pretendemos delinear aqui neste texto, tem-se que essa postura de relativização 143

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do objeto pode emergir a partir da contingência encontrada na utilização de diferentes formas de representação. Os estados das coisas designados por símbolos podem ser interpretados por diferentes modos de representação. Podemos conferir esse aspecto da representação a uma instância linguística particular, na qual diferentes modos de representação funcionariam como elementos articuladores de uma gramática específica. Os membros da comunidade que usam esse sistema semiótico encontram acesso ao mundo somente por meio dessa gramática, que deve ser necessariamente compartilhada em relação às múltiplas experiências a ela concernentes. Entretanto, a linguagem não joga um papel meramente instrumental, ela proporciona uma atividade constitutiva do sujeito no mundo. Afastando-se do modelo mentalístico, no qual a representação conecta uma ideia pré-existente imaterial a um objeto material, Cassirer defende que é o sujeito que mantém os processos nos quais formas simbólicas estruturadas são mantidas e renovadas. Há um “meio simbólico” (Ibidem, p. 14) que contém tanto o interno e o externo, não há necessidade de se opor o sujeito ao objeto e conectá-los somente por meio de representações. As funções intelectuais contém estruturas representativas que têm como objetivo libertar sujeitos, abri-los para o mundo, permitir que possam constituí-lo em torno de si. Em uma tentativa de ampliar as noções kantianas, Cassirer propõe que as atividades do juízo só se tornam possíveis por meio da “intervenção mediadora da linguagem” (Habermas, 2001, p. 16). No propósito de determinação do papel da linguagem, Cassirer destaca que a elaboração conceitual funciona como uma atividade de organização, e opõe-se à assunção de que conceitos podem ser cópias de estruturas ou de essências (em sentido platônico) das “coisas em si” (Ibidem). Conceitos criam novas possibilidades de comparação, permitindo a emergência de novas relações entre o semelhante e o distinto. Uma síntese conceitual dependeria do poder unificador dos signos, de sua capacidade de fun144

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cionar como elemento de associação entre atividades, processos ou procedimentos. Os sistemas simbólicos criam o caminho para uma elaboração conceitual. Objetos representados com o auxílio de sistemas conceituais possuem existência somente no terreno criado pela própria representação simbólica, não há como se ter nenhuma atribuição de existência fora do domínio expressivo ou interpretativo criado por esse terreno simbólico (Cassirer, 2011). Cassirer entende o processo de criação do símbolo como uma interação entre tendências contrárias. O significado simbólico pode surgir tanto a partir da produção de significantes quanto a partir da articulação de dados em diferentes domínios da experiência. A tensão entre uma dimensão totalmente imagética ou plenamente simbólica e aquela inundada de valores sensoriais, é a marca de produção das formas simbólicas, que podem ser qualificadas em três modos: (1) função expressiva – quando o encantamento e a fascinação levam a impressão sensível a congelar em uma forma pictórica; (2) função significativa – quando prevalece a elaboração conceitual e existe uma articulação prioritária entre noções abstratas; (3) função representativa – quando as duas funções anteriores operam em equilíbrio. As funções das formas simbólicas produzem os modos de conhecer as relações entre o signo e seu significado. Tais relações podem ser indicadas como: expressão, representação e significação. A relação de expressividade é típica do mito. Nessa relação, há uma identidade entre o signo e o significado. O signo se confunde com o significado, ambos estão fundidos. Na expressão, os símbolos não representam a coisa, mas se confundem com ela; o nome, a imagem, toma o lugar e os atributos da própria coisa que designa. Esse fato está na base da experiência mágica com o mundo. Na relação de representação há uma separação entre o signo e o significado, e ela é característica, por exemplo, da linguagem. O nome está no lugar da coisa de forma convencional e serve para representá-la. Já a relação de significado, segundo Cassirer é típica da ciência. 145

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Uma preocupação da Filosofia das Formas Simbólicas é quanto às formas mais primitivas de representação do mundo. Cassirer defende que a experiência humana deriva sua forma e estrutura de sua relação com um conjunto de signos e não de sua relação com algo “dado”. A experiência sensória humana nunca é uma experiência de meras sensações, mas sim uma relação de um objeto em um mundo organizado a partir de signos. A experiência de algo que é parte de um estado de coisas do mundo é dito por Cassirer como sendo uma intuição. O mundo e sua semiose (ação do signo) têm em comum certa forma ou estrutura. O tipo mais primitivo de sentido simbólico é o sentido expressivo. Ele é o resultado do que Cassirer chama de função expressiva do pensamento, a qual se relaciona com a experiência de eventos com importância afetiva e que ocorrem no mundo a nossa volta. Situações que envolvem ampla carga emocional como: desejo ou rejeição, conforto ou ameaça, estão associados à função expressiva do pensamento. Nessa categoria repousa o conhecimento mítico e sua principal característica semiótica possui uma implicação ontológica que se refere à incapacidade instanciada de distinguir entre aparência e realidade. A função expressiva manifesta um tipo de causalidade própria, por meio da qual cada parte contém literalmente o todo do qual é parte, e pode exercer a eficácia causal do todo. Esse fato é apresentado por Cassirer em narrativas que revelam que o mundo mítico não consiste de formas estáveis e permanentes que manifestem suas propriedades a partir de diferentes ocasiões, mas associadas a eventos fugazes e complexos unidos por suas características afetivas. A ausência de uma função causal mais coerente faz com que a função expressiva possa implicar, muitas vezes, na incapacidade de diferenciar entre experiências no período de vigília e os sonhos, entre o vivo e o morto, e entre o nome do objeto e o objeto em si. Este processo de mediação implicado pela função expressiva define limites para as atividades sociais de uma cultura. O processo de ação do signo nessa 146

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modalidade e a capacidade de memória coletiva definem os limites da cultura (Skidelsky, 2008). A segunda categoria das formas simbólicas é a função representativa do pensamento, que produz o chamado sentido simbólico representativo. Nesse caso, o fluxo de características míticas convergem para formas estáveis, distinguíveis e identificáveis. De acordo com Cassirer, é na linguagem natural que a função representativa se torna perceptível, essa função trabalha com uma orientação pragmática de que o mundo se apresenta ao sujeito a partir da utilização técnica e instrumental de ferramentas e artefatos. É por meio da linguagem natural que é construído o mundo intuitivo de percepções primárias que constituem o tempo e o espaço intuitivos. Quando um sujeito fala e utiliza partículas gramaticais e tempos verbais, especifica e localiza objetos percebidos em relação a sua posição espaço-temporal. Nessa categoria somos capazes de distinguir a coisa permanente, por um lado, de suas manifestações variáveis em diferentes ocasiões. Chegamos assim a uma distinção fundamental entre aparência e realidade. A distinção entre aparência e realidade conduz dialeticamente a uma tensão e a uma nova tarefa para o pensamento, segundo Cassirer, essa é a tarefa da ciência teórica: a averiguação permanente quanto à verdade de proposições. Nesse ponto encontramos a terceira e final função do pensamento simbólico: a função significativa. A função significativa utiliza predominantemente formas relacionais para a produção de sentido, é aqui que Cassirer situa o desenvolvimento de conceitos científicos que encontram os caminhos para se tornarem livres das amarras da intuição sensível. Como exemplo de operação da função significativa, Cassirer cita os conceitos de espaço e de tempo na matemática que podem ser considerados como formas desvencilhadas da intuição sensível. Tais conceitos surgem pela superação das relações com o sensível e abrem novas fronteiras para a possibilidade conceitual (Barash, 2008).

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Vemos então que Cassirer nos oferece uma possibilidade de ampliação das fronteiras do conhecimento, amparado em atributos materiais do trabalho humano, ou seja, nossa produção simbólica. Nesse mesmo sentido, podemos supor pela primazia dos processos representativos como os recursos materiais fundantes do processo pelo qual se desenvolve o conhecimento químico. Também em Cassirer, o símbolo é parte da cultura e o homem desenvolve-se como o animal que tem a capacidade de originar, definir e atribuir significados, de forma livre e arbitrária, a coisas e acontecimentos no mundo, tanto quanto compreender esses significados.

2. Representação e conhecimento químico Com suas raízes na história e na filosofia da arte, a relação entre a imagem pictórica e o conhecimento é sempre dita na literatura como longa e conflituosa (Kern, 2006). A palavra mais usada para fazer referência aos processos representativos pictóricos na química é modelo. Tomando-se como referência o ensino de química, a palavra modelo é uma espécie de consenso universal para tratar de processos representativos, materiais ou pictóricos, ou ainda das ideias decorrentes de um campo9. Modelo foi o termo adotado por Platão (no Timeu) para referir-se às entidades que existem no mundo das ideias. No processo de criação das coisas “como são”, segundo Platão, os modelos são usados como referência para que o Demiurgo, atendendo à razão e à necessidade, possa criar as cópias, entidades desse mundo à nossa volta, o chamado mundo sensível. Nossa rápida visita ao processo de criação do mundo segundo Platão, serve para afirmar que a representação, como pretendemos e a partir de uma perspectiva semiótica e cultural, não é modelo nem cópia. A representação é um processo de produção de signos, determinante e característico da atividade humana. O processo representativo está mais próximo daquilo que antiguidade conhecia como mimesis10. Por exemplo, é possível citar a 148

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pintura de objetos tais e quais, ou ainda as efígies, um amplo trabalho na história da humanidade sobre problemas da semelhança/diferença (de repente estamos de volta à realidade e à ilusão), como o ponto de encontro para esses fenômenos ou movimentos opostos, ou ainda em termos de proximidade e distância, presença e ausência. Mimesis nunca é um termo homogêneo, e se o seu movimento básico é no sentido de semelhança, ela permanece sempre aberta para o que lhe é oposto. A metafísica platônica minimizava o processo de pintura artística e colocava o processo mimético em situação de escárnio, em contrate com o endeusamento ao poeta, que se destacava pelo valor do discurso e da razão (logos), e em detrimento da pintura que se afasta da ordem inteligível e abstrata da linguagem (Melberg, 1995). A imagem como ícone consagra-se como a expressão da semelhança, uma escolha produtiva e eficaz para o processo de representação das coisas. A força da iconoclastia medieval varreu continuamente o ícone do oriente, em uma relação tensa com a igreja cristã ortodoxa. É na raiz do processo representativo demarcado pela igreja que se encontra um dos maiores motores para a compreensão das tensões historicamente constituídas entre o icônico e o simbólico. Destaca-se a seguir as objeções denunciadas por Constantino V (741-775), por ocasião do primeiro iconoclasmo: (i) Se o ícone é semelhante ao modelo, deve ser da mesma essência e da mesma natureza que ele. Ora, o ícone é material e o modelo é espiritual; logo, ele é impossível. (ii) Se o ícone pretende apenas assemelhar-se à forma física e sensível do modelo, ele necessariamente o divide, separando sua forma sensível e sua essência invisível. O ícone portanto é ímpio, uma vez que divide o indivisível. (ii) Se o ícone traça a figura do divino, ele encerra em seu traçado o infinito, o que é impossível; logo, só encerra o nada ou o falso, o que obriga a renunciar a qualquer homonímia.

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(iv) Se o ícone só é venerado naquilo que mostra, ele é venerado, de fato, em sua matéria. Portanto, é um ídolo, e os iconófilos são idólatras. (Mondzain, 2013, p. 105)

Todas as censuras são importantes sob o ponto de vista da relação entre imagem e conhecimento, contudo, segundo a filósofa Marie-José Mondzain (Ibidem) a última censura (iv) decorre de consequências culturais que pretendem demarcar os limites entre imagem e conhecimento. Apesar de não ter negligenciado a imagem, a filosofia manteve sempre o questionamento ontológico sobre a mimese. A imagem deve renunciar a qualquer pretensão de dignidade ou permanência e manter-se como um produto concreto, variável e dependente do contexto. Nesses termos a imagem é condenada e condenável sempre que se pretender usá-la para alcançar o modelo, e veremos que essa tensão também se manifestará sobre o processo de representação estrutural ao conceber a inclusão do espaço como um elemento do corpus químico. O processo de representação da estrutura só pode ser desenvolvido com a admissão do espaço como um constituinte necessário do conhecimento químico. Apesar de a perspectiva ter sido inserida na arte desde Masaccio (1401-1428) em 1422 (Damisch, 1995), a química só compreenderia sua necessidade como um elemento da representação ao final do século XIX, esperando mais de meio século para essa tomada de posição. A visão espacial em três dimensões, e a inserção da perspectiva na arte marcaram a inauguração do Renascimento. O domínio do conhecimento da geometria revelou uma visão objetiva, que segundo Maria Lucia Kern (2006) modifica a noção de mimesis como filiação e afirma o poder do processo representativo como invenção, uma manifestação de conhecimentos específicos misturando arte e ciência. O historiador Peter Ramberg (2003) refez o percurso histórico que marca o início da estereoquímica e percebeu o valor daquilo que chamou de “linguagem visual” das fórmulas químicas 150

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usadas na época11. A base epistemológica dos trabalhos que estudavam a estrutura assumiam, segundo o autor, a possibilidade de existir uma identidade estrutural, ou seja havia uma certa ordem no arranjo dos constituintes daquelas substâncias que estavam em estudo. Não havia consenso sobre o que poderia ser aceito como estrutura no final do século XIX, nem a noção de espaço estava incorporada ao cenário das necessidades conceituais da química. Para Ramberg, o espaço era adotado “por interesses pessoais” e em diferentes posições pelos químicos da época. Para Jacobus Van’t Hoff12 (1852-1911) o tetraedro deu à química orgânica uma fundação geométrica que permitia predições mais precisas sobre o número de isômeros e permitia explicar certos casos de isomerismos existentes. Johannes Wislicenus (1835-1902) também apostava no espaço como caminho para a descoberta de novos casos de isomerismo. Hermann Emil Fischer (1852-1919) considerava a posição no espaço uma forma conveniente de classificar os mono e dissacarídeos. Mesmo sem um consenso sobre o papel do espaço no conhecimento químico da época, o processo de representação que foi derivado dele foi útil e serviu de base para toda a estereoquímica depois de 1950 com Derek Barton (1918-1998). Deve-se destacar aqui, nessa retomada histórica sobre a noção de espaço no fim do século XIX, o papel das representações estruturais, ou fórmulas estruturais como eram chamadas naquele período. Essas representações se davam tanto por meio gráfico, quanto em meio material (peças em madeira ou em madeira e metal). Ramberg considera que o grande uso de fórmulas estruturais demonstra o caráter pragmático (no sentido de serem práticos) da química (na verdade dos químicos) do final do século XIX, pois adotavam tais fórmulas apenas (grifo meu) para atingir seus objetivos. Assim, e nas palavras de Ramberg, os químicos formaram uma “cultura pragmática” (Ramberg, 2003, p. 327) na qual adotam-se conceitos e ferramentas “úteis” (Ibidem), ainda que estes tivessem trazido para a cena do debate em voga muitas questões físicas ou filosóficas problemáticas13. 151

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Outro aspecto importante desse trabalho refere-se ao valor atribuído ao processo de ação (semiose) dos signos gráficos da representação estrutural. Ramberg assume que os químicos do final do século XIX criaram e usaram as suas fórmulas estruturais para explicar e prever os problemas no campo de estudo do isomerismo, com a intenção de prover “claridade gráfica”, “como ferramentas para representação visual do que não podia ser descrito verbalmente” (Ibidem, p. 328). E nesse momento o autor retoma uma carta de Van’t Hoff para Svante Arrhenius (sem data segundo o autor), que se traduz livremente a seguir: ... as representações em si, átomo, molécula, suas dimensões, e provavelmente suas formas, são de fato algo duvidoso, tanto quanto é o tetraedro. Contudo, enquanto coisas boas vierem disso tudo, podemos nos consolar e acreditar que há nelas algo bom. (grifos do original) (Ibidem.)

Existem pontos que devem ser destacados com relação a alguns itens de grande interesse para a semiótica (tanto quanto para a filosofia e para a linguagem) e que são propostos por Ramberg, a partir da breve revisão histórica recortada aqui. Primeiro ponto, não é possível admitir, sem uma problematização mais ampla, que o uso das representações gráficas na química tenha se dado a partir de uma limitação verbal ou textual. Ou seja, a admissão de que signos gráficos foram criados para dar conta de coisas que não podiam ser “descritas verbalmente” não pode ser considerada diretamente, e tem severas implicações sob o ponto de vista semiótico. Texto e imagem confundem-se e divergem em diferentes processos como modalidades diferentes da expressão humana. Assumir que existem entidades indizíveis é necessariamente assumir que a linguagem fracassa cotidianamente para dar conta do mundo. Existirá sempre a possibilidade de algo indizível e que não pode ser compreendido, pois não pode ser dito, e que 152

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não pode ser comunicado, supondo a estrita relação entre pensamento e linguagem. Esse não parece ser o panorama da linguagem ao final do século XIX, pelo contrário, o próprio texto de Ramberg demarca muito bem a permanente tensão e limitação que o conhecimento químico experimenta ao submeter-se ao contexto físico contra factual. Segundo ponto, ao atribuir o início do uso de representações gráficas na química a um “Pragmatismo” (com “p” maiúsculo nas palavras do autor), Ramberg escorrega para uma versão popular de pragmatismo e deixa escapar uma oportunidade de problematizar a função do signo gráfico na representação estrutural. O autor explica que não estaria defendendo um pragmatismo com vieses instrumentalistas, mas suas atribuições ao termo são muito próximas daquilo que Charles Peirce (1839-1914) defendia como o contraponto do Pragmaticismo. Para Peirce14, o sentido que se pode atribuir a um signo reside na totalidade das condutas que se instalam no mundo a partir da crença na verdade deste signo. Nesse sentido, Ramberg perde a oportunidade de determinar claramente os limites de sentido atribuído aos signos gráficos usados pelos químicos do final do século XIX, apesar de possuir em mãos um rigoroso levantamento histórico do início da estereoquímica. Ao tomar-se a semiótica como referência, pode-se perceber que o processo de ação do signo gráfico da representação realizava-se no sentido de compromisso ontológico com um ente químico (e.g. molécula ou composto de coordenação), que podia ter grupos de ligantes arranjados na direção dos vértices de um tetraedro, por exemplo. O espaço tornava-se um item da constituição desse ente, porque para dizê-lo com garantia de atribuição de sentido era preciso usá-lo. Outra característica que se impõe decorrente do uso das representações estruturais são os aspectos dinâmicos. O movimento das moléculas ocupará lugar como campo de pesquisa na química orgânica após o final do século XIX, quando a molécula com autonomia gira e se conforma intrínseca e extrinsecamente. 153

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Terceiro ponto, o trecho destacado por Ramberg e traduzido anteriormente é digno de um exercício em separado. Há certa homologia com as tentativas históricas de condenação por Constantino V no uso de ícones como produtos representativos de modelos, e além, disso, esse trecho contesta a tese15 de que há uma “virada semiótica” em curso a partir da entrada dos signos gráficos de Van’t Hoff representando o tetraedro na química orgânica. Por outro lado, tomando o trecho da carta como recurso material, percebe-se que Van’t Hoff compromete-se com a semiose do signo e assume seu valor como elemento do quadro de conhecimento sobre a estrutura. Pode-se entender a amplitude do trecho da carta de Van’t Hoff ao movimentar-se para a função expressiva como atividade da forma simbólica, no sentido proposto por Cassirer. Na função expressiva, tal e qual em sentido original de ação de um mito, o processo de ação do signo manifesta-se como um fluxo, não há muita estabilidade de sentido. O processo desempenhado pelo signo como ação (semiose) varia intensamente em relação a seu próprio contorno material. Como em um totem indígena, por exemplo, eu tenho a imagem de um urso, e quero trazer sua força, mas não a força agressiva, pois quero a força protetora. Em sentido expressivo, qualquer divindade é apenas uma divindade no momento, no evento, no objeto ou em forma presente e, portanto, não existe com estabilidade suficiente para permitir o pensamento conceitual completo. O início da inserção do espaço como constituinte das fórmulas gráficas na estereoquímica recupera a proposta de Cassirer sobre o sentido evolutivo do processo de representação. Van’t Hoff nega dimensão e forma do tetraedro como coisa em si, mas admite ser “bom”16 o que provém dele. O bom nesse caso não deve ser considerado como aceitar o tetraedro como instrumento, um veículo de possíveis enunciados verdadeiros. O bom tem de ser compromisso ontológico com certa forma de ser do ente

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químico em estudo. Van’t Hoff também supõe e prevê movimentos conformacionais entre os tetraedros em cadeias carbônicas. Ao longo da primeira metade do século XX veremos que esses aspectos serão influentes para inferir que a molécula de ciclohexano deve ter movimento como uma consequência de restrições espaciais. Enfim, percebe-se que o breve caso analisado aqui se desdobra em uma necessária ampliação da leitura histórica proposta por Ramberg. Esse é apenas um caso entre outros possíveis para a verificação das possibilidades de uso da semiótica como quadro de avaliação dos processos de representação. Desejo mostrar que as lentes da semiótica permitem novos olhares e novas compreensões sobre alguns processos do conhecimento químico, os quais, certamente, necessitam de um mergulho, profundo, sistemático e metodológico.

Considerações finais A educação é um dos processos mais poderosos de transmissão e apropriação de cultura entre gerações, e a cultura é um processo desenvolvido localmente, ou regionalmente, por um grupo de pessoas. Esta última constitui-se como um elemento de proteção e bem estar desse grupo, o grupo mantém ou modifica aspectos da cultura na direção de proteger, transformar ou evoluir o bem estar social. O início do processo de representação estrutural em modalidade gráfica instala-se no final do século XIX com o reconhecimento do valor expressivo que pode ser obtido por esse signo gráfico. O argumento de uma “cultura pragmática” indicado no texto de Ramberg está disponível também em outros locais da literatura que trata da representação no ensino de química. Contudo, essa posição típica de corroboração de uma ciência neutra e livre de amarras sociais, acima de tudo alienada, que usa àquilo que considera estranho porque lhe é útil, não suporta a análise

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semiótica cultural e é frágil demais para explicar a promessa de um novo modo de ver a química e seus entes. Uma possibilidade mais ampla, e ao meu ver mais profunda, de entender as relações existentes, e que podem contribuir para os processos de ensino na química, tendo como referência a matriz histórica concernente à estereoquímica, é sua aproximação à semiótica na perspectiva cultural. O filósofo Maurice Merleau-Ponty (2010, p. 143), por exemplo, formula de maneira muito nítida as limitações do solipsismo durante sua retomada do processo representativo. Nesta sua tarefa de ampliar a visibilidade, estendendo-a inclusive aos meios pelos quais a própria pintura como produção humana se realiza, Merleau-Ponty considera que o pintor tem como intenção que tudo se torne visível a partir de uma posição do meio das coisas, e não diante delas, o ser que representa está mergulhado do lugar que habita (Martins, 2010). É importante ressaltar a necessidade de imprimirem-se investigações, que considerem o quadro de referência da semiótica em uma perspectiva cultural, no ensino de química. Existem muitos campos e vertentes que podem ser exploradas, mas é crucial não estarmos limitados a processos classificatórios discretos que remetem prioritariamente à dimensão analítica. Precisamos avançar para uma postura de ação ou ainda de intervenção no espaço escolar concernente à educação química. Meios, mediações, formas e modalidades são apenas alguns dos caminhos possíveis nessa disposição para o relacionamento entre educação e semiótica (Semetsky, 2013).

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1. Ernst Cassirer cunha o termo animal simbólico (Animal simbolicum), com referência à espécie humana, para destacar a capacidade de representar as coisas que existem à nossa volta para nós mesmos e para as gerações futuras, como a grande marca da humanidade. 2. Um exemplo do valor da representação gráfica para a estrutura pode ser encontrada na página do periódico Tetrahedron Letters que adota como síntese de seus artigos um “Graphical Abstract”. Normalmente esse elemento gráfico é retirado do próprio conteúdo do artigo. 3. Os símbolos dos elementos químicos na tabela periódica são convenções, os pequenos traços que representam as ligações covalentes são convenções, mas o resultado das múltiplas ligações que desenham uma cadeia ou a forma de um composto de coordenação são pretensamente semelhantes ao que pretendem representar. Os traços de um espectro de RMN são signos que resultam de um aparato técnico criado para mediar um determinado aspecto dos entes da química. Nesse caso, o espectro em si é um signo que representa determinados estados de uma amostra, signo e amostra estão em uma relação de causalidade, o espectro é signo daquela amostra (assim como a fumaça é signo do fogo). 4. Umwelt é o mundo egocêntrico de um organismo - o mundo em que um organismo vive, aquele que reconhece e faz. Este conceito foi introduzido como uma questão científica por Jakob von Uexküll (1864-1944) e tornou-se amplamente utilizado e desenvolvido em semiótica, antropologia, filosofia e em outros lugares, especialmente desde o final de 1970 (Sebeok 1979; Ingold 2000).

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5. Essa manifestação tem muita semelhança com o mundo das ideias platônico. 6. Objeto imediato é um aspecto do mundo real que é escolhido para representação. O objeto imediato recebe influência do objeto dinâmico que determina o signo de modo físico. Para detalhes sobre a relação entre objeto imediato e dinâmico, com referencia à semiótica Peirceana veja (Santaella, 1992). 7. Aby Moritz Warburg (1866-1929) foi um influente historiador da arte, nascido em Hamburgo de uma família de banqueiros. Warburg dedicou-se ao estudo da arqueologia, historia da arte, medicina e psicologia. A partir de 1896 iniciou a construção de uma biblioteca que deveria servir tanto a suas consultas particulares como ao ensino público, focalizando seus trabalhos em cultura e artes. Para Georges Didi-Huberman, Warburg é o fundador da disciplina iconológica e responsável pela instalação da alteridade no cerne da identidade. A representação depois de Warburg não mais como uma forma delineada no processo cultural para compreender-se o mundo, mas uma forma de manifestar-se nele (cf. Didi-Huberman, 2013). Em 1933 a Biblioteca Warburg é transferida para Londres com mais de 60 mil volumes, como consequência da Guerra Mundial. Atualmente ela integra o Instituto Warburg, uma unidade da Universidade de Londres. 8. De forma muito geral, os argumentos sustentados pela Lebensphilosophie preconizavam a rejeição à razão enquanto instrumento epistemológico, característica de parte relevante do meio intelectual da república de Weimar, instalada na Alemanha após a primeira guerra mundial. Esse movimento pretendia ser uma crítica contundente ao positivismo, ao mecanicismo e ao materialismo, entendidos como correntes da ciência tradicional que não respondiam às demandas daquele momento. Em um escopo notadamente pragmático, era imprescindível para o cientista, oferecer respostas a uma sociedade decepcionada com os resultados da guerra (Silva, 2003). 9. A tônica desses processos dá-se no trabalho com o estudo do átomo, aonde a palavra modelo abarca tanto a representação pictórica (ou o conjunto existente delas) quanto o conhecimento existente (assunções conceituais enunciadas). Considere-se, por exemplo, a locução modelo atômico de Bohr, que pode tratar tanto de qualquer desenho referindo-se a uma entidade (pretendida real ou não) quanto do conhecimento proposto por Bohr acerca do átomo, seja em modo frasal ou em formulas e equações. Mary Jo Nye, por exemplo, usa o termo Modelagem Icônica para referir-se ao processo de representação na química por meio de ícones (Nye, 1993, p. 77). 10. Para uma leitura em detalhes sobre mimese leia o livro de Gunter Gebauer (1995).

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11. Uma revisão importante que marca o início da relação próxima entre semiótica e a química é o artigo de Stephen Weininger (1998), e para uma leitura em português desse tema recomenda-se o trabalho de Jackson Góis e Marcelo Giordan (Gois; Giordan, 2007). 12. A edição comemorativa de La Chimie dans L’space pode ser obtida online (http://gallica.bnf.fr) na Biblioteca Nacional da França (Gallica BNF). 13. Ramberg utiliza também como exemplos os conceitos de Valência e o Átomo, que foram também utilizados como elementos da “Cultura Pragmática” ainda que não fosse possível considerar sua existência real. 14. Os argumentos propostos na pragmática peirciana também suportam nossa contraposição feita no primeiro momento. Para Peirce não há pensamento sem signos, e nenhuma modalidade sígnica é exclusiva para o pensamento, ou para a linguagem. Nas palavras de Santaella (2005, p. 32), “há sempre uma mistura de signos que é constitutivo de todo pensamento”. 15. Ramberg propõe desde o capítulo 2 de seu livro que o processo representativo da estrutura celebra uma virada do simbólico para o icônico a partir da publicação dos tetraedros de Van’t Hoff. 16. Itero aqui a necessidade metodológica de percorrer o texto original, o qual já está dado como um excerto no texto de Ramberg.

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