SENE, Talita; MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de A. Correndo prá Jesus à Beira-Mar: Esporte, religiosidade e cura na Bola de Neve Church. In: MARANHÃO Fº, E M de A (Org.) (Re)conhecendo o sagrado: reflexões teórico-metodológicas dos estudos de religiões e religiosidades. S Paulo: Fonte Editorial, 2013

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Correndo prá Jesus à Beira-Mar: Esporte, religiosidade e cura na Bola de Neve Church Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Fo e Talita Sene17

Introdução Este ensaio visa refletir sobre as articulações entre religião, doença, saúde e cura feitas por alguns corredores do Bola Running – BR – , ministério da Bola de Neve Church de Florianópolis – BDNF –, adicionando a esta reflexão um assunto correlato, o esporte. Mas como o esporte se inseriria nesta relação? E mais especificamente, a corrida? O que seria considerado doença em um contexto esportivo-religioso? Estas são algumas das questões as quais pretendemos sinalizar ao longo deste texto, feito a partir de entrevistas, bem como de conversas informais inspiradas no método da observação participante. O texto se divide em três partes: a primeira aborda – sinteticamente – os procedimentos metodológicos de uma pesquisa entre autores, sinalizando as dificuldades de pesquisar uma igreja evangélica em dupla quando os pesquisadores tem diferentes relações com esta, bem como as negociações feitas pelos mesmos para que a subjetividade de ambos fosse mantida no texto. Já a segunda parte, contextualiza a BDN e o ministério BR, enfatizando as articulações entre religião, esporte, doença e cura feita por alguns de seus membros. A terceira faz um resumo geral do que foi dito anteriormente e traça possíveis caminhos a seguir, já que o texto não pretende ser conclusivo, mas ensaístico.

1.

Start

1.1

A largada para uma perspectiva metodológica entre autores

Embora seja comum que nas ciências humanas sejam feitas pesquisas em grupo, são poucas as reflexões que tematizam o assunto, principalmente quando a pesquisa em questão é de 17

Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão F0 é doutorando em História pela USP, mestre em História pela UDESC e especialista em Marketing e Comunicação pela Cásper Líbero. Contato: [email protected]. Talita Sene é mestranda em Antropologia Social pela UFSC. Contato: [email protected]. 261

inspiração etnográfica e feita em uma igreja evangélica. Se o material etnográfico é quase sempre resultado da “atividade singular do pesquisador no campo, em um momento específico de sua trajetória pessoal e teórica”,18 como proceder quando duas (ou mais) singularidades estão juntas em campo? Como fazer quando os mesmos têm relações diferentes, e por vezes divergentes com a instituição religiosa? Como traduzi-las para a forma textual sem que as diferentes perspectivas dos autores se perca? Estas questões resumem nossas principais dificuldades ao pesquisar juntos o ministério BR, da BDNF. Um dos recursos que encontramos para nos colocar no texto com o fim de procurar demonstrar algumas das diversas negociações metodológicas entre nós foi a utilização de um narrador em terceira pessoa nas partes do texto que diz respeito as singularidades de cada um.

Outras negociações foram sendo agenciadas conforme surgiam diferentes questões,

como as que envolviam a ética da pesquisa. Como utilizaríamos as entrevistas? Nomearíamos as pessoas, como é costumeiro na história oral – da qual Maranhão Fo é partidário e reivindica radicalização de alguns conceitos? Ou optariam pelo “anonimato”, como é mais corrente entre alguns antropólogos?19 Outras questões envolviam as entrevistas – ou melhor dizendo, as entre-vistas – visto que trata-se de trabalho compartilhado entre pesquisador e pesquisado, que por vezes acaba subvertendo tais papéis. Utilizariam-se de narrativas advindas de conversas informais na composição de um texto que representaria a entrevista? E postagens de Facebook, discursos de emails – caberia utilizá-los como parte de discursos “nativos”, incorporando algumas destas narrativas escritas como componentes de entrevistas? Se optassem por tal uso, como fariam para referi-las? Advogariam uma intensificação da ideia de “traição” do texto – admitindo a subversão até consequências inesperadas? E por fim: caso optassem por radicalizar o texto transcrito e transcriado, quais os desdobramentos éticos? Uma “conclusão” foi concordada por Sene e Maranhão Fo: quaisquer que fossem os procedimentos em relação à utilização dos discursos dos colaboradores, deveria atrelar-se este uso ao conhecimento e aprovação dos mesmos. E mais: não era suficiente repassar uma entrevista por email aos mesmos para obter uma assinatura eletrônica autorizando a publicação da mesma. Era preciso mostrar ao entrevistado de que maneira sua entrevista

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SEEGER, 1980. É importante ressaltar que no caso de alguns antropólogos não ocorre necessariamente o anonimato, mas sim, a negociação com o sujeito com o qual se realiza a entrevista. Caso a pessoa prefira que seu nome seja colocado, é feito, porém se a pessoa prefere manter sua privacidade, cria-se um nome fictício. Neste texto, os nomes das pessoas entrevistadas são fictícios para preservar o anonimato. 19

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estava sendo utilizada no processo de bricolagem narrativa – como ela estava sendo (des) contextualizada. Tais diálogos deram vista a perspectivas que sinalizavam, antes de tudo, para uma condição de entre-disciplinas. Ambos os pesquisadores sentiam que – ainda que tivessem tido formação específica em áreas distintas –, Sene como cientista social/antropóloga e Maranhão Fo como historiador –, tais fronteiras apresentavam-se cada vez mais borradas. Especialmente para este segundo, visto que o mesmo não costuma declarar-se um historiador stricto sensu. Este entendimento de que os limites pareciam cada vez mais móveis, entretanto, trazia em seu bojo uma dúvida: ambos os pesquisadores já vinham de perspectivas entre-disciplinas? Ou com o convívio estas foram sendo negociadas e intensificadas? Provavelmente tenha ocorrido um pouco das duas coisas. O fruto das negociações que fizemos bem como da maneira que optamos em manter nossas subjetividades podem ser vistos na parte seguinte deste texto.

1.2

Percursos de encontros e (re) encontros

No domingo do dia 02 de setembro de 2012, Sene e Maranhão Fo caminhavam pela Costa da Lagoa – bairro localizado no leste da ilha de Florianópolis -, quando avistaram Rodrigo Aldeia - Digão -, pastor da Bola de Neve Church correndo. Digão usava uma camiseta amarela de dry fit com o slogan do Bola Running, tênis específico para corrida e um aparelho que o hidratava diretamente enquanto corria. Conversaram brevemente com o mesmo, que os convidou para ir à BDN. Ao primeiro, disse que seria uma honra que este fosse à igreja e tomassem um café juntos posteriormente. À segunda, estendeu o convite para que comparecesse ao culto noturno. Resolveram, naquela mesma tarde, assistir ao culto. Este culto foi o primeiro contato de Sene com a BDN, porém, o reencontro de Maranhão Fo com a mesma, dando início à largada de ambos para o campo. Sene conhecia a BDN somente através dos artigos de Maranhão Fo, que mantinha relações com a BDN desde 2005. Até então, a relação do último com tal agência evangélica havia sido marcada por momentos distintos: o primeiro, por sua entrada em campo, o segundo pela mescla entre participação observante e afeto, e o terceiro, por um distanciamento e desafeto. O primeiro momento se deu em 2005, quando Maranhão Fo conheceu a BDN e iniciou sua observação participante na igreja. Já o segundo, entre 2005 e 2006, quando “a grande onda o 263

pegou”. Durante este período, o mesmo frequentou reuniões na sede – que até então era localizada no bairro do Rio Tavares – e em células, sendo inclusive convidado a participar do curso de líderes da última e instituído como tal, embora tenha recusado o convite para assumir o cargo por discordar de diretrizes da agência. Ocupou a liderança do ministério de futebol society e passou por ministérios como o de Boas Vindas, Assistência Social, Dança e Infantil. Além disso, promoveu festas gospel da BDN em sua casa, e ajudou em diversas atividades da igreja, como a construção do half pipe (pista de skate). Quando Maranhão Fo realizou essas atividades, não havia ingressado no mestrado, porém fazia especialização em Ecumenismo e Diálogo Inter-Religioso no ITESC (Instituto Teológico de Santa Catarina). Embora no ambiente da BDN Maranhão Fo fosse visto pelos nativos como fiel, o mesmo sempre se viu e identificou como pesquisador. Levando em consideração os aspectos destacados anteriormente, a experiência de Maranhão Fo se assemelha ao que Loï Wackcant convencionou participação observante, pois suas reflexões fizeram com que ele próprio se inserisse como objeto e sujeito de observação, tendo como notas, ao mesmo tempo, as de um pesquisador em campo, e as de um aprendiz de líder, por exemplo, tornando a experimentação um meio a serviço da observação. Porém, não se pode negar que Maranhão Fo foi afetado (SAADA, 2005) ao longo de sua experiência. O afeto aqui aparece não só pelo fato dos fiéis da BDN verem Maranhão F o como um deles, mas também pelo mesmo, durante aquele período, se envolver com alguns projetos da agência, fundamentado em alguns princípios cristãos em comum. O afeto em sua experiência não está ligado ao afeto emocional que escapa à razão, mas “de afeto no sentido do resultado de um processo de afetar aquém ou além da representação.”20 Ao ser visto como fiel e instituído líder, Maranhão Fo se deixou afetar por forças semelhantes as que afetam os demais, estabelecendo um tipo de relação, que “envolve uma comunicação muito mais complexa que a simples troca verbal que alguns imaginam poder reduzir à prática etnográfica” 21, concedendo “estatuto epistemológico a essas situações de comunicação involuntária.” 22 O segundo momento tem como característica principal o distanciamento do autor em relação à BDN. O estopim deste distanciamento se deu quando foi ungido líder de célula e manifestou vontade de abri-la no Monte Serrat. As lideranças da BDN não aprovaram a localização da célula, justificando que as pessoas daquela região não desceriam aos domingos para ir ao 20

GOLDMAN, 2005. GOLDMAN, 2005. 22 FAVRET- SAADA, 1990a: 7-9. 21

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culto. Decepcionado, Maranhão Fo abriu mão do cargo de liderança, e passou aos poucos a se distanciar da BDN, criando de certa forma, um (des) afeto. Suas atividades já não eram tão intensas quanto no primeiro momento, e nesta época, que durou de 2006 a 2010, o mesmo passou a visitar e frequentar outros ministérios de Florianópolis, como: Assembleia de Deus, Sara Nossa Terra, Renascer, Metodista, Batista, IURD, Nazareno, Maranata, Banca do Rap Cristão, Surfistas de Cristo e Calvary Chapel. Em 2008, ingressou no programa de pósgraduação em História do Tempo Presente na UDESC, com um projeto sobre a trajetória gospel de Elvis Presley, porém, com a inviabilidade da pesquisa, resolveu ter como campo a BDN. Sua participação observante de 2005 a 2006 o possibilitou um olhar de perto e de dentro,23 porém o distanciamento fez com que ele tornasse aquilo que lhe era familiar, exótico.24 Com a defesa de sua dissertação em 2010, 25 Maranhão Fo retorna para São Paulo e ingressa no doutorado em História Social na USP, com projeto sobre o trânsito poético das canções de Rodolfo Abrantes, ex-cantor dos Raimundos e atual missionário da BDN Balneário Camboriú, o qual foi abandonado logo depois de sua entrada no doutorado. 26 Em 2010, Maranhão Fo participa de alguns cultos da BDN SP a fim de acompanhar suas permanências e inovações, e em 2011, não faz nenhuma visita a BDN – dando início a uma não relação com a BDN. A não relação deve ser entendida aqui como física, pois Maranhão Fo se manteve refletindo sobre a agência religiosa e publicando trabalhos.27 O (re) encontro com Digão inicia um quarto momento do relacionamento de Maranhão F o com a BDN – que será abordado no próximo tópico. Como se pode perceber ao longo do texto, Maranhão F o e Sene tiveram relações – ou não relações - distintas com a BDN. Essas (não) relações – ambivalentes – são de suma importância para que se compreenda a forma que ocorreu a entrada de ambos em campo, bem como a forma que os fiéis os viam ao longo desse curto período de tempo.

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MAGNANI, 2002; VELHO, 2003, VELHO, 1987. 25 Sua dissertação foi intitulada “A grande onda vai te pegar: Mercado, mídia e espetáculo da fé na Bola de Neve Church”, defendida em fevereiro de 2010 e orientada pelos professores Márcia Ramos de Oliveira (UDESC) e Artur Cesar Isaia (UFSC). 26 O projeto foi deixado de lado e substituído por outro, julgado mais relevante para o autor, relativo aos trânsitos identitários religiosos de pessoas que se classificam em trânsitos de identidades de gênero. 27 Maranhão Fo 2009, 2010a, 2010b, 2011, 2012a, 2012b, 2012c. 24

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1.3 A grande onda vai os pegar? Chegando em campo entre (des)afetos Quando na noite de 02 de setembro de 2012 Maranhão F o e Sene chegaram ao culto, uma garota com uma camiseta da BDN os direcionou para os lugares vazios, que eram poucos – cerca de dez, de aproximadamente quatrocentos e cinquenta lugares que a igreja tem como um todo. Sentaram-se, e assistiram a pregação, pois o momento de louvor já havia ocorrido. Ao fim do culto, Maranhão Fo manifestou para Sene seu espanto com a diferença do público que frequentava a nova sede da BDN – localizada agora na Rua Lauro Linhares, Trindade. Ali não estavam presentes nem 10 pessoas da época em que frequentava a igreja – no Rio Tavares -, e os que permaneceram foram basicamente os presbíteros. 28 Maranhão Fo foi conversar com aqueles que conhecia, que ficaram surpresos em vê-lo ali. Perguntavam a ele onde estava, se congregava em outro lugar. Como muitos se olvidavam de seu estatuto de pesquisador, e atribuíam a ele o lugar de fiel, Maranhão F o parecia ser visto por estes como o filho pródigo. Quando Maranhão Fo apresentava Sene, algumas pessoas perguntavam qual era a sua religião, bem como se conhecia a Palavra. Como parecia que percebiam que Sene não dominava o linguajar local, desde aquele momento, aos olhos deles Sene figurava como uma possível convertida, e todos foram com ela muito receptivos, a convidando para retornar. Maranhão Fo e Sene ainda não tinham claramente o objetivo de pesquisar juntos a BDN, porém a mudança de sede da igreja do Rio Tavares para a Trindade os deixava inquietos. Como naquele culto ficaram sabendo que na quinta-feira seguinte, dia 06 de setembro de 2012, iniciaria uma célula29 dentro da UFSC, criaram a hipótese de que poderia haver uma relação entre a mudança de local da sede da igreja e a conquista de um novo público alvo, os estudantes da UFSC. A partir de então, passaram a acompanhar as reuniões da célula UFSC.

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Os presbíteros são pessoas, que segundo o discurso nativo, são levantados por Deus, através de unção e direção do Senhor ao Pastor. Os mesmos têm diversas funções na Igreja, entre elas preparar e oferecer a ceia, colocar os copos de água no púlpito para o Pastor, aconselhamento e oração, recolher e cuidar da oferta na casa de Deus, batismo, visita e unção nos lares, controlarem a saída e entrada no intervalo dos cultos e ajudar nos eventos. Os presbíteros e suas respectivas esposas se encontram no caso da BDN, na terceira escala de hierarquia, ficando abaixo do apóstolo e pastor, e das esposas dos mesmos. 29 As células, na BDN, são encontros entre fiéis, mediados por líderes formados a partir de cursos próprios da agência. Tem o papel de atrair e organizar novos integrantes da mesma, reforçando a mensagem transmitida no culto de domingo, sanando dúvidas e propiciando um espaço de interação e sensação de pertencimento. Em geral são realizadas em casas, tendo um líder e um anfitrião, mas podem ocorrer em espaços alternativos, como no caso da Célula UFSC. Células e ministérios funcionam como agenciadores da midiatização e consolidação da BDN, já que estimulam a inserção sócio-religiosa do fiel, atuam na instauração de sensação de pertencimento a uma comunidade de sentido e na adequação aos discursos da agência. 266

Na célula, desde o primeiro dia se identificaram como pesquisadores. 30 As pessoas não manifestaram nenhuma recusa à pesquisa, porém, os líderes que não conheciam Maranhão Fo, já que eram novos na BDN, pareciam incomodados com a presença dos pesquisadores – embora fosse de se esperar que aparecessem pesquisadores na célula, pois estavam no ambiente da UFSC. Pelo fato da BDN ter como característica principal um discurso bélico, que enfatiza a luta do bem contra o mal, onde do lado do bem figuram os convertidos que abriram mão de uma relação com a Babilônia, e do mal aqueles que vivem no mundo,31 Maranhão Fo e Sene pensaram na possibilidade de estarem sendo, ali, vistos como o mal. Fator este, que ao mesmo tempo em que possibilitava que as portas fossem fechadas para a pesquisa, as abria, pois como indivíduos perdidos no e do mundo, deveriam ser evangelizados. Mas como e porque pensaram na possibilidade de estarem sendo vistos como perdidos? Como atestou Matheus em uma reunião de célula, há três formas de se estar perdido:

Estar perdido pode ser você nunca ter ouvido falar de Jesus, nunca ter ouvido falar de Deus. Você não conhece a Deus, você não conhece a Jesus Cristo, se nós não reconhecemos, nós estamos perdidos. Essa é uma forma de estar perdido. Outra forma são as pessoas que já ouviram falar de Jesus Cristo, conhecem, aceitam que Jesus Cristo morreu pra salvar nossas vidas, mas por algum motivo elas estão distantes. Estão distantes do amor, estão distantes de ver a palavra, estão distantes da comunhão com Cristo. Então essa é outra forma de estar perdido. Existe ainda uma terceira forma que é aquela pessoa que sabe que Deus existe e que ele enviou o seu filho para morrer pelos nossos pecados, mas ele toma posse do livre arbítrio e decide que ele não aceita isso para a vida dele. Então essa pessoa também está perdida, e num nível diferente que é um nível de que ele se posicionou que não quer aceitar o amor de Cristo.

Maranhão Fo e Sene, devido a suas trajetórias e relações com a BDN, pareciam se enquadrar em diferentes formas de perdido. O primeiro, como conhecedor da palavra de Deus, porém distante. Já a segunda, por não conhecer a palavra.32 Um evento de evangelismo feito pela banda IDE na praça Santos Dumont – conhecida popularmente como praça do Pida -, os pareceu tornar essa hipótese mais viável. Na praça, enquanto a banda fazia louvor ao ritmo de 30

Já nesta primeira ocasião, Maranhão Fo entrevistou os dois líderes da Célula UFSC da BDN. Maranhão Fo 2009, 2012b, 2012c. 32 Com o curto tempo de pesquisa, Sene ainda não sabe até que ponto pode sustentar tal afirmação, pois certamente cada pessoa os vê de uma forma. Sendo assim, ela acredita que esta seja uma hipótese inicial, que pode ser relativizada e descontruída até o final da pesquisa. Já Maranhão F o acredita que alguns membros da BDN, sobretudo os líderes o vê com desconfiança. 31

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gospel reggae, havia um grupo de estudantes da UFSC festejando. O momento ápice do evangelismo, bem como da festa, se deu quando pediram para que a banda IDE cantasse parabéns para a aniversariante do grupo de festejantes. A banda não só cantou como, em seguida, grande parte dos membros da BDN que estavam ali presente - cerca de 50 – se reuniram ao redor da festa, e oraram por eles. Enquanto Sene fotografava o evento, Maranhão Fo ficou próximo de uma das fiéis da BDN, e exclamou: “Evangelismo de fogo este, não irmã?”, que para sua “surpresa”, respondeu: “É a luta do bem contra o mal”, e após alguns segundos de reflexão: “mas pode também ser a luta do bem contra o desconhecido, o ignorante, já que eles não conhecem a Palavra”. A partir desse momento Sene e Maranhão Fo pareciam (hipoteticamente) representar não só perdidos, mas ainda, se enquadrar em outra categoria das figuras que representam o mal: a do intelectual. Nas células da UFSC, a desvantagem de ser um intelectual perdido era evidente, já que por várias vezes a Universidade era vista como um local que, quando não se tomava os devidos cuidados, ou seja, não se vivia em comunhão com Deus, levava às várias formas de pecado.33 O lugar dos pesquisadores pareceu receber outro estatuto quando os mesmos passaram a frequentar os treinos do BR e os cultos dominicais. Sene e Maranhão F o deram inicio à pesquisa no BR após terem escutado, durante o 2º dia de reunião da Célula UFSC, breve testemunho de Maurício. Tal testemunho foi ampliado na 3ª reunião, acompanhada por Sene, quando o mesmo narrou a respeito de duas curas divinas: A primeira dizia respeito a cura de um problema no coração que, antes do mesmo conhecer Jesus, o impossibilitava de fazer esportes físicos, principalmente esportes de explosão como a corrida, e a segunda, de uma breve paralisação nos músculos de seu filho, curado após sua esposa e ele orarem para Jesus, e passarem óleo de unção na criança. Sene e Maranhão Fo já tinham pensado em estudar as noções de doença e cura na BDN, e o testemunho de Maurício parecia para os mesmos uma porta de entrada interessante, sobretudo o testemunho que fala de si mesmo, onde articula doença, cura divina e esporte. Maranhão F o e Sene decidiram levar a sério34 a articulação de Maurício, iniciando uma pesquisa no ministério do BR, e tentando perceber se a articulação feita pela mesmo permanecia no 33

Na peça de teatro realizada pelo ministério Em Chamas, no dia 01/12/2012 a figura do intelecto também foi enfatizada como pertencente ao lado do mal. 34 VIVEIROS DE CASTRO, 2002. 268

discurso dos outros corredores. Afinal, o que seria considerado doença e cura para os membros da BDN, em especial, para os do BR? Como a corrida entraria nas relações entre religião, doença e cura? A pesquisa só seria possível se Maranhão Fo e Sene participassem dos treinos do BR, e foi o que os mesmos fizeram. A inserção no ambiente do BR foi rápida e sem empecilhos. Maranhão Fo e Sene participaram pela primeira vez dos treinos do grupo na manhã do sábado de 10 de novembro de 2012. Ao chegarem lá, havia apenas quatro pessoas: a personal trainer Andrea (líder informal do grupo), Juliana, Pedro e Breno. Como os mesmos estavam se alongando, Sene perguntou se podia correr com eles, que prontamente responderam que sim. Porém, perguntaram se esta estava acostumada a correr. Sene respondeu que não, e Andrea passou a ensiná-la os passos iniciais da corrida, dizendo que pela sua falta de costume na prática esportiva, devia correr durante dois minutos e caminhar cinco, revezando o processo no percurso que se inicia no trapiche da Beira-Mar Norte, vai até o shopping Beira Mar, e retorna ao ponto de partida. Enquanto Sene literalmente corria atrás dos nativos, e bem atrás - como pode ser visto na figura abaixo (fig.1) -, Maranhão Fo fotografava, pois uma lesão no tornozelo o impedia de correr. Durante o primeiro treino, Sene correu sozinha, porém, em todos os outros que participou, inclusive na corrida das mulheres da BDN – que ocorreu no dia 23/11/2012 -, sempre havia outra mulher correndo com ela. Era nos momentos de corrida que Sene socializava com algumas das garotas do BR – quase sempre, com aquelas que tinham um ritmo menor de corrida -, e onde muito mais que aprender as normas da corrida, aprendia as normas da BDN.35 Neste sentido, Sene era tratada não só como uma criança no mundo36, mas também uma criança do mundo.37 Sua ignorância frente aos ensinamentos tanto da corrida, quanto da religião evangélica era o que a possibilitava ser vista de tal forma. Porém, ser uma criança no e do mundo parecia ser viável tanto para Sene, quanto para as fiéis da BDN que corriam com ela. Se algumas das atletas da BDN queriam ensinar, Sene queria aprender. Mas porque as

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Uma das normas aprendidas por Sene durante as corridas foi a das condutas entre gêneros – o que pode ser expressa no fato de Sene só correr com mulheres. A única vez que Sene viu homens e mulheres correndo conjuntamente foi durante o primeiro dia que participou dos treinos, sendo que neste dia, o único homem presente era Breno. 36 SEEGER, 1980. 37 Estar no mundo, e ser do mundo são expressões corriqueiras entre os fiéis da BDN. Ambas são utilizadas para mencionar pessoas não convertidas. 269

mulheres do BR pareciam tão interessadas em ensinar Sene a correr, por vezes enfatizando que a mesma cada vez teria mais gosto pela corrida?

(fig 1) Treino BR do dia 10/11/2012.

Uma possível resposta pode ser dada quando colocado em ênfase o slogan do ministério BR: Evangelizar com os pés38. Ao correr com algumas garotas do BR, Sene além de aprender a correr, aos poucos tinha a possiblidade de (se deixar) ser evangelizada, e consequentemente poderia deixar de ser uma criança no e do mundo.39 O processo de possível evangelização foi o que neste caso gerou a comunicação (in) voluntária entre Sene e as corredoras do BR, ou seja, deu espaço a uma das características do afeto.40 Como já dito, enquanto Sene corria, Maranhão Fo geralmente ficava fotografando. Porém, devido a sua frequência nos treinos do BR, bem como em eventos onde os fiéis da BDN se reuniam,41 e ainda suas aparições públicas em conversas com lideranças – especialmente quando Maranhão Fo foi visto pelos membros da BR conversando com Digão depois da corrida Pague Menos,42 - ele parecia se enquadrar em categorias diversas de classificação

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Embora ali, elas também evangelizassem Sene com palavras, já que dialogavam ao longo do treino. Neste sentido, a experiência de Sene pode ser comparada a de Geertz (1989), onde o mesmo ao correr com os nativos de Bali, passa a ser reconhecidos por eles. A diferença aqui é que no caso de Sene a corrida com os nativos foi algo proposital, enquanto na experiência de Geertz soa como involuntária, já que se estava correndo da polícia, e não como uma pratica esportivo-religiosa. 40 FAVRET-SAADA, 1990 a, p. 9. 41 Como na peça de teatro do ministério Em Chamas, evangelismos em praça pública e Beira-Mar Norte, corrida Pague Menos, célula UFSC e nos próprios cultos. 42 Ganhar outro status ao ser visto conversando com lideranças da BDN aponta para mais uma de suas características, a obediência aos líderes. 39

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presente na BDN, e dentre estas a de resgatado, como afirmou uma runner no evangelismo da praça Santos Dumont. Sene como passível de conversão, e Maranhão Fo como possível resgatado, se enquadravam perfeitamente nos projetos do BR, e consequentemente da BDN: resgatar soldados para o Senhor dos Exércitos43, pois como atesta a Palavra em Matheus 18:14, o Pai não quer que nenhum dos seus se perca44.

2.Route 2.1 De um floquinho a uma avalanche: Uma breve descrição sobre a BDN

A Bola de Neve Church, agência evangélica de características majoritariamente neopentecostais, foi fundada em 1999, por Rinaldo Luiz de Seixas Pereira - para seus fiéis, ‘apóstolo Rina’.45 O público-alvo inicial da BDN era formado por “jovens” de classe média e média alta da capital e litoral paulista. Grande parte destes, surfistas, skatistas e atletas em geral. Em maioria, fãs de gêneros como o reggae e o rock e conectados à internet. O ciberespaço, aliás, é a principal plataforma de midiatização da BDN, o que a distingue da maioria das agências religiosas, inclusive das consideradas neopentecostais.

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Como aponta Maranhão Fo 2012a, 2012b e em A Bola de Neve avança, o Diabo retrocede: preparando davis para a batalha e o domínio através de um Marketing de Guerra Santa – no prelo – a batalha espiritual é uma das principais características da BDN. A alusão a expressões relacionada aos domínios da guerra é uma constante entre os fiéis de tal agência religiosa. Como exemplo, podemos citar um dos ministérios que compõe a BDN, o ATACAR. As músicas figuram como um dos principais meios de guerrear. A expressão Senhor dos Exércitos usada no texto faz alusão ao título de uma das músicas cantadas com mais frequência nos cultos que Maranhão Fo e Sene assistiram. 44 Palavra proferida por Léo durante a 2a célula da UFSC. 45 Rina é formado em propaganda e marketing, pós-graduado em administração e também surfista. 46 Em relação à inferência de que o público da BDN é formado em sua maioria por pessoas de classe econômica alta e média, isto é muito bem identificado em unidades praianas como Florianópolis e Balneário Camboriú (SC). Observando a BDN Floripa em 2012, Maranhão F0 e Sene perceberam que o público continua formado por “jovens” de classe média e média alta, o que pode ser entendido através de marcadores como vestimentas, adornos e carros estacionados. Outro indicador está em alguns dos serviços oferecidos antes, durante e depois dos cultos: além das tradicionais Cantina e Lojinha da Bola, a nova unidade conta com o Filadélfia Sushi Bar. Na igreja-sede em São Paulo (e em outras unidades), por sua maior heterogeneidade, fluxo de visitantes e efeitos da exposição midiática secular, é possível que a informação relativa à classe econômica da maioria dos fiéis possa vir a ser mais relativizada. Novos estudos poderão suprir o entendimento sobre mudanças no perfil da BDN, agência em processo de resignificação de sua expressão identitária religiosa. Para mais detalhes, ver Maranhão Fo 2010a. 271

O contexto de geração no qual se insere a BDN aponta para uma “juvenilização da fé”, já que seu público é formado principalmente por sujeitos de 12 a 35 anos.

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Com a midiatização

sofrida pela agência, seu público ampliou e tornou-se mais heterogêneo, ainda que houvesse um esforço da mesma em reverberar uma identidade religiosa de “igreja de surfistas”. 48 As diferentes unidades da BDN podem ter públicos-alvo distintos. A sede da BDN Floripa, por exemplo, tem intensificado os esforços para conquistar os estudantes da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Este é seu nicho principal, seguido de surfistas/skatistas, corredores e outros tipos de atletas. Para o entendimento de como a BDN vê seu surgimento, como propaga sua identidade e discursos, Sene e Maranhão Fo enfatizam na importância da maior ferramenta midiática da agência, o sítio www.boladenevechurch.com.br. Segundo a seção Quem somos, a gestação da BDN Church se deu em 1993, com reuniões organizadas por Seixas após problemas de saúde e “experiência pessoal com Deus”:

A história da Igreja Bola de Neve em São Paulo confunde-se um pouco com a própria história do Apóstolo Rina. Depois de uma hepatite, dores muito fortes e uma experiência pessoal com Deus, nascia uma reunião descompromissada, mas que precisava de um nome. Não demorou para aparecer um que expressasse a realização do sonho, uma Bola de Neve, que começando pequenininha, vira uma avalanche. Isso foi em Dezembro de 1993. A Bola de Neve, na direção de Deus, ia rolando e cumprindo seu papel.49

Alguns autores, entretanto, discordam desta narrativa. Segundo Aline Durães e Eduardo Refkalefsky, a conversão se deu “em 1992, depois de um conturbado carnaval, que culmina em uma overdose” onde o “surfista paulista Rinaldo Pereira fica internado em um hospital”. Para eles, “a experiência traumática levou Rinaldo a associar a cura à ajuda divina e a utilizar o tempo de repouso para ler a Bíblia e se converter ao cristianismo.”50 Para Claiton Cesar e Marcos Stefano, “Rinaldo Seixas teria contado que, em 1992, após uma overdose de cocaína, agravada por uma crise de hepatite C, ficou cego e paralisado por alguns

47

Segundo Maranhão Fo 2012 a, o conceito de juventude ultrapassa a idade cronológica e as pessoas podem simplesmente sentir-se jovens. 48 MARANHÃO Fº, 2009, 2010 a, 2012a. 49 Quem Somos. Bola de Neve Church. Disponível em < www.boladene.com.br/index2.php?secao=quem> Acesso em: 10 ago. 2012. 50 REFKALEFSKY; DURÃES, 2007. 272

instantes.” De acordo com eles, Rinaldo “pensou que fosse morrer, mas, após uma oração em que entregou sua vida ao Senhor, recuperou-se milagrosamente,” passando a frequentar a Renascer e montando “um ministério para alcançar jovens praticantes de esportes radicais.” 51 Tendo ou não havido overdose, o que faz o sítio é apontar para a história conjunta da igreja e de seu fundador. Um momento original é assim construído, configurando um mito fundador a este respeito, e a partir da construção deste momento de fundação, a BDN cria uma representação identitária sobre si mesma, associada à superação e experiências pessoais com Deus.52 Talvez tenha sido a partir deste momento fundante que a BDN tenha constituído algumas das características mais relevantes de sua identidade religiosa: a cura e a batalha espiritual. Para esta agência, considerada pelos próprios nativos como “cheia de fogo”, “avivada”, “neopentecostal” e “onde o poder de Deus se manifesta através de libertações”, a cura é associada diretamente à batalha e a fé, e sinal de que o curado está em conexão com o sagrado, é obediente à Palavra e aos líderes da agência e tem a revelação de Deus. Teologias da batalha espiritual, domínio, cura, saúde perfeita e prosperidade são referentes discursivos importantes da BDN, sofrendo processos contínuos de (re) significação e (re) apropriação por seu marketing de guerra santa em trânsito. 53 Este, também é observado em relação aos eventos esportivos da agência. Se em 2010 Maranhão Fº escreveu que os eventos organizados pelo ministério Sports enfatizavam nome, logotipo e slogan54 da BDN, em 2012, Sene e Maranhão Fº observaram ora uma discrição em eventos, outras uma ênfase na “marca”. Como exemplo do primeiro, podemos citar a competição de skate – realizada no dia 1o de Setembro – nos half pipe localizados na Avenida Beira Mar, quase em frente ao Shopping Iguatemi, próxima da UFSC e de sua nova sede, na Trindade. No evento, não havia faixas, cartazes ou propagandas da BDN, ainda que líderes tenham orado pelo mesmo e feito 51

CESAR; STEFANO, 2009. A nova cara do Evangelho. Revista Eclésia. Edição 114. Disponível em: . Acesso em: 10 jan. 2009. 52 A expressão mito fundador percorre a obra de Marilena Chauí Mito fundador e sociedade autoritária, 2000. De maneira semelhante ao que faz a BDN, conforme explica Chauí a respeito do suposto achamento ou descoberta do Brasil e da América, o que existiu foi a criação de um país e de um continente pelos europeus, ou seja, no caso do Brasil, houve uma invenção marcada pela ideia de “terra abençoada por Deus”. Para Marilena Chauí, o mito fundador é constituído de “invenções históricas e construções culturais”. CHAUÍ, 2000, p. 35. A obra referida é Mito fundador e sociedade autoritária. 53 MARANHÃO Fº, no prelo. 54 O logotipo, de forma arredondada como convém a uma bola de neve, traz o nome da agência, com o anglicismo Church (igreja) destacado abaixo e seguido do slogan In Jesus we trust (em Jesus nós cremos), remetendo ao slogan dos dólares: In God we trust (em Deus nós cremos). 273

breve exposição doutrinária. Tal evento segue o modo como os acontecimentos esportivos são realizados pela BDN São Paulo (Sede). O In Time Skate Conquest, que em sua edição de 2012 ofereceu premiação de R$ 20 mil ao melhor skatista, mostra o esforço identitário da BDN em afirmar-se como “igreja de jovens esportistas”. Entrando no site da InTime, não há referências diretas à agência. Contudo, o InTime é um novo ministério da BDN, configurando-se como novo serviço de organização e divulgação de eventos do marketing esportivo-religioso da BDN.55 Já como exemplo do segundo, como mostraremos mais adiante, podemos citar o BR.56

2.2 Evangelizando com os pés: esporte, religião e cura no BR

O ministério BR surgiu oficialmente no ano de 2010 na cidade de Florianópolis, em decorrência de reuniões “descompromissadas” de um grupo de líderes e frequentadores da BDN que tinham apreço pela corrida, e consequentemente começaram a participar de maratonas, vendo nisso não só uma oportunidade de cuidar do corpo, mas também, de evangelizar, pois ao ver pessoas de diversas tribos correndo em competições, pensaram: “porque não estar ali e glorificar o nome de Deus?”. Esse pequeno grupo de corredores era de início formado por Boka, Digão, presbítero André, Breno, dentre outros. Segundo um dos runners, até então era tudo uma brincadeira, mas foi ali que o BR começou. De início, o BR não era um ministério, porém, com o grupo de adeptos correndo para Jesus aumentando, o apóstolo Rina percebeu o potencial de crescimento do mesmo e anunciou que este seria um ministério que iria evangelizar com os pés, que iria pregar sem palavras. Como atesta Janaína, “a gente não precisa falar, a gente corre”. Mas, “devemos pregar sempre, se preciso, usando palavras.” A partir de então o BR tal qual uma bola de neve se espalhou por outras cidades onde há BDN, como: Balneário Camboriú, Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, São Cetano do Sul, São Bernardo, Santo André, Ribeirão Preto, Campinas, Atibaia, São José do Rio Preto, Brasília,

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InTime. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. Já conversamos com os líderes destes ministérios, com o intuito de pensarmos futuro artigo relacionando os mesmos. 56 Sene e Maranhão Fo perceberam, em 2012, diversos novos produtos (serviços) da BDN Floripa. Dentre eles – além do BR e da Célula UFSC, destacam-se o ministério Bola Remo, Em Chamas (de teatro), e Moto-Clube da Bola. Futuramente, Maranhão Fo e Sene passarão a frequentar os mesmos com o intuito de perceber a interrelação entre os mesmos. 274

Belo Horizonte, João Pessoa, Rio de Janeiro, Niterói e Vila Velha. Sobre o crescimento do ministério, Janaína argumentou que “se metade das Bola de Neve do país tiver um Bola Running com 10 corredores, em breve teremos o maior contingente de corredores por grupo do Brasil”.57 Mas, como é possível evangelizar com os pés? Se atentarmos para a forma como o grupo se estrutura, bem como articula seus treinos e participa de competições, a resposta à essa pergunta se torna mais clara. O grupo se divide hierarquicamente em: líder espiritual, líder, e demais membros, sendo que todos são corredores. O líder espiritual é o presbítero Boka, que tem como função supervisionar o andamento do ministério, assim como gerenciar a fan page do grupo.58 Nos cargos de lideranças subordinados ao líder espiritual, estão Kaue e Fernanda, que são responsáveis pela organização material das coisas, como, fazer inscrição dos grupos em corridas. Atualmente, o ministério BR conta com mais de 20 membros participando de maneira flutuante dos treinos. Destes, aproximadamente 15 correm em competições – tais quais Volta à Ilha, Mountain Do e Corrida Pague Menos.59 Os mesmos correm por categorias e distâncias diferentes, que correspondem ao potencial físico de cada um.

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O treino acontece duas vezes por semana, aos sábados e quartas-feiras, sendo aos sábados matutino, e as quartas-feira, noturno. O último é também conhecido como Bola Night Run. Ambos têm como locus a pista de corrida da avenida Beira-Mar Norte, e como ponto de encontro o Trapiche, local da avenida que aparentemente tem a maior concentração de esportistas, já que é um dos únicos pontos onde estacionamento, lanchonete consequentemente banheiros – e aparelhos de ginástica se encontram em proximidade, além de ser um ponto nobre da avenida, próximo ao Shopping Beira Mar. Os treinos duram entre uma e duas horas. O matutino se inicia 08h30, enquanto o noturno, 19h30.

61

É importante

57

Conversa informal após a prova da Corrida Pague Menos. Não podemos afirmar com toda convicção que é somente Boka quem administra a fun page. As lideranças do BR são subordinadas a outras – a do Pr. Digão, bem como do apóstolo Rina. 59 No ano de 2013, o grupo masculino do BR competiu no Volta à Ilha, e ainda, Pr. Digão e Boka participaram de uma corrida no deserto do Atacama. 60 Nas competições, os grupos costumam ser divididos por gênero, idade e percurso, por exemplo. O que é uma prerrogativa das mesmas. Em relação ao BR existe uma dicotomia de gênero que não tem necessariamente a ver com o preparo físico. São questões de gênero. A dicotomia de gênero é reiterada, visto que homens e mulheres treinam em separado. Embora nem todos sempre corram em grupos, há os que correm em grupo e os que correm separados. Já no tocante a idade não ocorre divisão semelhante a feita nas competições.. 61 Durante o mês que Maranhão Fo e Sene participaram dos treinos, perceberam que as quartas-feiras tem mais corredores que os sábados. 58

275

destacar que a maior parte dos corredores correm com a camiseta-uniforme do BR, e aqueles que não a têm, geralmente correm com camisetas referenciando a BDN 62.

(fig 2) Modelos de camiseta BR63

O momento do treino é subidividido em cinco partes: Oração inicial, alongamento, breve aquecimento, corrida/caminhada, e oração final. A Oração inicial é ministrada seguindo a hieraquia do grupo. Se o líder espiritual está presente, o mesmo a faz, porém, se o mesmo não está, a oração se torna responsabilidade dos outros líderes. Caso nenhuma das lideranças esteja presente, a oração é feita por Andrea, que é personal trainer e vista por muitos como líder informal do grupo.64 As orações se assemelham muito ao “bricoleur”de orações que se segue: Pai, agradecemos por estar juntos aqui, poder correr e evangelizar com os pés. Que as pessoas vejam a sua glória em nossos semblantes e possam ser tocadas pela sua presença. Coloca anjos com espadas de fogo ao nosso redor, afastando toda investida do diabo, e que o inferno seja mais uma vez envergonhado nesta noite, para tua honra e glória. Protege cada um aqui de lesões e machucados, e vai cuidando de nosso caminho de ida e de volta. Agradecemos em nome de Jesus, amém.65

Após a oração os alongamentos são iniciados, durando um curto período de tempo, no qual são alongados braços, cabeça e perna. Até então todos estão juntos. Em seguida, as pessoas que vão correr ficam próximas uma das outras, assim como as pessoas que vão só andar, ou que vão fazer revezamentos entre caminhar e trotear. No momento do breve aquecimento 62

No último treino do BR, Maurício explicou que tem intenção de mandar confeccionar uniformes em amarelo e preto para os membros que participarem de corridas, como forma de maior divulgação do BRF. 63 Corrida Pague Menos63 – 25/11/2012. Créditos: Talita Sene. 64 Durante praticamente todos os treinos frequentados por Sene e Maranhão Fo, foi Andrea quem deu as coordenadas para o grupo e fez as orações. E quando alguém tinha dúvidas, era a ela que recorriam. Porém, quando perguntaram para Maurício a função de Andrea no grupo, o mesmo respondeu que ela não ocupava nenhum cargo de liderança, e que era só professora de educação física. 65 Narrativa criada por Maranhão Fº, fundamentado em sua experiência como ex-líder do ministério de futebol society entre 2005 e 2006 e em escuta compartilhada com Sene de treinamentos da BRF em novembro de 2012. 276

todos vão troteando para o lado esquerdo da Beira Mar – sentido ponte Hercílio Luz –, por cerca de 100 metros. Em seguida, cada pequeno grupo dispara em seu próprio ritmo para o lado oposto, se distanciando um do outro. O grupo de maior preparo físico corre geralmente 8 km, e o de menor, caminha, ou revesa caminhada e corrida por 1 km. As pessoas são livres para escolher a quilometragem, bem como a velocidade que querem correr. Se os grupos e as pessoas pertencentes aos mesmos saem juntas, elas chegam em separado, principalmente os homens, que fazem percursos mais longos. As pessoas que chegam antes ao ponto de chegada ficam esperando as outras, socializando durante este tempo. As conversas sempre giram em torno de assuntos da BDN. Ninguém vai embora até todos chegarem para fazer a oração final. Quando todos chegam, a oração é feita em conjunto, e tem os mesmos moldes da oração inicial, adicionando a ela o agradecimento por todos terem chegado bem.

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Depois disso, as

pessoas vão para casa. Toda – ou quase toda – última quarta-feira do mês eles colocam uma tenda próxima ao Trapiche, na qual o grupo de gospel reggae IDE se apresenta. Quando participam de competições, a tenda também é armada – porém sem os músicos –, e todos vão devidamente uniformizados com a camiseta do BR.67 Antes e depois da corrida, também oram. Além disso, as mesmas contam com um fotográfo oficial da BDN. O que os difere de um grupo de corrida que não faz parte de uma agência evangélica, a não ser pelo momento da oração? Porque eles evangelizariam com os pés, se para os cristãos a palavra é prerrogativa básica para ganhar fiéis para Jesus? A resposta de Mônica a essa pergunta deixa tudo mais claro.

Eu acho que a gente evangeliza calado por ter o In Jesus we trust em nossa camiseta. Assim já está sendo conhecido né. No Mountain Do, por exemplo, teve também os fotógrafos do Bola Running que tiraram fotos. As pessoas de outras equipes às vezes entram no Facebook, vêem as fotos e se interessam em conhecer a igreja. Isso gera a interação também, né? Então a gente evangeliza calado, mas os outros corredores sabem que é uma equipe cristã de uma igreja evangélica.68

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Sene e Maranhão Fo nunca viram ninguém se machucar ao longo dos treinos, então não sabem como seria feita a oração caso isso acontecesse. 67 A tenda foi armada em ambas as competições/corridas que fomos observar – Pague Menos e Corrida das mulheres, esta direcionada às mulheres da igreja. Vimos a tenda também nas fotos de outras corridas, porém não sabemos se ela é armada de fato em todas as corridas. 68 Entrevista com Mônica, no dia 25/11/2012. 277

Correr com a camiseta-uniforme do BR é então a principal forma de evangelizar com os pés, calado. Ao estar com o slogan in Jesus we trust em destaque no peito e nas costas, eles já estão atestando a presença de Jesus para aqueles que desconhecem a Palavra. Pois, como afirma Janaína,

Só em quatro paredes às vezes é complicado as pessoas chegarem. Então o Running também é isso, de trazer pessoas para ver que tem pessoas que não só temem a Deus, tem uma religião, mas não são pessoas bitoladas. Às vezes é uma forma sutil da pessoa chegar para a igreja, conhecer Deus através do BR e dos outros ministérios da igreja.69

Além do uso da camiseta, alguns corredores da BDN, usam táticas gestuais para mostrarem para quem estão correndo. Na corrida observada por Sene e Maranhão F o, uma das corredoras, ao perceber que seria fotografada enquanto corria, apontou para o slogan da BDN.70 Outra, ao chegar no ponto final da corrida, fez gestos apontando para o céu. O tipo de estratégia de evangelismo utilizado pelos corredores do BR, principalmente o uso de gestos, se assemelha muito às estratégias de um dos maiores ministérios de esportistas evangélicos do Brasil: Os Atletas de Cristo.71 Reinaldo Olécio Aguiar, em texto onde reflete sobre o futebol entre os mesmos, mostra que “o ato de apontar para o céu em gratidão a uma suposta bênção divina se tornou lugar comum entre os jogadores evangélicos”.72 Se o propósito dos atletas do BR é evangelizar com os pés, que lugar ocupa para estes a noção de competição, de vitória? Para os corredores do BR parece ser mais importante vencer a si mesmo, ou seja, se superar, do que vencer outros competidores, embora a vitória de certa forma importe sim, afinal, colocaria em evidência a agencia religiosa, assim como Jesus. Como destaca Janaína: “Competição? Tem os profissionais e tem os amadores. Muitas vezes os amadores querem uma posição boa, mas tem aquilo de querer melhorar o seu tempo.”

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Idem nota 62. Após a corrida, Sene e um grupo de garotas da BR foram tirar fotos no estande da Medley, onde as fotografias eram gratuitas e saiam instantaneamente. Como a foto saia tal qual aparecia em uma tela voltada para o publico, duas corredoras tentavam se posicionar de modo que aparecessem sutilmente em fotos alheias apontando para o slogan da BDN. 71 Atletas de Cristo é um ministério que reúne atletas profissionais de diversas modalidades esportivas provenientes de diferentes igrejas evangélicas. O grupo surgiu em 1982 e tem como objetivo pregar o evangelho para atletas profissionais não cristãos. 72 AGUIAR, 2011. 70

278

A noção de autosuperação presente entre alguns corredores do BR, quando associada com a história da igreja, bem como com os seminários de cura e libertação parece ser um dos bons caminhos para pensar a relação entre a cura, religião e esporte no BR, embora, não seja o único. *** Quando Sene e Maranhão Fo resolveram estudar a relação entre doença, esporte e cura no BR, inspirados pelo testemunho de Maurício – onde a cura aparecia relacionada à doença física –, imaginaram que escutariam testemunhos semelhantes, falando de lesões que foram curadas pela fé e da eficácia da cura divina perante a biomedicina. Porém, além de escutar testemunhos semelhantes ao do mesmo, quase sempre que questionavam os corredores sobre a relação do ministério com a cura, os mesmos respondiam fazendo uma oposição entre drogas e corrida cristã, enfatizando que a última tiraria as pessoas das drogas. O que eles estavam falando sobre doença e cura quando faziam tal relação? O que eles queriam dizer sobre droga? Tudo ficou um pouco mais claro quando Janaína, ao falar dos propósitos do BR disse que a corrida era um “meio não só de liberação, de promoção de cuidados saudáveis, mas também uma forma de evangelizar e levar Jesus Cristo num ambiente onde as pessoas aparentemente são saudáveis”. Janaína, com “aparentemente saudáveis” quis dizer de forma sutil que “muitos atletas são consumidores e dependentes de drogas que aumentam e melhoram a performance, o que geraria nas mesmas uma prisão”, pois “a pessoa só consegue, ou acha que consegue chegar a determinados pontos se consumir drogas”. 73 Janaína faz uma oposição clara entre saúde e drogas, sendo que a última aparentemente representaria o mal a ser combatido. Já Mônica, ao falar sobre o assunto, destaca que:

Tem um pessoal - os dependentes químicos - que se voltam para o esporte. Que fazem essa junção entre o Bola Running e o Nova Vida. No último Mountain Do já tiveram três dependentes químicos. O que liga a saúde e um pouco também a comunhão.74

73 74

Entrevista com Janaína, 25/11/2012. Entrevista com Mônica, 25/11/2012. 279

Uma análise sobre o conteúdo de tais falas deixa claro que tanto Janaína quanto Mônica colocam droga em oposição à saúde, porém o que cada um percebe como droga não parece ser exatamente a mesma coisa. Mônica a concebe como substâncias tais quais cocaína e crack, ao passo que para Janaína drogas também são certos estimulantes hormonais. Esta ambivalência de sentido corresponde à reflexão que aparece em Os Corpos intensivos, de Eduardo Viana Vargas, em torno do que se entende como drogas ilegais e legais. 75 Para este, é necessário se precaver contra uma distinção natural entre drogas lícitas e ilícitas, e reconhecer que as drogas não são somente

substâncias químicas, naturais ou sintetizadas que produzem algum tipo de alteração psíquica e corporal, e cujo uso em nossa sociedade, é objeto de controle (caso do álcool ou tabaco) ou repressão (caso das drogas ilícitas) por parte do Estado. Mesmo que trivial, é preciso não esquecer que drogas são ainda todos os fármacos.

76

Nesse sentido, entra para a categoria de drogas outras substâncias tidas como lícitas, como: as prescritas pela ordem médica “que visam produzir corpos saudáveis” – remédios - e “drogas autoprescritas em virtude dos ideais de beleza – anoréticos -, de habilidade – esteroides e anabolizantes -, e de estado de espírito – ansiolíticos e antidepressivos”. 77 O que Mônica concebe como droga, corresponde ao que a sociedade coloca como ilícito, ao passo que Janaína junta à categoria de droga também algumas das substâncias tidas como lícitas, substâncias hormonais, por exemplo. Como já dito, ambas se opõem à noção de saúde, e neste caso, tanto física quanto espiritual. Sendo assim, quando relacionada ao consumo de drogas – lícitas e ilícitas -, a corrida aparece como restauração e incentivo à produção de corpos saudáveis física e espiritualmente. No primeiro caso, ela ajudaria, segundo Janaína, “na parte de liberação da serotonina e endorfina, hormônios que suprem a necessidade da droga, ou daquilo o qual a pessoa tinha uma dificuldade”, enquanto no segundo, “do princípio da restauração espiritual” que livra de prisões e cadeias “que impedem que as pessoas atinjam

75

VARGAS, 1998. Vargas propõe analisar o problema do consume de drogas – lícitas ou ilícitas – sob uma ótica epistemologicamente positiva, não recriminando-as, nem fazendo sua apologia, sim fazendo um deslocamento de perspectivas, onde fosse possível “tanto avaliar a ‘doença’ ou a droga sob o ponto de vista da ‘saúde’, quanto avaliar a ‘saúde’ do ponto de vista da ‘doença’ ou da droga”. Segundo o autor, essa mobilidade é essencial para que se permita fazer a crítica da ‘doença’ ou da droga através da ‘saúde’ e a crítica da ‘saúde’ através da ‘doença’ e da droga, em nome, diríamos [...] nem da ‘doença’ e das drogas paramedicamentosas ou não, nem da saúde e das drogas medicamentosas, mas de uma ‘grande saúde’ sem todas essas ‘drogas’”. 76 VARGAS, 1998, p.122. 77 VARGAS, 1998, p. 123. 280

seus objetivos e que as pessoas cumpram aquilo que Deus a chamou para cumprir”. A relação entre cura e corrida mostra que “tem coisas que precisa lidar não somente no campo físico, mas também no campo espiritual”. Na relação estabelecida entre corrida, doença, cura e saúde exposta acima, a corrida aparece como um meio de cura, embora o processo de curar muitas vezes não se inicie necessariamente na corrida, mas sim, no ministério Nova Vida. Mas, a relação do BR com a cura pode também ser entendida como forma de contra-dádiva do sujeito curado. O testemunho de Maurício, apresentado abaixo, exemplifica tal relação:

Dou Glórias a Deus todos os dias, pois hoje corro, mas nem sempre foi assim. Em 2002 fui diagnosticado com um problema cardíaco irreversível, que me impediria para o resto da vida de praticar esportes de explosão, como corridas. Em 2008 conheci Jesus, que veio a se tornar meu Único e suficiente Senhor e Salvador. Um dia, pela misericórdia d’Ele, recebi uma palavra de cura liberada, em que foi profetizado que meu coração estaria curado. Duas semanas depois, sem perceber, comecei a praticar esportes normalmente... até que resolvi ir ao médico, crendo que estava curado, mas queria a confirmação de um profissional da área medica. Fiz todos os exames e o médico me informou que meu coração era como um coração de um menino e que eu nunca poderia ter tido um problema desses e ter me curado. Ele não acreditou quando eu disse que tinha essa doença, mas eu lhe falei que sozinho não poderia ter sido curado, mas que Jesus Cristo estava na minha vida e havia me curado! Hoje, para honra e gloria de Deus, corro com meus irmãos do Bola Running, louvando a esse Deus porque Ele é bom, misericordioso e me devolveu a saúde e minha qualidade de vida!!! Acredite, Deus quer te ver sorrir! Deus te abençoe! 78

No caso de Maurício, a corrida opera como contra-dádiva à cura divina, podendo assim ser entendida pela teoria da reciprocidade de Marcel Mauss: 79 Deus deu a cura a Maurício – dádiva –, que hoje corre no BR para honrar e glorificar o nome do Senhor – contra-dádiva. Assim a dádiva – cura – instaura a aliança de Maurício com Deus. Uma reflexão sobre os propósitos do BR aponta para o fato de que o ciclo da reciprocidade não para por aí. Maurício, como corredor evangélico, tem o propósito de agradecer ao Senhor evangelizando com os pés. Neste momento, ele pode agraciar outras pessoas convidando-as para conhecer Jesus, dando a possibilidade das mesmas serem curadas – seja física ou 78 79

Testemunho de Maurício recebido por e-mail no dia 27/11/2012. MAUSS, 2004. 281

espiritualmente –, estendendo a rede de alianças para outras pessoas. Aqueles que receberem essas novas dádivas, consequentemente, poderão manifestar a vontade de agradecê-las, porém, não necessariamente sob a forma de corrida. 80 Como Mariana afirmou para Sene, “quando se recebe a graça, você quer passá-la para frente imediatamente”.81 Tudo parece operar como a última corrida vista por Sene e Maranhão F o, ou seja, uma corrida de revezamento.82 As relações apontadas por Sene e Maranhão F o entre doença, cura, esporte e saúde no BR, remetem a própria história de origem da BDN – que está interligada à história de Rina. Como destacado na primeira parte de route, a BDN é uma igreja evangélica que tem como principais características a cura e a batalha espiritual, sendo a cura, vitória desta batalha contra forças malignas. Apóstolo Rina, vence o mal – doença - após experiência de contato com Deus, superando-a e recebendo a cura. Quando curado, dá inicio às reuniões da Bola de Neve, que a princípio era um ministério destinado a jovens esportistas – sendo boa parte destes adictos ou ex-adictos. Aparecem na história do BR todos os elementos presentes na origem da BDN: drogas, esporte, doença, saúde, cura e superação e batalha, e todos, mais uma vez interligados, como na economia do dom. 83 Para usar a metáfora da própria agência evangélica, tudo evoca uma bola de neve.84

3.

Arrival and news routs

Ao longo do texto, Sene e Maranhão Fo tiveram como intuito apontar para a relação entre esporte, doença, saúde e cura no BR, e mostrar como a corrida opera a partir de dois circuitos dentro da lógica de cura da BDN.

80

Mariana, por exemplo, agradece a Deus cantando por ter ganhado uma nova voz após uma cirurgia. Mariana em conversa informal com Sene no dia 07/12/2012, durante o reveza UFSC. 82 A última corrida assistida por Sene e Maranhão Fo foi o reveza UFSC, no dia 07/12/2012. Os corredores do BR não participaram da prova, porém treinaram ao redor da UFSC. Neste dia, o BDN se fez presenta na UFSC não só pelo BR, mas também, e principalmente, pela banda IDE, que fez um show a convite dos organizadores do reveza UFSC, em uma das partes do percurso da corrida durante todo o evento. A banda tem acompanhado os corredores em grande parte dos eventos que os mesmos participam, assim como tem acompanhado os eventos da célula UFSC. Futuramente, Maranhão Fo e Sene como intuito observar a relação que um grupo tem com o outro. 83 MAUSS, 2004. 84 Entre as experiências de Rina e Maurício, outras se configuram como mediadoras, midiatizadoras e agenciadoras da consolidação da agência, como os processos de cura de Denise Seixas – esposa de Rina, líder do ministério das Mulheres do Bola, do ministério de Louvor e Adoração, líder dos conjuntos Tribo de Louvor e Ruth`s – , e Rodolfo Abrantes – ex-cantor dos Raimundos, convertido após episódio de cura, e atualmente líder e missionário da BDN. 81

282

O primeiro, como meio da cura, onde através da corrida contra a droga – bem contra o mal – a cura representa a superação, a busca por corpos saudáveis física e espiritualmente. Já no segundo, a corrida aparece como contra-dádiva da cura recebida, gerando um sistema de prestações totais85 que vai criando novas alianças, não precisando necessariamente voltar sob forma de corrida. Neste sentido, todos parecem ser partes das sementes plantas há tempos atrás por irmãos, possibilitando que a geração de Samuel se levante em todo lugar.86 Maranhão Fo e Sene apontam que a economia do dom que figura no BR parece remontar à própria história de origem da BDN, tornando o BR como parte do sistema de prestações totais gerados pela cura de Rina. Desta forma, falar de cura em contextos religiosos é falar da mesma como “uma realidade construída social e culturalmente”, o que significa, “explorar a perspectiva dos atores na análise do processo terapêutico” não só através da “compreensão da dinâmica interna do ritual”, mas também “a partir de um contexto mais amplo de onde se desenvolve a experiência da doença e cura”.87 A cura proporcionada pela biomedicina, no caso da BR, não parece estar em oposição à cura através da religiosidade. O que ocorre é a visão de um meio de cura completando o outro, onde as fronteiras entre natureza e cultura – biológico e cultural -, são derretidas, quase líquidas. Como afirma Janaína: A gente não pode se desfazer também das leis físicas. A medicina está ai para isso. Eu acho que é tudo muito simples: Até onde a mão do homem chega, Deus não intervém, a partir de onde a mão do homem não consegue mais agir, é o momento onde o sobrenatural, aquilo que excede o natural intervém. Os médicos existem, assim como existem os antropólogos, os historiadores, os professores de educação física, senão viveríamos todos como querubins na terra, mas não é o papel, senão a gente não estaria aqui, estaria lá.

A narrativa de Janaína é uma dentre várias possíveis, e demonstra o caráter provisório, transitório e contingencial deste texto. Novas observações e novas entrevistas num trabalho entre-autores e entre-perspectivas poderão provocar os deslizamentos em direção a novos fiordes de conhecimentos.

85

MAUSS, 2004. Geração de Samuel http://letras.mus.br/fernandinho/565530/#selecoes/565530/ 87 RABELO, 1994, p. 54-55. 86

283

Novos percursos, com outras saídas e chegadas em campo, se farão necessários – neste texto, os pesquisadores tiveram sua entrada em campo representada através de treinamentos distintos: Maranhão Fº foi participante-observante e observador-participante, e escreveu sobre a agência concomitante e posteriormente. Sene recebeu seu treinamento inicial através de alguns dos artigos deste. Um treino posterior apresentou-se a partir das “sementes plantadas há tempos atrás” – aproximadamente três meses – pelos runners que acolheram os pesquisadores, também no intuito de evangelizar um e reconduzir a fé do outro. A ideia de uma geração de Samuel que se levanta em todo lugar foi demonstrada nesta última etapa do campo de Sene e Maranhão Fº: a UFSC foi o território ocupado por uma agência que tem como características consideráveis não só a cura e libertação, como a batalha e o domínio espirituais. A entrada do ministério de evangelismo IDE na UFSC articulou os dois campos de pesquisa de Maranhão Fº e Sene, aqui relatados: a Célula UFSC e o Bola Running. E representou o fim de uma etapa, a conclusão deste trabalho de campo. Ao menos, até que a próxima corrida se inicie.

Referências

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