Sensação e Sensatez

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Sensação e Sensatez Eduardo Simonini1 Escrevo mais com as sensações do que com a sensatez. Nas lógicas do sensorial, a sensatez fala mais próxima a uma racionalidade compreensível do que da dinâmica turbilhonante de sensações incertas e desrespeitosas das validações científicas e/ou sociais. Assim, não necessariamente me alio a pontos de compreensão e coerência, apesar de apreciar alcançar algumas praias aconchegantes onde sensações se enovelam em mim, na construção de uma sensatez acalentadora. Todavia, o acalanto não é regra em minha redação quando vomito mundos em forma-palavra escrita. Mas se escrevo muito, leio pouco. Admiro as pessoas com saber enciclopédico, que conseguem citar mil autores, mil livros, mil passagens literárias com uma memória invejável. Isso exige certa sensatez mnemônica a colocar autores, livros e ideias em caixinhas de coerente catalogação. Sempre admiro o que não possuo, mas não necessariamente invejo o que não tenho. Admirar uma bela rosa não me obriga a querê-la para mim; admirar os enciclopédicos não me obriga a querer acumular informações. Principalmente porque há riscos no saber enciclopédico: 1) o de se ficar preso a citações sem criação; 2) o de se ler e declamar um texto ou autor como sendo uma escrita sacra; 3) o de se submeter a uma obra como se a um evangelho da verdade; 4) o de se fazer de si mesmo a encarnação de um conhecimento; 5) o de se limitar ao já conquistado. O valor do saber enciclopédico, porém, reside na perspectiva de que ele seja ferramenta para novas composições e não mera repetição do já conhecido. Assim, se não carrego muito saberes – e muito menos tenho a competência de me qualificar como enciclopédico – aprecio tentar ser um campo de passagem e de conexões entre saberes e sensações. Isso exige que eu esteja mais vazio do que pleno; mais ignorante do que sábio. Exige um olhar de infante curioso com o mundo, que faz com que eu nada renegue de maneira prévia, estando mais atento ao experimento do que a um resultado específico. Mais do que carregar o peso dos conhecimentos, abrir-me a um campo de passagem no oportunizar reflexões estranhas, experimentações blasfemas, encontros improváveis. Por isso, escrevo mais com as sensações do que com a sensatez.

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Psicólogo, mestre em Psicologia Social, doutor em Educação, professor pela Universidade Federal de Viçosa/MG

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