SENTIDOS DO OUTRO LADO: percepção da mensagem de notícias do telejornal local de TV aberta \"Jornal do 10\" por sujeitos surdos.

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SAULO XAVIER DE SOUZA

SENTIDOS DO OUTRO LADO: percepção da mensagem de notícias do telejornal local de TV aberta “jornal do 10” por sujeitos surdos

Universidade de Fortaleza Fortaleza – Ceará 2005

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SAULO XAVIER DE SOUZA

SENTIDOS DO OUTRO LADO: percepção da mensagem de notícias do telejornal local de TV aberta “jornal do 10” por sujeitos surdos

Monografia apresentada ao curso de Jornalismo da UNIFOR, como requisito parcial para a conclusão do curso de graduação.

Orientadora: Profª. Drª. Regina Heloísa Maciel

Fortaleza – Ceará 2005

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SAULO XAVIER DE SOUZA

SENTIDOS DO OUTRO LADO: percepção da mensagem de notícias do telejornal local de TV aberta “jornal do 10” por sujeitos surdos

Aprovado em: _____ / _____ / _____. Banca Examinadora:

Profa. Dra. Regina Heloísa Maciel Orientadora

Prof. MS. Marilene Munguba Membro – visitante

Profa. Dra. Erotilde Honório Membro

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Dedico todo este trabalho ao Senhor Deus, por Ele ter sido e ser a Fonte de inspiração e direcionamento desse meu trabalho com surdos. “De boas palavras transborda o meu coração. Ao Rei consagro o que compus; a minha língua é como pena de habilidoso escritor”. (Salmo 45:1).

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AGRADECIMENTOS À minha avó, Valdemira Xavier de Souza, em memória, por todo o amor e carinho que me ajudaram a enxergar as necessidades especiais das pessoas com toda a sensibilidade de Cristo.

À minha mãe, Luiza Jane Eyre de Souza Vieira e ao meu pai, Romeiro Soares de Souza, que sempre me estimularam a buscar a maturidade profissional e pessoal. Obrigado!

Ao meu avô, Expedito Xavier de Sousa, e à minha tia, Alexa, que sempre me incentivaram durante os últimos anos a garantir minha credencial para o Mercado de trabalho e para a vida, pois, segundo ele, “tudo na vida só se consegue com estudo”. Papai, consegui! Agora, já está tudo garantido!

Aos meus irmãos paternos, Glauber e Glenda, pela confiança, pela torcida e pelo apoio oferecido ao irmão mais velho deles durante toda a trajetória na faculdade. E à minha irmãzinha materna, Débora de Souza Vieira, que nos trouxe alegria e descontração durante momentos atribulados, com seu sorriso singelo e amável. Oi! Êita!

À minha esposa, Daniela, pelo carinho, compreensão, criatividade, dons, talentos, amor, dedicação, parceria e ajuda durante a concepção de todo esse trabalho monográfico.

À minha orientadora, Dra. Regina Heloísa Maciel, que com coragem, tranqüilidade e criatividade soube me direcionar por caminhos sábios e frutíferos dentro de um tema científico delicado, contribuindo assim, decisivamente para o sucesso dessa pesquisa.

Aos professores, Tânia Furtado, Gabriela Reinaldo, Ernando Pinheiro, Roberta Manuela Barroso, Maria Tereza Valtés, Marilene Munguba e outros mais que me iluminaram com informações ideais para o êxito final desse trabalho.

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À direção da EEFM Prof. Renato Braga, representada pelos professores Ivan, Vera e Mazé, que, pela livre autorização a mim concedida para coletar os dados, auxiliaram substancialmente na concepção deste trabalho científico. Obrigado, de verdade!

À coordenadora do curso de Jornalismo, Dra. Erotilde Honório, por ter acreditado nesse sonho de pesquisar o “lado de lá” da mídia, investigando mais sobre o sujeito que não escuta. Obrigado pela confiança, Erotilde!

À equipe de professores do Curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza, deixo os meus sinceros agradecimentos por quaisquer esforços dedicados à realização desse projeto.

Aos editores de vídeo Marcos Antônio, Ednardo Marques e Regis Ramos, aos cinegrafistas João Luiz e João Augusto (Carneiro) e ao técnico de artes gráficas Itamar Nunes por terem contribuído com suas próprias mãos para darem vida a esta pesquisa.

Ao intérprete profissional de Língua Brasileira de Sinais (Libras) Felipe Lima Costa, tradutor dos discursos dos sujeitos surdos neste trabalho. Felipe, conseguimos chegar à versão final daquele projeto piloto que fizemos em maio. Ufa! Muito obrigado, caro colega de trabalho!

À Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis) pela prontidão em disponibilizar materiais que foram necessários à realização desta pesquisa.

À TV Verdes Mares – emissora afiliada da Rede Globo em Fortaleza – por ter gentilmente cedido uma copia do resumo geral das noticias exibidas na edição escolhida do “Jornal do 10” para este trabalho. Obrigado!

Aos amigos e amigas que estudaram comigo ao longo do curso de Jornalismo da Unifor, pela forca e incentivo. Valeu pessoal! Aprendi muito com todos vocês!

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E por fim, aos alunos surdos do Ensino Médio do turno da Noite da EEFM Prof. Renato Braga, por terem contribuído voluntariamente com esse trabalho e por terem me ensinado a ver e ouvir melhor suas vozes. Obrigado pessoal! Sem vocês, não haveria este trabalho sobre os sentidos do outro lado!

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RESUMO Souza, Saulo Xavier de. Sentidos do outro lado: percepção da mensagem de notícias do telejornal local de TV aberta “Jornal do 10” por sujeitos surdos. Monografia. Curso de Jornalismo. Universidade de Fortaleza. Fortaleza, 2005. Ultimamente, a linguagem coloquial, os textos mais claros e outros recursos do telejornalismo vêm buscando aproximar os telespectadores dos conteúdos exibidos. Mas, grupos de pessoas com deficiência não têm sido contemplados com essa preocupação. Esta pesquisa objetivou identificar como um grupo de sujeitos surdos percebe o conteúdo das mensagens de notícias do telejornal local de TV aberta “Jornal do 10”, quando há e quando não há ferramentas inclusivas. O uso da pesquisa de campo com observação direta, da entrevista coletiva e da aplicação de questionários perceptuais acerca das mensagens dos conteúdos exibidos no telejornal constituiu o método. Os resultados foram divididos em dois grupos: grupo 01, com as percepções dos sujeitos em relação ao conteúdo exibido sem interpretação para a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e grupo 02, com relatos perceptuais dos surdos sobre os produtos exibidos com tradução simultânea em Libras. Algumas categorias emergiram durante a pesquisa de campo, sendo que, no grupo 01, verificamos aparecer: confabulação, divergência dos discursos, descontentamento e raiva diante da falta de acessibilidade comunicacional, informação truncada. No grupo 02, surgiram: concatenação das idéias dentro dos discursos dos sujeitos, indignação, exatidão da informação, unicidade do discurso e maior propriedade nas opiniões. Então, concluímos que, entender os sentidos do outro lado, é uma ferramenta que podemos usar, enquanto jornalistas, para compreender o alcance da mensagem de nossos textos, humanizar nosso trabalho e enxergar o outro, o telespectador de nossos produtos, evitando que a TV apareça destruída ou inacessível aos múltiplos públicos que fazem parte da audiência.

PALAVRAS-CHAVES: Surdos, percepção, notícias, telejornalismo.

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS.................................................................................................. v RESUMO ..................................................................................................................viii SUMÁRIO................................................................................................................... ix 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1 1.1 O Telejornalismo e a Segmentação de Públicos............................................ 3 1.1.1 O mundo das linguagens no discurso telejornalístico ..................... 8 1.2 Percepção Auditiva, Surdez e Linguagem .................................................. 14 1.2.1 Percepção auditiva e surdez ......................................................... 14 1.2.2 Linguagem .................................................................................. 22 1.2.3 Aquisição da linguagem............................................................... 23 2 MÉTODO................................................................................................................ 35 2.1 Escolha dos sujeitos ................................................................................... 35 2.2 O material da pesquisa ............................................................................... 36 2.3 Preparação do material............................................................................... 37 2.4 Procedimento............................................................................................. 38 3 RESULTADOS ....................................................................................................... 40 4. DISCUSSÃO .......................................................................................................... 54 5. CONCLUSÃO ........................................................................................................ 57 6. REFERÊNCIAS...................................................................................................... 63

1. INTRODUÇÃO Nos últimos anos, o telejornalismo brasileiro tem buscado aproximar cada vez mais a população dos fatos jornalísticos. Usar linguagem coloquial, textos mais claros, entre outras técnicas, tem permitido que as notícias de TV cheguem mais perto da realidade do telespectador. Observando o fazer jornalístico de TV, percebe-se que a interatividade entre esse meio de comunicação de massa e os públicos é bem mais forte. Atualmente, notamos que a televisão é praticamente inseparável do cotidiano – chegando a ser incorporada como parte do estilo de vida das pessoas – influenciando na compreensão e interação dos telespectadores com o mundo, na interpretação da realidade e até mesmo na maneira como os homens se vêem e enxergam uns aos outros. (ARAÚJO, 2004). Como fruto desse relacionamento oriundo da presença da TV na sociedade, também acontece a segmentação de vários públicos do outro lado da “tela”, na audiência, nos quais estão inclusos os sujeitos surdos que, até possuem televisão, mas, na maioria das vezes, não conseguem obter informações importantes (ZOVICO, 2003). Assim sendo, é importante investigar como sujeitos surdos de Fortaleza percebem aquilo que assistem em telejornais locais de TV aberta. Segundo BRETAS in Campello e Caldeira et al (2005: 97) “o termo TV aberta designa genericamente as emissoras cujos sinais não são codificados, tornando-os assim disponíveis para o público em geral”. Não se sabe exatamente o número de sujeitos surdos residentes na cidade de Fortaleza, mas pode-se calculá-lo aproximadamente. Segundo informações do Escritório Regional no Ceará da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis-CE)

o

número

total

de

deficientes

de

Fortaleza

corresponde

a,

aproximadamente, 30 mil habitantes. Calculando-se que os surdos devem corresponder a 0,5% dessa população, o número de indivíduos com surdez na cidade deve girar em torno de quatro a cinco mil habitantes. Alternativas inclusivas dessa audiência, como o uso de legendas ocultas e a participação de Intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras) têm acontecido de maneira isolada, como em alguns programas da Rede Globo e do SBT. Legendas ocultas é um recurso audiovisual técnico que alguns televisores dispõem, que consiste

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na exibição de legendas cujo conteúdo é formado de Língua Portuguesa (na modalidade escrita). Essa nomenclatura é oriunda da expressão da Língua Inglesa Closed Caption e pode ou não ser habilitada no televisor, isto é, o telespectador tem a opção de assistir à TV com ou sem legendas, deixando as legendas em exibição ou “ocultas”, daí o nome legendas ocultas. A participação de intérpretes é feita por meio de um mini-quadro que se sobrepõe à tela original do programa onde um profissional intérprete traduz o que está sendo dito para a língua de sinais. No caso do brasileiro, os intérpretes são profissionais ouvintes bilíngües que dominam o Português na modalidade oral e a Língua Brasileira de Sinais – Libras (ROSA, 2003). Na capital cearense, as pessoas surdas tiveram uma oportunidade de experimentar a inclusão audiovisual, mediante a emissora local do SBT – TV Jangadeiro – que permitiu a participação de intérpretes em um de seus programas. Esse episódio aconteceu durante o Debate Político da TV Jangadeiro entre os candidatos à Prefeitura de Fortaleza, durante o 2º Turno das Eleições de 2004, em que foi permitida a participação de intérpretes profissionais de línguas de sinais (Libras), proporcionando a inclusão audiovisual da audiência surda e configurando um marco significativo na história política do Estado. Por isso, chamamos este trabalho de Sentidos do Outro Lado porque acreditamos que os sujeitos surdos telespectadores também são alvo dos sentidos midiáticos e podem produzir significados a partir do que vêem nos telejornais. Nesse contexto, esta pesquisa pretende verificar como sujeitos surdos percebem a mensagem de notícias do telejornal local de TV aberta “Jornal do 10”, quando há e quando não há ferramenta específica de inclusão audiovisual. Além disso, objetivamos analisar as relações entre Língua Portuguesa (modalidade oral), Libras e linguagem audiovisual, de forma que seja esclarecida a maneira como é veiculado o conteúdo da mensagem da informação jornalística pela TV às pessoas surdas. Nesse ínterim, temos ainda o objetivo de investigar como a cultura e a identidade surdas configuram a percepção, por parte dos sujeitos surdos, da mensagem do conteúdo da informação jornalística veiculada nas notícias de TV com vistas a caracterizar a singularidade desse segmento da audiência televisiva. Por fim, temos a intenção de observar o comportamento dos sujeitos surdos diante da exibição de

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notícias em telejornais locais a fim de apreendermos características desse grupo social da audiência. 1.1 O Telejornalismo e a Segmentação de Públicos “Vi, sim! Deu na TV.” Muitas vezes, só acreditamos que uma notícia é real, que um fato aconteceu de verdade, quando acompanhamos pela televisão informações sobre o assunto. A televisão ocupa um lugar privilegiado dentro dos meios de comunicação de massa (MCM). Esse privilégio acontece em vários países do mundo e, mesmo dividindo a atenção do público com o rádio, o jornal, o cinema e a internet, a TV permanece sendo escolhida como um dos meios mais fiéis de acesso à informação. Segundo Rezende (2000: 23), “no caso brasileiro, a TV (...) desfruta de um prestígio tão considerável que assume a condição de única via de acesso às notícias e ao entretenimento para grande parte da população”. O conteúdo jornalístico das notícias veiculadas pela televisão propõe aos telespectadores uma escrita audiovisual da realidade. Os MCM são responsáveis por transformar os fatos e outros eventos que se sucedem em notícias (SILVA, 1998). Esses meios transmitem significados que devem ser acessíveis ao público e, para isso, a mídia televisiva aborda fatos reais e formata-os de um modo tal, que fiquem adequados à linguagem que usa para informar os públicos. A televisão aberta brasileira possui cerca de seis grandes redes e outras quatro menores, todas oferecendo um tipo específico de produto ou informação. Assim, considerando que, em média, dispomos de três produtos telejornalísticos em cada uma das grandes emissoras, teríamos cerca de 25 telejornais sendo oferecidos aos telespectadores, diariamente. Ao observar os canais da TV aberta, percebemos que, em algumas redes, há mais produtos telejornalísticos que em outras, pois, ao compararmos as redes Rede TV, Record, SBT, TV Cultura e Rede Globo, vemos que é essa última, a Rede Globo, a que mais apresenta telejornais. Incluindo a realidade local de Fortaleza, essa emissora oferece, todos os dias, sete exemplos desses produtos jornalísticos. Mas, norteada pela ditadura rígida do lucro, a televisão, bem como os programas telejornalísticos e a linguagem empregada pela TV, têm de se adaptar, na forma e no conteúdo, ao perfil do público a que se dirige. Tudo isso, seguindo uma lógica em que, uma maior audiência, resulta em um faturamento publicitário com mais

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lucros e gera uma rentabilidade mais efetiva às redes de televisão. Esse modelo termina sacrificando o viés cidadão do telespectador e acaba exaltando o lado consumidor, que é, por fim, a base de toda a operação mercadológica em torno da mídia audiovisual (Rezende, 2000). Uma empresa de televisão funciona como qualquer outra instituição de caráter comercial, tendo como pauta, a maximização dos lucros. Seus principais produtos são as mensagens, textos e uma variedade de conteúdos apresentados de forma audiovisual, mas a TV só expõe ao público o que lhe interessa. Segundo essa ótica mercantilista, os textos encontrados nos discursos televisivos funcionam como mercadorias que, como qualquer produto pronto para ser vendido, disputam um lugar no mercado. É a necessidade de aceitação do público e de audiência que sustenta a obtenção dos patrocínios, que são os financiadores das atividades geradoras dos produtos televisivos, dentre os quais, encontram-se inseridos os telejornalísticos (DUARTE, 2004). O espaço midiático da TV, como qualquer outra esfera midiática, é controlado por normas que se adequam, particularmente, ao padrão de cada emissora. Por isso, podemos comparar o telespectador com um consumidor do que é noticiado, pois, a partir do momento em que uma pessoa pára diante da televisão e reserva minutos do próprio tempo para acompanhar o que está acontecendo na sua própria cidade, no país e no mundo, ela consome as informações prestadas pelo veículo televisivo (JOST, 2004). Seguindo esse raciocínio, Duarte (2004) explica a existência de uma espécie de contrato comunicativo subentendido entre os enunciadores televisivos e o grupo social a que se destinam os produtos. Assim, quando os enunciadores televisivos propõem um discurso, eles convocam a vontade da outra parte, que é o grupo social. A esse último – que é quem controla o discurso televisivo – cabe aceitar ou rejeitar essa proposta. O que é levado em consideração pelos enunciadores é a veiculação, credibilidade e aceitação do seu discurso em particular. Além disso, quando se considera a produção telejornalística no Brasil, percebemos que é aí, na veia jornalística do meio televisivo, que se encontra a faceta responsável pela tentativa de alcançar, ao mesmo tempo, os vários milhões de brasileiros com informações plurais em tempo real. Dessa forma, cria-se um espaço

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favorável para o desenvolvimento de uma relação de proximidade entre o conteúdo informativo veiculado, os profissionais responsáveis pela comunicação dessas mensagens e o próprio público que vai estar do outro lado da tela consumindo o material produzido. Nesse espaço, cabe ao público decidir se aceita ou rejeita a proposta informacional telejornalística que está sendo veiculada. Em virtude da mentalidade mercadológica da mídia televisiva, a aproximação entre textos, mensagens, profissionais e públicos termina sendo intermediada pela tendência de generalizar tudo em prol do maior alcance em menor tempo. De acordo com essa idéia, segue-se a concepção de que, mais de 150 milhões de pessoas, estariam, realmente, assistindo à mesma notícia, em todo o Brasil, ao mesmo tempo, não importa onde, nem quando, nem como. Esse compromisso de informar os brasileiros em tempo real termina por interferir na produção do conteúdo midiático veiculado na TV, gerando uma informação muitas vezes superficial e fincada no espetáculo. Enquanto mídia, a TV oferece discursos à sociedade por meio de seus produtos, materializando-os em textos, os quais constituem seus próprios processos comunicativos. Seguir a fórmula em que há uma combinação de tons que suscitam reações emotivas, com uma produção telejornalística que aproveita bem imagens atrativas – geralmente sem real significância jornalística – conectando tudo isso a um conjunto de fatos noticiados, é um perigo à comunicação da mensagem televisual. Para Eco (2002: 371), a mensagem midiática da TV não possui um conteúdo comunicativo ideal, um apelo ou um grupo de significados abstratos. Pelo contrário, segundo o autor, essa mensagem é como “um complexo objetivo dos significantes, elaborada com base em um ou mais códigos, para transmitir certos significados, e interpretada e interpretável com base nos mesmos códigos ou em outros”. Por outro lado, o progresso tecnológico crescente em relação ao mercado televisivo tem permitido uma renovação da audiência do meio audiovisual, em virtude do surgimento de novos formatos, novas linguagens e outros elementos que incrementam esse veículo de informação telejornalística. Para Barbero e Rey (2001: 67), essa renovação não se restringe somente às modificações tecnológicas, mas pressiona (...), as relações das audiências com os produtos televisivos, as variações dos gostos e as transformações dos gêneros. Se os espectadores de

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televisão recebem atualmente mais mensagens televisivas, também variam as formas pelas quais se relacionam com elas, desde as maneiras como as selecionam até os modos como (...) desenham seus ritmos pessoais de recepção televisiva (...).

Porém, para analisar a relação entre notícia, audiência e mensagens telejornalísticas, deve-se atentar para outros elementos que influenciam a percepção do conteúdo dessa última por parte dos telespectadores. De acordo com Guedes (1998: 110),

o discurso expresso, os códigos culturais, a linguagem, sonhos, mitos, lendas, provérbios e ritos [de uma dada cultura] formam um complexo sistema simbólico que possui suas próprias regras, símbolos e sintaxe [e interfere na relação dos sujeitos com os produtos jornalísticos de TV].

Além disso, a língua materna do sujeito telespectador, a qual, enquanto modelo exemplar de código, atua como direcionadora do raciocínio cognitivo da percepção da mensagem das notícias telejornalísticas, também deve ser considerada como elemento pertencente a esse sistema simbólico (ECO, 2002). Além da linguagem propriamente dita, a capacidade perceptual da mensagem telejornalística é influenciada pelo segmento social da audiência, pela diversidade de grupos sociais presentes na grande massa de audiência da televisão, inclusive na capital cearense. Atualmente, tem acontecido um processo de fragmentação considerável dos sujeitos das camadas de audiência televisivas, como bem sustenta Barbero e Rey (2001) ao declarar que programas criam audiências-modelo, que são muito mais do que espectadores fortuitos, pois, trata-se de grupos ou de tribos identificáveis, tanto por suas preferências midiáticas, como por suas decisões vitais. Barbero e Rey (2001) sugerem ainda que essa renovação dos públicos é seguida de modificações cognitivas, as quais, podem ser compreendidas como sendo as diferentes maneiras de se interpretar e de se apropriar de um fato televisual e da respectiva localização contextual no cotidiano dos próprios públicos. Além disso, o autor sugere que o aumento da produção de mensagens televisivas também pode estar acompanhado da elevação do número de formas de relacionamento dos públicos com esses conteúdos. Esses autores acreditam que as modificações cognitivas favorecem as diferentes interpretações das mensagens televisuais, suscitando verdadeiros exercícios do ver.

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No entanto, “a interpretação do discurso produzido em condições particulares de enunciação (contextos específicos) é uma forma privilegiada de conhecer o sujeito” (Guedes, 1998:111). Qualquer pesquisa sobre a percepção da mensagem de notícias pode, portanto, levar a conhecer melhor as necessidades específicas do público formado por sujeitos especiais, tais como os surdos, e mostrar, na prática, como é grande o alcance daquilo que é jornalisticamente informado pela televisão à audiência. A fragmentação da TV termina por suscitar um movimento de outras mediações que giram em torno da recepção televisiva, as quais, são percebidas como as diferentes instâncias culturais em que os públicos dessas mídias produzem e se apropriam dos significados e sentidos do processo comunicativo (BARBERO e REY, 2001). Processo esse que é particular e está diretamente ligado ao fato da televisão possuir uma mensagem própria. Para Duarte (2004) esse processo se define como sendo a comunicação humana mediada pela mídia televisão e, enquanto tal, possui uma complexidade no tocante às instâncias de produção e recepção com os sujeitos envolvidos, aos meios técnicos de produção, circulação e consumo de suas mensagens, bem como, no tocante às múltiplas linguagens que expressam o conteúdo televisivo, dentre outros aspectos. Assim, é possível para um grupo social ter a liberdade de se apropriar dos significados e dos sentidos dos processos comunicativos (BARBERO e REY, 2001). Também é possível haver inclusão social na mídia televisiva, pois, no campo da sociedade inclusiva, o principal enfoque é a diversidade humana, o que significa, no exemplo específico dos sujeitos surdos, ultrapassar desafios, vencendo-os, mesmo que sejam permanentes e apareçam de surpresa (ROSA, 2003). Diante disso, acreditamos que já é possível encontrar abordagens dentro da própria comunicação que apreciam a multiplicidade de culturas como um fator essencial para o surgimento de novas tendências – como o jornalismo comunitário participativo, a redação de notícias com linguagens mais coloquiais, os textos, hipertextos, dentre outros discursos comunicativos da Internet – e até mesmo, para o amadurecimento social da prática telejornalística.

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1.1.1 O mundo das linguagens no discurso telejornalístico Ao se tratar de telejornais, é importante considerar as linguagens que estão presentes nos discursos telejornalísticos. A esse respeito nos deparamos com várias vertentes ou abordagens. A primeira envolve a soberania da imagem sobre as palavras, em que, geralmente, encontramos profissionais da mídia televisiva concordando com a idéia do provérbio chinês que afirma que uma imagem vale muito mais que mil palavras. Nessa perspectiva, tratando-se de notícias telejornalísticas, há sempre uma tentativa de unir à imagem uma trilha sonora adequada juntamente com um texto que traduza exatamente aquilo que está sendo transmitido de modo visual. Tudo isso da maneira mais curta e direta possível. Do outro lado, há um enfoque sobre linguagens em que não há soberania de nenhuma das duas, pois, palavra e imagem, seguem juntas em prol da melhor comunicação do fato ao telespectador, selando assim, uma espécie de parceria midiática informativa (REZENDE, 2000). Parece não ser interessante assumir uma postura de extremos, visto que nem é só a imagem que expõe o fato, nem é apenas o texto que emite a informação telejornalística, nem é unicamente o som que comunica os acontecimentos. Pelo contrário, a combinação de cada elemento que pode ser utilizado para se comunicar uma notícia é o que realmente atua como aglutinador dos mecanismos de transmissão dos conteúdos jornalísticos. Dessa forma, entendemos que o pensamento minimalista que sombreia as produções jornalísticas daqueles que trabalham em TV termina por desencadear um empobrecimento da apuração completa dos fatos. Esse processo começa desde o deadline (prazo final) típico da mídia televisiva. Na maioria das vezes o profissional de telejornalismo tem um grande desafio cirúrgico nas mãos, pois, diante de um grande acontecimento, ele tem que filtrar toda a avalanche de informações que chegam a ele em um curto espaço de tempo. Após essa etapa, ele começa a indicar a captação de imagens, sons, fazer a redação do texto e preparar-se para a gravação da passagem, do OFF e de uma proposta de cabeça da matéria. Gravação da passagem é o momento em que o repórter de TV faz

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a leitura de um texto tendo sua própria imagem exibida no vídeo e isso faz uma ligação entre o início e o término do conteúdo do produto telejornalístico que está sendo exibido. De acordo com BARBEIRO e LIMA (2002: 195), gravação do OFF consiste em “gravar o texto de uma reportagem na fita magnética, sobre o qual, posteriormente, serão inscritas imagens relativas àquela reportagem”. Já a proposta de cabeça da matéria se define como sendo a redação textual que é “lida pelo apresentador e dá o gancho da matéria” (BARBEIRO e LIMA, 2002: 193). Durante todo esse processo a informação é tão picotada que a notícia chega a ser repassada de um modo enxuto que quase não suscita uma reflexão crítica no telespectador. É desse procedimento que vemos surgir as notícias-espetáculo que protagonizam o estilo show de telejornalismo, em que os fatos são anunciados tais como trailers de um filme sobre acontecimentos cotidianos da sociedade. “Como a maioria dos jornais brasileiros, a televisão embarcou no espírito hollywoodiano proposto pelos norte-americanos...” (ZANCHETTA, 2004: 116). Paternostro (1999) ressalta que, sempre que o jornalista for escrever para a TV, ele deve lembrar que vai estar contando uma história para alguém, como se estivesse conversando com essa pessoa. É para ela que vai transmitir suas informações. Com essa idéia na cabeça, fica mais fácil escrever um texto que dever ser assimilado, instantaneamente, por milhões de telespectadores. As notícias telejornalísticas são, muitas vezes, governadas pelo pensamento: usar linguagem coloquial para obter uma percepção mais rápida pelo telespectador. Essa prática que enxuga o conteúdo dos textos jornalísticos de TV, geralmente, é influenciada pela pressão de ter que escrever e enunciar um único texto que seja absorvido por mais de 150 milhões de pessoas ao mesmo tempo em todo o país. Afinal, a informação, mesmo sendo gravada – como no caso das reportagens, dos stand ups, dos teasers e da escalada, dentre outros itens dos telejornais1 – é transmitida ao vivo e precisa ser absorvida da melhor maneira possível por uma audiência tão grande. 1

Segundo Barbeiro e Lima (2002) os stand ups consistem na comunicação direta com a câmera e o público que estabelece a presença do repórter no local dos acontecimentos e geralmente é de curta duração. Teasers são pequenas chamadas gravadas pelo repórter sobre uma noticia, para serem colocadas na escalada do telejornal e que servem para atrair a atenção do telespectador, podem ser apenas imagens. Escalada se define com sendo o primeiro momento do telejornal em que é anunciado pelo(s) apresentador(es) o resumo das principais notícias a serem exibidas no seu decorrer. Apresenta um texto que é lido de maneira dinâmica e tem uma duração média de 30 segundos.

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É relevante ressaltar o cuidado com as estratégias técnicas no instante de se produzir um texto noticioso telejornalístico, pois há uma disputa pacífica entre palavra e imagem durante a veiculação de um telejornal. Linguagens verbal e não-verbal se encontram, concomitantemente, durante a exibição das notícias de TV. Acreditamos que esse encontro aconteça, visto que, em algumas reportagens, deparamo-nos mais com a presença de linguagens visuais, não verbais, artísticas, estéticas, poéticas, dentre outras, que com a de grandes blocos de textos lidos em OFF pelo narrador – repórter, apresentador ou âncora2. Atualmente, manuais de telejornalismo defendem a prática de deixar a imagem falar por si, de fazer de tudo para formatar e editar uma reportagem com uma seqüência lógica de imagens que, sem texto, sejam absolutamente compreensíveis. Para Paternostro (1999), quando existe uma imagem forte de um acontecimento, essa leva vantagem sobre as palavras e é suficiente para transmitir, ao mesmo tempo, informação e emoção. Paradoxalmente, do mesmo modo, os mesmos manuais defendem que o repórter, ou qualquer outro profissional que trabalha com redação de textos para a TV, deve ter todo um cuidado técnico durante a escrita, com o intuito de sempre lembrar que o texto deve ser rapidamente compreendido e apreendido pelo telespectador, bem como deve estar fielmente casado com as imagens exibidas na notícia, lembrando da premissa que versa que a imagem naturalmente faz parte da TV e, em telejornalismo, precisamos casar essa imagem com a informação (Paternostro, 1999). Isso nos remete ao fato concreto de que existem várias técnicas que podem ser utilizadas para incrementar os textos e até mesmo as linguagens que emanam das notícias televisivas, como por exemplo: escrever o texto levando em consideração que deve ser entendido por vários milhares de telespectadores ao mesmo tempo, ler em voz alta o texto que está sendo produzido no momento da redação do mesmo para checar a sonorização e a leitura desse último, usar vocábulos que emanam um grau discreto de coloquialismo no texto da notícia, dentre outras ferramentas que visam aproximar o telespectador das notícias telejornalísticas. (Paternostro, 1999).

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O apresentador ou âncora, segundo Barbeiro e Lima (2002) “é o rosto mais conhecido e familiar do telespectador. Acompanha e participa do processo de confecção do telejornal em todas as suas etapas e apresenta a notícia”.

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No caso da linguagem verbal, os profissionais são incentivados a fazerem o uso de frases curtas, claras, objetivas, com palavras simples escritas na ordem direta, assim como são estimulados a evitarem o uso de cacófatos, de ambigüidades, de figuras de linguagem arriscadas, de estrangeirismos, de clichês, dentre outros exemplos. Esses recursos estimulam os profissionais a produzirem textos cada vez mais claros e práticos para o entendimento do telespectador. No que diz respeito à linguagem não-verbal, os profissionais são, muitas vezes, orientados ou levados a procurarem captar imagens que traduzam aquilo que está sendo visto na cena, no lugar da ocorrência do fato, como também, são incentivados a olhar de modo panorâmico, humano, atento, a fim de perceber detalhes que componham a informação visual de uma maneira que seja possível compreender o fato até mesmo sem nenhum texto. Escolher todo esse material não é uma tarefa fácil. Por exemplo, em uma situação de guerra, em geral, o repórter é enviado para o local do conflito e deve fazer a produção de conteúdo telejornalístico que englobe tudo o que está acontecendo em aproximadamente 1 minuto e 30 segundos de duração (1’30’’). Nesse caso, que imagens devem ser escolhidas? Corpos estirados no chão, bombas explodindo, tanques andando, soldados em combate, pessoas desesperadas correndo? Que texto deve ser lido em OFF? Um texto humanizado ou um texto não tendencioso para revelar mais objetividade? Que áudio deve ilustrar o conteúdo informado? Ambiente ou se deve escolher uma trilha sonora que mais se aproxima com a realidade do fato noticiado? São difíceis escolhas a serem feitas pelo profissional de TV e isso exige muito esforço, habilidade e poder de síntese. O objetivo final é levar à construção de notícias que exprimem a realidade dos acontecimentos para quem está assistindo em um tempo curtíssimo. A partir desse exemplo, podemos questionar como está sendo percebida a mensagem de notícias telejornalísticas por uma audiência específica formada por pessoas que não escutam. Será que, para elas, as imagens conseguem informar tudo o que está acontecendo na realidade local e global? Como se apresentam os telejornais a esse público específico de sujeitos surdos? Ligamos a TV e começamos a assistir ao telejornal. Mas, no meio do programa, o telefone toca e precisamos atender. Para ouvir o telefone, precisamos deixar a televisão sem som. Depois de atender a ligação, não religamos logo o som da

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TV porque queremos experimentar como é assistir a uma notícia sem som algum. Assistimos àquela seqüência linear de imagens e depois ligamos o som para ouvirmos a nota pé do apresentador3. O que acontece? Muitas vezes, acreditamos que a reportagem estava falando de um assunto e, na verdade, falava de outro completamente diferente. Por que será que isso ocorre? Zanchetta (2004) propõe que um exercício simples como esse acima para mostrar o quanto as imagens televisivas são polissêmicas e necessitam de uma ancoragem verbal. Tal ancoragem, no exemplo dos surdos, é viabilizada por meio do código verbal espaço-visual das Línguas de Sinais. Na verdade, as imagens televisuais contribuem muito pouco para a definição do assunto abordado na TV, dentro do telejornal. Dessa forma, no caso dos sujeitos surdos, em que existem apenas 5,7 milhões diante dos aproximadamente 165 milhões de outros brasileiros ouvintes, como seria transmitida a informação telejornalística? É possível transmitir conteúdos telejornalísticos por meio de um código espaço-visual sem afetar a linguagem nãoverbal própria das notícias de TV a um público específico que, só em Fortaleza, gira em torno de cinco a sete mil pessoas? Ainda é incipiente o uso de alternativas de inclusão nos telejornais brasileiros. Além disso, quando se fala de inclusão, remete-se rapidamente ao fato de já estarem disponíveis as legendas ocultas (closed caption) em vários telejornais da programação jornalística da TV brasileira. Diante disso, Rezende (2000: 29) afirma que:

a despeito do inegável poder expressivo das imagens, a palavra se impõe como suporte imprescindível do visual. Não somente a palavra falada, para milhões de telespectadores, mas também, a palavra escrita para os deficientes auditivos que, por meio de um dispositivo técnico, closed caption, explica o que as imagens dos fatos noticiados na maioria das vezes não conseguem esclarecer, por elas mesmas.

Não queremos defender que a palavra é soberana em relação à imagem ou que a imagem é soberana em relação à palavra. Mas, diante do exemplo, podemos ver que as imagens ocupam, na televisão, primeiramente, um papel referencial e explicativo 3

Nota pé pode ser definida como sendo o texto complementar lido pelo apresentador ou âncora que está relacionado ao

assunto abordado pela reportagem exibida logo antes. Geralmente aprofunda a abordagem do fato, concluindo a idéia do que foi tratado anteriormente na matéria.

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ligado ao conteúdo da linguagem verbal. Às vezes informam pouco, servindo de ilustração ao verbal. Apenas em alguns poucos casos, informam mais que a palavra (ZANCHETTA, 2004). Quando um surdo se coloca diante da TV para assistir a um telejornal e se depara com a legenda de closed caption, ele está assistindo a exibição dos fatos telejornalísticos em um código lingüístico diferente daquele que normalmente utiliza. Ele pode até entender algumas informações, mas não se pode garantir que a percepção da mensagem dos fatos jornalísticos a ele exibidos será integral, mesmo com o suporte da linguagem não-verbal presente nas imagens exibidas nas notícias.

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1.2 Percepção Auditiva, Surdez e Linguagem 1.2.1 Percepção auditiva e surdez Em linhas gerais, podemos definir a percepção como sendo o contato que o organismo mantém com o ambiente ao redor, com o estado interno, postura, bem como com o movimento. No entanto, essa não se define apenas pelo contato com os objetos, mas também, pelo contato com os seus próprios estados internos, dentre outros aspectos. Além disso, também não é algo inerente aos seres humanos, pelo contrário, os animais, desde aqueles com constituição biológica mais simples até aqueles mais evoluídos, precisam estar conectados com eventos que os cercam para garantir a adaptação e a sobrevivência no ambiente (DAY, 1972). Nossos olhos e ouvidos podem capturar informações oriundas de fontes remotas. Esses dois órgãos sensoriais funcionam como radares, pois permitem fazer contato perceptual com objetos situados a uma distância inalcançável, estendem-nos perceptualmente no mundo para além do contato de nossos outros receptores sensoriais – mãos e nariz – que têm um limite geográfico de atuação. Tanto a visão como a audição, em geral, abrem verdadeiras portas de um mundo que está longe do alcance de nossas mãos (SEKULER e BLAKE, 1994). A audição tem um importante papel na definição do nosso mundo perceptual. Freqüentemente, somos capazes de ouvir coisas ao nosso redor, antes mesmo de enxergá-las. Confiamos em nossa audição quando está escuro ou quando qualquer coisa acontece fora do nosso campo visual. E, mesmo quando a fonte do som é claramente visível, nossa reação comportamental a ela, muitas vezes, pode depender da natureza do som que ela faz (SEKULER e BLAKE, 1994). Além disso, a audição fornece as bases para muitas das formas de comunicação social, sendo que a principal delas é a fala. Para compreendermos os caminhos perceptuais da audição, precisamos caracterizar o som, que se configura como a energia acústica transmissora das informações auditivas. Sekuler e Blake (1994) esclarecem que o som começa quando algum distúrbio mecânico gera vibrações cuja transmissão acontece através de um meio, geralmente o ar, na configuração de pequenos choques entre as moléculas desse meio.

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Se tais vibrações forem fortes o suficiente ao chegarem aos nossos ouvidos, então começa uma outra seqüência de eventos que devem resultar na sensação auditiva. O ouvido humano funciona como uma caixa acústica e é dividido da seguinte forma: ouvido externo, ouvido médio e ouvido interno. No ouvido externo, encontramos uma formação cartilaginosa envolta por pele conhecida por pavilhão auditivo ou orelha. A orelha é a porta de entrada para o canal auditivo que é fechado internamente pelo tímpano ou membrana timpânica. O canal auditivo, cuja grossura é comparável à de um lápis, funciona como um tubo de ressonância cuja freqüência sonora gira em torno de 3000 Hz. O tímpano é uma membrana fina e sensível com formato oval, que emite vibrações quando é atingida pelas ondas de pressão sonora. Assim, o conjunto formador do ouvido externo funciona como um microfone direcional captando o som e o modificando de acordo com o conteúdo da freqüência e localização no espaço. Separado do ouvindo externo pela membrana timpânica, o ouvido médio é uma câmara preenchida com ar, onde se encontram uma série de ossículos pelos quais as vibrações sonoras passam. São eles: o martelo, a bigorna e o estribo, nessa ordem a partir do tímpano. A câmara que compõe o ouvido médio possui uma abertura de onde sai a trompa de Eustáquio, que é o tubo responsável pelo equilíbrio da pressão do ar dentro do ouvido médio, tubo esse que vai terminar na garganta e tem a utilidade de equalizar a pressão do ouvido médio com a pressão externa do ar. O ouvido médio termina em uma membrana menor que o tímpano, chamada de janela oval, que faz a separação entre o ouvido médio e o ouvido interno (SEKULER e BLAKE, 1994). O ouvido interno constitui a principal estrutura da audição. É onde as vibrações mecânicas do som se transformam em impulsos elétricos nervosos, os quais, são posteriormente transmitidos ao cérebro. É dentro do ouvido interno que o ato de ouvir acontece. É na cóclea – uma cavidade com formato de concha preenchida por um líquido fluido chamado de endolinfa – que estão os receptores especializados em captar os sons ambientes e as terminações nervosas que se conectam ao nervo auditivo, responsável pela transmissão das informações sonoras até o cérebro, onde são computadas, decodificadas e reconhecidas enquanto sons, ou outras manifestações sonoras, como música, barulho, buzina, cacarejo, cricrilar, entre outros exemplos. Sekuler e Blake (1994) resumem o processo da audição:

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as vibrações do ar são captadas pelo ouvido externo e convertidas em uma ação mecânica, do tipo de um pistão, pelos ossículos do ouvido médio. Pelo fato da janela oval estar ligada ao estribo, ela recebe esses deslocamentos mecânicos e os passa, na forma de ondas de pressão, para os fluídos dos canais vestibular e timpânico da cóclea. Conforme as ondas de pressão viajam por essas câmeras, elas causam ondas de deslocamento na extensão da membrana basilar. A membrana tectórica também se move ligeiramente em resposta às ondas de pressão, mas ela tende a se mover em uma direção diferente do movimento da membrana basilar. Os movimentos opostos fazem com que os cílios das células ciliadas na membrana basilar, se curvem (...) Esse curvamento inicia mudanças elétricas dentro das células ciliadas. Essas mudanças elétricas nas células ciliadas fazem com que liberem uma substância química transmissora, captada pelas fibras do nervo auditivo, que fazem contato sináptico com as células ciliadas na sua base (a outra ponta da célula, oposta aos cílios). Essas fibras, por sua vez, carregam os impulsos elétricos da cóclea para o sistema nervoso central.

O som possui duas qualidades perceptíveis ao sistema auditivo: intensidade e freqüência. A intensidade sonora pode ser medida e expressa por meio de unidades chamadas decibéis. De acordo com a escala de decibéis, os sons considerados ideais à audição humana são aqueles que giram em torno dos 60dB, que é a intensidade média durante uma conversa simples entre duas pessoas. No entanto, sons cuja intensidade ultrapassa os 120 dB podem atuar como agentes causadores de surdez, pois, caso uma pessoa permaneça exposta a esses por muito tempo, além de sentir dores e incômodos, corre o risco de ficar surda. A percepção auditiva é limitada pela faixa de freqüências sonoras que os humanos podem ouvir. A faixa audível humana vai de aproximadamente 20 a 20.000 Hz. A freqüência é a qualidade do som relacionada à ciclagem da onda sonora. Sons de baixa freqüência são percebidos como sons graves e os de alta freqüência como agudos. Quando um som ultrapassa o limite da faixa audível, todos os seres humanos são surdos para esse som. Um adulto jovem com saúde fisiológica normal apresenta uma capacidade média de ouvir sons que giram em torno de 20 a 150dB. Quando a pessoa não consegue ouvir alguma ou algumas das freqüências sonoras nas intensidades mais baixas, dizemos que há algum índice de perda auditiva, ou deficiência no sistema auditivo. Os testes audiológicos consistem na apresentação de sons de diferentes freqüências e diferentes intensidades para verificar se o indivíduo possui algum tipo de perda auditiva. As deficiências auditivas podem ser classificadas em duas categorias: perdas condutivas e perdas sensoriais, também conhecidas como perdas neurais. As perdas

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condutivas são aquelas ligadas a quaisquer danos ocorridos no ouvido externo (pavilhão auditivo) ou no ouvido médio, os quais perfazem o grupo de partes responsáveis pela transmissão mecânica dos eventos sonoros. Quando uma pessoa apresenta surdez ligada a esses mecanismos, existe uma grande possibilidade de reverter o quadro de perda auditiva. As perdas sensoriais são aquelas que se originam no ouvido interno ou nas zonas auditivas situadas no cérebro. Essas perdas podem se estender por toda a faixa de freqüências sonoras audíveis, bem como pode atingir apenas uma faixa limitada de freqüência sonora. Assim, o ouvido é o órgão que capta o som, transforma-o em estímulos elétricos e os envia ao nervo auditivo, para que cheguem ao cérebro. Ali, eles são decodificados. Quando esse mecanismo apresenta falhas surgem as deficiências auditivas, que podem ter vários graus e culminar na surdez total. A deficiência auditiva pode ser classificada de várias formas. A surdez sensórioneural é aquela decorrente de doenças, afecções ou distúrbios do ouvido interno, especificamente, da cóclea, ou do nervo auditivo, ou das áreas cerebrais relacionadas com a audição. Em contraposição, a surdez condutiva se relaciona aos problemas no ouvido externo ou médio, que apenas conduzem as ondas sonoras. Uma outra classificação tem a ver com o aparecimento da surdez no estágio de desenvolvimento do indivíduo. Nesse caso, a surdez pode ser pré-lingual, peri-lingual ou pós-lingual. De acordo com o Bureau International D'Audiophonologie (BIAP), classifica-se a perda auditiva em leve (20 a 40 dBNA), moderada (40 a 70 dBNA), severa (70a 90 dBNA) e profunda (acima de 90 dBNA), no melhor ouvido (CECATTO et al 2003). Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, 10% da população mundial tem algum tipo de deficiência auditiva. A chamada "surdez severa" incide em uma em cada mil pessoas nos países desenvolvidos e em quatro em cada mil nos países subdesenvolvidos. No Brasil, calcula-se que 15 milhões de homens e mulheres tenham algum tipo de perda auditiva e que 350 mil nada ouçam (BOA SAÜDE, 2005). Por conta da manifestação da surdez profunda neurosensorial, os surdos podem apresentar uma série de problemas perceptuais, como a dificuldade de perceber alguns fonemas de palavras emitidas por pessoas ouvintes, os ruídos sonoros que

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alertam perigo eminente, como também, sofrem alguns impactos na aquisição da linguagem e das línguas atreladas ao processo comunicativo social em que estão naturalmente envolvidos. Isso quer dizer que, além de perderem a capacidade perceptual dos eventos sonoros que os cercam, também podem encontrar dificuldades no processo de aprendizagem dos instrumentos comunicativos aos quais estão suscetíveis. Nem toda pessoa que é surda é muda, pois, mudez e surdez são duas limitações diferentes. Do ponto de vista clínico, a mudez pode ser uma conseqüência da surdez pré ou peri-lingual. Mas, a mudez propriamente dita, é uma outra limitação física que está relacionada com problemas ligados à voz ou ao aparelho fonador. Assim, não é porque a pessoa não escuta que ela não fala, visto que, a fala não depende do ouvir, mesmo o ouvir é uma capacidade que auxilia o ato de falar. Os surdos fazem parte de um grupo tão abrangente que há várias classificações para enquadrá-los, tais como: surdos oralizados, surdos não-oralizados, surdos pré-linguais, surdos pós-linguais, surdos sinalizadores, surdos não-sinalizadores, surdos-cegos, surdos severos ou profundos, dentre outras. Surdos oralizados são aqueles indivíduos que fazem uso da Língua Portuguesa (Modalidade Oral) como uma das ou como a única ferramenta de comunicação com o mundo dos ouvintes ao seu redor (QUADROS, 2002). Surdos não-oralizados são aqueles sujeitos que não utilizam a modalidade oral da Língua Portuguesa como instrumento comunicativo, pois fazem uso, normalmente, das línguas de sinais como código lingüístico de comunicação e expressão. Esses surdos não–oralizados que fazem uso das línguas de sinais são conhecidos como surdos sinalizadores. Os que não fazem uso das línguas de sinais para se comunicar são conhecidos como surdos não–sinalizadores. A classificação de surdos pré-linguais e pós-linguais está em concordância com as fases de aquisição da linguagem pela criança, que acontece dos três aos sete anos de idade, em média. Segundo Sacks (2002), as crianças demonstram uma habilidade espetacular, uma genialidade impressionante para a língua entre as idades de 21 e 36 meses de vida. Para o autor, esse período é exatamente igual para todos os seres humanos neurologicamente normais, quer sejam surdos ou ouvintes, cuja capacidade de aquisição vai diminuindo ao longo da infância e termina aproximadamente aos 12 ou 13

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anos. “Esse é(...) o ‘período crítico’ para adquirir uma primeira língua – o único período no qual o cérebro, a partir do nada, pode efetivar uma gramática completa” (LENNEBERG apud SACKS, 2002: 94-5). Assim sendo, os surdos congênitos – ou aqueles que ficaram surdos até os 36 meses de vida – são pré-linguais. Os outros, que ficaram surdos depois da fase de aquisição da língua e da linguagem, são chamados de surdos pós-linguais. Os surdos severos ou profundos são aqueles que apresentam uma surdez irreversível, ou seja, mesmo com o uso de aparelhos ou quaisquer outros avanços tecnológicos, bem como cirúrgicos, esses sujeitos jamais conseguirão ouvir. Por isso, não conseguem conversar de modo usual, pois, precisam ler lábios ou usar as línguas de sinais para se comunicarem (SACKS, 2002). Em relação aos surdos-cegos, fisiologicamente, podemos definí-los como sendo aqueles indivíduos que apresentam uma perda substancial da visão e da audição de um modo tal que a combinação das duas deficiências causa extrema dificuldade na conquista de habilidades educacionais, vocacionais, de lazer e sociais. Numa ótica não– clínica, são aqueles sujeitos que utilizam a língua de sinais ou o tadoma, sendo que suas experiências se revelam por meio de experiências táteis (QUADROS, 2002). Segundo Pimenta (apud SALLES et al, 2004: 39), a surdez deve ser reconhecida como apenas mais um aspecto das infinitas possibilidades da diversidade humana, pois, ser surdo não é melhor ou pior do que ser ouvinte: é apenas diferente. Ainda nesse raciocínio, Strnadová (2000) defende que, enquanto um dano orgânico, a surdez é algo imutável, mas não traz incômodo algum por si mesma. Segundo a autora, o que incomoda mesmo são as conseqüências dessa “deficiência” que se configuram em desvantagens, diferentes em várias situações. Algumas são mínimas, outras são importantes. Para ela, é impossível remover a deficiência, mas a inferioridade sim. Enquanto limitação física, a surdez não interfere na compreensão da realidade, pois, a existência de sujeitos surdos não significa o surgimento de obstáculos para o processo de inclusão nas comunidades ouvintes, ao contrário, o respeito às diferenças auxilia na integração, visto que, essa deve acontecer de um modo que a sociedade perceba nos surdos a mesma capacidade lingüística de comunicação e o mesmo potencial para tomar decisões e participar de atividades sociais comuns nos dois grupos – de surdos e ouvintes (ROSA, 2003).

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Essas desvantagens, segundo Sekuler e Blake (1994), fazem da surdez algo bem pior que a cegueira, pois, para os surdos, há a perda de um estímulo essencial, o som da voz, que é o que traz consigo a linguagem, ativa a formação dos pensamentos e coloca esses sujeitos na companhia intelectual dos homens. Hellen Keller apresenta a surdez como uma infelicidade bem maior que o não enxergar. Sacks (2002: 15) afirma que “somos notavelmente ignorantes a respeito da surdez (...) Ignorantes e indiferentes”. Sá (2002) nos instiga quando afirma que qualquer pessoa que tenha conhecimento da comunidade surda sabe que a definição de surdez pelos surdos passa muito mais pela identidade grupal que por uma característica física que os faz “menos” ou “menores” que os ouvintes. Já para Salles et al (2004), acabar com o paradigma da deficiência é observar as restrições dos dois grupos: surdos e ouvintes. Quadros (2002: 10) define os surdos como aqueles indivíduos que se identificam enquanto surdos. Segundo a autora,

surdo é o sujeito que apreende o mundo por meio de experiências visuais e tem o direito e a possibilidade de apropriar-se da língua brasileira de sinais e da língua portuguesa, de modo a propiciar seu pleno desenvolvimento e garantir o trânsito em diferentes contextos sociais e culturais.

Strnadová (2000) dispõe de um comentário particular em torno do que é ser surdo quando diz que para pessoas como ela, que não escutam desde a infância, responder à pergunta – “como é ser surdo?” – é tão difícil como ter uma resposta para a pergunta como é viver. A surdez, segundo a autora, já se tornou parte dela mesma, pois acredita que, assim como os ouvintes têm adversidades: “o surdo passa pelos mesmos problemas, acrescidos de dificuldades específicas. (...) Isso se repete sempre e em diferentes relações” (STRNADOVÁ, 2000: 36). DANESI (2001: 169) defende a idéia de que o sujeito surdo não deve ser visto como uma pessoa deficiente. Pelo contrário, segundo ela, ele deve ser visto como “membro de uma comunidade lingüística diferente, com hábitos, valores próprios e com uma cultura diferente da comunidade ouvinte”. A autora defende que essa atitude de reconhecer as potencialidades dos surdos de acordo com idéias sociais e antropológicas influencia no crescimento da auto-estima do surdo, além de despertar nele a consciência de sua própria condição de ser bilíngüe e bicultural, pertencendo a duas comunidades.

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Sekuler e Blake (1994) acrescentam que nos sentiríamos vulneráveis se nos fosse negado o acesso às informações captadas pelos sentidos sensoriais. Portanto, não é nada surpreendente o fato de que a cegueira e a surdez – que consistem na perda dos sentidos distantes – sejam consideradas devastadoras para o ser humano. É exatamente essa sensação de insegurança que STRNADOVÁ (2000: 412) traz à tona quando ela, que é surda, declara “de vez em quando, sinto falta do controle do ambiente no qual me encontro, através da audição. Não para complementar a realidade dos acontecimentos, mas para minha orientação e sensação de segurança(...)”. De acordo com essa autora, em algumas situações específicas a surdez é uma diferença que coloca os sujeitos em uma condição de inferioridade e isso requer dos surdos e surdas uma atenção redobrada em relação ao ambiente em que vivem, bem como, em relação às ações ou eventos pelos quais passam nesse mesmo ambiente. A percepção dos sujeitos surdos é bastante acurada, visto que, em alguns aspectos perceptuais, esses sujeitos desenvolvem mais receptores ligados à visão e a outros mecanismos sensoriais. Entre os que são usuários das línguas de sinais como ferramenta de comunicação e expressão há uma espécie de fenômeno compensatório, em que há a predominância de uma orientação visual do mundo, bem como, o aumento da velocidade de reação a estímulos visuais (SACKS, 2002). É na visão que está amparado o nosso senso de direção, a nossa noção de espaço, profundidade, distâncias, entre outras características físicas. Quando falamos sobre percepção visual, percebemos que há uma grande variedade de campos perceptuais em torno desse sentido sensorial, pois, cores, movimentos, formas e profundidade são alguns elementos ligados à percepção visual. No caso dos surdos, os campos perceptuais de movimentos, formas e cores são detalhes que se destacam. Normalmente, os sujeitos surdos são conhecidos por serem pessoas visuais, ou seja, por serem surdos, parecem dispor de uma maior acuidade visual. WRIGHT (apud SACKS, 2002: 113) ilustra bem essa realidade quando afirma: eu não percebo mais do que antes, porém percebo de um modo diferente. [...] Por exemplo, assim como alguém que espera impacientemente um amigo terminar uma conversa telefônica com outra pessoa sabe quando ela está

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prestes a terminar pelas palavras ditas e pela entonação da voz, assim também um surdo (...) deduz o momento em que se fazem as despedidas ou em que se formou a intenção de devolver o fone ao gancho. Ele nota a mudança da mão que segura o instrumento, a mudança de postura, a cabeça afastando-se um milímetro do receptor, um ligeiro mexer dos pés e aquela alteração de expressão que indica uma decisão tomada. Isolado das pistas auditivas, ele aprende a ler os mais tênues indícios visuais.

Os sujeitos surdos, na maioria dos casos, são consideravelmente prejudicados pelo fato de não conseguirem estar completamente ligados no ritmo do fluxo do discurso social que os cerca. Segundo Sekuler e Blake (1994), a análise perceptual do mundo passa a ser substancialmente menor quando o indivíduo perde a audição. Particularmente, acreditamos que os sujeitos surdos não são menos capazes de perceber os eventos que acontecem no mundo ao redor deles só porque não escutam. O que endossamos como algo coerente é o fato de que a limitação físico-sensorial causada pela surdez, na maioria das vezes, coloca essas pessoas em situações de inferioridade que são confundidas com deficiências cognitivas (STRNADOVÁ, 2000).

1.2.2 Linguagem De acordo com Fernandes (2003) a linguagem é um conjunto de todas as formas de comunicação naturais, humanas, não-humanas ou artificiais. Segundo a autora, se enquadram no âmbito da linguagem diversos instrumentos comunicativos como a expressão facial, as linguagens corporais, o modo de vestir, o estilo de andar, as reações do próprio corpo humano a estímulos internos ou externos, bem como, a linguagem de outros animais – a dança das abelhas, a comunicação dos gatos, o discurso dos elefantes – dentre outros exemplos, quer sejam pinturas, sinais de trânsito, manifestações sociais, culturais ou naturais. O termo linguagem refere-se a um veículo de comunicação abrangente, geral e capaz de englobar uma maior variedade de manifestações comunicativas, desde a música, passando pelas pinturas rupestres, até mesmo pelos animais, pelo corpo humano, bem como, chegando a abranger as línguas orais-auditivas e espaço-visuais. O termo língua é mais restrito. É definido como um tipo de linguagem definida por um sistema abstrato de regras gramaticais. Desse modo, o conceito de

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língua está conectado a um agrupamento de regras gramaticais que identificam sua própria estrutura nos mais variados planos – desde o dos sons, da estrutura, da formação de palavras, das estruturas frasais, passando pelos da semântica, até chegar aos da contextualização e do uso (FERNANDES, 2003). De acordo com Peixoto (2004: 33) apesar da característica da iconicidade, as línguas de sinais não são cópias do objeto (como o desenho ou a mímica), ao contrário, são representações convencionalizadas e apresentam uma relação de arbitrariedade entre significante e significado, tal qual as línguas orais. A maior evidência disso é que cada país/comunidade tem a sua língua de sinais com léxico completamente diferenciado. Se fosse tão forte assim a iconicidade, teríamos apenas uma língua de sinais no mundo inteiro.

As línguas de sinais são comparáveis em complexidade e expressividade a quaisquer línguas orais, pois, expressam idéias sutis, complexas e abstratas, e ainda, são diferentes umas das outras, bem como, independentes das línguas orais-auditivas utilizadas nos diferentes países. Por exemplo, o Brasil e Portugal possuem a mesma língua oficial, o português, mas as línguas de sinais desses países são diferentes (FELIPE, 1998). Segundo Quadros (2002), a Libras é uma língua espaço-visual articulada pelas mãos, expressões faciais e pelo corpo. É uma língua natural, com estrutura lingüística e gramática próprias utilizada pela comunidade surda brasileira. A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é um instrumental lingüístico e se configura como um idioma que dispõe de normas voltadas aos mais variados aspectos comunicativos – semântica, sintaxe, estilística, gramática, coesão, coerência – tal como as outras línguas orais-auditivas, além de ser específica aos usos de um só público em primeira instância e à realidade das manifestações culturais de um grupo específico.

1.2.3 Aquisição da linguagem Os seres humanos passam, durante alguma fase da vida, por um processo o qual chamamos de aquisição da linguagem e é, na maioria das vezes, fundamental para o desenvolvimento cognitivo e comunicativo da pessoa enquanto ser naturalmente comunicante. Todo ser humano passa durante a vida por um processo de desenvolvimento das ferramentas comunicativas que o faz diferente de outros seres vivos. É por meio da

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linguagem que homens e mulheres aprendem a se comunicar e buscam entender o mundo que os cerca e se fazer entendidos por outros que os rodeiam. Essa fase do ciclo de vida humano é chamada de aquisição de linguagem e geralmente acontece na primeira infância até o início da pré-adolescência. Um aspecto inexorável da linguagem humana é que todo ser humano, quando convive em uma comunidade lingüística, fala uma língua – pelo menos uma – que é a sua língua materna, a qual pode ser aprendida com uma agilidade impressionante até os cinco anos de idade, em estágios com características idênticas entre as comunidades lingüísticas, independentemente da ampla diversidade da experiência lingüística e das condições sociais em que se desenvolve o processo de aquisição, pois, as crianças, aprendem a língua de suas próprias comunidades tal como aprendem a andar (SALLES et al, 2004). Essa realidade fantástica de aprendizado das inúmeras novidades contidas no mundo repleto de curiosidades que está em torno da criança também acontece entre os sujeitos surdos. Contudo, isso nem sempre ocorre de maneira simples, pois, na maioria dos casos, às crianças surdas falta a devida estimulação lingual precoce, ou seja, nem todos os meninos e meninas surdas têm acesso às ferramentas de linguagem na fase crítica de aprendizado e aquisição de linguagem. É justamente nessa fase que o nosso cérebro é capaz de formar naturalmente uma gramática bem organizada de uma língua apresentada como primeiro idioma usual (LENNEBERG apud SACKS, 2002). A universalidade, a uniformidade e a rapidez são características do processo de aquisição da língua materna. A primeira corresponde à informação de que, em condições normais, todos são passíveis de adquirir uma língua natural como a materna. A segunda característica remete às semelhanças durante o processo de aquisição, independentemente dos diferentes estímulos ambientais. E a terceira se consiste na comparação com a manifestação de outras habilidades como o raciocínio numérico. Segundo Sales et al (2004: 74), o processo de aquisição da língua materna por qualquer indivíduo sugere que “a aquisição de linguagem não é um processo de tentativa-e-erro, ou de imitação, mas antes a manifestação de um conhecimento lingüístico inato – a faculdade de linguagem – em face da exposição a dados lingüísticos primários”.

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Por conta disso, mesmo inseridos em um contexto delicado, os meninos e as meninas surdas desenvolvem o que podemos chamar de linguagem natural, ou seja, ao longo do tempo vão criando dentro de si mesmos mecanismos particulares que, para eles, funcionam como se fosse uma língua. Esses mecanismos geralmente surgem no seio da família, quando esses sujeitos buscam ser compreendidos pelos pais entre outros entes queridos, bem como, podem surgir dos estímulos aos quais são expostos. “Nem a língua

nem

as

formas

superiores

de

desenvolvimento

cerebral

ocorrem

‘espontaneamente’; dependem da exposição à língua, da comunicação e uso apropriado da língua” (SACKS, 2002: 123). Quando acontece de nascer um surdo ou uma surda em meio a um contexto todo formado e literalmente “dominado” por ouvintes, é impressionante como os caminhos para a aquisição da linguagem se tornam mais difíceis e é necessário haver uma maior capacidade de superação pessoal por parte do sujeito que não escuta. É nesse momento, na hora da superação, que a aquisição de linguagem termina sendo afetada e o potencial cognitivo acaba sendo lesado. Isso porque, em vez de ter logo um contato com as línguas de sinais, a maioria desses indivíduos surdos que são filhos de pais ouvintes são submetidos a longas sessões fonaudiológicas para estimulação oral, ou seja, para falar, pois, muitos ainda são aqueles que acreditam que a capacidade cognitiva de uma pessoa está associada ao domínio dos mecanismos de fala, isto é, apenas com o domínio da fala, com o aprendizado do ato de falar, é que a criança desenvolve a capacidade de se expressar, de adquirir e evidenciar linguagem, dentre outras habilidades. Esse raciocínio cuja base é conectada à realidade ouvinte é aplicado em quase 100% dos casos quando se trata de famílias ouvintes em que há apenas um ente surdo. No entanto, é errado o raciocínio de que o ato de falar é o único modo de desenvolver a capacidade cognitiva da criança surda ou é a única maneira de viabilizar a inclusão dela na família ou na sociedade. Muitas vezes, o efeito é justamente o contrário, visto que, em vez de estarmos incluindo, podemos estar atrasando o desenvolvimento mental da criança, pois, com a oralização – ensino e exercício do ato de falar – a capacidade cognitiva pode ser afetada porque a organização cerebral da mente da pessoa com surdez profunda não é sustentada pelo ato de ouvir. Segundo Sacks (2002: 123) “se as crianças surdas não forem expostas bem cedo a uma língua ou

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comunicação adequada, pode ocorrer um atraso (até mesmo uma interrupção) da maturação cerebral (...)”. Nos casos em que a família é formada por surdos ou que possua entes que se expressam através da língua de sinais, a capacidade comunicativa da criança se desenvolve normalmente. É em famílias como essas que vemos as línguas de sinais fluírem como algo intrínseco à identidade de cada ente, fato esse, que provoca o estranhamento de alguns quando há um contato com outras pessoas alheias a essa realidade. É possível que isso aconteça porque, enquanto ouvintes, muitas vezes, acreditamos que é muito melhor ouvir que ser surdo, pois, a surdez é normalmente compreendida como a perda de uma capacidade quase que inerente aos seres humanos (Salles et al 2004). Diferente daquilo que muitos de nós ouvintes podemos pensar, a capacidade cognitiva dos surdos não está atrelada à habilidade de falar ou ouvir. Os surdos apresentam competências perceptuais próprias que se desenvolvem com os estímulos pelos quais passam diariamente. Por isso, se disponibilizarmos a língua de sinais como instrumental lingüístico próprio para os sujeitos surdos desde a primeira infância, em concordância ao que diz Sacks (2002: 123) “haverá, adicionalmente, uma intensificação de muitos tipos de habilidade visual-cognitiva (...)”. Assim, é importante que a criança surda entre em contato com as línguas sinalizadas o mais cedo possível, visto que, quando o processo de aquisição de linguagem ocorre de modo precoce, isso significa que o indivíduo tem todas as condições de desenvolver bem as habilidades cognitivas e a capacidade de se comunicar com a família e com a sociedade. Mesmo que surjam impactos lingüísticos adversos a esse processo, aquele sujeito surdo que teve uma manifestação de surdez congênita ou pré-lingüística, consegue ter todo o seu potencial de raciocínio lógico desenvolvido durante a fase crítica. Quando a aquisição de linguagem se completa na fase correta de acordo com o próprio potencial de cada pessoa surda, ela consegue desenvolver mecanismos perceptuais de um modo bem mais profundo, ou seja, para os surdos que tiveram contato com as línguas espaço-visuais e com a linguagem em uma idade mais avançada,

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o desenvolvimento cognitivo e até mesmo o perceptual, já estão recheados de outros empréstimos linguais diferentes daqueles que podem ser despertados por meio das línguas sinalizadas. Os adultos sinalizados conseguem se comunicar muito bem quando têm acesso aos sinais lingüísticos, no entanto, aqueles que desenvolveram apenas uma linguagem natural ao longo da vida, conseguem se expressar, mas, muitas vezes, não são compreendidos no que diz respeito ao que querem realmente comunicar, visto que, em sua maioria, organizam cognitivamente aquilo que pensam de maneira mais gestual, abrangente e redundante que os usuários nativos da língua de sinais. Por isso é que muitas correntes científicas de pesquisa que têm como objeto de investigação os sujeitos surdos defendem que esses indivíduos deveriam passar, primeiramente, pelo processo de aquisição da língua sinalizada, mesmo em idade tardia, pois, o domínio avançado de um código vai permitir o avanço no domínio de outros códigos lingüísticos usados como ferramenta de comunicação. Pesquisadores e profissionais que atuam como intérpretes de línguas de sinais junto às pessoas surdas devem ter o cuidado de incentivar o domínio de uma primeira língua (a de sinais) para a aquisição posterior de outras porque se reconhece que os surdos são sujeitos naturalmente multiculturais. Isso significa que, tanto surdos como ouvintes, partilham vários costumes e hábitos, ou seja, facetas próprias da Cultura Surda mescladas a outros itens próprios da Cultura Ouvinte que, no caso da realidade daqueles que vivem no Brasil, estão todas atreladas à Cultura Brasileira, pois, os dois grupos estão inseridos no mesmo espaço geofísico. Surdos e ouvintes compartilham de alguns espaços comuns, porém, esses dois grupos culturais sustentam aspectos peculiares, pois, a cultura surda dispõe de alguns aspectos tecnológicos particulares que, muitas vezes, são desconhecidos do mundo cultural ouvinte (Salles et al, 2004). Na sua essência representativa, a Libras possui unidades mínimas, chamadas de queremas, equivalentes aos fonemas da Língua Portuguesa. Essa substância gestual é o motivo gerador de uma modalidade comunicativa visual – espacial e implica em uma visão de mundo específica e, muitas vezes, diferente daquela outra língua própria da

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comunidade ouvinte cujo padrão eminentemente oral tem o som como unidade substancial básica. A existência do idioma representativo, bem como o acesso a ele como ferramenta de manifestação cultural, atua como um mecanismo facilitador da identidade das pessoas surdas. Segundo Salles et al, 2004 a identidade surda é variada: há identidades flutuantes, inconformadas, as de transição e híbridas. Na identidade flutuante, o surdo se baliza na representação hegemônica do ouvinte, vivendo e manifestando suas impressões de acordo com o mundo dos ouvintes flutuando sem direção certa tal como um barco de pequeno porte em um oceano de vasta imensidão. Inconformada é aquela identidade em que o surdo não consegue captar a representação da identidade majoritária ouvinte e se sente atrelado a uma representação identitária inferior. Como o próprio nome diz, a identidade de transição é aquela em que há uma transição lingüística de uma modalidade oral, visual e auditiva para uma manifestação comunicativa visual, espacial e sinalizada, quando o contato dos sujeitos surdos com a comunidade surda acontece de modo tardio. Nesse caso, podemos dizer que há um conflito cultural conspícuo porque o sujeito passa a se comunicar de um modo completamente diferente daquele em que ele estava inserido, apresentando, geralmente, uma série de truncamentos na comunicação. A identidade híbrida pode ser reconhecida naqueles surdos que nasceram ouvintes e se ensurdeceram depois da fase crítica de aquisição de linguagem. No caso desses sujeitos, estão presentes as duas línguas durante os processos comunicativos em que, para falar estão ancorados nos sinais, mas, no pensamento, muitas vezes, estão amparados na língua oral. O grupo de surdos híbridos é formado pelos que estão mais suscetíveis a problemas ou distúrbios psicológicos caso não aconteça acompanhamento familiar ou profissional. Há um conflito cultural nesses indivíduos, uma vez que o sujeito se encontra diante de uma guerra de dominação em que outrora ele estava no espaço dominante e agora está fazendo parte do grupo minoritário de indivíduos surdos. Por último, temos a identidade surda propriamente dita, na qual ser surdo é estar imerso em um mundo repleto de experiências visuais, desenvolvendo toda a capacidade lingüística de comunicação em Língua de Sinais (SALLES et al, 2004).

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O indivíduo surdo é um ser plural que está sujeito a ter vários pedaços identitários. Quando se adentra o universo dos surdos, mesmo sendo um estrangeiro pelo fato de sermos ouvintes, começamos a perceber que essas identidades estão presentes ora com mais firmeza, ora com mais superficialidade. Para Salles et al (2004: 41): “a preferência dos surdos em se relacionar com seus semelhantes fortalece sua identidade e lhes traz segurança. É no contato com seus pares que se identificam com outros surdos e encontram relatos de problemas e histórias semelhantes às suas (...)”. A língua de sinais é a base de qualquer comunidade surda. No caso do Brasil, a comunidade defende que a Língua Portuguesa, tanto na sua modalidade oral, como na escrita, deve ser oferecida ao surdo como uma segunda opção lingüística de comunicação, assim como, para os surdos com ‘s’ maiúsculo – outro modo como são conhecidos os Surdos que assumem sua identidade surda – os profissionais chamados de intérpretes de línguas de sinais devem ser disponibilizados para esses sujeitos poderem transitar culturalmente entre os dois mundos – surdo e ouvinte – sempre que for necessário, no intuito de evitar quaisquer problemas culturais. É sabido em que algumas comunidades humanas não há escrita, porém em todas as comunidades formadas por seres humanos há sim a presença de uma língua. Alguns desses grupos comunitários podem ser bilíngües ou plurilíngües, fato esse que nos leva a pensarmos que diferentes constituições gramaticais particulares podem se encontrar representadas no ambiente mental do indivíduo, ou seja, é possível que o raciocínio lingüístico e cognitivo de uma pessoa pertencente a essa realidade plural esteja permeado de várias manifestações de sentido (SALLES et al, 2004). Indianos, além de pessoas de algumas nações da África, cidadãos nativos de ilhas da Oceania, dentre outros exemplos que podem também incluir os sujeitos surdos, podem ser enquadrados nessa realidade lingüística plural. Dessa forma, podemos entender que todo ser humano é capaz de adquirir uma ou mais línguas que sejam diferentes daquela que usa como primeira língua. Os efeitos do período crítico – aquele em que a pessoa passa pelo processo de aquisição de linguagem – podem ser observados durante a aquisição de uma segunda língua. Para Salles et al (2004:73), “a aquisição de uma língua oral como segunda

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língua pela pessoa surda é, portanto, natural, mas tem características especiais, dadas as especificidades das condições de aquisição”. Ao passar pelo aprendizado de uma segunda língua, no caso dos sujeitos surdos, esses estão suscetíveis à falta de êxito, à variação individual tanto no nível do êxito, como no processo, nas estratégias e nos objetivos, à fossilização, que é um fenômeno que não ocorre quando se está adquirindo uma primeira língua, mas consiste na estabilização do processo em alguns estágios com a obtenção de certos objetivos comunicativos, ou seja, à tendência de se acomodar e parar no meio da caminhada depois de conseguir alguns avanços. Além disso, os surdos estão sujeitos à indeterminação das intuições em relação ao que é permitido ou não na gramática alvo, bem como, à influência dos fatores afetivos, os quais, muitas vezes atuam fortemente na valoração do processo de aprendizagem da segunda língua. Dessa forma, verifica-se que a situação é complexa, pois, para os sujeitos surdos, na maioria das vezes, não é desejável a aquisição de uma segunda língua. Percebemos que no caso da aquisição do Português como segunda língua para os surdos, essa é considerada como sendo pesada, cansativa, traumatizante e difícil, pois, constitui-se de um universo lingüístico com o qual muitos deles tiveram um contato inicial bastante desagradável. Para Fernandes (apud SALLES et al, 2004), “a surdez é uma realidade heterogênea e multifacetada e cada sujeito surdo é único, pois, sua identidade se constituirá a depender das experiências socioculturais que compartilhou ao longo de sua vida”. Em vista disso, o conhecimento de uma segunda língua por parte dos sujeitos surdos não deve ser obrigatório. A exposição a uma segunda língua deve acontecer apenas como um recurso adicional de comunicação. Caso tenham acesso a esse recurso os sujeitos surdos podem angariar mais estratégias para conseguir vencer as barreiras comunicativas e lingüísticas que surgem entre eles e o universo ouvinte majoritário. Ser surdo não implica viver isolado, mas ser portador de uma identidade surda significa enfrentar dificuldades no que diz respeito à comunicação e à cognição que, na maioria das vezes, não são extremamente fáceis de resolver e terminam por afetar profundamente a própria capacidade perceptual.

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1.3 A Percepção de Notícias pelo Público Surdo Em uma pesquisa que fizemos com surdos durante o mês de abril de 2005 sobre a percepção de quatro notícias do Jornal Nacional, notamos que, quando as notícias são transmitidas com tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras), há uma percepção completamente diferente daquela que ocorre quando esse recurso não é disponibilizado. Com a presença da tradução em Libras, as notícias foram percebidas melhor pelos sujeitos, revelando opiniões concatenadas com o assunto da notícia. Já as notícias que não tiveram acompanhamento pela Língua de Sinais, tiveram sua apreensão afetada pela concepção pessoal que cada sujeito possuía sobre a idéia do fato que estava sendo exibido visualmente. Por exemplo, uma notícia sobre explosão próxima a um gasoduto da Petrobrás na Bolívia foi associada a uma guerra que estaria acontecendo naquele país. Essa percepção acerca desse fato aconteceu assim, truncada, por não ter sido viabilizada a informação na primeira língua dos sujeitos surdos telespectadores e pelo fato da seqüência de imagens não ter sido suficiente para informar, visualmente, o que tinha acontecido naquele país, visto que, foram mostradas uma imagem em plano parado do gasoduto com duração de apenas alguns segundos e, logo em seguida, uma imagem de um mapa da América do Sul destacando com caracteres textuais o país Bolívia e a capital La Paz, a qual permaneceu no ar durante o restante do tempo de exibição da notícia. No caso dos surdos que assistiram a notícia e que não tiveram a alternativa da Libras, restou uma percepção superficial do fato, em que apenas sabiam que algo havia acontecido na Bolívia, mas não sabiam precisar o fato com clareza, porque não tiveram acesso ao conteúdo verbal da notícia. Assim, a linguagem audiovisual das informações telejornalísticas possui percepções diferenciadas dependendo do público e da forma de emissão. Ou seja, se assistirmos a uma reportagem telejornalística apenas ouvindo o áudio do conteúdo informado porque no momento da exibição não pudemos acompanhar a TV, mas apenas pudemos ouví-la, vamos ter uma percepção diferente daquela pessoa que ouviu e viu a mesma notícia. A presença da televisão na sociedade e sua importância atual torna necessário o entendimento de que também se encontram do outro lado da “telinha”, na

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audiência, sujeitos surdos. Zovico, surdo congênito paulista declara que “muitos surdos possuem televisão, mas o maior problema é que não conseguem obter informações importantes (...)” (ZOVICO, 2003:22). O

telespectador

surdo

muitas

vezes

não

consegue

apreender

simultaneamente o visual das imagens e o texto das legendas de closed caption. Isso acontece com a maioria dos surdos brasileiros, que não têm vivências diárias profundas com a modalidade escrita da Língua Portuguesa, visto que a Libras é o código lingüístico mais utilizado por eles (SANTIAGO, 2004). No que concerne a mensagem televisiva, Eco (2002) acredita que a individuação do código e dos léxicos adequados é favorecida pelo contexto comunicativo em que é emitida a mensagem. Ou seja, a aplicação da Libras como único código lingüístico de acesso aos surdos desde o processo comunicativo de emissão da notícia telejornalística, torna muito mais ágil e direta a percepção da mensagem por parte desses sujeitos. Os manuais sobre TV afirmam que “toda vez que um telespectador ouve uma palavra ou uma frase, ela é processada e conectada – associada – a algo já conhecido. É ligada ou relacionada a alguma coisa que já está na memória dele” (PATERNOSTRO, 1999, p.78). Outros autores afirmam que “as imagens podem levar à síntese informativa, sobretudo se amparadas no texto verbal, mas também, contribuem para a dispersão das informações, dado o fluxo contínuo de cenas, recortadas e justapostas umas às outras”. (ZANCHETTA, 2004, p.113). Como a maioria dos telespectadores brasileiros é formada por ouvintes, é provável que existam algumas barreiras comunicativas e lingüísticas que impedem os sujeitos surdos de terem uma percepção completa dos fatos veiculados na TV. A falta de acessibilidade, visto que, as notícias são exibidas apenas em uma língua, o desconhecimento lingüístico da maioria dos ouvintes dos parâmetros ligados à Libras, o desconhecimento por parte dos surdos das regras ligadas à Língua Portuguesa, dentre outros exemplos, podem se constituir como fatores que dificultam as relações entre ouvintes e surdos. Os intérpretes de línguas de sinais podem atenuar essas dificuldades. Segundo Rosa e Dallan (apud ROSA, 2003: 237) o intérprete é uma pessoa ouvinte bilíngüe que domina o português na modalidade oral e a Língua de Sinais. Para Quadros

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(2002) eles, além de ter esse duplo domínio lingüístico são aquelas pessoas que interpretam uma dada língua de sinais para outra língua, ou dessa outra língua para uma determinada língua de sinais. Para a surda Strnadová (2000: 70) os intérpretes não são apenas os tradutores. Representam a ponte entre dois “mundos diferentes”, entre o mundo dos surdos e o mundo dos ouvintes. Essa autora descreve bem o trabalho desses profissionais: intenso, simultâneo e bastante exaustivo, porém gratificante. Segundo ela, o intérprete avalia rapidamente toda a frase, prioriza o que o cliente quer dizer, muda a ordem das palavras obedecendo à gramática da língua oral e, às vezes, interpreta um sinal que não pode ser traduzido por uma palavra apenas. Tudo isso, instantaneamente e, enquanto fala, presta atenção nos sinais seguintes (STRNADOVÁ, 2000). Quadros (2002) expressa que o intérprete está totalmente envolvido na interação comunicativa, tanto no aspecto social como no aspecto cultural, dos sujeitos surdos com o mundo ouvinte. Historicamente, o surgimento das atividades de interpretação se deu a partir de atividades voluntárias que foram sendo valorizadas enquanto atividade profissional na medida em que os surdos foram conquistando a sua cidadania. A participação dos surdos nas relações sociais incentivou e suscita a profissionalização dos que atuam como intérpretes de línguas de sinais. No caso do Brasil, identificou-se como marco inicial a presença de intérpretes de línguas de sinais trabalhando em atividades ligadas a núcleos religiosos por volta de 1980, diferente de outros países que tiveram manifestações do trabalho desses profissionais desde o final do século XIX. Na Suécia essa atividade existe desde 1875 e nos EUA desde 1815. O primeiro intérprete americano foi Thomas Gallaudet. Pesquisas sobre intérpretes de línguas de sinais realizadas na Europa revelam que na medida em que os sujeitos surdos vão ampliando suas próprias atividades e vão conseguindo participar das atividades sociais, políticas e culturais da sociedade, o intérprete de língua de sinais é mais qualificado e melhor reconhecido profissionalmente (QUADROS, 2002). Para Strnadová (2000) a maioria dos surdos não tem idéia sobre a importância e a dificuldade do trabalho de interpretação. Segundo ela, os surdos desconhecedores da língua oral e, conseqüentemente, da modalidade escrita,

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dificilmente conseguiriam se fazer entender pelos outros sem o auxílio do intérprete da língua de sinais. O intérprete desempenha o papel de mediador das relações sociais entre ouvintes e surdos, atenuando as barreiras comunicativas e lingüísticas entre esses dois grupos e atuando como construtor de pontes entre esses dois mundos culturalmente diferentes. Além disso, esses profissionais podem ser enquadrados na categoria de ferramentas inclusivas.

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2 MÉTODO 2.1 Escolha dos sujeitos A escolha dos sujeitos foi influenciada pelos resultados obtidos em projetos anteriores à pesquisa atual e em nossa experiência profissional. Buscamos, dentro do universo de alunos surdos devidamente matriculados no ensino médio do turno da noite da Escola de Ensino Fundamental e Médio Prof. Renato Braga (EEFMRB), um grupo de sujeitos que, voluntariamente, estivessem dispostos a colaborar com a pesquisa. Pelo fato de trabalharmos com interpretação educacional na escola pública mencionada, houve uma maior facilidade para consultar os indivíduos. Inicialmente, tínhamos um interesse de formar um grupo de dez pessoas com diferentes graus de fluência na Libras, a ser dividido em dois sub-grupos os quais, respectivamente, passariam por testes perceptuais diferenciados. No entanto, algumas adversidades ligadas a aspectos pessoais dos indivíduos surdos, assim como, outras ligadas a assuntos voltados às atividades curriculares e extracurriculares da própria escola, tais como semana cultural, comemoração do Dia do Professor, entre outras, fizeram com que a escolha final do grupo fosse afetada. Por fim, conseguimos formar um grupo de cinco sujeitos surdos que concordaram em participar da pesquisa. Esse grupo foi formado por três homens e duas mulheres, todos alunos devidamente matriculados na escola. Dos três homens, um estuda na turma especial4 da 2ª série do Ensino Médio no período noturno (HS1) e dois são alunos de uma das turmas especiais da 1ª série noturna do Ensino Médio (HS2 e HS3). Entre as mulheres, uma é aluna da mesma turma especial da 1ª série do Ensino Médio em que estudam HS2 e HS3 e a outra estuda na mesma sala de HS1. Do mesmo modo que os homens, as mulheres foram categorizadas em mulher surda um (MS1), que é esposa de HS3 e mulher surda dois (MS2), que é colega de turma de HS1. O grau de conhecimento diferenciado da Língua Brasileira de Sinais apresentado pelos sujeitos da pesquisa foi um fator preponderante para a escolha. Nessa perspectiva, tivemos a intenção de reunir surdos com total fluência em Libras com

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Turmas especiais são aquelas formadas apenas por alunos e alunas surdos, os quais assistem às aulas por meio do trabalho de tradução simultânea de intérpretes profissionais de línguas de sinais (Libras), enquadrados, nesse caso, na categoria de intérpretes educacionais.

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outros medianamente fluentes e alguns com um nível básico de fluência. Mediante a experiência profissional com a Língua Brasileira de Sinais, verificamos que essa diferença de graus de fluência surge naturalmente entre os indivíduos surdos, visto que alguns têm mais contato com a Libras que outros, gerando mais versatilidade comunicativa em uns e em outros menos.

2.2 O material da pesquisa Uma outra etapa importante da pesquisa foi a escolha do material a ser utilizado. Foram escolhidas notícias do “Jornal do 10” – telejornal local que enfoca principalmente as notícias da cidade de Fortaleza e de outras localidades cearenses. Escolhemos o “Jornal do 10” por ser o que, dentro de seu horário de exibição, é mais conhecido pelo grupo de surdos que foi formado. Para a pesquisa foi escolhida a edição do dia 11/08/05, exibida das 18h50min às 19h10min. O “Jornal do 10” apresenta, em média, 20 minutos de duração, possui em torno de quatro intervalos – incluindo o tempo da vinheta de abertura do programa, além de estar organizado de uma maneira que, logo nos primeiros 10 minutos de telejornal, já é possível acompanhar todas as últimas notícias sobre Fortaleza e Estado que aconteceram naquele dia até aquela edição. Esse programa também mescla a exibição de notícias quentes e frias5 durante o decorrer do programa, o que confere momentos de tensão e leveza em um curto espaço de tempo. Na edição escolhida, foi veiculada uma notícia que causou um grande impacto na capital no início do segundo semestre desse ano: o assalto ao Banco Central de Fortaleza. Esse evento deixou a edição do “Jornal do 10” com um grande bloco quente completamente tomado pelas últimas notícias com dados sobre o assalto, com informações “ao vivo”, assim como, contou com blocos frios de notícias sobre temas variados.

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Notícia quente é aquela que fala de um fato bem recente, totalmente inédito e às vezes até recém-acontecido, sendo servida assim, “quentinha”, ao telespectador tal como o pão está fresquinho no momento em que saiu do forno. Notícia fria já é aquela cujo fato não é tão inédito, mas é novo, não é de grande impacto, mas é relevante e, geralmente, teve mais tempo para ser coletada e editada.

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Assim, o “Jornal do 10” escolhido foi exibido no dia da comemoração do Dia do Estudante, no Brasil. Contou, além da escalada, com um grande primeiro bloco informativo sobre o assalto ao Banco Central de Fortaleza e com um segundo com notícias policiais, com acontecimentos da cidade, com notas-pé enunciadas pela apresentadora, além de notícias mais frias sobre o uso de cartões de crédito, sobre empréstimos consignados e uma notícia sobre uma tentativa de assalto seguida de morte que aconteceu em Fortaleza naquele dia. O quarto bloco foi dedicado às últimas informações sobre o assalto ao Banco Central além das notícias de esporte (Anexo 1).

2.3 Preparação do material A primeira fase de preparação do material consistiu na gravação, na íntegra, da edição do jornal escolhida. Em seguida, foi feita a gravação, em estúdio, da interpretação simultânea de todo telejornal por parte de um intérprete profissional de língua de sinais (Libras) e uma edição não-linear dos conteúdos escolhidos e a composição com o que foi interpretado simultaneamente. Uma cópia de todo o “Jornal do 10” foi exibida para o intérprete a fim de proporcionar uma aferição inicial do conteúdo. Em seguida, em busca do equilíbrio cromático-visual da imagem do intérprete no vídeo, escolhemos o fundo azul e posicionamos o profissional dentro do estúdio. Logo após, foi exibida novamente a fita com a cópia do telejornal e gravada a interpretação simultânea de todo o “Jornal do 10” do dia 11 de agosto de 2005. Depois da gravação, o intérprete ordenou as notícias sinalizadas de acordo com a qualidade da sua interpretação. Conjuntamente foram escolhidos os quatro momentos do jornal melhor interpretados e mais interessantes para os propósitos da pesquisa. Foram escolhidas: a escalada, a primeira notícia, a notícia empréstimos consignados e a notícia sobre esportes. Em seguida, na ilha de edição não-linear foram feitos os ajustes finais da fita que deveria ser apresentada aos sujeitos. Na fita, o intérprete de língua de sinais foi inserido em um ambiente quadrangular com uma área espacial de aproximadamente

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quatro polegadas no canto inferior esquerdo do vídeo6. Assim, sobrepomos as janelas de modo que, levemente, em primeiro plano, veríamos o intérprete e, logo atrás, ao fundo, o conteúdo do telejornal. É claro que na composição, precisamos suprimir alguns créditos ou informações gráficas. Dessa forma, dentro do próprio produto editado, escolhemos quatro exemplos para serem exibidos primeiramente sem e, em seguida, com interpretação: escalada, primeira bloco de notícias sobre o assalto ao Banco Central de Fortaleza, notícia sobre empréstimos consignados e a que versava sobre os últimos acontecimentos no Esporte local. Das quatro notícias escolhidas, duas são quentes e duas frias. Adotamos essa divisão para melhor apreender as estratégias perceptuais dos sujeitos surdos no caso de notícias factuais e quando esses se deparam com informações menos factuais, mas com dados relevantes dentro do conteúdo do telejornal. O material produzido tinha a duração de aproximadamente 10 minutos e foi formatado no padrão digital (DVD). Nesse, temos a gravação das quatro notícias fielmente pós-produzidas com tecnologia digital e simultaneamente interpretadas. Além disso, mantivemos em um outro DVD, uma copia de segurança contendo a edição completa do telejornal escolhido.

2.4 Procedimento A coleta de dados foi realizada na Sala de Multimeios da escola pelo fato de ser o único espaço da instituição com televisor e DVD disponíveis e também por ser um local apropriado para se realizar trabalhos em grupo. Ao grupo de participantes foram explicados os objetivos da pesquisa com bastante antecedência, marcando a hora e o local que deveriam comparecer para a coleta dos dados. Na Sala de Multimeios as cadeiras foram colocadas na forma de platéia com o intuito de deixar os sujeitos totalmente voltados para a direção do televisor. Inicialmente, foi explicado aos sujeitos o procedimento. 6

Essa área é conhecida como janela de interpretação ou “janelinha 44” e, normalmente aparece durante a exibição de alguns programas da TV brasileira. Mas, nem todos dispõem desse recurso.

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Primeiramente, às 20h30min do dia 14 de outubro, cada um dos sujeitos assistiu à escalada do “Jornal do 10” sem interpretação simultânea e, logo após essa primeira exibição, responderam duas perguntas sobre aquilo que viram na TV: Qual era o assunto da reportagem? O que você percebeu? Em seguida, os sujeitos assistiram ao conteúdo da escalada com interpretação e responderam às mesmas duas perguntas e a uma terceira sobre a diferença entre ver a notícia com e sem interpretação. Esse processo se repetiu com os outros três conteúdos telejornalísticos selecionados, sendo que, em relação ao conteúdo sobre empréstimos consignados, exibimos seqüencialmente o material sem e com acesso à Libras. Dessa forma, não fizemos duas entrevistas coletivas, mas sim, um debate geral, englobando as percepções dos sujeitos sobre o que assistiram com e sem tradução simultânea. Além disso, quanto ao último conteúdo, que versava sobre o Esporte local, exibimos apenas a versão com tradução simultânea em língua de sinais e comparamos as respostas perceptuais referentes a esse conteúdo com as que foram emitidas sobre a exibição sem Libras do assunto esportivo que estava contido na escalada do “Jornal do 10”. As perguntas foram feitas coletivamente e solicitamos que cada sujeito fornecesse uma resposta e a sessão experimental durou aproximadamente 90 minutos, sendo concluído por volta das 22 horas. Toda a pesquisa de campo foi documentada por meio de uma filmadora digital. Além disso, foram feitas fotografias enquanto os sujeitos assistiam às notícias. As imagens capturadas continham detalhes do espaço da sala, bem como a distribuição dos sujeitos no espaço e as reações deles à exibição das notícias, com e sem interpretação. O vídeo e o áudio resultantes dessa gravação se constituíram nos dados analisados.

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3 RESULTADOS Obteve-se um vídeo de aproximadamente 40 minutos contendo as reações dos sujeitos diante da exibição das noticias. Essas foram expostas por meio do código lingüístico da Libras. Em seguida, esse material foi apresentado a um intérprete profissional de língua de sinais, que por sua vez, falou – traduzindo da Libras para a modalidade oral da Língua Portuguesa – os discursos dos sujeitos surdos pesquisados. Essa seção foi gravada em áudio e posteriormente transcrita (Apêndice 2). Dividimos nossos resultados em dois grupos, sendo que, no primeiro (grupo 01), enquadramos as percepções dos sujeitos em relação ao conteúdo exibido sem interpretação para a Língua de Sinais (Libras). No segundo grupo (grupo 02), reunimos os relatos perceptuais dos surdos sobre as produções telejornalísticas exibidas com o recurso inclusivo da tradução simultânea para a Libras. Algumas categorias emergiram dentro desses dois agrupamentos de dados durante a pesquisa de campo com os sujeitos. De dentro do grupo 01, verificamos o aparecimento das seguintes categorias: confabulação, divergência dos discursos, descontentamento e raiva diante da falta de acessibilidade comunicacional e informação truncada. Segundo SASSAKI (2005), essa acessibilidade acontece quando não há “barreiras na comunicação interpessoal (face-a-face, língua de sinais), escrita (jornal, revista, livro, carta, apostila etc., incluindo textos em braile, uso do computador portátil), virtual (acessibilidade digital)”. No grupo 02 surgiram: concatenação das idéias dentro dos discursos dos sujeitos, indignação diante da indisponibilidade do recurso de tradução simultânea para a Libras do conteúdo telejornalístico exibido, exatidão da informação transmitida, unicidade do discurso, maior propriedade nas opiniões sobre os assuntos veiculados. Além disso, foram percebidos também, através das observações e do discurso dos participantes algumas categorias gerais. As categorias encontradas estão esquematizadas no Quadro 1.

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QUADRO 1: Categorias que emergiram nos discursos dos participantes e nas observações realizadas. Categorias sem sinalização em Libras Confabulação Divergência dos discursos Descontentamento e raiva diante da falta de acessibilidade comunicacional Informação truncada

Categorias com tradução simultânea Concatenação das idéias dentro dos discursos dos sujeitos Indignação diante da indisponibilidade do recurso de tradução simultânea

Categorias gerais

Motivação Hierarquização Debate Libras e percepção plena do conteúdo exibido

Exatidão da informação transmitida Unicidade do discurso Maior propriedade nas opiniões sobre os assuntos veiculados

Confabulação7 Pode ser definida como uma estratégia perceptual dos sujeitos caracterizada pelo uso de uma complementação da informação que eles assistiram com outros dados próprios da realidade de vida de cada um. Percebemos durante as respostas dos surdos às questões referentes ao conteúdo sem Libras que a confabulação surgiu mediante a tentativa dos mesmos de darem sentido lógico ao que estavam acompanhando por meio da seqüência imagética dentro dos produtos telejornalísticos exibidos. Nessa tentativa, os sujeitos terminavam confabulando um discurso discordante do real sentido do que foi a eles exibido, buscando informações na subjetividade que cada um tem para satisfazer o entendimento de algo que não estava sendo comunicado mediante o uso do seu próprio código lingüístico.

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Confabulação ou fabulação é um termo utilizado na psicologia ou psiquiatria para se referir a um distúrbio de memória em que o indivíduo relata temas fantásticos os quais, na realidade, nunca aconteceram. O indivíduo preenche um vazio de memória criando fatos que se adequam ao contexto. No nosso caso, utilizamos o termo confabulação, pois os sujeitos preencheram com informações suas o que não conseguiram entender da notícia apresentada.

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Nos discursos de um dos sujeitos, por exemplo, essa categoria apareceu na seguinte fala: ... Tinha um caminhão... Foi possível observar no Jornal... Algum problema que tinha que eles estavam... Supervisionando esses problemas que havia... Algumas pessoas voltaram... E... Passaram alguma documentação que foi legislada... E estavam esperando assim no caso...O Banco... Mas só que é difícil... Porque tem que haver um treinamento... Para que haja algum progresso... Porque, por exemplo, no caso do motor... Pro motor voltar a funcionar... (HS2).

Nessa fala, HS2 comenta o que ele percebeu da escalada do “Jornal do 10” sem tradução simultânea em Libras. Nesse momento, enquanto a apresentadora fez a leitura do texto: “Justiça decreta as primeiras prisões dos suspeitos do assalto ao Banco Central... Encontrados hoje à tarde mais dois milhões de reais roubados... Dono de transportadora no Ceará levava parte do dinheiro dos ladrões...”,

foi exibida uma imagem de um caminhão-cegonha

completamente lotado de carros na sua carroceria, o qual foi usado pelo empresário para transportar parte do dinheiro roubado do Banco Central de Fortaleza pela quadrilha. Nesse caso, especificamente, vimos a confabulação surgir no discurso de HS2 pelo fato de aparecer na fala desse sujeito um motor inexistente no discurso veiculado a ele sem Libras. Essa categoria também permeou os discursos de HS2 em outros momentos da pesquisa. Outro exemplo forte da presença da confabulação também aconteceu após a exibição da escalada do “Jornal do 10”, quando conferimos as falas dos sujeitos referentes ao assunto esporte: E outro assunto é justamente sobre Futebol...Conseguir uma vitória no jogo...Isso foi o que eu percebi... (MS1). E a outra coisa que eu vi diz respeito ao esporte... Que seria dois times que iriam se enfrentar... No caso seria Fortaleza e Ceará... Só que as pessoas pensam: – quem é que vai ser o campeão? – quem vai ser o melhor? Alguns pensam assim: - Ah!... O meu time é bom porque tem certos jogadores de futebol que eu já conheço... Que é famoso... Mas, não... Eu acho que deve ser união entre todos... (MS2). E ainda com respeito ao futebol... No caso... O Fortaleza e... Acho que era o Ceará... É! Era o Ceará... E aquela dinâmica que nós estávamos observando...O que as pessoas sentiam...Quem era realmente que iria ganhar...Qual era o seu time favorito... Se era esse ou se era o outro... Então havia aquela discussão entre as pessoas... Isso é um costume que as pessoas têm... Eu acho que é por aí... (HS1). E a outra coisa... É com respeito ao Fortaleza e ao Ceará... Os dois times que iriam se enfrentar... Então as pessoas... Elas estavam... Os torcedores estavam querendo assim a briga, né?... Brigando... Por querer saber qual era o melhor time... Alguns pareciam ser brincadeira... Mas isso é uma

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brincadeira perigosa... E pelo que mais foi explicado... É que alguns do Ceará estavam fazendo algumas reclamações... Estavam com raiva... Chateados... Também assinaram alguns documentos... E o governo se reuniu para fazer um treinamento para saber o que é que poderia ser observado nisso... (HS2). Também o futebol... Fortaleza e Ceará... Os torcedores... Eles estavam realmente fazendo aquela discussão sobre qual era o time que iria ganhar... (HS3).

Na verdade, o que Cíntia Lima leu durante esse momento da escalada foi: Futebol! Fortaleza joga à noite contra o Fluminense no Rio de Janeiro.

Mas, como as imagens que

cobriram a leitura desse texto mostravam os jogadores do Fortaleza trajando o uniforme oficial tricolor e jogando com outros jogadores que estavam trajando uniforme de cor branca, acreditamos que, sem o recurso inclusivo da interpretação simultânea, os sujeitos surdos associaram a uma informação jornalística sobre um confronto clássico entre Fortaleza e Ceara. Por isso, pelo fato de não haver amparo lingüístico adequado ao código usual dos sujeitos surdos pesquisados, eles buscaram associar a imagem que estavam vendo com algum conhecimento pré-adquirido sobre o assunto veiculado. No entanto, nesse instante associativo a estratégia perceptual da confabulação interferiu no entendimento pleno do real assunto noticiado.

Divergência dos discursos Comprovamos que essa categoria emergiu a partir das respostas dos sujeitos surdos logo após a exibição das informações mais atualizadas sobre o assalto ao Banco Central de Fortaleza. Isso porque, em relação a um único assunto, encontramos respostas totalmente divergentes, como ilustram os trechos de fala a seguir: (...) Um outro assunto que eu pude observar é os carros importados que também estavam um ao lado do outro... (...) (MS1). (...) É pra comprar algumas coisas com respeito aquilo que houve no Banco Central... O roubo que houve... Que nos deixou realmente assustados... (MS2). (...) E também vimos... Com respeito ao homem no caso do Banco do Brasil... Ou melhor, do Banco Central... Alguns também estavam organizando algumas coisas pra... Estudando meios de fazer venda de algumas lojas... E até mesmo fazer a construção de mais outras coisas... Que realmente precisava de verba... De dinheiro... Algumas pessoas já até sumiram com esse dinheiro...(...) (HS1).

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(...) Também o que eu lembro... É com respeito a mostrar a seriedade de algumas investigações... Que eles estavam fazendo...O Governo responsável das investigações... Estava fazendo algumas reclamações... (...) (HS2). (...) Quatro pessoas foram presas... E haviam comprado alguns caminhões... Que estavam sobre algum lugar... Eles compraram esse caminhão... Mas a investigação encontrou e os prendeu... (...) foi o que a gente viu no Jornal essas pessoas sendo pegues em flagrante...(...) (HS3).

No discurso de HS3 encontramos dados que mais se aproximam do real conteúdo apresentado durante a escalada do telejornal sobre esse assunto especificamente. Isso porque, o texto lido, em relação ao assalto, foi esse: Justiça decreta as primeiras prisões dos suspeitos do assalto ao banco central... Encontrados hoje à tarde mais dois milhões de reais roubados... Dono de transportadora no ceará levava parte do dinheiro dos ladrões... Quadrilha comprou carros nesta loja e pagou à vista quase um milhão de reais... (Cíntia Lima).

Nesse contexto, vemos que, ao relatar que “quatro pessoas foram presas”, HS3 se aproxima do conteúdo exibido, mas, quando notamos outros sujeitos informarem que o “dinheiro era para comprar coisas a respeito daquilo que houve no banco central”, como fez MS2, ou afirmarem que alguns estavam “estudando meios de fazer a venda de algumas lojas”, como no caso de HS1, deparamo-nos com o surgimento dessa categoria de divergência. Assim, comprovamos que um mesmo assunto, quando foi exibido sem acesso em Libras, foi percebido de modos totalmente diferentes pelos sujeitos surdos pesquisados.

Descontentamento

e

raiva

diante

da

falta

de

acessibilidade

comunicacional Percebemos que nos discursos dos sujeitos surgiu essa categoria de descontentamento e raiva diante da falta de acessibilidade nos produtos exibidos. Todos eles emitiram opiniões revelando em seus relatos algum grau de desaprovação da ausência de Libras. Por fim, isso terminou ressaltando a importância desse recurso para o entendimento pleno deles em relação ao assunto que foi veiculado. Em um desses casos, o comentário foi bem enérgico e intempestivo. Podemos conferir isso nas falas que se seguem:

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... Eu entendi o quê pela reportagem?O que será que estava tendo ali? Como eu não escuto... Não dava para eu entender porque não tinha um intérprete... Quando se coloca um intérprete... Fica bem melhor... Mas, sem ele não... É bem difícil a gente poder entender... A gente tem mais é que batalhar... Se esforçar... Para conseguir essas coisas que é própria dos surdos... O intérprete dentro da janelinha na televisão... (HS3). (...)... Na reportagem... O que é que tá havendo ali?... Eu sou surdo e então eu não entendi o que é que tava tendo... Eu fiquei com alguma dúvida do que eles estavam falando... (...) (HS1). ... Bem, quando começou a reportagem, pensei: – o que era que tava passando?... Eu não entendi direito... São coisas importantes... Mas, o que era aquilo?... Alguns riscos? Alguns perigos?... Eu num entendi... Eu sou surda... (...) (MS2).

Informação truncada Conseguimos identificar o surgimento dessa categoria também durante as respostas ao que foi visto sem o acesso viabilizado pela Libras, tanto no que diz respeito a Escalada como no que foi falado sobre o assalto ao Banco Central de Fortaleza. Quando não houve interpretação simultânea para a Língua Brasileira de Sinais, os sujeito surdos apresentaram em seus discursos algumas informações truncadas, ou seja, as idéias contidas nos relatos dos mesmos estavam desconexas, confusas, chegando a ficarem completamente divergentes do verdadeiro assunto daquilo que estava sendo exibido. Os trechos a seguir ilustram esse aspecto: (...) A reportagem... O que é tava acontecendo ali?... Algumas pessoas do governo... São os deputados que estavam fazendo algumas reclamações... E num entendi muito bem não... Eu não vi direito... (HS2). (...) Mas seria, por exemplo... Parece que a Polícia Federal... Como é que ela foi... Pegou algumas pessoas... Se já pegaram algumas pessoas... Mas o que é que estava acontecendo?... (HS1). (...) Eu vi parece que tinha, no caso, a Polícia Federal... Ela parece que tava organizando algumas coisas... Aí depois que eu vim entender... Mas, na verdade... Eu não estava entendendo bem por ser surda... (MS2).

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Concatenação das idéias dentro dos discursos Percebemos que a concatenação das idéias dentro dos discursos dos sujeitos teve uma presença marcante durante as respostas aos testes perceptuais no grupo 02. Isso porque, no caso dos surdos, quando eles tiveram acesso a Libras durante a exibição das noticias do “Jornal do 10”, notamos que os sujeitos apresentaram respostas com idéias mais organizadas em relação aos relatos no grupo 01. Alguns trechos dos relatos seguem como exemplo:

(...)... Agora, quando teve intérprete... Ah! Agora sim...Eu pude entender, né?... Aconteceu em Belo Horizonte... Quatro pessoas foram presas... Algumas coisas estavam escondidas dentro do pneu do carro que tava dentro do caminhão... E, agora sim, quando eu vi com interpretação... Agora eu pude entender melhor... Essas pessoas passaram cinco dias, enquanto eram analisadas algumas coisas pela justiça... Foi uma prisão que durou cinco dias... E também o responsável pelos carros... Prenderam ele lá... Mesmo tendo algumas dúvidas antes, quando teve intérprete, foi isso, é isso que eu percebi, ok?... (MS1). (...) Eu pude observar que quatro pessoas foram presas e que em Brasília... Já estava sendo feita uma investigação sobre o assunto... Só isso... Obrigado... (HS3).

Indignação diante da indisponibilidade do recurso de tradução simultânea Essa

categoria

esteve

presente

nas

respostas

dos

sujeitos

aos

questionamentos perceptuais logo após a escalada do “Jornal do 10” ter sido exibida com a tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais. Nesse contexto, entendemos que os sujeitos surdos apresentam elevados graus de indignação diante da indisponibilidade desse recurso de inclusão audiovisual, pois acreditamos que, pelo fato deles terem comprovado as vantagens de assistir a um telejornal com adaptações para a Libras, houve essa revolta indignada sobre esse aspecto. Isso porque, uma vez sendo possível tornar o conteúdo telejornalístico acessível, notamos que eles, enquanto sujeitos telespectadores, aparentam ter vontade de

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dispor dessa ferramenta mais vezes, como ilustram os trechos de alguns dos discursos a seguir:

...Como a gente é surdo... A gente não consegue entender o que está sendo dito na televisão...Quando... Se tem um intérprete de língua de sinais no cantinho da tela... Eu sinto que é bem melhor... A gente tem mais interesse em saber o que é que está sendo dito ali... (MS1). ... O intérprete de Língua de Sinais é bem melhor... Quando ele está no cantinho da tela...Porque isso tem tudo a ver com o surdo... O surdo...Como é ele tem a sua própria língua que é a língua de sinais... Quando tem intérprete de língua de sinais... A gente entende melhor e aprende melhor... (HS3). ... Nós que somos surdos e não ouvimos...Quando existe a sinalização... Estando nas redações... A gente fica bem mais satisfeito com isso... Que os surdos... Como já sabemos... Eles não escutam... E é diferente dos ouvintes... E quanto à sinalização... Isso é próprio dos surdos... (HS2). ... Na TV quando tem a conversação em Língua de Sinais... Nós que somos surdos... Eu fico pensando: – Puxa vida! Como é que pode! A família às vezes tenta nos ajudar para entender o que está sendo dito... (...) E a gente fica tão feliz quando vê um intérprete no cantinho da tela porque a gente fica mais assim interessado em saber o que é que está se passando... (MS2).

Exatidão da informação transmitida Essa categoria esteve presente quando terminamos de exibir o conteúdo telejornalístico que tratava sobre acontecimentos do Esporte local. Nesse instante, percebemos que todos os sujeitos surdos homens pesquisados, que foram os que opinaram nesse momento, tiveram dentro de suas respostas idéias exatamente adequadas ao que antes fora a eles exibido. Ou seja, quando os sujeitos assistiram a esse conteúdo tendo a interpretação simultânea, suas respostas contiveram dados que também foram enunciados pelo repórter durante a veiculação. Comprovamos esse aspecto nos discursos que se seguem:

(...) E o time do Fortaleza conseguiu vencer o outro time... E o Romário, quando foi dar a entrevista...O microfone bateu na boca dele e ele não quis falar, né?... Só que... Já tinham vencido já... (HS3). (...) E o Romário quando foi ele dar a entrevista, o microfone bateu na boca dele... E ele acabou decidindo não comentar mais nada a respeito do assunto... (HS1).

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... E no caso, do Romário que... Já bateu o microfone bateu na boca dele... Vou ficar com saudade... E, vamos assim... Vimos que o Fortaleza já venceu... Isso é o que é importante... (HS2).

Essa exatidão diz respeito ao momento textual do OFF do repórter Fábio Pizzato em que se encontravam as seguintes informações: E naquela oportunidade... Romário era atacante do Flu... Além de perder o jogo... O Baixinho perdeu a fala... Nesse

caso, a imagem foi

bem clara, mostrando o atacante do Fluminense sendo atingido por um microfone em seus lábios. Esse fato foi percebido e descrito pelos sujeitos surdos de acordo com o que foi apresentado pelo repórter.

Unicidade do discurso Com a participação do intérprete na “janelinha 44” durante a exibição dos conteúdos telejornalísticos, percebemos que os sujeitos apresentaram uma unicidade de discurso em suas respostas, comentando o mesmo assunto apenas com algumas idéias diferentes. Isso aconteceu especialmente logo depois que o conteúdo sobre o assalto ao Banco Central de Fortaleza foi apresentado aos sujeitos com o recurso da interpretação simultânea, como podemos conferir em alguns trechos dos discursos abaixo: Quando teve intérprete de língua de sinais, aí eu pude sim entender realmente o que estava sendo dito, né?... Que tinham quatro pessoas escondidas... E já foram presas... Foram pegues já... E lá em Brasília... Foi feita uma investigação... E encontrou isso... (HS1). Como já teve um intérprete de língua de sinais, já foi colocado um intérprete, eu pensei: – Puxa vida! Agora deu pra eu ter uma compreensão melhor!... Porque já estava ali sendo usando a língua de sinais que é a que eu entendo... Eu pude observar que quatro pessoas foram presas e que em Brasília... Já estava sendo feita uma investigação sobre o assunto... (HS3).

Maior propriedade nas opiniões sobre os assuntos veiculados Depois de terem se deparado com a interpretação simultânea daquilo a que estavam assistindo, os sujeitos surdos revelaram uma maior propriedade nas opiniões acerca dos assuntos veiculados. Esse aspecto comprovou a hipótese de que se um telespectador tem acesso completo ao que está sendo a ele apresentado, o mesmo vai conseguir dispor de opiniões mais sólidas a respeito do que foi exibido, conseguindo ainda ir além da informação noticiosa em si, propondo novas idéias que gerariam outras reportagens e

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até mesmo ilustrando seus discursos com aplicações praticas e próximas de suas próprias realidades. Podemos ilustrar essa categoria com um trecho da fala de um dos sujeitos depois da exibição em Libras de um dos conteúdos:

... No começo da reportagem... Eu pude observar que tinha um perigo muito grande... E eu fiquei assim surpresa de ver aquilo... Puxa vida! Aqui em Fortaleza... Eu nunca tinha ouvido falar... É vergonhoso... A situação que se tem hoje aqui... Nossa! Como é que pode ter tanto roubo?... A gente fica assim espantando com esse tipo de coisa... É um absurdo... Sinceramente... (MS2).

Categorias gerais comuns aos dois grupos da pesquisa Além dessas categorias específicas, outras também emergiram após o processo de coleta de dados com os sujeitos surdos e foram comuns aos dois grupos, tais como: motivação e hierarquização.

Motivação Depois de observamos as reações dos sujeitos diante da exibição dos conteúdos, respectivamente, sem e com acesso em Libras, compreendemos que, até por uma questão cultural, os sujeitos surdos se sentiram motivados a participarem dessa pesquisa. Acreditamos que, no intuito de aproveitar um espaço de participação que muitas vezes não lhes é disponibilizado, os surdos pesquisados se sentiram à vontade de conhecer melhor os detalhes dessa pesquisa em torno de estratégias perceptuais. Nesse contexto, vimos emergirem discursos enérgicos que, embora discordantes da ausência de Libras quando se entedia ser possível incluir esse recurso, evidenciam a vontade desses sujeitos em emitir opiniões acerca daquilo que estavam acompanhando via TV e nos apresenta uma nova identidade desses surdos, que é a de telespectadores ativos diante do discurso televisivo apresentado. Trechos de algumas das falas dos sujeitos pesquisados ilustram essa categoria:

... Quando eu fui ver a sinalização... Aí sim!... Foi esclarecido o que realmente eu estava entendendo... Pude aprender... Foi bem melhor... É

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muito importante... E seria bem melhor se sempre tivesse o intérprete de língua de sinais na janelinha no canto... (MS2). ... Eu entendi o quê pela reportagem?O que será que estava tendo ali? Como eu não escuto... Não dava para eu entender porque não tinha um intérprete... (HS3). ... Na reportagem... O que é que tá havendo ali?... Eu sou surdo e então eu não entendi o que é que tava tendo... (HS1). (...)... O intérprete de Língua de Sinais é bem melhor... Quando ele está no cantinho da tela...Porque isso tem tudo a ver com o surdo...(...) (HS3). (...) Se tem um intérprete de língua de sinais no cantinho da tela... Eu sinto que é bem melhor... (...) (MS1).

Diante desses trechos, conseguimos comprovar como os sujeitos se mostraram interessados em participar emitindo opiniões durante a entrevista. Isso e tanto que não houve participação unânime em apenas dois momentos da pesquisa de campo, a saber: exibição da escalada com Libras e exibição dos conteúdos sobre empréstimos consignados para aposentados e pensionistas do INSS.

Hierarquização Como toda pesquisa em que há entrevista coletiva, comprovamos a existência da categoria hierarquização aos nos depararmos com as respostas dos sujeitos aos testes perceptuais. Essas evidenciavam que, um único assunto era comentado de maneira diferente pelos cinco sujeitos, ou seja, em algum dos relatos, o surdo dava mais importância a um elemento que já não foi tão citado no discurso da outra surda entrevistada. Isso nos indica que os sujeitos surdos deram relevâncias diferentes para tópicos comuns aos assuntos que todos assistiram ao mesmo tempo, caracterizando uma hierarquização diferenciada daquilo que foi exibido. Podemos comprovar esse aspecto ao vermos alguns trechos dos relatos dos sujeitos sobre o que viram na escalada quando foi apresentada sem Libras: ... Pelo que eu pude observar na escalada, vi vários caminhões enfileirados como se fosse um engarrafamento... (...)... Outro assunto que eu vi também era as pessoas curiosas para saber qual era o assunto, para ver sobre o que era...(...) (MS1).

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... Pude observar primeiramente o que estava acontecendo de alguns caminhões estarem em um engarrafamento... E o que seria aquilo?... (...) Também teve o caso da CPI... Deputados... O voto... Para saber o que é que decidia... Com respeito às pessoas que foram apanhadas realmente no flagra... (...) (MS2). ... Pelo que se estava explicando... No jornal... Tinham alguns caminhões...Que estavam um atrás do outro... Organizando... Não se sabe o quê... (...) Falou-se também sobre a CPI dos deputados... As investigações que eles estavam fazendo para poder serem apresentadas essas explicações (...) (HS1). (...)... Também o que eu lembro... É com respeito a mostrar a seriedade de algumas investigações... Que eles estavam fazendo...O Governo responsável das investigações... Estava fazendo algumas reclamações... (...) (HS2). ... A gente vê a respeito das informações aqui do Brasil... Quatro pessoas foram presas... E haviam comprado alguns caminhões... Que estavam sobre algum lugar... (...)... Que foi o que a gente viu no Jornal essas pessoas sendo pegues em flagrante... No flagra... (...) (HS3).

Nesses trechos, por exemplo, conseguimos comprovar as diferentes maneiras de se hierarquizar o texto lido por Cíntia Lima durante a escalada do “Jornal do 10” e também de comentar o que foi percebido a partir dele, o qual conferimos logo a seguir: Justiça decreta as primeiras prisões dos suspeitos do assalto ao Banco Central... Encontrados hoje à tarde mais dois milhões de reais roubados... Dono de transportadora no Ceará levava parte do dinheiro dos ladrões... Quadrilha comprou carros nesta loja e pagou à vista quase um milhão de reais... Deputado do PT tem que apresentar nova defesa para evitar cassação... Ladrão é morto depois de tentar roubar o carro de um advogado... Futebol! Fortaleza joga à noite contra o Fluminense no Rio de Janeiro. Agora! No “Jornal do 10” (Cíntia Lima).

Debate Logo após a exibição do terceiro assunto, o qual tratava sobre os empréstimos consignados aos aposentados e pensionistas do INSS, foi solicitado aos sujeitos que debatessem entre si sobre o que assistiram. Contudo, nesse debate, deveriam estar presentes as percepções de cada um sobre o conteúdo jornalístico a que assistiram. Como podemos conferir, houve a primeira exibição sem Libras e, em seguida, apresentamos o mesmo assunto com o recurso acessível da interpretação

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simultânea. Depois disso, obtivemos uma seqüência de discursos ilustrada pelos trechos que se seguem:

... Tem gente que fica pensando... Algumas pessoas que ficam na praça... Percebem que estão sem dinheiro... Vão ao INSS... Alguns ficam falando assim que eles precisam do dinheiro do empréstimo... (...) Porque... Infelizmente só a família que dá esse subsídio que ajuda essas pessoas a fazerem isso... (MS2). ... Agora, eu acho complicado assim... É que parece que eles tratam os idosos como uns bobos, né?... (...) Só que assim... Algumas pessoas... Alguns idosos, principalmente... Eles são realmente ingênuos... Eles ficam sem saber de nada do que está acontecendo... E eu acho que até existe alguma roubalheira com respeito a isso, esse dinheiro de INSS, a esses empréstimos, essas coisas assim... (...) (MS1). ... Isso! ... O problema é que não há divulgação ainda com respeito a isso... O Governo tem que se esforçar... Realmente... Pra poder batalhar para que as famílias... As famílias de idosos... E tudo... Eles possam realmente conseguir... (...) A gente vê que os problemas estão aumentando ainda mais, mas têm que diminuir... E isso é responsabilidade dos governos... (HS3).

Libras e percepção plena do conteúdo exibido Ao final, notamos a profundidade dos discursos dos sujeitos quando a Libras ajudou-os a alcançar o entendimento pleno de tudo aquilo que foi exibido, como podemos comprovar a partir desse trecho da participação de um dos surdos no debate: (...) por exemplo, lá no campo... Os trabalhadores rurais que não sabem nada assim... Ficam por lá e, para pegar o benefício de aposentado, vão e dizem: “- Ah! É porque eu moro longe!” (...) Então surge uma pessoa que se prontifica para ajudá-los que diz: “- Ah! Num tem problema não! Você me dá o seu cartão com seus dados e o de todo mundo assim... E eu ajudo vocês... Vou lá por vocês, pego o benefício de vocês e depois, quando eu voltar, eu distribuo para cada um de vocês!...” Aí essa pessoa chega ao Banco e pensa: “- Não... É pesado! É muito difícil fazer tudo isso!...”. Daí começa a fazer uma coisa bem safada de pegar e dar menos do que as pessoas deveriam receber... E as pessoas não percebem nada... Ficam caindo nessa conversa, nessa ladainha... Ficam que nem bobos sem fazer nada diante disso... E isso vai passando ao longo dos anos (...) O pessoal tem que lutar pra expulsar esse tipo de coisa... Acabar com esse negócio dos atravessadores lá no interior... Tem que acabar com esse tipo de coisa... A pessoa tem que ir sozinha... Direto no Banco... Num tem que pedir ajuda a ninguém... (...) (HS2).

Diante desse comentário de HS2 percebemos que, mesmo havendo arbitrariedade no que diz respeito às relações lingüísticas entre Libras, Português e linguagem audiovisual, quando os sujeitos surdos têm acesso à interpretação simultânea

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de um conteúdo telejornalístico, a percepção é plena, totalmente diferente e pode ser aprofundada, chegando até a ser passível de ilustrações e exemplificações subjetivas.

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4. DISCUSSÃO

O objetivo dessa pesquisa foi verificar como o sujeito surdo percebe a mensagem das notícias de um telejornal quando há e quando não há nenhuma ferramenta específica de inclusão. Nesse contexto, também pretendíamos investigar como a cultura e a identidade surdas configuram a percepção, por parte dos sujeitos surdos, da mensagem do conteúdo da informação jornalística veiculada nas notícias de TV com vistas a caracterizar a singularidade desse segmento da audiência televisiva e observar o comportamento desses mesmos sujeitos diante da exibição de notícias em telejornais locais a fim de apreender características desse grupo social da audiência. Percebemos que os surdos apresentam uma percepção completamente diferenciada do real assunto veiculado quando esse não dispõe do recurso inclusivo da Libras. Agora, quando esses sujeitos são contemplados com uma acessibilidade comunicacional mediante a interpretação simultânea em Libras do conteúdo exibido, os mesmos alcançam um entendimento pleno das informações noticiadas. Isso nos remete à idéia defendida por Zanchetta (2004) que nos mostra o quanto as imagens televisivas são polissêmicas e necessitam de uma ancoragem verbal. Tal ancoragem, no exemplo dos surdos, é viabilizada por meio do código lingüístico espaço-visual da Libras. Na verdade, notamos pelos próprios discursos dos sujeitos que as imagens televisuais contribuem muito pouco para a definição do assunto abordado dentro do “Jornal do 10”, especificamente. Paternostro (1999) ao defender que, quando existe uma imagem forte de um acontecimento, essa leva vantagem sobre as palavras e é suficiente para transmitir, ao mesmo tempo, informação e emoção, legitima uma tendência que, muitas vezes, domina a prática telejornalística nas redações de TV: deixar a imagem falar por si e fazer de tudo para preparar uma reportagem com uma seqüência lógica de imagens que, sem texto, sejam absolutamente compreensíveis. No entanto, ao nos depararmos com os discursos dos sujeitos surdos pesquisados nesse trabalho, entendemos ser necessário haver mudanças nesse aspecto, pois, no caso dos surdos, a linguagem imagética audiovisual não é suficiente para a

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percepção plena da notícia quando não há o amparo lingüístico do código verbal desses sujeitos. Além disso, compreendemos que há arbitrariedade na relação entre Libras, linguagem audiovisual e a modalidade oral da Língua Portuguesa depois de nos depararmos com respostas divergentes em torno de um mesmo assunto quando esse foi repassado sem Libras. Ainda que haja o acesso a esse recurso lingüístico, essa arbitrariedade permanece, configurando uma relação conflituosa entre esses três parâmetros e que merece cautela no momento em que se transcorre a produção de um material telejornalístico. Nesse contexto, a partir do que Duarte (2004) explica sobre a existência de uma espécie de contrato comunicativo subentendido entre os enunciadores televisivos e o grupo social a que se destinam os produtos, vimos que nem sempre as partes saem atendidas quando em uma delas se encontram sujeitos surdos. Assim, segundo a autora, quando os enunciadores televisivos propõem um discurso, eles convocam a vontade da outra parte, que é o grupo social. No entanto, a esse último – que é quem controla o discurso televisivo – cabe aceitar ou rejeitar essa proposta. O que é levado em consideração pelos enunciadores é a veiculação, credibilidade e aceitação do seu discurso em particular. Porém, na maioria das vezes, por não haver a disponibilidade do recurso inclusivo da Libras, aos surdos nem sequer se configura essa opção de controle do discurso midiático telejornalístico exibido. Então, como entendemos que o telespectador pôde e pode ser comparado com um consumidor do que é noticiado, pelo fato de que, segundo Jost (2004), ele consome as informações prestadas pelo veículo televisivo a partir do momento em que pára diante da televisão e reserva minutos do próprio tempo para acompanhar o que está sendo exibido, percebemos que os surdos, na maioria das vezes, estão em desvantagem e saindo prejudicados nessa relação contratual, visto que, pouco dispõe de ferramentas inclusivas que viabilizem a percepção plena daquilo que estão assistindo. Comprovamos ainda, que a cultura e a identidade surdas atuam como elementos configuradores da percepção da mensagem de notícias telejornalísticas por sujeitos surdos, quando vimos que esses desenvolviam uma apropriação das mesmas a partir do momento em que tinham acesso a elas por meio do código lingüístico a eles usual, no caso, a Libras.

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Esse aspecto nos mostra a concretização daquilo que sustentam Barbero e Rey (2001) quando declararam que programas criam audiências-modelo, que são muito mais do que espectadores fortuitos, pois, tratam-se de grupos ou de tribos identificáveis, tanto por suas preferências midiáticas, como por suas decisões vitais. No caso dos surdos, essas preferências puderam ser conhecidas a partir do momento em que foi possível a eles encontrar alternativas inclusivas dentro dos produtos que assistiram. Foi essa segmentação que vimos emanar também nos discursos dos sujeitos surdos pesquisados, a qual, termina por suscitar um movimento de outras mediações que giram em torno da recepção televisiva, que, segundo Barbeiro e Rey (2001), são percebidas como as diferentes instâncias culturais em que os públicos dessas mídias produzem e se apropriam dos significados e sentidos do processo comunicativo. Assim, percebemos que é realmente possível para um grupo social ter a liberdade de se apropriar dos significados e dos sentidos dos processos comunicativos (BARBERO e REY, 2001). Isso porque, quando disponibilizamos experimentalmente um momento de inclusão social em conteúdos de um produto telejornalístico da mídia televisiva aberta local, respeitando assim, as necessidades específicas de pessoas com deficiência, conseguimos viabilizar a esse público surdo pesquisado, a chance de poder ter acesso aos conteúdos que são, na sua essência, tidos como de acesso público. De fato, comprovamos com os resultados dessa pesquisa serem plausíveis as idéias de Rosa (2003) que versam que, no campo da sociedade inclusiva, o principal enfoque é a diversidade humana, o que significa, no exemplo específico dos sujeitos surdos, ultrapassar desafios, vencendo-os, mesmo que sejam permanentes e apareçam de surpresa. Resta-nos agora, portanto, estarmos dispostos a estabelecer parcerias midiáticas informativas que forneçam aos surdos maneiras de superar as dificuldades impostas pela deficiência física em prol de uma melhor percepção daquilo que é também a eles veiculado. Isso porque, nessa pesquisa sobre os sentidos do outro lado, os objetivos pretendidos foram alcançados, mesmo tendo havido dificuldades no meio do percurso de acesso aos dados.

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5. CONCLUSÃO

Como em toda investigação cientifica, por mais que houvesse quaisquer formas de prevenção, seria impossível evitar que essas surgissem, contudo, depois de as termos vencido, vemos quão grande foi o aprendizado. Quando conseguimos a liberação para fazer a pesquisa, reservamos o dia 14 de outubro de 2005 – uma sexta-feira – das 19h30min às 20h30min para fazermos a coleta de dados. O próximo passo era iniciarmos o contato com os alunos para fecharmos o grupo de trabalho que seria alvo das notícias do “Jornal do10” e emitiria as percepções acerca da mensagem das notícias escolhidas, além de escolher o intérprete profissional que atuaria como tradutor das respostas dos surdos, transpondo da Libras para a Língua Portuguesa (modalidade oral) o conteúdo das falas dos sujeitos. Foi nesse momento que começaram a surgir os problemas. Em primeiro lugar, os sujeitos surdos do 1º D – noite – começaram a ter, desde o final do mês de setembro até o decorrer do mês de outubro, uma assiduidade muito baixa. Diante de tantas faltas, começamos a ficar preocupados com a exeqüibilidade dessa pesquisa de percepção. Para vencer esse primeiro empecilho, começamos a observar o dia da semana em que os alunos daquela turma estavam vindo em maior número para assistir aula. Depois de um mês de observação, percebemos que, pelo menos às sextas-feiras, poderíamos contar com um quorum adequado à realização da pesquisa. Então, começamos a formar o grupo, chamando os alunos, convidando-os a se fazerem presentes na Escola no dia 14 de outubro, explicando a eles em que consistia a pesquisa, qual era o objetivo e também elucidando o porquê da importância da participação deles enquanto sujeitos telespectadores. Ao final desse instante, conseguimos, temporariamente formar dois grupos de sujeitos a serem pesquisados em dois dias de coleta e combinar com o grupo de professores que dava aula no dia letivo de sexta-feira para que os alunos fossem liberados. Tudo caminhava bem até o dia 14 de outubro. Mas, infelizmente, naquela específica sexta-feira, estava sendo comemorado na escola o Dia do Professor, o que significou que nada poderia ser feito que desviasse a atenção dos alunos daquele momento festivo. Ainda foi somado a essa adversidade o fato de que, o intérprete que tinha se prontificado para apoiar voluntariamente a tradução dos discursos durante a

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coleta de dados, precisou viajar como profissional da delegação cearense que iria representar o estado durante as comemorações do aniversário da Associação de Surdos de Pernambuco (ASSPE), que aconteceria no dia 15 de outubro, em Recife-PE. Era chegado o dia e a hora de coletar os dados da pesquisa de campo e estávamos repentinamente sem permissão para executar a coleta e também estávamos sem um intérprete profissional de língua de sinais que conhecesse a natureza da pesquisa para fazer a tradução. Mas, ao final, não desistimos e foi exatamente às 20h30min daquele mesmo dia fatídico que recebemos a autorização da diretoria da escola para fazermos a coleta de dados da pesquisa de campo. Àquela altura não contávamos mais com dois grupos, visto que muitos já haviam voltado para casa por conta do término das atividades festivas referentes às comemorações do Dia do Professor. Também não dispúnhamos dos mesmos sujeitos com os quais havíamos combinado anteriormente de realizar a pesquisa e, por isso, tivemos que contatar outros sujeitos de maneira aleatória para conseguirmos ter quorum mínimo para a realização da coleta que era de pelo menos cinco pessoas. Ao final de todos esses percalços adversos, conseguimos formar o grupo de cinco sujeitos surdos que participaram ativamente nessa pesquisa de percepção. Assim, depois de quase 90 minutos de trabalho, conseguimos coletar os dados dessa pesquisa, graças à paciência e à colaboração dos sujeitos surdos participantes. Baseados nas experiências vivenciadas durante a realização dessa pesquisa, podemos dizer que etapas teóricas como pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e leituras complementares atuaram como aspectos fundamentais para que conseguíssemos finalizar as etapas dessa investigação. Além disso, elementos como identificação com o tema investigado por parte do pesquisador, busca pelo desenvolvimento de diálogos com autores que já escreveram sobre o mesmo tema pesquisado, criatividade no momento de selecionar o questionamento principal que vai mobilizar toda a investigação, dentre outros exemplos constituem ingredientes-chave para o sucesso de outras pesquisas em torno da percepção de mensagem de produtos telejornalísticos por sujeitos específicos. Isso porque, realizar uma pesquisa dentro do universo da cultura surda de qualquer localidade não é complicado, pelo contrario, é convidativo, emocionante,

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repleto de curiosidades e especificidades e ainda gratificante por sabermos que, ao lidarmos com esse público, estaremos nos deparando com o cerne do Jornalismo – a comunicação. No entanto, precisamos atentar para o fato de que, não somente essa, mas qualquer pesquisa precisa dispor de uma exeqüibilidade adequada, ou seja, não basta apenas acreditar que temos um bom projeto, precisamos ter certeza de que ele vai ser útil para o que ele se propõe a investigar. No caso de investigações em torno de sujeitos surdos, os projetos devem trazer questões que levem reflexões a sociedade em geral, sugerindo novos olhares sob novos pontos de vista sobre esse grupo social minoritário que, muitas vezes, não é visto como um conjunto de pessoas capazes, com identidades sólidas e, naturalmente multiculturais. Será a partir dessas pesquisas, que outros terão condições de compreender que os públicos específicos de quaisquer produtos midiáticos também dispõem de contribuições tão relevantes quanto aquelas que encontramos nas mais variadas camadas populares, em geral da sociedade. Nesse contexto, depois de caminharmos pelos sentidos do outro lado, conseguimos inferir idéias que nos estimularam a desenvolvermos um novo olhar sobre a audiência televisiva e a enxergarmos o telespectador surdo como ser humano com total potencial de percepção da mensagem contida nos conteúdos exibidos pela TV. Nesse ínterim, buscamos considerar as capacidades desses sujeitos em vez de tratá-los a partir do referencial da deficiência e concordamos com a idéia apresentada por Moura (2000) a qual sugere que o surdo não é mudo, não é deficiente, nem tampouco alienado mental ou uma cópia mal feita do ouvinte. Esse sujeito é humano, capaz de expressar o que sente, às vezes até de maneira oral e também é uma pessoa diferente numa diferença social importante que, se não for compreendida e atendida nas especificidades que dispõe, pode levá-lo, a ser considerado de acordo com as mais variadas maneiras pejorativas já mencionadas durante essa pesquisa. Agora, considerar esses sujeitos, no instante em que se pensa uma produção de um telejornal, como público-alvo das notícias, reportagens, notas, dentre outros produtos exibidos pela TV, é um desafio para todos nós jornalistas. Não temos, por meio dessa idéia, a intenção de julgar quaisquer práticas editoriais contidas no “Jornal do 10” ou de sugerir mudanças estruturais no fazer jornalístico desse telejornal, pelo contrário, pretendemos, por meio da constatação da existência de uma audiência

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segmentada surda, suscitar uma reflexão crítica sobre o tipo de jornalismo que estamos, enquanto profissionais de mídia, disponibilizando aos múltiplos públicos de Fortaleza. Isso porque, se partirmos do pressuposto de que a comunicação é voltada para o social, acreditamos que precisamos ponderar as técnicas que estamos utilizando nesse processo de mediação. Será que nossos formatos televisivos, na verdade, não estão nos distanciando daqueles que deveriam ser o alvo de nossos produtos, os telespectadores? Estamos realmente humanizando nossos textos apenas com o uso de linguagem coloquial, a prática de uma dinâmica mais leve e teatral em nossos telejornais locais de TV aberta, aqui exemplificados pelo “Jornal do10”? Enquanto comunicadores sociais cujas práticas laborais estão voltadas para o jornalismo, acreditamos que precisamos parar e pensar um pouco em questões como essas. Sabemos que, dentro da sociedade da informação e das novas tecnologias em que vivemos, os mercados se expandem, as inovações tecnológicas surgem praticamente a todo instante e nos estimulam, enquanto representantes hábeis dessa mesma como jornalistas, a estarmos sempre abertos para assimilarmos aquilo que é apresentado como novo, as novas tendências, assim como novas técnicas e novas linguagens. Então, porque ainda não paramos para pensar em adaptações estruturais de nossas produções midiáticas para aqueles que não podem escutar o áudio de nossas informações

eminentemente

visuais?



temos

acompanhado

transformações

experimentais para esse público em produtos publicitários institucionais do Governo Federal, como também, em pronunciamentos oficiais, mas, será que, enquanto profissionais da mídia televisiva, não vamos atentar para as necessidades específicas desses públicos? Reconhecemos que os sujeitos surdos não dispõem de tanta visibilidade nos MCM como já possuem as crianças carentes, os adolescentes abandonados, aqueles que sofrem com a fome, dentre outros. Mas, como podem ser vistos aqueles cujo acesso à informação é negado por conta da ausência do código lingüístico que utilizam? Precisamos ver melhor as vozes desses sujeitos que se comunicam de maneira espaçovisual. Os sentidos do outro lado nos incomodam a pensarmos em mudanças e essas, na maioria das vezes, não são fáceis de serem viabilizadas. Compreendemos que

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não é tão simples mudar, mas pelos resultados dessa pesquisa, comprovamos ser gratificante a sensação de ver pessoas que não têm um contínuo acesso às notícias do dia-a-dia que são veiculadas em telejornais como o “Jornal do 10”, conseguindo perceber e ouvir com os próprios olhos as informações sobre os fatos que acontecem na cidade em que vivem. Tudo isso sendo possível, quando lhes é viabilizado o acesso comunicacional por meio da Língua Brasileira de Sinais. Com a esperança de vermos uma comunicação verdadeiramente social, enquanto jornalistas, tomamos por base o discurso de MS2: (...) Eu acho que seria bem melhor que as empresas batalhassem para conseguir intérpretes... E isso é possível!... E a gente fica tão feliz quando vê um intérprete no cantinho da tela porque a gente fica mais assim interessado em saber o que é que está se passando... (...).

De fato é possível fazermos adaptações técnicas para viabilizarmos a interpretação simultânea, pois, como acompanhamos no decorrer dessa pesquisa, já tivemos inserções experimentais como essa em produtos de emissoras locais. Mas, observamos que isso acontece de maneira esporádica, visto que ainda não temos nos deparado com a participação de intérpretes de línguas de sinais como regra natural das transmissões dos telejornais locais. Por isso, insistimos que o jornalista deve estar atento ao que pode acontecer do outro lado daquilo que veicula. De acordo com o que propõe RIBEIRO (2004:105), esse profissional deve evitar a linguagem indignada. Deve, enfim, desconfiar da unanimidade, que é inimiga da reflexão. Para esse autor, a missão do jornalista contém forte elemento ético. Ele desfruta de uma série de liberdades ou privilégios (...), mas nunca em seu nome pessoal, e sim no de seu público. Diante disso, acreditamos que precisamos refletir sobre o tipo de trabalho que estamos prestando à sociedade alvo de nossos produtos. Isso porque, se dispomos de tais privilégios no que diz respeito à ética ou à pragmática do exercício profissional jornalístico, devemos exercer a profissão conciliando a linha editorial do veículo em que trabalhamos com as necessidades do público a quem informamos. Mesmo assim, acreditamos, assim como Ribeiro (2004), na boa notícia de que está desaparecendo da consciência popular a crença de que seria legítima a enorme desigualdade que existe aqui no Brasil. E, como nunca se falou tanto em inclusão social

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como tem sido visto ultimamente, defendemos que entender os sentidos do outro lado, é uma das ferramentas que podemos usar, enquanto jornalistas, para compreender o alcance da mensagem de nossos textos, humanizando nosso trabalho e, por fim, enxergando o outro, o telespectador de nossos produtos. É por isso que a partir desses diálogos investigativos com surdos que desenvolvemos aqui, podemos fomentar discussões acerca do fazer jornalístico local, no intuito de estimular um trabalho cada vez mais comprometido com o público telespectador, evitando que a TV apareça destruída ou inacessível aos múltiplos públicos que fazem parte da audiência. De fato, é um trabalho que está apenas começando e deve ser feito por várias mãos.

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6. REFERÊNCIAS ARAÚJO, L. O Futuro e as novas gerações. In: Garcia, D. et al. Geração Futura: o que os jovens e a TV podem construir juntos? Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2004, p. 13–16. BARBERO, J. M. e REY, G. Os exercícios do ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva. São Paulo: Senac, 2001. BARBEIRO, H. B. e LIMA, P. R. Manual de Telejornalismo: os segredos da notícia na TV. Rio de Janeiro: Campus, 2002. BRETAS, M. B. A. S. Televisão. In: CAMPELLO, B. S., CALDEIRA, et al. Introdução às fontes de informação. Belo Horizonte: Autêntica, 2005, p. 89–100. BOA SAÚDE. Surdez: problema que merece atenção especial. Disponível em: http://www.boasaude.uol.com.br.

Acesso em novembro de 2005.

CECATTO, S. B., GARCIA, R. I. D., COSTA, K. S. et al. Análise das principais etiologias de deficiência auditiva na Escola Especial “Anne Sullivan". Rev. Bras. Otorrinolaringol., vol.69, no.2, p.235-240. 2003. DANESI, N. C. et al. Navegando no mundo dos surdos. In: ____. O admirável mundo dos surdos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 159–180. DAY, R. H. Percepção Humana. Tradução de Maria Tereza Pereira Maldonado. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1972. DUARTE, E. B. Televisão: ensaios metodológicos. Porto Alegre: Sulina, 2004. ECO, U. Para uma investigação semiológica sobre a mensagem televisional. In: ___. Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 365-386. FELIPE, T. A. F. Gramática da Libras. In: MEC. Programa de Capacitação de Recursos Humanos do Ensino Fundamental: Língua Brasileira de Sinais. Brasília: MEC, Secretária de Educação Especial (SEESP): série atualidades pedagógicas, nº 4, 1998, p. 81-107. FERNANDES, E. Linguagem e Surdez. São Paulo: Artmed, 2003. FERNANDES, S. Conhecendo a Surdez. Documento da Secretaria da Educação do Estado do Paraná. In: SALLES, et al. Ensino de Língua Portuguesa para surdos: caminhos para a prática pedagógica. Brasília: MEC, SEESP, 2004.

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Fundamentos

da

metodologia

científica. São Paulo: Atlas, 1991. ______________________________________. Metodologia científica. São Paulo: Atlas, 2000. MOURA, M. C. O Surdo: caminhos para uma nova identidade. Rio de Janeiro: Revinter, 2000. PATERNOSTRO, V. I. O texto na TV: manual de telejornalismo. Rio de Janeiro: Campus, 1999. PEIXOTO, R. C. Entre palavras e sinais: a lingua(gem) em questão. In: ___. Psicopedagogia clínica e surdez: possibilidades de um encontro. Fortaleza: Faculdade Christus, 2004, p. 27–36. QUADROS, R. M. Língua Brasileira de Sinais. In: MEC. O tradutor intérprete de língua brasileira de sinais e língua portuguesa. Brasília: MEC, SEESP, 2002, p. 19. RIBEIRO, R. J. Os telejornais segundo a ética. In: ________. O Afeto Autoritário: televisão, ética e democracia. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004: 104-108. REZENDE, G. J. Telejornalismo no Brasil – um perfil editorial. São Paulo: Summus, 2000. ROSA, A. S. A presença do Intérprete de Língua de Sinais na mediação social entre ouvintes e surdos. In: ROSA, A. S. A, Cidadania, surdez e linguagem. São Paulo: Plexus, 2003, SÁ, N. R. L. Cultura, Poder e Educação de Surdos. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2002. SACKS, O. Vendo Vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

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SALLES, et al. Ensino de Língua Portuguesa para surdos: caminhos para a prática pedagógica. Brasília: MEC, SEESP, 2004. SASSAKI, R. K. Conceito de acessibilidade. Disponível na seção de textos em: http://www.escoladegente.org.br. Acesso em novembro de 2005.

SEKULER, R. e BLAKE, R. Perception. New York: McGraw Hill, 1994. (Tradução). SANTIAGO, V. L. et al. A importância da TV Legendada para o telespectador surdo. Disponível em: Revista de Ciência e Tecnologia Funcap, Ceará, ano 6, nº 1, Abril, 2004, p. 31-32. SILVA, M. O. O mundo dos fatos e a estrutura da linguagem: a notícia jornalística na perspectiva de Wittgenstein. Porto Alegre: Edipucrs, 1998. STRNADOVÁ, V. Como é ser surdo. Petrópolis: Babel, 2000. VIZEU, A. As marcas enunciativas do discurso telejornalístico. Disponível em: Pauta Geral. Salvador, nº 5, 2003, p. 197-209. ZANCHETTA, J. J. A notícia no telejornal. In: ____. Imprensa escrita e telejornal. São Paulo: Unesp, 2004, p. 99-120. ZOVICO, N. Legendas ocultas: garantia do acesso à informação via TV. Revista da Feneis, ano III, nº 18, p.22, 2003.

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ANEXO

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ESPELHO DO “JORNAL DO 10” DE 11 DE AGOSTO DE 2005

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APÊNDICES

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APÊNDICE 01 TRANSCRIÇÃO DOS CONTEÚDOS TELEJORNALISTICOS ANALISADOS Produto: “Jornal do 10”

VINHETA DE ABERTURA Sobe som com BG da vinheta de abertura

Escalada

Apresentadora CÍNTIA LIMA: Justiça decreta as primeiras prisões dos suspeitos do assalto ao Banco Central... Encontrados hoje à tarde mais dois milhões de reais roubados... Dono de transportadora no Ceará levava parte do dinheiro dos ladrões... Quadrilha comprou carros nesta loja e pagou à vista quase um milhão de reais... Deputado do PT tem que apresentar nova defesa para evitar cassação... Ladrão é morto depois de tentar roubar o carro de um advogado... Futebol! Fortaleza joga à noite contra o Fluminense no Rio de Janeiro. Agora! No “Jornal do 10”. Sobe som com BG da vinheta de abertura. Tempo total de exibição desse conteúdo: 50 segundos.

Bloco 01 – Últimas notícias sobre o assalto ao Banco Central em Fortaleza

Cíntia Lima: Boa noite! A Polícia Federal encontrou hoje à tarde em Belo Horizonte mais dois milhões de reais furtados do Banco Central em Fortaleza. O dinheiro estava escondido em um dos carros levados num caminhãocegonha. É a segunda apreensão em menos de vinte e quatro horas de parte da fortuna roubada pelos bandidos. Ontem à noite havia sido descoberto um milhão de reais em outro carro. Todo esse dinheiro, três milhões, levou a Justiça a decretar a prisão temporária do comerciante Charles Machado de Morais, dono da JE Transporte de Veículos, e do

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funcionário dele, o motorista Francisco Rogério Maciel de Sousa... Também foram presos... Os donos da revendedora Brilhe Car, Dermival Fernandes e Elisomarte Fernandes, que são irmãos... Vamos falar, ao vivo, com o repórter Reginaldo Aguiar, na Polícia Federal... Abre link com imagem do repórter direto da sede da Polícia Federal em Fortaleza.

Cíntia Lima: Reginaldo, os quatro suspeitos presos estão aí?

Reginaldo Aguiar: Boa Noite, Cíntia...Eles estão presos, sim, aqui na Polícia Federal... A prisão temporária foi decretada pelo Juiz Federal Bruno Leonardo Câmara a pedido da Polícia Federal... O comerciante Charles de Morais e o motorista dele, Francisco Rogério Maciel se tornaram peças-chave na investigação... Eu conversei agora a pouco com a advogada do comerciante Charles de Morais, Herbênia Rodrigues... Ela diz que o cliente dela não tem nenhum envolvimento com a quadrilha e afirmou ainda que o comerciante só foi contratado para transportar os veículos até São Paulo... Amanhã, a advogada diz que vai entrar com um pedido de hábeas corpus em favor de Charles de Morais... Daqui a pouco eu volto com mais informações aqui da Polícia Federal... Cíntia! Fecha link com imagem do repórter e retorna para estúdio com apresentadora

Cíntia Lima: O comerciante e o motorista presos em Minas Gerais chegaram hoje à tarde à Fortaleza... Como mostra o repórter Mário Costa.

Entra notícia sobre essa prisão com Mário Costa

Mário Costa: A prisão seria necessária para uma possível acareação entre outras pessoas que possam ser presas a qualquer momento... A prisão

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temporária é de cinco dias... Mas a Polícia Federal não descarta a possibilidade de um possível pedido de prisão preventiva... Que é de trinta dias... Charles de Morais e Francisco Maciel chegaram no começo da tarde... A viagem de ida e volta custou cento e cinqüenta mil reais à União...

Volta para estúdio com Cíntia Lima enunciando uma nota-pé:

Cíntia Lima: O avião está à disposição da Polícia Federal em Fortaleza desde de segunda-feira à tarde. Veio de Brasília trazendo delegados e agentes que fazem parte da Força-Tarefa que investiga o roubo ao Banco Central. Virada de Câmera. Logo em seguida, apresentadora retorna com a narração da cabeça de outra reportagem:

Cíntia Lima: O comerciante e o motorista foram presos na cidade de Sete Lagoas a setenta quilômetros de Belo Horizonte... É o que mostra a repórter Aline Oliveira...

Entra outra reportagem sobre o assalto ao Banco Central. Agora, o texto é de Aline Oliveira.

Aline Oliveira: O caminhão-cegonha foi parado num posto da Polícia Rodoviária Federal... A informação é de que vinha sendo rastreado desde que saiu do Ceará,

no

domingo...

Nesta caminhonete importada...

Policiais

encontraram um milhão de reais escondidos no assoalho e no estepe... A transportadora é de Fortaleza... Segundo um funcionário... Dos carros que estavam no caminhão... Dois seriam da quadrilha...O que chamou a atenção da Polícia foi a presença do dono para a entrega dos carros em São Paulo...

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Entra passagem da notícia com texto lido ainda por Aline Oliveira:

Aline Oliveira: Desde ontem, os funcionários da transportadora estão sendo ouvidos pela Polícia... Eles disseram que o dono da empresa, Charles de Morais, foi procurado por alguns integrantes da quadrilha... E foi ele quem levou o grupo até a revendedora para fazer a compra dos carros... Os funcionários disseram estar surpresos com o caso.

Sobe áudio com depoimento de um dos funcionários da transportadora:

Funcionário: Sabemos que o dono da transportadora viajou... Mas que ele foi pra São Paulo... Que ele foi nessa... Nessa carreta... A informação... Que nós temos é a mesma informação que vocês passaram pela televisão...

Volta para estúdio com Cíntia Lima enunciando uma nota-pé:

Cíntia Lima: Segundo outro funcionário... A JE Transporte de Veículos pertencia aos donos da Brilhe Car, que vendeu os carros à quadrilha...

Tempo total desse bloco de notícias selecionado até aqui – 03 min. e 35 seg. (03’35’’) aproximadamente.

Bloco 2 – Notícia sobre concessão de empréstimos bancários a idosos

Cíntia Lima: Milhões de aposentados e pensionistas do Brasil se iludiram com os empréstimos a juros supostamente baixos... Na hora de pagar a conta... O

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barato ficou caro... E muitos se endividaram... O INSS, que faz o desconto em folha, anunciou mudanças... Veja na reportagem de Juliana Melo...

Entra reportagem com texto lido pela repórter Juliana Melo

Juliana Melo: O Aloísio ganha um salário mínimo por mês... Um ano atrás pediu um empréstimo de mil e seiscentos reais... O Banco cobrou juros de quase quatro por cento ao mês... E hoje a dívida saltou para dois mil e setecentos reais... Setenta por cento a mais do valor do empréstimo...

Sobe áudio com depoimento do senhor Aloísio:

Aloísio: E o jeito é pagar. Passagem 1 – Juliana Melo: A desinformação é o maior problema nos empréstimos em que aposentados e pensionistas pagam com desconto na folha... O INSS mudou as regras... Para evitar que mais gente assuma dívidas que não possam ser pagas...

Entra infográfico com explicação acerca das novas regras do INSS para empréstimos com desconto direto na folha de recebimento dos benefícios. Texto em OFF lido por Juliana Melo:

Texto de Juliana Melo lido em OFF durante a exibição do infográfico: Os Bancos têm que deixar bem claro o total a ser pago... Não haverá mais limite no número de prestações... Os Bancos não podem mais emprestar por telefone... Também estão obrigados a enviar, todo mês, um extrato aos aposentados e pensionistas... Caso o empréstimo tenha sido feito em caixa eletrônico...

Textos exibidos dentro do infográfico durante a leitura feita por Juliana Melo:

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Título situado na parte superior direita do vídeo todo escrito em caixa alta: APOSENTADOS E PENSIONISTAS. Esse título está acompanhado de imagem ilustrativa situada no canto superior esquerdo da tela. Esse layout permanece durante todo o tempo de exibição do infográfico. Subtítulo escrito todo em caixa alta e centralizado no espaço do vídeo: Empréstimos Consignados, o qual é seguido de outro texto: Contratos objetivos – situado abaixo do subtítulo. Logo abaixo, surge um novo texto: Sem limite de prestações – situado abaixo do primeiro. Todos estão sendo exibidos em posição centralizada no vídeo. Esses dois textos saem do vídeo e entra outra informação, escrita em texto caixa baixa com apenas a primeira letra maiúscula, na frase, sendo exibido também de modo centralizado: Proibidos empréstimos por telefone. Abaixo desse texto surge outro com as mesmas formatações, que informa: Extrato mensal. Percebe-se então que foi um infográfico exibido sob o título fixo APOSENTADOS E PENSIONISTAS, com o subtítulo também fixo EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS, abaixo do qual surgiram, seqüencialmente os textos enumerados, começando com o Contratos objetivos e encerrando, concomitantemente com a leitura do texto por Juliana Melo, com Extrato Mensal. Foram ferramentas textuais ilustrativas do OFF da repórter que tiveram como fonte, o INSS. Vale ressaltar que essa fonte permaneceu no canto inferior esquerdo do vídeo durante toda a exibição do infográfico.

Continua OFF – Juliana Melo: Dona Tereza, coordenadora do Alô Idoso, concorda com as mudanças... Mas diz que ainda é pouco para evitar, por exemplo, que parentes façam empréstimos em nome dos aposentados...

Sobe áudio com depoimento da senhora Tereza Fernandes – coordenada do programa Alô Idoso da SOMA-CE:

Tereza Fernandes: Em muitas vezes o idoso nem sabe que tá sendo descontado valores dentro da sua aposentadoria...

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Continua OFF – Juliana Melo: Para o INSS... O problema pode ser resolvido com o cadastro de quem vai receber o benefício no lugar dos aposentados...

Sobe áudio com depoimento de Jorge Luís Oliveira – gerente do INSS em Fortaleza:

Jorge Luís Oliveira: No momento em que ele tem um procurador cadastrado... O procurador não pode fazer o empréstimo... Só quem pode fazer é o próprio titular do benefício...

Entra segunda passagem de Juliana Melo:

Passagem 2 – Juliana Melo: Apesar das mudanças, a Câmara dos Deputados, em Brasília, discute o fim desse tipo de empréstimo... Para a Comissão de Proteção e Defesa do Consumidor, da Ordem dos Advogados do Brasil... É preciso garantir mais os direitos dos aposentados e pensionistas...

Sobe áudio com depoimento: Hércules Amaral – Comissão de Proteção e Defesa do Consumidor da OAB – CE:

Hércules Amaral: O que pode ocorrer... Uma mudança que a gente espera que mude... É que com o aumento da concorrência dos Bancos... As taxas de juros... Elas venham a cair em função da... Do alto grau de segurança dessa... Desse produto comercializado pelos Bancos...

Encerra reportagem e volta para estúdio com Cíntia Lima, que deixa a seguinte nota-pé:

Cíntia Lima: O INSS tem um telefone para aposentados e pensionistas tirarem dúvidas... É o zero oitocentos... Sete oito... Zero um... Nove um.

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Vale ressaltar que, nesse momento em que a apresentadora enuncia essa nota-pé, entra no vídeo uma barra de caracteres com o seguinte texto: INSS (escrito todo em caixa alta) seguido do número do telefone 0800. 78. 01. 91, o qual foi exposto de modo centralizado no vídeo. A tarja apresentou cor de fundo azul com duas listras alaranjadas acima e abaixo do texto exibido, efetuando um contraste cromático.

Tempo Total de exibição da reportagem – desde leitura da cabeça a nota-pé: 02 minutos e 10 segundos (2’10”).

Bloco 3 – notícia sobre jogo Fortaleza X Fluminense no Rio de Janeiro Cíntia Lima: De um lado... Tricolores cearenses... Do outro... Também tricolores... Só que cariocas... Vai ser assim... Logo mais às oito e meia no Rio de Janeiro... Fluminense e Fortaleza se enfrentam pela Série A do Campeonato Brasileiro...

Entra reportagem com texto em OFF lido por Fábio Pizzato

Fábio Pizzato: Um duelo tricolor para ver quais cores brilham mais no campeonato brasileiro... O Fortaleza fora de casa quer surpreender como já fez duas vezes na competição... Contra Paissandu... Brevíssimo sobe áudio com ruídos de gritos vibrantes das torcidas de Futebol e continua...

Fábio Pizzato: E Palmeiras...

Brevíssimo sobe áudio com ruídos de gritos vibrantes das torcidas de Futebol e continua com dois depoimentos de torcedores do Fortaleza...

Torcedor 01: Qualquer um aí que vier aí... A gente mata... É Leão...

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Torcedor 02: É massa, macho!... Ganha aqui... E ganha fora... Agora, entra passagem de Fábio Pizzato:

Passagem – Fábio Pizzato: Se o Fortaleza conseguir, hoje, um resultado pelo menos... Parecido com os últimos dois confrontos... O torcedor tricolor... Cearense já pode sorrir... Porque em 2003... Pelo Brasileirão... Foram dois jogos contra o Fluminense... E o Fortaleza não perdeu nenhum...

Continua OFF – Fábio Pizzato: O primeiro jogo foi um a um... No Maracanã... Brevíssimo sobe áudio com ruídos de gritos vibrantes das torcidas de Futebol e continua...

Fábio Pizzato: No segundo turno... Melhor para os cearenses... Três a um... Brevíssimo sobe áudio com ruídos de gritos vibrantes das torcidas de Futebol e continua...

Fábio Pizzato: E naquela oportunidade... Romário era atacante do Flu... Além de perder o jogo... O Baixinho perdeu a fala... Brevíssimo sobe áudio com depoimento de Romário

Romário: É... O time jogou de duas man... Depoimento de Romário foi interrompido porque esse sofreu um impacto na boca por um dos microfones dos jornalistas, o qual, depois de ter levado um empurrão, terminou acertando os lábios de Romário, que, por sua vez, não quis mais falar...Diante dessa cena, alguém diz: “– Caramba!” E, enquanto Romário fica com a mão esquerda sobre seus lábios, um repórter tenta se justificar dizendo: “– Desculpa! Foi o pessoal que empurrou! Desculpa!” Mesmo assim, o Baixinho não quis falar mais nada...

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Entra sobe áudio com depoimento de uma torcedora do Fortaleza:

Torcedora: Calamos o Fluminense aqui... E vamos calar lá no Rio... Com certeza! Entra breve sobe áudio com ruídos de gritos vibrantes das torcidas de Futebol, encerra reportagem e volta para estúdio com Cíntia Lima:

Cíntia Lima: Boa Noite! ... Até amanhã!... Entra sobe áudio com a trilha sonora da vinheta de encerramento do telejornal acompanhada da entrada dos créditos finais do programa.

Tempo total de exibição da reportagem desde a cabeça até os créditos finais: 01 minuto e 54 segundos (1’54”).

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APÊNDICE 02 TRANSCRIÇÃO DO CONTEÚDO GRAVADO EM ÁUDIO SOBRE A INTERPRETAÇÃO DAS RESPOSTAS DOS SUJEITOS SURDOS AOS TESTES

Momento do telejornal: ESCALADA Forma de Exibição: SEM LIBRAS

MS1:... Pelo que eu pude observar na escalada, vi vários caminhões enfileirados como se fosse um engarrafamento... Um outro que eu pude observar é os carros importados que também estavam um ao lado do outro... E algumas coisas a respeito da Lei que foi acessada... Outro assunto que eu vi também era as pessoas curiosas para saber qual era o assunto, para ver sobre o que era... E outro assunto é justamente sobre Futebol...Conseguir uma vitória no jogo...Isso foi o que eu percebi...

MS2:... Pude observar primeiramente o que estava acontecendo de alguns caminhões estarem em um engarrafamento... E o que seria aquilo?... É pra comprar algumas coisas com respeito aquilo que houve no Banco Central... O roubo que houve... Que nos deixou realmente assustados... Também teve o caso da CPI... Deputados... O voto... Para saber o que é que decidia... Com respeito às pessoas que foram apanhadas realmente no flagra... Mas falta assim... Falta um compromisso... Falta divulgação... Porque as pessoas ficarem esperando... Isso é complicado... Não se resolve... Quantas pessoas seriam?... Seriam seis mais ou menos... Eu não sei... E a outra coisa que eu vi diz respeito ao esporte... Que seria dois times que iriam se enfrentar... No caso seria Fortaleza e Ceará... Só que as pessoas pensam: – quem é que vai ser o campeão? – quem vai ser o melhor? Alguns pensam assim: - Ah!... O meu time é bom porque tem certos jogadores de futebol que eu já conheço... Que é famoso... Mas, não... Eu acho que deve ser união entre todos...

HS1:... Pelo que se estava explicando... No jornal... Tinham alguns caminhões...Que estavam um atrás do outro... Organizando... Não se sabe o quê... E também vimos... Com respeito ao homem no caso do Banco do Brasil... Ou melhor, do Banco Central... Alguns também estavam organizando algumas coisas pra... Estudando meios de fazer

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venda de algumas lojas... E até mesmo fazer a construção de mais outras coisas... Que realmente precisava de verba... De dinheiro... Algumas pessoas já até sumiram com esse dinheiro... Falou-se também sobre a CPI dos deputados... As investigações que eles estavam fazendo para poder serem apresentadas essas explicações... Para poder ser mostradas no Jornal quem seriam aquelas pessoas da CPI... E ainda com respeito ao futebol... No caso... O Fortaleza e... Acho que era o Ceará... É! Era o Ceará... E aquela dinâmica que nós estávamos observando...O que as pessoas sentiam...Quem era realmente que iria ganhar...Qual era o seu time favorito... Se era esse ou se era o outro... Então havia aquela discussão entre as pessoas... Isso é um costume que as pessoas têm... Eu acho que é por aí... Só! HS2:... Tinha um caminhão... Foi possível observar no Jornal... Algum problema que tinha que eles estavam... Supervisionando esses problemas que havia... Algumas pessoas voltaram... E... Passaram alguma documentação que foi legislada... E estavam esperando assim no caso...O Banco... Mas só que é difícil... Porque tem que haver um treinamento... Para que haja algum progresso... Porque, por exemplo, no caso do motor... Pro motor voltar a funcionar... Também o que eu lembro... É com respeito a mostrar a seriedade de algumas investigações... Que eles estavam fazendo...O Governo responsável das investigações... Estava fazendo algumas reclamações... E a outra coisa... É com respeito ao Fortaleza e ao Ceará... Os dois times que iriam se enfrentar... Então as pessoas... Elas estavam... Os torcedores estavam querendo assim a briga, né?... Brigando... Por querer saber qual era o melhor time... Alguns pareciam ser brincadeira... Mas isso é uma brincadeira perigosa... E pelo que mais foi explicado... É que alguns do Ceará estavam fazendo algumas reclamações... Estavam com raiva... Chateados... Também assinaram alguns documentos... E o governo se reuniu para fazer um treinamento para saber o que é que poderia ser observado nisso...

HS3:... A gente vê a respeito das informações aqui do Brasil... Quatro pessoas foram presas... E haviam comprado alguns caminhões... Que estavam sobre algum lugar... Eles compraram esse caminhão... Mas a investigação encontrou e os prendeu... Até mostrando assim e fazendo essa divulgação... Que foi o que a gente viu no Jornal essas pessoas sendo pegues em flagrante... No flagra... Só isso... Também o futebol...

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Fortaleza e Ceará... Os torcedores... Eles estavam realmente fazendo aquela discussão sobre qual era o time que iria ganhar... Momento do telejornal: ESCALADA Forma de Exibição: COM LIBRAS MS1:...Como a gente é surdo... A gente não consegue entender o que está sendo dito na televisão...Quando... Se tem um intérprete de língua de sinais no cantinho da tela... Eu sinto que é bem melhor... A gente tem mais interesse em saber o que é que está sendo dito ali... HS3:... O intérprete de Língua de Sinais é bem melhor... Quando ele está no cantinho da tela...Porque isso tem tudo a ver com o surdo... O surdo...Como é ele tem a sua própria língua que é a língua de sinais... Quando tem intérprete de língua de sinais... A gente entende melhor e aprende melhor... HS2:... Nós que somos surdos e não ouvimos...Quando existe a sinalização... Estando nas redações... A gente fica bem mais satisfeito com isso... Que os surdos... Como já sabemos... Eles não escutam... E é diferente dos ouvintes... E quanto à sinalização... Isso é próprio dos surdos... MS2:... Na TV quando tem a conversação em Língua de Sinais... Nós que somos surdos... Eu fico pensando: – Puxa vida! Como é que pode! A família às vezes tenta nos ajudar para entender o que está sendo dito... Mas é complicado... Eu acho que seria bem melhor que as empresas batalhassem para conseguir intérpretes... E isso é possível!... E a gente fica tão feliz quando vê um intérprete no cantinho da tela porque a gente fica mais assim interessado em saber o que é que está se passando... E é possível que se coloque intérprete de língua de sinais pra gente se sentir interessado em saber o que é que está passando. HS1: NÃO PARTICIPOU COM OPINIÕES NESSE MOMENTO DA PESQUISA.

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Momento do telejornal: ULTIMAS NOTICIAS SOBRE ASSALTO AO BANCO CENTRAL DE FORTALEZA Forma de Exibição: SEM LIBRAS HS3:... Eu entendi o quê pela reportagem?O que será que estava tendo ali? Como eu não escuto... Não dava para eu entender porque não tinha um intérprete... Quando se coloca um intérprete... Fica bem melhor... Mas, sem ele não... É bem difícil a gente poder entender... A gente tem mais é que batalhar... Se esforçar... Para conseguir essas coisas que é própria dos surdos... O intérprete dentro da janelinha na televisão...

MS1:... Antes... O que estava tendo ali na reportagem...Eu também não entendi o que é que tava havendo... Nem da programação do que seria o Jornal...

HS2:... A reportagem... O que é tava acontecendo ali?... Algumas pessoas do governo... São os deputados que estavam fazendo algumas reclamações... E num entendi muito bem não... Eu não vi direito...

HS1:... Na reportagem... O que é que tá havendo ali?... Eu sou surdo e então eu não entendi o que é que tava tendo... Eu fiquei com alguma dúvida do que eles estavam falando... Mas seria, por exemplo... Parece que a Polícia Federal... Como é que ela foi... Pegou algumas pessoas... Se já pegaram algumas pessoas... Mas o que é que estava acontecendo... Precisava dar uma divulgação, um aviso... Que isso é importante, tanto no Brasil, como no mundo todo...

MS2:... Bem, quando começou a reportagem, pensei: – o que era que tava passando?... Eu não entendi direito... São coisas importantes... Mas, o que era aquilo?... Alguns riscos? Alguns perigos?... Eu num entendi... Eu sou surda... Então... Para clarear mais... Eu vi parece que tinha, no caso, a Polícia Federal... Ela parece que tava organizando algumas coisas... Aí depois que eu vim entender... Mas, na verdade... Eu não estava entendendo bem por ser surda...

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Momento do telejornal: ULTIMAS NOTICIAS SOBRE ASSALTO AO BANCO CENTRAL DE FORTALEZA Forma de Exibição: COM LIBRAS

HS1:... Eu não entendi o que é que tava se passando... Como eu não escuto... Não deu pra eu entender direito, né?... Agora eu senti que... Pelo que eu pude observar... É que foram encontradas algumas pessoas... E já foram presas... E... Quando teve intérprete de língua de sinais, aí eu pude sim entender realmente o que estava sendo dito, né?... Que tinham quatro pessoas escondidas... E já foram presas... Foram pegues já... E lá em Brasília... Foi feita uma investigação... E encontrou isso... Pronto... Só!... Só isso.

HS3:... Eu não entendi antes o que é que tava se passando... Eu não escuto! ... Como eu sou surdo, como é que eu vou entender?... Agora eu pude observar depois... Como já teve um intérprete de língua de sinais, já foi colocado um intérprete, eu pensei: – Puxa vida! Agora deu pra eu ter uma compreensão melhor!... Porque já estava ali sendo usando a língua de sinais que é a que eu entendo... Eu pude observar que quatro pessoas foram presas e que em Brasília... Já estava sendo feita uma investigação sobre o assunto... Só isso... Obrigado... MS1:... Antes quando eu tava vendo ali... Só pelo que estava me dizendo... Parece, pelo que eu entendi... É que algum dinheiro fora roubado e foi mandado pra São Paulo... É uma confusão... Eu não conseguir entender direito... Eu não tinha como acreditar... Agora, quando teve intérprete... Ah! Agora sim...Eu pude entender, né?... Aconteceu em Belo Horizonte... Quatro pessoas foram presas... Algumas coisas estavam escondidas dentro do pneu do carro que tava dentro do caminhão... E, agora sim, quando eu vi com interpretação... Agora eu pude entender melhor... Essas pessoas passaram cinco dias, enquanto eram analisadas algumas coisas pela justiça... Foi uma prisão que durou cinco dias... E também o responsável pelos carros... Prenderam ele lá... Mesmo tendo algumas dúvidas antes, quando teve intérprete, foi isso, é isso que eu percebi, ok?...

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HS2:... Bem... Pelo que eu pude observar no Jornal... Algumas pessoas foram presas... Foram encontradas no caminhão... Houve uma seriedade em realmente saber o que é correto... E foram presas... Algumas investigações encontraram e prenderam... Outros já ficaram sob vigilância... E viram que alguns carros... Eles deram uma olhada nos nomes que tinham e por isso conseguiram prender essas quatro pessoas... Como... Assim... Como eu sou surdo... Eu pude observar que ficaria bem melhor... No caso dessas investigações... Fazer essas reclamações... Porque tem muita gente que fica apavorada em fazer isso... Elas não gostam de fazer... Elas não querem fazer com medo de algumas coisas, ok?... MS2:... O que é que tava se tratando ali... Alguns riscos... Na televisão... No começo da reportagem... Eu pude observar que tinha um perigo muito grande... E eu fiquei assim surpresa de ver aquilo... Puxa vida! Aqui em Fortaleza... Eu nunca tinha ouvido falar... É vergonhoso... A situação que se tem hoje aqui... Nossa! Como é que pode ter tanto roubo?... A gente fica assim espantando com esse tipo de coisa... É um absurdo... Sinceramente... Por exemplo, no carro... As pessoas estavam lá no caminhão... Depois teve a investigação e se encontrou... Alguns homens que eram assim famosos e tudo... De destaque... E consegue fazer esse tipo de coisa... Agora já conseguiram prender... Mas... Eu fiquei pensando assim: – Como é que pode?... Quando eu fui ver a sinalização... Aí sim!... Foi esclarecido o que realmente eu estava entendendo... Pude aprender... Foi bem melhor... É muito importante... E seria bem melhor se sempre tivesse o intérprete de língua de sinais na janelinha no canto... Momento do telejornal: REPORTAGEM SOBRE EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS CONSIGNADOS Forma de Exibição: RESPECTIVAMENTE, SEM E COM LIBRAS Forma de Apresentação do material pesquisado: DEBATE COLETIVO MS2:... Tem gente que fica pensando... Algumas pessoas que ficam na praça... Percebem que estão sem dinheiro... Vão ao INSS... Alguns ficam falando assim que eles precisam do dinheiro do empréstimo... Alguma coisa assim... Mas... Eles querem colocar que só quem tem direito é quem tem um salário acima de mil reais, mil e

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poucos reais... A gente sabe que isso é complicado... Por exemplo, precisam pagar luz, água, telefone... Os idosos precisam fazer isso... E como é que eles vão fazer? Seria bom que tivesse esse empréstimo para ajudar... Porque...Infelizmente só a família que dá esse subsídio que ajuda essas pessoas a fazerem isso...

MS1:... Agora, eu acho complicado assim... É que parece que eles tratam os idosos como uns bobos, né?... Como uns ingênuos... Que eles pensam assim: “– Puxa vida, eu sozinha? Vou atrás de, por exemplo, fazer algumas coisas, alguma documentação que é necessária?...” Só que assim... Algumas pessoas... Alguns idosos, principalmente... Eles são realmente ingênuos... Eles ficam sem saber de nada do que está acontecendo... E eu acho que até existe alguma roubalheira com respeito a isso, esse dinheiro de INSS, a esses empréstimos, essas coisas assim... É só que esse dinheiro deles deveria ser liberado para ajudar os idosos, por exemplo, quando o idoso vai fazer uma compra em uma loja, é preciso ter e apresentar algumas documentações para mostrar a seriedade dessa compra... HS3:... Isso! ... O problema é que não há divulgação ainda com respeito a isso... O Governo tem que se esforçar... Realmente... Pra poder batalhar para que as famílias... As famílias de idosos... E tudo... Eles possam realmente conseguir... Por exemplo, aqui... Algumas coisas que são disponíveis a esses idosos... Eles têm que ir reclamar e batalhar pelos direitos deles... Então... A gente vê que os problemas estão aumentando ainda mais, mas têm que diminuir... E isso é responsabilidade dos governos...

HS1:... Não mais... Peraí um instante... Ó... Lá no interior, por exemplo, lá no campo... Os trabalhadores rurais que não sabem nada assim... Ficam por lá e, para pegar o benefício de aposentado, vão e dizem: “- Ah! É porque eu moro longe!” E começa: Ai tu, também? Tu, também? E tu? Também?... Então surge uma pessoa que se prontifica para ajudá-los que diz: “- Ah! Num tem problema não! Você me dá o seu cartão com seus dados e o de todo mundo assim... E eu ajudo vocês... Vou lá por vocês, pego o benefício de vocês e depois, quando eu voltar, eu distribuo para cada um de vocês!...” Aí essa pessoa chega ao Banco e pensa: “- Não... É pesado! É muito difícil fazer tudo isso!... Daí começa a fazer uma coisa bem safada de pegar e dar menos do que as

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pessoas deveriam receber... E as pessoas não percebem nada... Ficam caindo nessa conversa, nessa ladainha... Ficam que nem bobos sem fazer nada diante disso... E isso vai passando ao longo dos anos... Aí a Prefeitura vai... Explica... Pede e diz pra evitar... Aí eles caem de surpresa, porque, quando vê... Num sabe mais nada... Acha que não tem mais aquilo... Que não tem mais o benefício... Mas aí... Surge uma pergunta: “– Mas quem foi? O que é isso?...” “... Ah! Sumiu!...”“ – Cadê? Quem foi que pegou?...” Já foi atrás... Já sumiu... Aí num tem como pegar... O pessoal tem que lutar pra expulsar esse tipo de coisa... Acabar com esse negócio dos atravessadores lá no interior... Tem que acabar com esse tipo de coisa... A pessoa tem que ir sozinha... Direto no Banco... Num tem que pedir ajuda a ninguém... A aposentadoria é dela... É mais seguro ela ir só... Num pode pedir ajuda... À família, dentro da família... Uma coisa assim... Tem mais cuidado... Dentro da família, vai acontecer assim mais esse cuidado... Porque assim vai conseguir evitar esse tipo de coisa...

HS2: NÃO PARTICIPOU COM OPINIÕES NESSE MOMENTO DA PESQUISA.

Momento do telejornal: NOTICIA LOCAL SOBRE ESPORTE Forma de Exibição: COM LIBRAS

HS3:... Ah... É bem melhor com a língua de sinais na telinha... É chegaram do Rio... Em Fortaleza...O time do Fluminense... E o time do Fortaleza conseguiu vencer o outro time... E o Romário, quando foi dar a entrevista...O microfone bateu na boca dele e ele não quis falar, né?... Só que... Já tinham vencido já... HS1:... O time chegou do Rio... Chegaram aqui em Fortaleza... As pessoas que viram esse time que chegou... Já ele tinha disputado com o Fluminense...Ganhou do Fluminense...O time realmente se mostrou como um time bem forte... Foi uma competição bem acirrada e eles venceram... Foi ótimo... Excelente... E o Romário quando foi ele dar a entrevista, o microfone bateu na boca dele... E ele acabou decidindo não comentar mais nada a respeito do assunto... E acabou saindo e foi embora pro Rio... Voltou pro Rio... Tchau – tchau... Beijinho pra ele...

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HS2:... O Fortaleza foi jogar, né?... Houve algumas situações... Do drible... Do futebol, lá... Que a gente pôde observar na ocorrência do jogo... Tinha uns que, com o treino... Com a prática do esporte... Passaram até a obter fama depois disso... Caso de gente famosa que a gente conhece é o Romário... Que foi fazer a reportagem... Só que o microfone bateu na boca dele... E depois até parecia assim que eles queriam assim estimular o time... Só que tinha que ter paciência... Fizeram algumas divulgações... Alguns avisos... Pra competição que seria, no caso, hoje... Alguns reclamam... E no caso, do Romário que... Já bateu o microfone bateu na boca dele... Vou ficar com saudade... E, vamos assim... Vimos que o Fortaleza já venceu... Isso é o que é importante... Hoje, o Fortaleza já tem feito as suas reclamações e isso tem sido visto muito por aí afora... ...Na primeira explicação... Primeiramente... Quero avisar que... Como eu sou surdo... Não sabia o que é que tava se passando ali... Na segunda explicação, em que já teve notícias com... Com... Sem língua de sinais... Também não entendi nada sem a língua de sinais... Não vi nenhuma seriedade nesse aspecto... Eu quero que faça uma adaptação e coloque assim as informações acessíveis... Mas assim... Eu fico meio triste... Tem que ter paciência... Eu, realmente, não entendi nada... ... Antes...Então era preciso ter um pouco de paciência com os avisos... Dos treinos... Na certa, tem que ver o que acontece com os times... Quando eles vão para uma competição... Às vezes as pessoas até dizem que eles são uns coitados... Depois voltam... Divulgam a competição que vai ter...Colocam lá a identidade... As pessoas para entrarem lá... Onde é pra ser... Elas fazem um treinamento... Eles percebem... Colocam aquilo como se fosse uma teoria... Fazem a prática... E conseguem progredir com isso... E voltam a ser estimulados... Porque alguns pareciam ser assim tão velhos... Tão cansados... Mas não... Tem que dar um estímulo para que elas possam... Realmente assim... Vir a fazer as suas práticas... Porque parece assim que são uns desocupados... Não tem o quê fazer... E isso não é bom não... Tem é que haver motivação para eles voltarem a se estimular... Pra fazer essas competições... Porque assim... Uma competição de zero a zero é a mesma coisa que perder...

MS1: NÃO PARTICIPOU COM OPINIÕES NESSE MOMENTO DA PESQUISA.

MS2: NÃO PARTICIPOU COM OPINIÕES NESSE MOMENTO DA PESQUISA.

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